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57 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Unidade II 5 A POESIA DE LÍNGUA INGLESA: MODERNISMO E DIFERENÇA 5.1 A poesia do Modernismo na Irlanda, Grã-Bretanha e Estados Unidos Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 37) observam que a palavra “modernismo” pode ser utilizada para se referir à poesia escrita na primeira metade do século XX entre o período vitoriano e o posterior à Segunda Guerra Mundial. Através de sua fragmentação e elipse, a poesia do Modernismo quebra com a coerência formal materializada por meio da métrica, da rima, da continuação do tom da poesia e das figuras da linguagem. Desse modo, a Modernidade é afirmada não somente por meio da forma, como acrescentam os autores, mas também por meio dos temas que a afastam dos tópicos da poesia vitoriana e do Romantismo. Assim, em vez de lamentar o fim do século XIX, Ezra Pound o repudia. No manifesto à avant-garde no jornal, significativamente chamado de Blast! (explosão), Pound grita: BLAST years 1837 to 1900 Como outros manifestos, o texto de Pound critica a poesia que tenta perpetuar os valores vitorianos. Como veremos a seguir, a poesia do Modernismo começa em 1910 com a publicação do poema The Love Song of J. Alfred Prufrock, de T. S. Eliot, os poemas imaginistas de H.D. e Pound e os poemas experimentais de Gertrude Stein e Mina Loy. Por sua vez, todos esses poemas foram acompanhados por manifestos que proclamavam uma nova estética. Observação Ezra Pound é um dos nomes mais salientes da literatura do Modernismo. Ele é o autor da famosa frase “make new” – “tornar novo”. Por meio dela, o autor proclama a necessidade de renovar a arte em geral e a literatura, em particular. Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 38) acrescentam que uma nova distinção emergiria com o “Alto Modernismo” (High Modernism) com sua poesia obscura, alusiva e intelectual, que se exemplifica com The Waste Land (1922), de T. S. Eliot e Hugh Selwyn Mauberley (1920), de Ezra Pound. Essas manifestações literárias vão um passo à frente da poesia de William Butler Yeats, na Irlanda, D. H. Lawrence, na Inglaterra, e Robert Frost e Wallace Stevens nos Estados Unidos. 58 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II 5.1.1 Tornar novo Como é sabido, a preocupação com o novo se articula no slogan de Ezra Pound “make it new” (“tornar novo”). A coerência formal, as regras métricas e as leis dos gêneros literários devem ser quebradas ou mudadas para se acomodarem aos novos tempos. Assim, a convenção do poema que se parece com uma pedra preciosa – “a gem-like poem” – é deixada de lado em favor da “poesia do presente”, como falava Lawrence (apud RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 39). Essas mudanças foram o resultado de vários fatos. Primeiramente, Freud publicou, em 1900, A Interpretação dos Sonhos; e rapidamente a psicologia começou a mudar a maneira como as pessoas entendiam a racionalidade, o Eu e o desenvolvimento pessoal. Simultaneamente, obras como The Golden Bough (1890), de Sir James Frazer, começaram a mudar o conceito de cultura, religião e mito. Assim, mitos dos deuses da fertilidade, que representavam a morte e o renascimento da civilização contemporânea, começaram a permear a poesia de Yeats, Eliot, Pound e Stevens. O interesse dos poetas no “novo” deve-se também às rápidas transformações do dia a dia do começo do século XX devido a invenções e descobrimentos como a eletricidade, o cinema, o rádio e o aço – metal barato para a construção de novos arranha-céus (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 41). Ainda mais importante, esse foi o momento da revolução científica exemplificada pela Teoria da Relatividade, de Einstein (1905). Esses fatores refletem-se no que T. S. Eliot (1989, p. 67) chamou de “a despersonalização da arte”. Assim, o “tornar novo”, resposta ambivalente dos poetas e artistas, foi o resultado das transformações trazidas pela ciência. Todas essas mudanças se refletiram não somente na forma e nos temas da poesia, mas também em quem escrevia poesia. Assim, como veremos, será nessa época de “make it new” que surgirão movimentos literários que mostrarão a diversidade cultural, como o movimento afro-americano Harlem Renaissance e o Objetivista. Os poetas desses movimentos trouxeram para a poesia experiências, vocabulários e identidades sociais totalmente novas. No mesmo período, começaram a surgir mulheres poetisas, como Gertrude Stein, H.D., Loy (Hilda Doolittle), Marianne Moore, Amy Lowell, Edith Sitwell e Laura Riding. Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 41) explicam que essa mudança de gênero na escrita da poesia, que tinha sido, até então, tradicionalmente masculina, deveu-se ao ingresso das mulheres na educação superior, ao enfraquecimento do código vitoriano e à entrada das mulheres no âmbito do trabalho, devido à falta de mão de obra masculina resultante da Primeira Guerra Mundial. Observação Após muitas lutas, as mulheres norte-americanas tiveram acesso ao voto em 1920, enquanto, na Grã-Bretanha, as mulheres de mais de trinta anos começaram a votar em 1918 e as de mais de vinte e um, apenas em 1928. 59 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA 5.1.2 A literatura irlandesa: a renovação da literatura inglesa Muitos poetas, dramaturgos e romancistas são estudados como parte da tradição inglesa sem, contudo, serem ingleses. Dentre eles estão os irlandeses William Butler Yeats, Oscar Wilde, George Bernard Shaw e James Joyce. Contudo, entendemos ter sido justamente a oposição desses artistas ao domínio inglês a origem das novas vozes que contribuíram para uma renovação da tradição inglesa. 5.1.3 William Butler Yeats Como no caso do romance, com Henry James e Joseph Conrad, na poesia há um nome que se destaca e se diferencia dos poetas vitorianos, porque prenuncia o Modernismo: o do irlandês William Butler Yeats (1865-1939). É interessante notar que, no final do período vitoriano, a literatura renova-se com romancistas e poetas que escrevem em língua inglesa, mas se diferenciam pela sua cultura de origem. Por toda sua admiração pelos ingleses, Henry James era de uma ex-colônia, os Estados Unidos. Yeats, por sua vez, começou a escrever quando a República de Irlanda era ainda parte do Reino Unido, tendo acompanhado o processo de independência irlandês, tema frequente em sua poética. Como James, Yeats foi um poeta dividido entre dois séculos. Começou à maneira dos poetas vitorianos, mas tentando estabelecer seu próprio estilo, escrevendo versos de arrebatadora beleza lírica. Tornou-se um dos maiores poetas do século XX, cuja influência perdura até os nossos dias. Embora educado na tradição dos poetas românticos ingleses, cedo Yeats descobriu a literatura irlandesa, que daria origem ao Renascimento Irlandês, que pode ser traduzido como o movimento de resistência, através da cultura, ao poder inglês. Observação O Renascimento Irlandês (Irish Revival) é um movimento artístico do final do século XIX e princípio do século XX baseado na recuperação da arte gaélica (arte irlandesa anterior à chegada dos ingleses), que serviu de inspiração ao nacionalismo irlandês. Esse movimento cultural foi de grande importância para a Revolta da Páscoa (Easter Rising) e para o estabelecimento do Estado irlandês livre em 1921. Yeats percebeu que a Irlanda poderia achar em sua própria história os meios para alcançar independência de pensamento, para ele tão ou mais importante do que a independência política. Seu objetivo era construir uma tradição literárianacional que, embora escrita em inglês, fosse irlandesa em espírito, e fizesse os irlandeses se sentirem orgulhosos da sua cultura e identidade nacional, como revela a primeira estrofe do poema To Ireland in the Coming Times (1892): 60 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Know, that I would acounted be True brother of a company That sang, to sweeten Ireland’s wrong, Ballad and story, rann and song; Nor be I any less of them, Because the red-rose-bordered hem Of her, whose history began Before God made the angelic clan, Trails all about the written page. When time began to rant and rage The measure of her flying feet Made Ireland’s heart begin to beat; And Time bade all his candles flare To light a measure here and there; And may the thoughts of Ireland brood Upon a measured quietude (YEATS, 1988, p. 3). Com a chegada do século XX, a poesia de Yeats entra em um período de renovação e adere ao desejo de “tornar novo” dos escritores do Modernismo. Da perspectiva de um homem maduro, sua poesia se destaca pela maestria no uso da linguagem, e vai articular um período de mudanças históricas na Irlanda, com toda a sua violência, paixão, amor e ódio. Yeats faz uma dura crítica ao nacionalismo radical, e essa postura se reflete nos versos de seu poema Remorse for Intemperate Speech (1931): Out of Ireland have we come. Great Hatred little room, Maimed us at the start. I carry from my mother’s womb A fanatic heart (YEATS, 1988, p. 53). Foi o seu gênio criador que ajudou Yeats a lidar com os temas de sua época na Irlanda: a revolução, a guerrilha, a guerra civil e a criação de um novo Estado. Todas essas temáticas, aliás, aparecem articuladas com maestria em outro de seus poemas, The Second Coming (1919): Turning and turning in the widening gyre The falcon cannot hear the falconer; Things fall apart; the centre cannot hold; Mere anarchy is loosed upon the world (YEATS, 1988, p. 246). Yeats tornou-se membro do senado da República da Irlanda em 1922 e recebeu o Prêmio Nobel de poesia em 1923. 