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APOSTILA - HERMENÊUTICA JURÍDICA até Dilthey

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HERMENÊUTICA JURÍDICA: HISTÓRIA E 
MODERNIDADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
Professora: Camila Menezes 
 
 
 
 
 
 
 
 
Obs: Trata-se de uma apostila para servir como material complementar aos estudos de 
Hermenêutica Jurídica, não dispensando a leitura da bibliografia indicada no Plano de 
Ensino. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2019 
 
1 HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA JURÍDICA – Noções Gerais 
 
Etimologicamente, como nos informa Richard E. Palmer[1], a 
palavra hermenêutica remonta ao verbo grego hermeneuein(=interpretar) e ao 
substantivo hermeneia (=interpretação). Há correntes que apontam a origem do nome ao 
deus grego Hermes, filho de Zeus com Maia, sendo, nesse caso, associado à função de 
transmutar aquilo que estivesse além do entendimento humano em uma forma que a 
inteligência humana pudesse compreender. Hermes traduzia as mensagens do mundo dos 
deuses para o mundo humano. Sua figura era tão marcante que foi atribuído a ele a 
descoberta da linguagem e da escrita, e sua função de mensageiro sugere, na origem da 
palavra hermenêutica, o processo de trazer para a compreensão algo que estivesse 
incompreensível. 
Inicialmente relacionada aos oráculos, a hermenêutica mantém sua estrita ligação 
com a interpretação de textos religiosos ao se relacionar com a Bíblia, sendo aplicada 
desde a época dos patriarcas do judaísmo, passando pela teologia medieval e a Reforma, 
até a teologia moderna. Se a palavra hermenêutica provém do âmbito teológico, também 
o problema objetivo da hermenêutica começou com as questões da interpretação da 
Escritura, havendo, inclusive, várias escolas e correntes da exegese bíblica no antigo 
judaísmo. 
Já na Grécia antiga a hermenêutica estava voltada para a transmissão de uma 
mensagem, entendida muito mais como uma técnica, com a função de anunciar, 
esclarecer, traduzir algo que não estava claro. Para Platão, por exemplo, a hermenêutica 
estava em segundo plano, tendo em vista que as palavras estavam abaixo das ideias, sendo 
que apenas por intermédio destas é que se podia entender e conhecer a realidade. 
Aristóteles desenvolveu pensamento diferente e, em sua obra Peri hermeneias (Da 
interpretação), fez relação entre os conceitos e a realidade, pois entendia que o processo 
do conhecimento se faz por meio de abstrações mentais daquilo que é adquirido por meio 
da experiência sensível. No entanto, em Aristóteles, a hermenêutica é apenas uma 
derivação da lógica, preocupada com a relação entre a linguagem e o pensamento. 
Os romanos, admiradores da cultura clássica, mas com um viés muito mais prático 
que o dos gregos, passaram do conceito de hermenêutica para a interpretatio, 
principalmente devido ao trabalho dos prudentes, que não se contentavam em entender o 
texto da lei, mas buscavam compreender o seu significado nos efeitos práticos produzidos 
na vida das pessoas, formando a jurisprudência (juris prudente). Essa forma de pensar 
(interpretar) tipicamente romana retorna ao centro dos estudos jurídicos a partir do resgate 
do Corpus Iuris Civilis, de Justiniano, no séc. XII. Coube à denominada Escola dos 
Glosadores primeiramente estudar essa fenomenal compilação levada a cabo por 
Justiniano no séc. VI. Tinham como característica principal a fidelidade ao Corpus Iuris 
Civilis, interpretando-o de maneira analítica. Davam explicações sobre cada parágrafo 
dos textos clássicos, mas sem preocupar-se em relacioná-los com outras partes da obra. A 
Escola dos Glosadores foi essencial para fornecer a base na qual os juristas que vieram 
posteriormente fossem além do Direito Romano, interpretando os textos de Justiniano 
com maior liberdade. 
A escola que sucedeu e superou a dos Glosadores foi a dos Comentadores, 
estudiosos que passaram a interpretar o Direito Romano de forma mais livre, ao buscar 
soluções para casos concretos alicerçados no conjunto da obra, e não apenas em partes 
específicas do texto romano. Faziam uma interpretação com base filosófica, associando 
o Direito à Ética e buscando integrá-lo a um valor fundamental, a Justiça. Na sequência 
surgiu o movimento humanista que, apesar de não ser considerado propriamente uma 
escola, mesclava métodos históricos e filológicos para o estudo do direito e, a partir dessa 
metodologia, infringiu críticas aos juristas medievais a quem acusava de erros linguísticos 
e históricos. Essa hermenêutica baseada na racionalidade, que se inicia com os 
comentadores, foi reforçada não só pelo humanismo, mas também pelo iluminismo, cujo 
foco de estudo era a razão, recuperando o racionalismo grego antigo. Essa concepção 
acabou por dar origem à hermenêutica contemporânea, de base essencialmente filosófica, 
cujo expoente primeiro foi o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), 
seguido por outros importantes filósofos, como Wilhelm Dilthey (1833 - 1911), Martin 
Heidegger (1889 - 1976) e, principalmente, Hans-Georg Gadamer (1900 - 2002), cuja 
obra Verdade e Método (1960) é referência no entendimento da hermenêutica como 
filosofia. 
Na esteira da hermenêutica filosófica, da codificação do direito e do entendimento 
do direito como sistema, a partir do século XIX, várias foram as escolas de hermenêutica 
que surgiram. 
 
