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União estável e casamento O paradoxo da superacao

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União estável e casamento: o 
paradoxo da superação – uma 
resposta a Rodrigo da Cunha Pereira
Cristian Fetter Mold
Este texto, escrito com profundo respeito pelo amigo, tem por objetivo dar 
seguimento aos temas levantados, além de criticar, de forma construtiva, 
obviamente, algumas das ponderações feitas.
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
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No dia 3 de novembro, Rodrigo da Cunha Pereira, advogado, presidente 
nacional do IBDFAM-DF, a quem admiro pessoal, profissional e 
academicamente há quase 20 anos, publicou em sua página e na rede 
social Facebook o instigante artigo "União Estável e Casamento: o paradoxo 
da igualdade", onde manifesta, com notável e admirável humildade para um 
jurista tão experiente, sua dúvida sobre ser realmente bom estabelecer as 
regras para as uniões estáveis em similitude com o casamento.
O endereçamento do artigo é claro, como sói acontecer nos textos do 
Rodrigo, o julgamento do RE 878.694, em que o Supremo Tribunal julga a 
legitimidade de se conferir tratamento desigual a cônjuges e companheiros, o 
que ocorre com a aplicação do artigo 1.790 do CC/02, criticado fortemente 
pela doutrina especializada desde o seu nascedouro, e que agora, após sete 
votos positivos dos componentes da Corte Suprema, parece fadado a ser 
expungido do nosso ordenamento.
Este texto, escrito com profundo respeito pelo amigo, tem por objetivo dar 
seguimento aos temas levantados, além de criticar, de forma construtiva, 
obviamente, algumas das ponderações feitas.
Em seu artigo, Rodrigo considera saudável que as diferentes formas de 
constituição de família preservem suas peculiaridades, sem que isto signifique 
a superioridade de uma sobre a outra.
Razão assiste ao autor e assim tem sido em nosso ordenamento, a partir do 
momento em que a CF/88 pavimentou o caminho para o reconhecimento de 
outras formas de conformação familiar. Não fossem as veredas abertas pela 
Carta Magna atual, e não poderíamos estar falando em famílias homoafetivas, 
famílias mosaico, famílias monoparentais, anaparentais, poliafetivas, 
unipessoais e tantas outras formas, todas com suas particularidades e sem 
hierarquia alguma entre elas.
Isso porque a Família, conforme dito pelo próprio Rodrigo em seu 
"Concubinato e União Estável" (Belo Horizonte: Del Rey. 1997, pág. 24), cuja 
cópia carinhosamente autografada tenho em mãos neste momento, a "Família 
não é um fenômeno natural”, mas sim uma construção cultural. O elemento 
que funda a família é o "elo psíquico estruturante, dando a cada membro um 
lugar definido, uma função". E arremata, lapidar: "É nesta Estrutura familiar, 
que existe antes e acima do Direito, que devemos buscar, para sermos 
profundos, o que realmente é uma família, para não incorrermos em 
moralismos e temporalidades que só fazem impedir o avanço da ciência 
jurídica". 
Voltando ao "Paradoxo da Igualdade", no texto de ontem, Rodrigo continua, 
asseverando que hoje a única diferença entre o casamento e a união estável 
restou fundamentalmente no fato de ser o cônjuge herdeiro necessário e o 
companheiro não, entendendo que é razoável que tais diferenças 
permaneçam. Isto não significa, segundo ainda o autor, a prevalência de uma 
sobre a outra, mas é exatamente essa diferenciação: que dá a possibilidade 
de escolha ao casal de constituir uma família, sem que o cônjuge seja 
necessariamente herdeiro. É esta diferença, portanto, que pode garantir a 
liberdade, um dos pilares de sustentação do Direito Civil.
Não podemos concordar com estas considerações. Em primeiro lugar, 
existem outras diferenças entre União Estável e Casamento, as quais talvez 
jamais deixem de existir, sem que isso signifique uma superioridade de um 
Instituto com relação ao outro, como podemos exemplificar abaixo, em uma 
lista que não se mostra fechada:
a) As formalidades para se ingressar no casamento e na união estável são 
diferentes;
b) O casamento produz seus efeitos, em regra, a partir da cerimônia válida; a 
escritura de união estável pode ter efeitos retroativos;
c) Os cônjuges podem firmar um pacto antenupcial, algo vedado aos 
companheiros;
d) Os cônjuges possuem a possibilidade de pleitear a anulação de seu 
casamento, com base nos artigos 1.550 a 1.561 do CC; os companheiros 
não;
e) Os cônjuges estão sujeitos ao cometimento dos chamados "Crimes Contra 
o Casamento" (arts. 235 a 240) do Código Penal; os companheiros não 
estão. 