61 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA 5.2 Em foco: o teatro Passando pelo teatro, não podemos deixar de mencionar Oscar Wilde. Ele inaugura o teatro vitoriano após sua longa estagnação desde a época da restauração. Suas comédias de costumes continuam a ser encenadas e algumas delas, como The Importance of Being Earnest e An Ideal Husband, têm sido adaptadas para o cinema inúmeras vezes. O que as caracteriza é a ironia com que Wilde recria a sociedade vitoriana – embora, apesar da audácia em alguns aspectos, os casamentos no final das peças reafirmem, sem sombra de dúvidas, os valores da sociedade burguesa vitoriana. Quem provoca uma reviravolta no teatro do final do século na Inglaterra é outro irlandês, também radicado em Londres, como Wilde: George Bernard Shaw (1856-1950). Suas peças se organizam em dois grupos: “peças prazerosas” (pleasant plays): Arms and the Man (1894), Candida (1897), The Man of Destiny (1897), You Never Can Tell (1899) e “peças não prazerosas” (unpleasant plays): Widower’s Houses (1892), The Philander (1905), Mrs. Warren’s Profession (1902). Nos passos do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) e diferentemente de Wilde, Shaw muda a temática das peças com o intuito de forçar a audiência a enfrentar os temas “não prazerosos” da sua sociedade. Problematizando a teoria de Wilde, que defendia a “arte pela arte”, Shaw acreditava que a verdadeira arte não era necessariamente prazerosa: o escritor não escrevia por amor à arte, nem para exemplificar uma moral sem questionamentos, mas para compreender que moral era essa. Também da Irlanda veio um importante movimento no teatro: o Celtic Revival. Esse movimento, parte do Renascimento Irlandês, era liderado por William Butler Yeats e Lady Gregory. Como vimos nos poemas de Yeats, esse movimento cultural tinha como objetivo criar uma consciência nacionalista pela via da cultura irlandesa e não por meio de violência. Entre as peças mais destacadas de Yeats, pode ser mencionada The Countess Cathleen, na qual a Irlanda é a personagem principal. Outros dois dramaturgos irlandeses de grande relevância por suas críticas sociais são John Millington Synge (1871-1909), com sua peça The Playboy of the Western World, e Sean O’Casey (1880-1964), com Juno and the Paycock. Destaca-se também o teatro do absurdo, cuja figura central é Samuel Beckett. Sua peça Waiting for Godot (1953) é uma análise da condição humana atual e da inútil busca por algo que dê sentido à vida. 5.2.1 Outros dramaturgos e poetas Entre os poetas, merece ser destacado o galês Dylan Thomas (1914-1953), cuja obra trouxe nova força para uma arte que, sob a influência de Eliot, se tornava marcadamente intelectual. Nos últimos cinquenta anos, romancistas ingleses, como David Lodge, Julian Barnes, Muriel Spark, Ian McEwan e Kazuo Ishiguro têm compartilhado o cenário literário com os escritores provenientes das ex-colônias, como estudaremos logo mais. 62 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II 5.3 Modernismo na Grã-Bretanha Como já mencionamos, quem vai produzir uma quebra radical com a forma é o poeta norte- americano residente na Inglaterra e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1948 T. S. Eliot (1888- 1965), com seu poema The Waste Land (1922) que, como seu nome indica, retrata a Europa despedaçada após a Primeira Guerra. No nível formal, a sua forma fragmentada deve-se à marcada intertextualidade com narrativas de diferentes tempos e lugares. Nesse sentido, o poema funciona como um hipertexto: a relação entre vários textos, cujo significado depende da maneira como são relacionados através das diferentes leituras. O poema está dividido em cinco partes. Os versos da abertura, que, significativamente, chama-se “The Burial of the Dead”, começam com uma alusão a uma paisagem estéril na qual o nascimento de uma flor na terra morta se apresenta não como a feliz chegada da primavera, mas como uma experiência dolorosa, evocando, assim, o terrível esforço da tarefa de reconstrução, após a destruição da guerra: April is the cruelest month, breeding Lilacs out of the dead land, mixing Memory and desire, stirring Dull roots with spring rain (ELIOT, 2015). Outras obras importantes de Eliot são The Love Song of J. Alfred Prufrock (1915) e The Four Quartets (1943). Eliot também foi dramaturgo e, entre suas peças, podemos mencionar: Murder in the Cathedral e The Cocktail Party. 5.4 Os poetas do modernismo norte-americano Ezra Pound (1885-1972) foi um dos poetas mais destacados do Modernismo. Durante sua estada na Europa (1908-1920), esteve em contato com muitos escritores de renome, entre eles o poeta irlandês William Butler Yeats. Pound revisou e melhorou o poema The Waste Land, do escritor T. S. Eliot. Pound foi o representante principal da escola poética do Imagismo, que era a favor de uma apresentação clara e visual. Ele queria encontrar beleza nas coisas simples. Os princípios do Imagismo envolviam evitar o uso supérfluo de palavras; deveriam ser usados apenas os adjetivos que revelassem alguma coisa de importância; da mesma maneira, devia ser evitado o uso de abstrações e incentivada a expressão direta dos temas através de figuras concretas. Segundo Pound, a composição deveria seguir o ritmo da música. Pound era contra o uso de metáforas ou símbolos que remetessem o leitor a algum referente fora do poema. Para ele, o poder da poesia era produto da linguagem e não do contexto social. Ele era, no entanto,a favor da justaposição de elementos díspares. Essa técnica é exemplificada no seu hai-kai In a Station of the Metro (1913): 63 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA In a Station of the Metro The apparition of these faces in a crowd; Petals on a wet, black bough (POUND, 2015). No poema, que tem a concentração pictórica dos ideogramas chineses ou dos poemas japoneses, haikai, os dois elementos – rostos e pétalas – são paralelos e se relacionam de maneira sincrônica. A estratégia retórica utilizada é o símile, e não a metáfora, na qual um elemento significa um outro. Pound acreditava que o poema deveria capturar o instante em que um objeto exterior tornava-se uma experiência subjetiva. Para ele, era essa a essência da poesia do Modernismo, a união do objeto e do pensamento, do exterior e do interior (RULAND, 1991). Sua obra mais importante, The Cantos, possui alusões a obras literárias e artísticas de eras e culturas diferentes, o que torna sua leitura difícil. Como Ezra Pound e também T. S. Eliot, Robert Frost (1874-1963), oriundo da Califórnia, mas criado em uma fazenda no nordeste dos Estados Unidos, foi para a Inglaterra atraído pelos novos movimentos poéticos. Seus poemas narram a vida no campo e apelam para a nostalgia do passado, evocada através dos muros de pedra e cercas que dividem os campos, das estradas solitárias, das imagens da colheita de maçãs. Sua poesia era do agrado do público pelo vocabulário simples, pelas metáforas acessíveis e pelo uso de rima. Porém, como a prosa de Hemingway, os poemas aparentemente simples de Frost sugerem um outro nível de significação, como no caso de The Road not Taken: Two roads diverged in a yellow wood, And sorry I could not travel both And be one traveler, long I stood And looked down one as far as I could To where it bent in the undergrowth; Then took the other, as just as fair, And having perhaps the better claim, Because it was grassy and wanted wear; Though as for that, the passing there Had worn them really about the same, And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first another day! Yet knowing how way leads on to ways, I doubted if I should ever come back. I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I— I took the one less traveled by, And that has made all the difference (FROST, 2012, p. 45). 64 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Outro poeta a ser mencionado é Wallace Stevens (1879-1955), nascido na Pensilvânia e aluno de Harvard. Foi um homem de negócios e, ao mesmo tempo, um poeta. Para Stevens, a forma da arte deve corresponder à natureza. Seu vocabulário é variado e o tom de seus poemas, humorístico ou irônico. Alguns dos seus poemas resgatam a cultura popular, enquanto outros criticam a cultura sofisticada. Porém, sua poesia é altamente intelectualizada e ficou conhecida por seus intricados jogos de palavras, e seu caráter simbólico, como no caso do poema Anecdote of the Jar: I placed a jar in Tennessee, And round it was, upon a hill. It made the slovenly wilderness Surround that hill. The wilderness rose up to it, And sprawled around, no longer wild. The jar was round upon the ground And tall and of a port in air. It took dominion every where. The jar was gray and bare. It did not give of bird or bush, Like nothing else in Tennessee (STEVENS, 2007). Neste poema, o fato de o eu lírico ter “colocado uma jarra no Tennesse” traz ordem natural ao caos da existência, porque tudo se acomoda ao redor dela. William Carlos William (1883-1963), como Stevens, também tinha outras ocupações à parte a escrita de poesia. Ele foi pediatra toda a sua vida. Era defensor da linguagem coloquial e trazia para seus poemas os ritmos do inglês norte-americano. Isso ajudou a poesia norte-americana a se diferenciar da poética inglesa com a sua métrica iâmbica, investida de importância desde a Renascença. Williams tratava de temas corriqueiros e encontrava beleza nos objetos simples do dia a dia. Por isso, ele chamou sua poesia de “objetivista”, para sugerir a importância dos objetos concretos. Esse processo se revela no seu poema The Red Wheelbarrow (1923): so much depends upon a red whee barrow glazed with rain water besides the white chickens (WILLIAMS, [s.d.]). 