 
2 Técnicas de Interpretação do Direito / métodos clássicos de interpretação 
 
A interpretação jurídica, segundo Norberto Bobbio é uma atividade muito 
complexa, que pode ser concebida de diversos modos. “Baseia-se na relação entre dois 
termos, o signo e o significado do próprio signo, e assim, assume sombreamentos 
diversos, segundo os quais tende a gravitar para um ou para outro desses dois polos: a 
interpretação pode ser ligada principalmente ao signo enquanto tal e tender a fazê-lo 
prevalecer sobre a coisa significada; ou ainda pode ser mais sensível á coisa significada 
e tender a fazê-la prevalecer sobre o signo puro; fala-se, neste sentido respectivamente 
de interpretação segundo a letra e de interpretação segundo o espírito.” [1] 
Afirma ainda que a tarefa principal da jurisprudência “consiste no remontar dos 
signos contidos nos textos legislativos à vontade do legislador expressa através de tais 
signos”. 
Assim, no decorrer do tempo foram criados métodos de interpretação como 
forma de melhor entender a norma jurídica e assim aplica-la corretamente ao caso 
concreto. 
A interpretação jurídica é, portanto, fator primordial que ajudam a compreender 
e melhor se adequar o texto legal a um fato concreto que se apresenta em cada segundo 
de nossas vidas, face à complexidade das relações e à riqueza com que as mudanças se 
dão. 
 
2.1Interpretação Literal ou Gramatical 
 
Consiste numa leitura inicial do texto onde se busca captar seu conteúdo e 
observar sua linguagem, como afirma Mário Pimentel Albuquerque[2]: 
 
A interpretação literal não excede em muito essa atividade 
preliminar. Limita-se a fixar o sentido do texto legal, inquinado 
de obscuridade, mediante a indagação do significado literal das 
palavras, tomadas não só isoladamente, mas em sua recíproca 
conexão. Atende à forma exterior do texto; preocupa-se com as 
acepções várias dos vocábulos; graças ao manejo relativamente 
perfeito e ao conhecimento integral das leis e usos da linguagem, 
procura descobrir qual deve ou pode ser o sentido de uma frase, 
dispositivo ou norma. 
Vemos, assim, que esta é a forma inicial da atividade interpretativa em que as 
palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes não oferecendo nenhuma garantia de 
espelhar com certeza o pensamento da lei. 
 