Ademais, parece-nos evidente que, mesmo no casamento, a depender do 
regime de bens, o cônjuge não é colocado na condição de herdeiro, como por 
exemplo no regime da comunhão universal. Assim, bastará aos 
companheiros, em sua escritura de união estável, optarem por este ou outro 
regime de bens em que somente a meação seja devida ao sobrevivente e o 
companheiro também não será herdeiro. A liberdade dos casais em optarem 
por um ou outro regime e submeterem-se às suas consequências permanece 
intocada.
Já quanto ao fato de o herdeiro casado ser considerado um herdeiro 
necessário e o companheiro não, esse sim é um tratamento desigual o qual 
não tinha cabimento, como diz nossa querida amiga, a quem citarei pelas 
dezenas de autores que comungam da mesma opinião, Maria Berenice Dias 
(Manual das Sucessões: RT, 2016, pág. 76): Este tratamento diferenciado 
não é somente perverso. É flagrantemente inconstitucional. A união estável é 
reconhecida como entidade familiar pela CF (CF 226, §3º) que não concedeu 
tratamento diferenciado a qualquer das formas de constituição da família.
Então, seguindo, nesta linha de pensamento, e concordando em gênero e 
número com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, o regime 
sucessório sempre foi conectado à noção de família sendo, portanto, 
"inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e 
companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime 
estabelecido no artigo 1.829 do CC/02".
Tal equiparação não implica, como já exposto, em uma igualdade completa 
entre união estável e casamento, tornando-os indistinguíveis. Diferenças 
continuam e continuarão a existir. Mas se por ambas as figuras, escolhidas ao 
talante dos contraentes, chega-se a uma entidade familiar protegida 
constitucionalmente, não cabe ao legislador infraconstitucional, distingui-las 
no campo sucessório. 
Na verdade, o que propomos neste artigo é que o "Paradoxo da Igualdade" 
proposto por Rodrigo da Cunha Pereira, ainda que não concordemos com o 
termo em sua integralidade, pode ser um caminho para uma superação do 
Casamento Civil pela União Estável. Teríamos então um "Paradoxo da 
Superação", no qual um instituto sobrepõe-se ao outro e acaba por tomar seu 
lugar (por que não?). 
A União Estável vence no final? Não sabemos ainda, mas para fechar essa 
contribuição aos debates, partamos de duas premissas, as quais considero 
verdadeiras.
Primeira: no momento em que se dá início no Brasil a uma lenta separação 
entre Estado e Igreja, logo após a Proclamação da República, o país adota 
legislação criando, talvez na falta de um nome melhor, o "casamento civil", 
instituto de inegável inspiração canônica, cujas alterações ao longo dos 
tempos, sempre foram verdadeiras epopeias, exatamente pelas inevitáveis 
comparações com o casamento religioso.
Basta lembrarmos da luta pela dissolubilidade do casamento pelo divórcio e 
pelo reconhecimento da possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo 
sexo. Não pode haver dúvidas que o fato de estarmos tratando do casamento 
civil, jamais impediu que a palavra "casamento" inspirasse as correntes mais 
conservadoras do Direito e da sociedade de se colocarem contrárias a tais 
mudanças, com argumentos que levavam a crer que o legislador pretendia, 
na verdade, alterar o Código Canônico ao invés da legislação civil.
Em segundo lugar, precisamos sempre lembrar que nesta perspectiva 
histórica,as relações não matrimoniais sempre foram vistas de modo torto 
pela sociedade e pelo Direito, sendo chamadas de "concubinárias", não se 
conferindo a elas quaisquer direitos. E mesmo após a CF ter alçado-as a 
categoria de entidades familiares, certas desequiparações injustas levavam-
nos a chamá-las (não sem pesar) de "entidades familiares de segunda 
classe", algo que com o tempo, e com muita luta, inclusive de entidades como 
o IBDFAM, se foi resolvendo.
Assim, entendo que tendo chegado ao estado de coisas atual, talvez 
estejamos assistindo ao início de um verdadeiro embate, em que não a união 
estável esteja em xeque, mas sim o próprio instituto "casamento civil". Talvez 
no futuro, as uniões estáveis superem o casamento civil. Talvez não. Como 
saber? A união estável deixou de ser o "patinho feio" do Direito de Família. 
Será que se transformará em uma entidade que supere e substitua o 
casamento civil? O tempo dirá.
De qualquer modo, entendo que manter a validade do artigo 1.790, isso sim 
significa "matar" pouco a pouco a união estável, desestimulando os 
contraentes a adoção de uma entidade familiar perfeitamente válida por conta 
das graves consequências para o companheiro supérstite, todas muito bem 
conhecidas por nós.
Que o julgamento continue logo e que seja onze a zero. Que este artigo seja 
entendido, sempre, como uma homenagem ao querido Rodrigo da Cunha 
Pereira, em toda a sua inestimável contribuição ao Direito de Família 
brasileiro. E que os debates continuem.
__________
*Cristian Fetter Mold é advogado, professor, membro do IBDFAM - Instituto 
Brasileiro de Direito de Família.

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