65 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA O poema, no estilo da poesia imagista, tem um caráter pictórico e foca a imagem de um carrinho de mão: a ideia é evitar abstrações e fazer uma representação objetiva de um objeto. O poema, assim, revela o desejo de Williams de escapar de símbolos complexos que separassem a poesia da realidade. 5.5 A poesia norte-americana nas décadas de 1940 e 1950 Na década de 1950, a poesia tradicional norte-americana se distingue pela sua dicção convencional, usando rima ou padrão métrico pré-estabelecido, de grande precisão e de tom realista. Ela vai fazer contraponto com a poesia experimental, que pode ser dividida em cinco escolas: Escola de Black Mountain; Escola de São Francisco; poetas da Geração Beat; A Escola de Nova York; Surrealismo e Existencialismo. Os poetas das escolas mencionadas se inspiraram no jazz e na pintura expressionista abstrata. Eles eram intelectuais de contracultura que se dissociaram das universidades (onde lecionavam os poetas tradicionais norte-americanos, como Richard Wilbur) e criticavam a sociedade burguesa. Na sua busca por novos valores, escreveram uma poesia ousada, de grande originalidade e, às vezes, chocante. Há uma volta para as tradições indígenas norte-americanas. Como no caso do romantismo, esses poetas eram a favor da composição espontânea. Vamos enfocar os poetas Beat, que surgiram na década de 1950, em São Francisco. Os principais poetas da Geração Beat foram Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Essa era uma poesia para ser lida e, por isso, muitos a consideram uma antecipação do rap, predominante na década de 1990. Foi a poesia que mais criticou os valores do establishment da sociedade burguesa e capitalista norte-americana, no sentido de ter perdido a sua inocência, e ter-se corrompido pelo materialismo, como narra Allen Ginsberg no seu poema Howl (1954): I saw the best minds of my generation destroyed by madness, starving, histerical, naked, dragging themselves thorugh the negro streets at dawn looking for an angry fix, angelheaded hippies burning for the ancient heavenly connection to the starry dynamo in the machinery of night, [….] Who were expelled from the academies for crazy & publishing obscene odes on the windows of skull (GINSBERG, 1996, p. 49). 5.6 Canadá 5.6.1 O Modernismo O poeta E. J. Pratt (1882-1964), como aponta Keith (2006, p. 83), é uma figura transicional e o nexo entre os poetas confederados e os modernistas no Canadá, liderados por Ezra Pound e T. S. Eliot na Europa e nos Estados Unidos. Seus poemas apareceram em New Provinces (1936), uma antologia na qual três nomes significativos do Modernismo canadense (A. J. M. Smith, F. R. Scott e A. M. Klein) publicaram seus trabalhos. Contudo, eles têm elementos tanto da poesia Vitoriana, como do Modernismo. 66 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Segundo explica Keith (2006, p. 84), sua posição na poesia canadense deve ser entendida em termos históricos e geográficos. Pratt nasceu na Terra Nova, filho de um pastor metodista;e foi criado em uma comunidade rural, onde as tradições orais eram ainda muito presentes e onde a luta contra as forças da natureza era o foco principal das atividades cotidianas. Logo, emigrou para Toronto, onde estudou filosofia, psicologia e teologia. Como seu discípulo, Northrop Frye foi ordenado pastor. Contudo, em vez assumir o ministério, tornou-se professor universitário. Assim, ele une os séculos XIX e XX, a vida primitiva e rural e a mais sofisticada vida urbana. O tema dos poemas de Pratt tem a ver com o conflito entre o homem e as forças naturais, enquanto sua vitalidade linguística reflete um mundo em que a força e a energia são essenciais. Essa ideia é assim articulada no seu poema The Shark: He seemed to know the harbour, So leisurely he swam; His fin, Like a piece of sheet-iron, Three-cornered, And with knife-edge, Stirred not a bubble As it moved With its base-line on the water. His body was tubular And tapered And smoke-blue, And as he passed the wharf He turned, And snapped at a flat-fish Tht was dead and floating; And I saw the flash of a white throat, And a double row of white teeht, And eyes of metallic grey, Hard and narrow and slit. Then out of the harbour, With that three-cornered fin Shearing without a bubble the water Lithely, Leisurely, He swam— That strange fish, Tubular, tapered, smoke-blue, Part vulutre, part wolf, Part neither – for his blood was cold (PRATT apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 274). 67 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Como em muitos de seus poemas, em The Shark, Pratt retrata a natureza de uma perspectiva cósmica. Aí reside sua originialidade e modernismo: sua reflexão filosófica parte de elementos de seu entorno e tradição. As figuras mais representativas do Modernismo na poesia canadense são os três poetas do chamado “McGill Movement” (nome da universidade da qual foram alunos): A. J. M. Smith (1902-1980), F. R. Scott (1899-1985) e A. M. Klein (1909-1972). A. J. M. Smith fez seu doutorado na Escócia. Nesse período, publicou um artigo intitulado, “Wanted – Canadian Criticism” (no jornal Canadian Forum, em 1928). Nele, o poeta pedia uma crítica modernista que mostrasse aos escritores canadenses o caminho para a estética do século XX e os afastasse do patriotismo moral e comercial que havia se apoderado do Canadá. Smith achava que os escritores canadenses estavam errados porque haviam seguido princípios morais em vez de estéticos e apoiavam escritores que usavam clichês e imagens gastas e triviais. Em sua opinião, a escrita canadense deveria dar relevância ao uso da ironia e não se preocupar tanto com sua posição no espaço ou seu lugar no tempo (apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 366). Esse artigo, como assinalam Bennett e Brown (2002, p. 366), é um importante divisor de águas, marcando a distância entre os que eram a favor da sensibilidade artística do Modernismo e aqueles que apoiavam o objetivo nacionalista de criar uma tradição literária canadense. Foi dessa perspectiva que, ainda sendo professor da Universidade Estadual de Michigan, Estados Unidos (já que, durante a Depressão, não conseguiu trabalho de professor no Canadá), Smith publicou uma antologia de novos poetas canadenses interessados na sensibilidade do Modernismo. Influenciado por escritores como W. Butler Yeats e James Joyce, ele era a favor de uma poesia do intelecto (ao estilo de John Donne no século XVII) e não dos sentimentos, como faziam os poetas românticos. Para ele, o poeta do Modernismo deveria se interessar por questões formais. Assim, aplicou seus principios à literatura nacional canadense, os quais discutiu no prefácio de The Book of Canadian Poetry (1943), livro em que faz distinção entre a poesia “cosmopolita” e “nativa”. Para Smith, os poetas cosmopolitas franceses eram aqueles que davam importância aos elementos tidos em comum com outros poetas de fama internacional, enquanto que os autores nativos só davam relevância ao tipicamente canadense. Enquanto o poeta cosmopolita tratava de transcender o momento colonial, o nativo adotava uma atitude provinciana (BENNETT; BROWN, 2002, p. 367). Esse prefácio deu lugar a novas controvérsias com outro grupo de intelectuais, críticos da poesia “civilizada” e “polida” dos cosmpolitas, defendendo uma arte, vigorosa, de tom proletário, interessada nos assuntos do homem comum. Como apontam Bennett e Brown (2002, p. 367), esse debate já não mais era estético, mas marcadamente político. O Modernismo era criticado por ser antinacional, dar mais importância à Inglaterra e aos Estados Unidos, enquanto a literatura nacional estava profundamente relacionada com a formação de uma identidade nacional e cultural. 