O método de interpretação literal tem sua importância, porém serve apenas comomeio de se tomar um primeiro contato com o texto interpretado e não para se extrair o 
sentido completo que a norma pode oferecer. 
 
2.2 Interpretação Lógica 
 
Essa interpretação é considerada como textual-interna, tendo em vista que 
busca explicar a norma através do sentido intrínseco do texto. 
Segundo Carlos Maximiliano[3] o processo lógico “consiste em procurar 
descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum 
elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras 
tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Lógica legal. Pretende do simples 
estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio dedutivo, obter a 
interpretação correta”. 
Nas palavras de Mario Pimentel Albuquerque[4]: 
O método lógico constitui a expressão mais pura e acabada do raciocínio 
analítico que, como vimos, infere de premissas necessárias uma conclusão igualmente 
necessária. Postula, da mesma maneira, a plenitude jurídica da lei e crê que o núcleo 
verbal desta é suficientemente elástico para comportar todas as situações de fato 
ocorrentes na prática, com a só utilização, rígida e fria, do silogismo judicial. Erige em 
premissa maior deste a lei, geral e abstrata; como premissa menor, descreve o fato, 
despido de suas peculiaridades concretas, após o que sobrevém a decisão, expressão fria 
do Direito more geométrico, de corte racionalista, cuja ideia de justiça se exaure na 
satisfação de um único requisito: a igualdade absoluta dos destinatários da norma legal. 
 
2.3 Interpretação Histórico-Evolutiva 
 
Esse método de interpretação conhecido também como progressivo, 
conforme se divide em duas modalidades distintas. 
Uma delas, a extremada, é aquela pela qual o intérprete deve adaptar o texto 
legal às novas condições sociais inexistentes ao tempo de sua formação, embora tenha de 
afastar-se inteiramente da letra e da vontade do primitivo legislador ou de atribuir à 
primeira um sentido forçado. 
A outra modalidade, por sua vez, é aquela pela qual o intérprete considera 
apenas aquelas mudanças de conteúdo que vão surgindo após sua elaboração; e, ainda, é 
aquela admissível quando o pensamento novo tenha já penetrado na legislação de alguma 
forma. 
O reconhecimento dessa técnica de interpretação deixa transparecer que o 
direito é dinâmico e a norma não deve ficar estática no tempo. É mutável e por isso sofre 
as influências das transformações da sociedade. 
Vemos, portanto, que nessa modalidade o intérprete busca descobrir a 
vontade atual da lei e não a vontade pretérita do legislador, vontade que deve sempre 
corresponder às necessidades e condições sociais. 
 
2.4 Interpretação Sistemática 
 
Carlos Maximiliano diz que “consiste o Processo Sistemático em comparar 
o dispositivo sujeito a exegese com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas 
referentes ao mesmo objeto”. 
Depois acrescenta: “Confronta-se a prescrição positiva com outra de que 
proveio, ou que da mesma dimanaram, verifica-se o nexo entre a regra e a exceção, entre 
o geral e o particular, e deste modo se obtém esclarecimentos preciosos. O preceito, 
assim submetido a exame, longe de perder a própria individualidade, adquire realce 
maior, talvez inesperado. Com esse trabalho de síntese é mais bem- compreendido”. 
A interpretação sistemática considera que a norma não pode ser vista de forma 
isolada, pois o direito existe como sistema, de forma ordenada e com certa sincronia. 
 
2.5 Interpretação Teleológica 
 
Diferentemente de todos os métodos de interpretação analisados até agora, a 
interpretação teleológica concentra suas preocupações no fim a que a norma se dirige. 
 
Nesta, o intérprete deve levar em consideração valores como a exigência do 
bem comum, o ideal de justiça, a ética, a liberdade, a igualdade, etc. Um exemplo desta 
interpretação é o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: 
 
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige 
e às exigências do bem comum. 
 