68 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Como antologista, Smith ajudou a formar o cânone canadense. Entre as antologias mais famosas, destacam-se The Oxford Book of Canadian Verse (1960), e as antologias de ensaios críticos, Masks of Fiction (1961), Masks of Poetry (1962) e On Poetry and Poets (1977). Nas palavras de Smith, A poem should be a highly organized, complex, and unified re-creation of experience in which the maximum use of meaning and suggestion in the sounds of words has been achieved with the minimum essential outlay of words. A poem is not the description of an experience. It is an experience in itself, and it awakens in the mind of the alert and receptive reader a new experience analogous to the one in the mind of the poet ultimately responsible for the creation of the poem (SMITH apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 368). Um exemplo dessa forma econômica e condensada seria a primeira estrofe de The Lonely Land: Cedar and jagged fir uplift sharp barbs against the gray and cloud-piled sky; and in the bay blown spume and windrift and thin, bitter spray snap at the whirling sky; and the pine trees lean one way. 1926 (SMITH apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 368) 6 A POESIA AFRO-AMERICANA É interessante notar que já desde a época colonial havia algumas vozes que não pertenciam às dos homens brancos e anglo-saxões, como era o caso de Phillis Wheatley (1753-1784), uma escrava afro- americana que foi levada da África para Boston, onde foi comprada por um alfaiate rico, John Wheatley, para servir sua esposa. Em seus poemas, Wheatley afirma a igualdade espiritual entre negros e brancos, ao mesmo tempo em que, indiretamente, critica o racismo branco. A respeito da forma, seus poemas revelam a tradição literária clássica da Nova Inglaterra: On Being Brought From Africa To America It was mercy brought me from my pagan land, Taught my benighted soul to understand That there’s a God, that there’s a Savior too: Once I redemption neither sought nor knew. Some view our sable race with scornful eye, 69 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA “Their color is a diabolic dye.” Remember Christians; Negroes, black as Cain, May be refined, and join the angelic train (WHEATLEY apud LEMAY, 2005, p. 96). Já na segunda metade do século XIX, as narrativas afro-americanas vão se afirmar através de autobiografias, textos de protesto, sermões, poesias e cânticos. A identidade negra começa a se impor nas narrativas de Booker T. Washington, W. E. B. Dubois, Charles Waddel Chesnutt e Paul Laurence Dunbar, entre muitos outros. Observação “Um dos ataques mais sangrentos contra a escravatura nos Estados Unidos foi inspirado por Nat Turner (1800-1831) no verão de 1831 na Virginia. Esse predicador (sobre o que há pouca informação)acreditava que sua missão na vida era salvar seu povo da escravatura. Assim organizou uma revolta no dia 21 de agosto de 1831 que reuniu mais de sessenta escravos e acabou com a morte de cinquenta brancos. A revolta foi controlada e Turner conseguiu escapar por dois meses, quando foi julgado e executado. Isso levou a medidas mais duras contra os escravos. Porém, através do tempo, sua figura teve um efeito carismático para os líderes negros” (INGE, 2005, p. 298). Booker T. Washington (1856-1915) era filho de pai branco escravagista. Foi criado como escravo no estado da Virgínia. Sua autobiografia Up From Slavery (1901) narra sua própria história e sua luta para alcançar uma vida melhor para os afro-americanos. Da mesma maneira, seu discurso Atlanta Exposition Address (1895) foca a sua tentativa de integrar os negros recém-libertos à sociedade norte-americana. W. E. B. du Bois (1868-1963) nasceu na Nova Inglaterra e se formou nas universidades de Harvard e Berlim. Sua obra principal é The Souls of Black Folks (1903). Nele, du Bois discute que, apesar de suas realizações, Booker T. Washington tinha aceitado a segregação, que resultava na inferiorização dos afro-americanos. O autor foi um dos fundadores da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP). A importância de seu trabalho está no fato de ele ter ajudado os intelectuais afro-americanos a redescobrir o valor de sua cultura. Na sua poesia, Paul Laurence Dunbar (1872-1906) utiliza o dialeto dos afro-americanos como uma forma de exibir a sua diferença cultural e o inglês formal como uma maneira de mostrar, ao mesmo tempo, uma imagem diferenciada dos afro-americanos aos norte-americanos brancos (já que os gêneros literários são o elo de comunicação entre o escritor e sua audiência) e a capacidade do afro-americano de se comunicar em qualquer forma da língua inglesa. Embora ele preferisse seus poemas em inglês standard aos compostos em dialeto, uma apreciação favorável do crítico William Dean Howells aos seus poemas em dialeto fez com que seu nome ficasse relacionado a esse uso da linguagem. 70 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II O uso da língua inglesa, assim como sua apropriação e reescrita (nos seus poemas) de textos da cultura branca, como a Bíblia, tornaram-se uma alegoria da resistência, já que os saturava de novos significados, que faziam sentido para a comunidade afro-americana. Um de seus poemas mais importantes e conhecidos é Sympathy, cujo refrão, aliás, tornou-se o título da autobiografia da escritora afro-americana contemporânea, Maya Angelou: I know what the cage bird feels, alas! When the sun is bright on the upland slopes; When the wind stirs soft through the springing grass, And the river flows like a stream of glass; When the first bird sings and the first bud opens, And the faint perfume from its chalice steals— I know what the caged bird feels! I know why the caged bird beats its wing Till its blood is red on the cruel bars; For he must fly back to his perch and cling When he fain would be on the bough-a-swing; And a pin still throbs in the old, old scars And they pulse again with a keener sting— I know why he beats his wing! I know why the caged bird sings, ah me, When his wing is bruised and his bosom sore,— When he beats the bars and he would be free; It is not a carol of joy or glee, But a prayer that he sends from his heart’s deep core, But a plea, that upward to Heaven he flings— I know why the caged bird sings! (DUNBAR, 2004). Nesse poema, Dunbar utiliza a metáfora do pássaro na gaiola para explicar o conflito dos afro- americanos, e o faz através de um tipo de verso diferente, que recria a cadência da língua inglesa, usada pelos afro-americanos, assim como seu próprio passo e ritmo de vida. Mais uma vez, essa apropriação do verso mostra seu desejo de criar uma literatura afro-americana em tema e forma. O irônico é esse duplo sistema de significação se tornar visível só para os membros da comunidade, enquanto passa despercebido pela comunidade branca, que pensa que ele só está “copiando” – e não reformulando – sistemas narrativos já existentes. Ao assim fazer, Dunbar revela o desejo da comunidade afro-americana de marcar sua identidade cultural através de suas diferentes formas culturais. 71 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA 6.1 The Harlem Renaissance: a afirmação da literatura afro-americana Foi o jazz, dos afro-americanos, que deu o nome a essa década: “The Jazz Age”. Destacavam-se músicos como Duke Ellington e cantoras como Bessie Smith. Alguns dos gêneros eram o blues e os negro spirituals. Por sua vez, os escritores afro-americanos que tinham se assentado em Harlem queriam que sua literatura não fosse uma mímica da literatura dos brancos, mas sim uma literatura que recriasse as experiências, gostos e estilos da comunidade afro-americana dos Estados Unidos. Esse foi o objetivo do movimento negro chamado de “Harlem Renaissance” (1919-1929). Assim, a década de 1920 foi um momento de lutas políticas, sociais e raciais que vão se afirmar através das expressões artísticas. O ano 1919 é um momento em que muitos soldados afro-americanos que tinham lutado na Primeira Guerra Mundial voltam para Estados Unidos e têm dificuldades para encontrar empregos. Muitos afro-americanos foram linchados no Sul e, por isso, houve reação da comunidade negra. Houve uma conferência do NAACP pedindo ao governo novas leis que proibissem esse tipo de violência. Em 1920, o líder Marcus Garvey organizou uma convenção no Madison Square Garden da qual centenas de cidadãos negros participaram. Na arte, o dramaturgo Eugene O’Neill estreou a peça The Emperor Jones, na qual o ator principal era afro-americano. Em 1922, o então jovem músico Louis Armstrong vai de Nova Orleans para Chicago e começa a tocar em uma banda. Em 1925, a revista Survey Graphic publica um número especial dedicado aos artistas do Harlem Renaissance, intitulado “Harlem: Mecca of the New Negro”, apresentando a poesia, a ficção e os ensaios dos artistas afro-americanos ao público branco. Nesse mesmo ano, Alain Locke publica The New Negro, antologia na qual foram incluídos retratos fotografados por Winold Reiss. O interessante é que, nessas fotografias, há uma mudança na maneira como os afro-americanos são representados. Os títulos das fotografias não se referem a tipos raciais ou étnicos, mas às pessoas, reconhecidas por suas profissões: Uma Bibliotecária; Duas Professoras etc. Observação Na década de 1920 há exibições de pinturas e esculturas de artistas negros. Em 1927, o músico Duke Ellington começa a tocar no Cotton Club, local onde os músicos eram negros, mas a audiência, branca. Em 1928, aparece o “Harlem Experimental Theatre”. É também nesse período que surgem revistas literárias artísticas, como Fire!!, dedicadas ao Harlem Renaissance, e que os escritores mais importantes desse movimento publicam poesias, contos e romances: Langston Hughes, James Weldon Johnson, Claude McKay, Countee Cullen, Zora Neale Hurston, entre outros. 