2.6 Interpretação Sociológica 
 
A definição de João Baptista Herknhoff[6] é bem esclarecedora desse método 
de interpretação: “processo sociológico conduz à investigação dos motivos e dos efeitos 
sociais da lei”. 
Os objetivos pragmáticos do processo sociológico de interpretação são: 
a) conferir a aplicabilidade da norma às relações sociais que lhe deram 
origem; 
b)estender o sentido da norma a relações novas, inexistentes ao tempo de sua 
criação; 
c) verificar o alcance da norma, a fim de fazê-la corresponder às necessidades 
reais e atuais da sociedade. 
Pelo exposto é possível verificarmos que uma mesma norma, dependendo da 
interpretação adotada, pode gerar entendimentos diferentes. 
O Supremo Tribunal Federal, apesar de adotar diversas formas de 
interpretação, dependendo do caso e como forma de interpretar a norma o mais favorável 
possível à sociedade, adota a denominada Interpretação Conforme a Constituição 
(denominada de interpretação conforme). 
 
2.7 Interpretação Axiológica 
 
 
Axiológico é tudo aquilo que se refere a um conceito de valor ou que 
constitui uma axiologia, isto é, os valores predominantes em uma determinada sociedade. 
O aspecto axiológico ou a dimensão axiológica de determinado assunto 
implica a noção de escolha do ser humano pelos valores morais, éticos, estéticos e 
espirituais. 
A axiologia é a teoria filosófica responsável por investigar esses valores, 
concentrando-se particularmente nos valores morais. Etimologicamente, a palavra 
"axiologia" significa "teoria do valor", sendo formada a partir dos termos gregos "axios" 
(valor) + "logos" (estudo, teoria). 
Neste contexto, o valor, ou aquilo que é valorizado pelas pessoas, é uma 
escolha individual, subjetiva e produto da cultura onde o indivíduo está inserido. 
De acordo com o filósofo alemão Max Scheler, os valores morais obedecem 
a uma hierarquia, surgindo em primeiro plano os valores positivos relacionados com o 
que é bom, depois ao que é nobre, depois ao que é belo, e assim por diante. 
 
3 HERMENÊUTICA JURÍDICA: SURGIMENTO 
 
Conforme enfatizado pelo Professor Doutor César Fiúza, o “Direito Romano 
é a mais importante fonte histórica do Direito nos países ocidentais, e, ainda, a maioria 
dos institutos e princípios do Direito Civil nos foi legada pelo gênio jurídico dos romanos” 
(FIUZA, 2006, p. 160). 
E, é de conhecimento de todos que o nosso direito deriva do Romano. Dessa 
forma, ao estudá-lo, buscam-se as origens do nosso próprio direito vigente. Além disso, 
“A perenidade do direito romano é fato evidente. Sua atualidade não pode 
ser negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa época. 
Além disso, qualquer estudo profundo de direito privado principia sempre 
por introdução histórica que investiga as raízes romanas do assunto tratado.” 
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 57). 
Então, de extrema relevância este artigo, o qual com certeza será responsável 
para aprofundar o conhecimento no âmbito do Direito Privado. Passa-se então, ao 
desenvolvimento do tema. 
 