72 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II 6.1.1 Em foco: a poesia de Langston Hughes Langston Hughes (1902-1967) incorporou na sua poesia os ritmos da música do jazz e do blues, a linguagem coloquial de sua comunidade e temas folclóricos. Ele teve uma atuação relevante no Harlem Renaissance não somente através de sua literatura, mas também de sua ação para abrir teatros e promover eventos de artistas afro-americanos. Escreveu poesia, duasautobiografias – The Big Sea (1940) e I Wonder as I Wander (1956) – e os maravilhosos sketches de sua personagem Jesse B. Semple, através da qual fazia sua crítica social. Em sua poesia, Hughes usa palavras do dialeto negro, incorporando os ritmos do jazz e do blues, e utilizando um estilo coloquial; seu tom é de crítica e profundamente irônico. Através de sua poesia, Hughes discute o conceito de “negritude” (desenvolvido pelos líderes Aime Cesaire e Leopold Sedar Segnhor) e seu orgulho de ser afro-americano, como em seu poema My People, no qual afirma o slogan: “Black is Beautiful”: The night is beautiful, So the faces of my people. The stars are beautiful, So the eyes of my people. Beautiful, also, is the sun. Beautiful, also, are the souls of my people (HUGHES, 1990, p. 43). Um de seus poemas mais famosos e belos sobre a negritude é Negro, que transcrevemos a seguir: Negro I am a Negro: Black as the night is black, Black like the depths of my Africa. I’ve been a slave: Caesar told me to keep his door-steps clean. I brushed the boots of Washington. I’ ve been a worker: Under my hand the pyramids rose. I made mortar for the Woolworth Building. I’ve been a singer: All the way from Africa to Georgia. I carried my sorrow songs. I made ragtime. I’ve been a victim: The Belgians cut off my hands in the Congo. They lynch me still in Mississippi. 73 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA I am a Negro: Black as the night is black Black like the depths of my Africa (HUGHES, 1990, p. 57). Também na sua poesia, Hughes reescreve a poesia democrática de Walt Whitman, mostrando que os afro-americanos também são parte da América. Uma maneira de lutar pela identidade afro-americana é tornar “visíveis” os afro-americanos, garantir que os “outros” não os ignorem, mas reconheçam sua presença, como no poema I, Too: I, too, sing America. I am the darker brother. They send me to eat in the kitchen. When company comes, But I laugh And eat well, And grow strong. Tomorrow, I’ll be at the table When company comes. Nobody’ll dare Say to me, “Eat in the kitchen”, Then. Besides, They’ll see how beautiful I am And be ashamed— I, too, am America (HUGHES, 1990, p. 87). Esse pedido de igualdade para todos os cidadãos norte-americanos deveria se cristalizar através dos direitos civis e da igualdade de oportunidade de trabalho para todos. Seria essa uma maneira para que o “sonho americano” fosse acessível a todos por igual. Muitos afro-americanos tinham emigrado do sul após a Guerra Civil à procura de trabalhos no norte, mas tinham sido confinados ao bairro de Harlem, muitas vezes vivendo em condições precárias e só fazendo os trabalhos que os brancos não queriam fazer. Hughes observava os afro-americanos andando pelas ruas de Harlem, felizes por terem um lugar próprio, mas tristes pelas suas condições. Por isso, Hughes chama atenção ao que acontece quando um sonho é postergado indefinidamente: What happens to a dream deferred? Does it dry up like a raisin in the sun? Or fester like a sore— And then run? Does it stink like rotten meat? 74 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Or crust and sugar over— like syrupy sweet? Maybe it just sags like a heavy load. Or does it explode? (HUGHES, 1990, p. 77). Através de sua poesia, Hughes denunciou a perseguição dos negros no sul por organizações como a Ku Klux Klan, denúncia essa que pode ser vista em seu poema Ku Klux: They took me out To some lonesome place. They said, “Do you believe In the great white race?” I said, “Mister, To tell you the truth, I’d believe in anything If you’d just turn me loose.” The white man said, “Boy, Can it be You’re standin’ there A-sassin’ me?” They hit me in the head And knocked me down. And then they kicked me On the ground. A klansman said, “Nigger, Look me in the face— And tell me you believe in The great white race” (HUGHES, 1990, p. 88). O sistema de segregação de brancos e negros ficou conhecido como as “Leis Jim Crow”, que estavam em vigor nos estados sulistas. Essas leis (que diferiam de estado para estado) estavam a favor de escolas e lugares públicos segregados, e negavam aos negros o direito de votar. No Poema Merry Go-Round, Colored Child at Carnival, Hughes critica as Leis Jim Crow sulistas vistas a partir da perspectiva de uma criança negra em um carrossel em uma cidade do norte: Where is the Jim Crow section On this merry-go-round, Mister, cause I want to ride? Down South where I come from White and colored Can’t sit side by side. Down South on the train There is a Jim Crow car. 75 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA On the bus we’re put in the back— There ain’t no back To a merry-go-round Where’s the horse For a kid that’s black? (HUGHES, 1990, p. 98). 6.1.2 O Black Arts Movement O Black Arts Movement, que surgiu nas décadas de 1950 e 1960, tinha como objetivo transformar a maneira como os afro-americanos eram representados ou retratados na literatura e nas artes dos Estados Unidos. Para isso, os integrantes do movimento se voltaram para a população afro-americana com o intuito de definir seus objetivos em nível social e político. Por isso, a Arte Negra dos anos 1960 é uma expressão politicamente engajada. Larry Neal definiu o Black Arts Movement como uma visão da arte que pensa que o artista não deve se alienar da comunidade, mas ser porta-voz dela. Desse modo, é o lado espiritual e estético do movimento Black Power, movimento com o qual tinha em comum o ideário nacionalista que pedia a autodeterminação e o reconhecimento dos afro-americanos como parte da nação norte-americana O Black Arts Movement era a favor de uma arte que falasse diretamente às necessidades e aspirações dos Estados Unidos negro. Assim, seu objetivo era criar uma estética negra que fosse reconhecida como tal. Um dos poetas e escritores mais importantes nessa época da tradição afro-americana é Amiri Baraka (1934-2014), que também escreveu peças de teatro e teve uma ativa participação na política norte- americana. Foi ele quem primeiro usou o termo “black arts” com uma conotação positiva para identificar essa estética afro-americana: We are unfair And unfair We are black magicians Black arts we make in black labs of the heart The fair are fair and deathly white The day will not save them And we own the night (BARAKA apud DICKER, 2008, p. 145) Da mesma maneira, o teatro de Amiri Baraka se apresentava como uma alternativa, nas suas palavras, à esterilidade do teatro branco. Era um teatro do “espiritu”, que confrontava o homem negro na sua interação com os afro-americanos e os brancos: Our theatre will show victims so that their brothers in the audience will be better able to understand that they are the brothers of victims, and that they themselves are blood brothers. And what we show must cause the 76 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II blood to rush, so that pre-Revolutionary temperaments will be bathed in this blood, and it will cause their deepest souls to move, and they will find themselves tensed and clenched, even ready to die, at what the soul has been taught (BARAKA apud YOUNG, 1996, p. 1.965). Observação Em 28 de agosto de 1963, Martin Luther King deu um discurso no Lincoln Memorial, em Washington, que ficou conhecido como Eu Tenho um Sonho. Nesse discurso, o líder falavade seu sonho de integração do povo afro-americano nos Estados Unidos. Martin Luther King Jr. – I have a dream I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: “We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal.” I have a dream that one day on the red hills of Georgia, the sons of former slaves and the sons of former slave owners will be able to sit down together at the table of brotherhood. I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice. I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. I have a dream today! I have a dream that one day, down in Alabama, with its vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of “interposition” and “nullification” – one day right there in Alabama little black boys and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as sisters and brothers. I have a dream today! I have a dream that one day every valley shall be exalted, and every hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, and the crooked places will be made straight; “and the glory of the Lord shall be revealed and all flesh shall see it together.” This is our hope, and this is the faith that I go back to the South with. Fonte: King Junior (2001). 77 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Maya Angelou (1928-2014) tem assumido diferentes formas literárias. Uma de suas obras mais notáveis é sua autobiografia I Know Why the Caged Bird Sings (1970), assim como sua coletânea de poemas Just Give Me a Cool Drink of Water (1971). Nascida em Knoxville, Tennessee, Nikki Giovanni (batizada Yolande Cornalia Giovanni Jr.) foi uma das primeiras poetas do Black Arts Movement. Era a favor de uma resposta agressiva e violenta à opressão branca, caso fosse preciso. Em um de seus poemas mais famosos, For Saundra (1968), Giovanni demonstra essa atitude combativa ao se negar a escrever poesia superficial (be-bopping) ou romântica (“sobre árvores”). Ela prefere uma poesia combativa, na sua opinião, mais adequada a tempos difíceis: I wanted to write a poem that rhymes but revolution doesn’t lend itself to be-bopping then my neighbor who thinks i hate asked –do you ever write tree poems—i like trees so i thought i’ll write a beautiful green tree poem peeked from my window to check the image noticed the school yard was covered with asphalt no green –no trees grow in manhattan then, well, i thought the sky i’ll do a big blue sky poem but all the clouds have winged low since Dick was elected so i thought again and it occurred to me maybe i shouldn’t write at all but clean my gun and check my kerosene supply perhaps these are not poetic times at all (GIOVANNI, [s.d.]) Rita Dove (1952-) foi a primeira poeta negra laureada nos Estados Unidos e segunda artista negra (a primeira foi Gwendolyn Brooks) a ganhar o Prêmio Pulitzer de poesia. Ela era a favor 78 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II de uma sensibilidade muito mais abrangente do que a do Black Arts Movement. Ela tinha uma atitude mais universalista e era contra qualquer parcialidade política, de raça ou de gênero. Da mesma forma, ela negou-se a criar personagens para propósitos didáticos ou propagandísticos, como, por exemplo, inventar uma heroína negra só para criar uma imagem negra positiva, como fica manifesto no poema Daystar, no qual não há nenhuma referência ao fato de a personagem do poema ser ou não negra: Daystar She wanted a little room for thinking; but she saw diapers steaming on the line, a doll lumped behind the door. So she laughed a chair behind the garage to sit out the children’s naps. Sometimes there were things to watch- the pinched armor of a vanished cricket, a floating maple leaf. Other days she stared until she was assured when she closed her eyes she’d see only her own vivid blood. She had an hour, at best, before Liza appeared pouting from the top of the stairs and just what was mother doing out back with the field mice? Why Building a palace. Later that night when Tom rolled over and lurched into her, she would open her eyes and think of the place that was hers for an hour – where she was nothing, pure nothing, in the middle of the day (DOVE, [s.d.]). 7 A POESIA CONTEMPORÂNEA Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 13) apontam que o tropo principal da literatura contemporânea (ou seja, a literatura escrita desde os finais da Segunda Guerra Mundial até o presente) é fato de ser transnacional e transcultural. Devido a essa mobilidade, hoje já não há grupo ou indivíduo que possa pensar que está no centro do mundo. Na poesia de língua inglesa, isso fica refletido, por exemplo, no fato de que os poetas têm se expressado em uma grande variedade de modos pelo fato de terem se deslocado para diferentes cantos do mundo. E um dos motivos do deslocamento foi a guerra. 79 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA 7.1 A poesia do pós-guerra Embora a Segunda Guerra Mundial não tenha dividido completamente a poesia escrita antes e depois de si, é uma marca histórica de grande utilidade. Como veremos agora, há outros eventos históricos, como a Guerra Fria, nos Estados Unidos, o final do Império Britânico e a liberação das ex- colônias, que são de grande importância para entender melhor a poesia desde a segunda metade do século XX até o presente. Nesse contexto, considere o poema a seguir, de Elizabeth Bishop, sobre a destruição e cataclismo provocados pela guerra: Roosters (1941, 1946) At four o’clock in the gun-metal blue dark we hear the first crow of the first cock just below the gun-metal blue window and immediately there is an echo off in the distance, then one from the backyard fence, then one, with horrible insistence, grates like a wet match from the broccoli patch, flares, and all over town begins to catch. Cries galore come from the water-closet door, from the dropping-plastered henhouse floor, where in the blue blur their rustling wives admire, the roosters brace their cruel feet and glare with stupid eyes while from their beaks there rise the uncontrolled, traditional cries (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 30). O poema de Bishop é uma afirmação contra os horrores da guerra e pode ser lido como uma alegoria do ataque militar a uma cidade. A respeito de suas fontes, têm se identificado, por exemplo, fotos aéreas de um ataque alemão à Finlândia e à Noruega. 80 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II O poema descreve o terrível acordar da cidade do ponto de vista de um galo. Primeiro, escuta-se o cantar do galo (primeira estrofe), depois, o eco no pátio da casa (terceira estrofe) até que, finalmente, podem-se perceber chamas na horta de brócolis e, finalmente, os gritos que vêm do galinheiro, no qual os galos são descritos em termos de suas garras cruéis (“gruel feet”) e estúpidos olhos (“stupid eyes”) satirizando, assim, a agressividade militar. Entre os eventos mais devastadores da guerra que ficaram registrados na poesia, podem-se mencionar o bombardeiode Londres e Dresden na Alemanha, a bomba nuclear jogada em Hiroshima e Nagasaki, os horrores do Holocausto. O filosofo alemão Theodor Adorno declarou que era bárbaro escrever poesia após o Holocausto. Isso levou muitos poetas da época a se preocuparem com a ética da estética em uma época de genocídio (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 14). Nesse período, aliás, os poetas expressavam um grande ceticismo sobre o poder curativo da poesia. O poema Daddy, de Silvia Plath, em que uma filha norte-americana fala com seu pai alemão, caracteriza-se pela forma quebrada e distorcida dos versos, que tentam reproduzir o espanto da filha ao saber que o pai foi parte dos campos de concentração: I never could talk to you. The tongue stuck in my jaw. It stuck in a barb wire snare. Ich, ich, ich, ich, I could hardly speak. I thought every German was you. And the language obscene. An engine, an engine, Chuffing me off like a Jew. A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen. I began to talk like a Jew. I think I may well be a Jew (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 14). Há outras poetisas norte-americanas que desenvolveram um estilo ímpar, confessional; elas foram Anne Sexton (1928-1974) e Adrienne Rich (1929-2012). Elas utilizam verso livre e escrevem sobre momentos de dor de forma reveladora, o que é também resultado do pós-guerra em que viveram. Para Sexton e Rich, esses momentos de sofrimento mostravam o espírito da época. A poesia escrita por elas tinha suas raízes no seu corpo e na existência feminina. Por exemplo, Rich reflete, em seu ensaio When We Dead Awaken: Writing as Re-Vision: “Na década de [19]50 eu podia escrever, pela primeira vez, sobre minha experiência como mulher. Até então, tinha tentado não me identificar como uma mulher poeta” (RICH, 1972). 81 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Ramazani, Ellmann e O’Clair (1973) explicam que Rich, Sexton e Plath usaram o estilo confessional para expressar suas visões contra as normas literárias e sociais impostas às mulheres norte-americanas. Elas expressavam seus desejos, ódios e impulsos suicidas em termos intimistas. No poema Ariel, Plath livra-se de suas responsabilidades mundanas e monta seu cavalo, rumo ao amanhecer: The child’s cry Melts in the wall. And I Am the arrow, The dew that flies Suicidal, at one with the drive Into the red Eye, the cauldron of morning (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 611). 7.2 Diferentes grupos culturais: entre as margens e o centro Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 14) apontam que há várias razões para ler os poetas do pós-guerra. Sua sensibilidade e usos da língua inglesa têm sido formados e enriquecidos por formas culturais, estilos, histórias políticas e educativas distintivas desde que eles têm constantemente cruzado os limites da nacionalidade e da etnicidade. Assim, há laços muito fortes entre culturas de língua inglesa que estão de um e outro lado do oceano Atlântico. Um exemplo seriam os poetas do Novo Estilo Crítico (New Criticism) e seus pares na Inglaterra. Ambos os grupos rejeitaram o valor político da poesia do Romantismo; privilegiaram a ironia e a economia de palavras e preferiam escrever poemas harmônicos no que diz respeito à rima e à métrica. Seu provincianismo somente pode ser entendido em um contexto transnacional: foi uma reação ao Modernismo “alheio” de Yeats, Eliot e Pound. No mesmo espírito, poetas ingleses, irlandeses e norte-americanos cruzaram o Oceano Atlântico, após a Segunda Guerra Mundial e, nesse processo, fundiram as formas poéticas inglesa e norte-americana. Um exemplo seria a poeta norte-americana Sylvia Plath, que se estabeleceu na Inglaterra e adotou os versos violentos e primitivos de seu marido, o poeta inglês Ted Hughs. Da mesma maneira, a poeta Elizabeth Bishop passou uma grande parte da sua vida no Brasil (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 15). Toda essa mobilidade encontra eco no grande número de filmes, vídeos, telecomunicações, computadores e outras tecnologias que cruzam as fronteiras nacionais em um tráfico contínuo de formas e temas. Um belo exemplo seria o do poeta da Irlanda do Norte, Derek Mahon, que, após morar por anos em Nova York e Londres, e ter assistido de longe à guerra entre católicos e protestantes em Belfast, se questiona sobre o que significa o lar: 82 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Afterlives (1975, 1991) For James Simmons 1. I wake in a dark flat To the soft roar of the world. Pigeon neck on the white Roofs as I draw the curtains And look out over London Rain-fresh in the morning light. This is our element, the bright Reason on which we rely For the long-term solutions. The orators yap, and guns Go off in the street; But the faith does not die That in our time these things Will amaze the literate children In their non-sectarian schools And the dark places be Ablaze with love and poetry When the power of good prevails. What middle-class twits we are To imagine for one second That our privileged ideals Are divine wisdom, and the dim Forms that kneel at noon In the city not ourselves 2. I am going home by sea For the first time in years. Somebody thumbs a guitar On the dark deck, while a gull Dreams at the master-head, The moon-splashed waves exult. At dawn the ship trembles, turns In a wide arc to back Shuddering up the grey lough Past lightship and buoy, Slipway and dry dock 83 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Where a naked bulb burns; And I step shore in a fine rain To a city so changed By five years of war I scarcely recognize The places I grew up in, The faces that try to explain. But the hills are the same Grey-blue above Belfast. Perhaps if I’d stayed behind And lived it bomb by bomb I might have grown up at last And learnt what is meant by home (MAHON, [s.d.]). 7.3 A literatura multiétnica: a margem no centro Vamos começar esta seção sobre poesia contemporânea com uma referência a um tipo de expressão literária que também foi produto da segunda parte do século XX e que mostra um outro tipo de mobilidade dentro do seio da sociedade norte-americana: a literatura multiétnica nos Estados Unidos – em outras palavras, a margem no centro. A partir da segunda metade do século XX, floresce a literatura multiétnica. Seguindo a liderança dos escritores afro-americanos, escritores chicanos (norte-americanos de origem mexicana), hispanos (cubanos norte-americanos ou porto-riquenhos), latinos, nativos e sino-americanos começaram a atrair a atenção do grande público norte-americano. Na década de 1970, apareceram programas nas universidades de estudos étnicos e, na década de 1980, surgiram periódicos acadêmicos, organizações profissionais e revistas literárias dedicadas a essas causas. Por sua vez, já na década de 1990, começaram a proliferar as conferências voltadas para os estudos étnicos, que se agrupavam em novos cânones literários, que, por sua vez, estavam em contraponto com os cânones clássicos. Todas essas narrativas criticam os valores do establishment como universais e únicos. Entre os temas mais destacados estão a reescrita do conceito de raça como culturalmente construída, a etnicidade como conceito cultural; o etnocentrismo em contraponto com a heterogeneidade cultural; o monolinguismo versus o polilinguismo. Entre os escritores chicanos, destaca-se a escritora e poeta Gloria Anzaldua (1942-2004), cuja poesia, com tons da tradição oral, conjuga palavras em espanhol e inglês e remontaàs tradições mexicanas e à maneira como têm sido reescritas e reconsideradas nos Estados Unidos. O poeta Alberto Ríos (1952-) relaciona, em seus poemas, a fantasia e o realismo, no estilo do realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez. Seus poemas mostram o hibridismo entre as línguas 84 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II inglesa e espanhola, o estilo de composição e as culturas norte e latino-americana. Exemplo disso é o poema Mi Abuelo, no qual o eu lírico diz: “Mi abuelo is the man who speaks through all the mouths in my house” (RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 320). Sua poética evoca a língua castelhana, que ele precisou abandonar ao aprender o inglês na escola. Por sua vez, os poetas nativos têm se destacado tanto na prosa como na poesia, a qual caracteriza-se pela tradição do verso xamanístico, parte central de sua herança cultural. Através de seus poemas, os poetas nativos evocam o mundo natural. Um desses poetas é Simon Ortiz (1941-), que trata das contradições na vida de um índio norte-americano, no dia de hoje, dividido entre o presente e o passado. Em seus poemas, Ortiz lembra os norte-americanos das injustiças cometidas contra o seu povo. Leslie Marmon Silko (1948-), membro de Laguna Pueblo, uma comunidade indígena dos Estados Unidos, usa a linguagem coloquial e histórias tradicionais para criar poemas líricos. Ela é filha de europeus e nativos. Através da sua poesia, constrói uma ponte entre as tradições orais nativas e o público que lê poesia em língua inglesa. Porém, ela se coloca do lado dos nativos norte-americanos. Em seu poema Long Time Ago imagina um mundo sem o homem europeu e branco: Long time ago in the beginning there were no white people in this world there was nothing European. And this world might have gone on like that except for one thing: witchery. This world was already complete even without white people. There was everything including witchery (SILKO apud RAMAZANI; ELLMANN; O’CLAIR, 2003, p. 340). Esse elemento de transculturalidade é ainda mais visível no caso dos poetas pós-coloniais, para quem é quase impossível entender suas identidades se limitando a um paradigma nacional, uma vez que suas vidas, histórias e poesia têm consistentemente cruzado essas fronteiras. Como explicam Ramazani, Ellmann e O’Clair (2003, p. 16), esses poetas nasceram e se criaram nos interstícios entre as culturas indígenas e a imposta cultura colonial. A maioria dos poetas das primeira e segunda gerações pós-coloniais teve uma educação inglesa em casa, nas ex-colônias, e depois viajou para os Estados Unidos em busca de uma educação superior. Na sequência iremos focar a teoria pós-colonial e seus poetas mais representativos. 85 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA 8 POESIAS DE EXPRESSÃO CONTEMPORÂNEA: PÓS-COLONIAIS E DIASPÓRICAS A partir de agora estudaremos diferentes manifestações da poesia contemporânea chamada de “pós-colonial”. O que essas diferentes manifestações de poesias têm em comum é o fato de terem sido escritas no período subsequente ao da Segunda Guerra Mundial e de serem o resultado da relação colonizador-colonizado. Logo, também consideraremos as chamadas poesias de diáspora, que têm a ver com o movimento entre o centro e as ex-colônias. 8.1 O que é o pós-colonialismo? Ashcroft, Griffiths e Tiffin (1989) explicam o termo “pos-colonialismo” como aquele que se refere às culturas afetadas pelo processo imperial do momento da colonização até o presente. Essa definição já revela que o “pós” do termo não é uma referência temporal, vinculada a um evento passado, mas, mais especificamente, um local além do Ocidente, além da Europa, onde diferentes povos foram afetados pelo colonialismo. Assim, dando ao termo uma conotação de lugar, ele evoca, imediatamente, aqueles locais considerados “marginais” porque estão além do “centro”, ou seja, de metrópoles como a Inglaterra ou a Europa em geral. Ao abrir o nosso escopo dessa maneira, defrontamo-nos com outras culturas, com o “outro” silenciado por séculos de dominação colonial. Fica claro, portanto, que definir o “pós” em termos de tempo implicaria, por um lado, tirar nossa atenção das formas presentes de desigualdade e injustiça, sejam elas políticas, econômicas, ou discursivas dentro de um sistema global e, por outro, pensar que a dominação dos fracos pelos poderosos chegou ao fim. Nós sabemos que isso não é assim. O colonialismo tem se manifestado de outras formas, tais como o imperialismo. Em outro nível, o termo “pós-colonial” problematiza o tratamento de verdade universal dado às áreas da Filosofia, da História, da Literatura, da Sociologia, da Antropologia e das Ciências Políticas, desenvolvidas no Ocidente e levadas pelos colonizadores (ingleses, franceses, alemães etc.) para todos os cantos do mundo, sem levar em conta as culturas locais. Esses saberes do Iluminismo europeu espalhavam a noção de que os europeus eram “iluminados”, ou seja, eram seres racionais, cartesianos, culturalmente superiores, enquanto os colonizados eram “primitivos”. Para justificar a colonização e subjugação das outras culturas, os europeus diziam que “o fardo do homem branco”, como canta um dos poetas do imperialismo inglês, Rudyard Kipling, era levar a “luz” a todos esses povos que, em sua opinião, ainda estavam nas trevas: Take up the White Man’s burden— Send forth the best ye breed- Go, bind your sons to exile To serve your captives’ need; To wait, in heavy harness, On fluttered folk and wild— Your new-caught sullen peoples Half devil and half child (KIPLING, 1997). 86 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Então, o termo “pós-colonial” não se refere a uma periodização, mas a uma revisão e problematização dos saberes ocidentais, em particular os do Iluminismo, tidos como universais, essenciais e válidos em qualquer parte do mundo. 8.1.1 A semente da teoria pós-colonial Em 1978, o escritor palestino Edward Said publicou o livro Orientalismo, obra central para a teoria pós-colonial. Seu argumento principal é que o Orientalismo não é um fato, mas um discurso por meio do qual o Ocidente produz (inventa, cria) e manipula o Oriente econômica, social, militar e cientificamente. O orientalismo seria, então, a visão que um hemisfério constrói e divulga do outro, gerada a partir dos textos escritos pelos ocidentais sobre o Oriente, nos quais é declarada a superioridade ocidental. O Orientalismo, então, foi um “produto” do imperialismo ocidental, que o “construía” como inferior para autorizar sua subjugação (SAID, 1978). Influenciado pelas teorias pós-estruturalistas, o texto de Said revela que nossa maneira de interpretar o mundo é expressa através do discurso; dito de outra maneira, a “palavra” é tão poderosa como uma arma mortal, uma vez que ela nos ajuda a dominar e subjugar culturas, segundo nossa conveniência. Isso mostra que os textos culturais, históricos, políticos e literários não são nem puros, nem inocentes (como é possível perceber lendo o poema de Kipling que citamos), mas armas de dominação que servem para impor determinadas ideologias e maneiras de enxergar o mundo. 8.1.2 As literaturas pós-coloniais As reflexões de Said mostram que a literatura teve um papel muito central durante o período da colonização. Como exemplo, o gênero romance foi central no processo de colonização da Índia. Através dele, as elites indianas se familiarizaram com a maneira de pensar e os padrões culturais europeus e relegaram sua cultura a um segundo plano. Isso produziu umaaproximação dessas elites com os ingleses e o modo ocidental de pensar e um afastamento de sua própria cultura. Ou seja, os ingleses utilizaram sua tradição literária para “civilizar” os indianos. Porém, o que os ingleses não consideraram foi o papel subversivo da literatura: os colonizados se apoderaram da língua (o inglês) e do gênero (o romance) do colonizador para recriar sua própria cultura, que tinha sido menosprezada, e, assim, resistir (FESTINO, 2007). Surgiram, assim, as tradições literárias, também de língua inglesa, indiana, africana, irlandesa, caribenha, canadense, neozelandesa, australiana e (acredite!) norte-americana, que foi a primeira literatura pós-colonial – hoje, hegemônica. Então, embora escritas em língua inglesa, elas não são “galhos” da literatura inglesa: cada uma constitui uma literatura nacional, relacionada com a história política, social e literária de cada país. Por isso, elas podem ser lidas como narrativas que contribuem com a identidade nacional. Ao mesmo tempo, embora todas essas tradições literárias tenham em comum ter sofrido o processo colonial, cada uma possui, por um lado, suas próprias marcas culturais e, pelo outro, uma diferente maneira de se relacionar com o colonizador no espaço colonial que Bhabha (1994) chamou de “terceiro espaço”, onde as duas culturas entraram em colisão. 87 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Cada uma dessas tradições literárias merece um estudo particular e detalhado. Seus escritores ocupam hoje o centro da cena das literaturas de língua inglesa, como se pode observar no fato de que, nas últimas décadas, alguns dos maiores prêmios das literaturas de língua inglesa, como o Booker Prize e o Prêmio Nobel de Literatura, têm sido conferidos a escritores provenientes de ex-colônias. 8.1.3 A estética pós-colonial Por sua vez, cada uma dessas literaturas é um exemplo do que o crítico Franz Fanon (1961) chamou de “a estética do colonizado”. Elas são o resultado de um processo de três etapas. Na primeira, como acabamos de ver, o colonizado assimila a estética do colonizador e rejeita a própria, em seu desejo de ser aceito em um pé de igualdade. Na segunda etapa, quando o colonizado percebe que o colonizador nunca vai tratá-lo como um igual, tenta recuperar sua estética pré-colonial em toda a sua pureza. Se antes tinha desvalorizado sua cultura, agora a superestima. Em uma terceira etapa, no final do período colonial, o colonizado desenvolve uma estética “híbrida”, no sentido de que terá traços de sua cultura e da do colonizador: se produz uma colisão entre o imaginário do colonizador e o imaginário do colonizado, a qual, aliás, nunca é pacífica, muito pelo contrário. 8.1.4 O tropo da diferença Como resposta ao discurso civilizatório e universalista inglês, o tropo que se destaca nessas novas tradições literárias em língua inglesa é o da diferença: a revalorização das crenças e processos de significação locais denegridos pela colonização, o que leva à reformulação da identidade nacional. Nesse contexto, a metáfora literária adquire valor pedagógico e libertário porque se torna uma ferramenta relevante nesse processo de construção da diferença, ao criar um âmbito no qual o sujeito marginalizado reencontra-se com sua cultura. Como aponta Chinua Achebe, em seu ensaio significativamente intitulado “The Novelist as Teacher”, o objetivo do romancista pós-colonial seria [...] ajudar sua sociedade a recobrar a confiança nela mesma e deixar de lado os complexos dos anos de degradação e humilhação. Isso é essencialmente uma questão de educação (ACHEBE, 1988, p. 30). Achebe (1988, p. 54) acrescenta que sua maior satisfação seria seus romances ensinarem seus leitores que, com todas as suas imperfeições, seu passado não foi uma “longa noite de selvageria da qual tinham sido salvos pelo homem europeu, atuando em nome de Deus”. 8.2 Canadá Na poesia contemporânea canadense, o nome que se destaca é o de Margaret Atwood (1939-). Seus poemas se caracterizam pelo tom lacônico por meio do qual, com incrível sangue frio, a poeta trata muitas vezes de temas arrepiantes. Seus primeiros poemas foram publicados em 1961 em Double Persphone. A poesia de Atwood pode se dividir em duas grandes fases. À primeira, pertencem os poemas em The Circle Game (1966), The Animals in that Country (1968), Procedures from Underground (1970), You are Happy (1974), The Journals of Susanna Moodie (1970) e Power Politics (1973). Esses poemas, para 88 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 Unidade II Bennett e Brown (2002, p. 777), caracterizam-se por seu estilo direito, sem emoções. Eles levam os leitores a duvidarem de suas convicções e a perceberem a realidade de uma perspectiva diferente. Keith (2006, p. 142, vol.1) caracteriza sua poesia como sendo “mitopoética”. Seu poema simbólico This Is a Photograph of Me revela um mundo alternativo, abaixo da superfície (ATWOOD apud KEITH, 2006, p. 142): This is a Photograph of Me It was taken some time ago. At first it seems to be a smeared print: blurred lines and grey flecks blended with the paper; then, as you scan it, ou see in the left-hand corner a thing that is like a branch: part of a tree (balsam or spruce) emerging and, to the right, halfway up what ought to be a gentle slope, a small frame house. In the background there is a lake, and beyond that, some low hills. (The photograph was taken the day after I drowned). I am in the lake, in the center of the picture, just under the surface. It is difficult to say where precisely, or to say how large or small I am: the effect of water on light is a distortion but if you look long enough eventually you will be able to see me.) O poema, escrito em versos brancos, estilo direto, desafiando as regras de pontuação, nos mostra uma perspectiva diferente do ser no momento do cruzamento entre a vida e a morte. A poesia de Atwood é nativa e cosmopolita ao mesmo tempo. Cosmopolita, porque os símbolos utilizados na sua poesia pertencem à mitologia clássica e têm validade além das fronteiras nacionais. E também porque Atwood é uma das escritoras canadenses cujas obras têm transcendido as fronteiras nacionais. Mas, ao mesmo tempo, é nativa, porque a autora escreve a partir da tradição nacional canadense – ainda mais pelo fato de sua poesia utilizar imagens e alusões direitamente relacionadas à história e à geografia canadense, como no caso do maravilhoso poema Progressive Insanities of a Pioneer, no qual um dos tantos pioneiros tentam achar um centro a partir do qual organizar sua existência no vasto e infinito território norte-americano. 89 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io - 1 1/ 10 /2 01 6 LITERATURAS DA LÍNGUA INGLESA: POESIA Progressive insanities of a pioneer i He stood, a point on a sheet of green paper proclaiming himself the centre, with no walls, no borders anywhere; the sky no height above him, totally un- enclosed and shouted: Let me out! ii He dug the soil in rows, imposed himself with shovels. He asserted into the furrows, I am not random. The ground replied with aphorisms: a tree-sprout, a nameless weed, words he couldn’t understand. iii The house pitched the plot staked in the middle of nowhere At night the mind inside, in the middle of nowhere The idea of an animal patters across the roof. In the darkness the fields defend themselves with fences in vain: everything is getting in. 90 LE TT - R ev isã o: G io va na - D ia gr am aç ão : F ab io