3.1 AS FASES DO DIREITO ROMANO 
3.1.1 O Direito Romano na Realeza (753 a.C. a 510 a.C.) 
3.1.1.1 Principais eventos 
 
Os manuais de Direito Romano indicam que o Império Romano teve início 
com a fundação da Cidade, em 753 a.C. e que o período histórico em que Roma foi 
governada por reis foi chamado de realeza. Essa cidade teria sido governada por sete reis 
até 510 a.C., ano considerado como fim desse período histórico. 
Rômulo foi o primeiro rei, sendo considerado fundador lendário de Roma. 
Com relação à época da fundação, considera-se ter sido “a cidade romana constituída,no 
início, pelos componentes das tribos conhecidas pelos nomes de ramnenses, tirienses e 
luceres” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 25), razão pela qual Rômulo, conforme narra 
César Fiuza, “dividiu a cidade em três tribos: Tities, Ramnes e Luceres” (FIUZA, 2007, 
p. 37). 
Tendo em vista que nessas tribos havia apenas homens, Rômulo convidou os 
sabinos, povo vizinho, constituído de indivíduos de ambos os sexos, para festividades. 
Nessa ocasião, os romanos teriam raptado as pessoas do sexo feminino, razão pela qual 
se iniciou uma guerra entre esses povos. Antes do término da batalha, por influência das 
mulheres, os sabinos resolveram se integrar aos romanos, junto à tribo dos Tities. 
Sérvio Túlio, penúltimo rei dessa fase, ordenou o primeiro censo na história. 
Ele “mandou fazer cadastro de todos, sendo que os censores vasculhavam todos os cantos 
da cidade à procura de riqueza, para que se pudesse pagar impostos e ampliar as receitas” 
(TAVARES, 2003, p. 8). 
Vale ressaltar que o fim da realeza (510 a.C.) teve como marco a expulsão do 
“último rex, Tarqüínio, o Soberbo, usurpador de poderes realmente imperiais” 
(ENGELS, 2006, p. 143). 
 
3.1.1.2 Organização social 
 
Dentre os habitantes de Roma havia quatro classes bem distintas: os patrícios, 
os clientes, os escravos e os plebeus. Os primeiros, homens livres, fundadores da cidade 
e seus descendentes, agrupados em clãs familiares patriarcais, denominados gentes, 
formavam a classe detentora do poder e privilegiada. 
Os clientes, de origem diversa, “eram pessoas que se submetiam ao poder de 
um chefe de família patrício, oferecendo seus préstimos e seu patrimônio em troca de 
proteção” (FIUZA, 2007, p. 39). Geralmente eram estrangeiros e escravos alforriados. 
Já os escravos eram a mão-de-obra responsável por praticamente toda a 
economia romana da época. Viviam sob as ordens do senhor, ou pater. Por último, os 
plebeus, que não faziam parte das gentes, estavam em posição de inferioridade, mas 
estavam sob a proteção do rei. 
Até o reinado de Sérvio Túlio, a plebe não fazia parte da organização política 
de Roma. Somente após essa ocasião - com as mudanças introduzidas por esse rei - é que 
os plebeus ganham cidadania e “entram nos comícios centuriatos, que se reúnem 
no Campo de Marte; pagam impostos e prestam serviço militar” (CRETELLA JÚNIOR, 
2007, p. 26). 
 
3.1.1.3 Organização da família 
 
A família patrícia era uma estrutura organizada, como se fosse uma pequena 
sociedade com seu governo, chefiado unicamente pelo pai. Este, que exercia as funções 
mais elevadas, sendo todos os demais membros submissos a ele. Essa submissão se dava 
em todos os sentidos eis que o pater detinha, dentro do lar, poderes ilimitados de pai, 
esposo, administrador, sacerdote e, até mesmo, de um juiz cujas decisões nenhuma 
autoridade tinha o direito de reforma. 
Sendo assim, “no pai repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o 
hindu: “Eu sou o deus”. Quando a morte chegar, o pai será um ser divino que os 
descendentes invocarão” (COULANGES, 2007, p. 93). Em caso de morte, o lugar do 
pai “era ocupado pelo filho primogênito. Se não tivesse, adotava um. O que não podia 
ocorrer era a vacância de seu lugar, sob pena de não se dar continuidade ao culto familiar” 
(FIUZA, 2007, p. 40). E, “cada gens transmitia, de geração em geração, o nome do 
antepassado e perpetuava-o com o mesmo cuidado com que continuava o seu culto” 
(COULANGES, 2007, p. 119). 
Com relação ao conceito de gens, expressão comumente trazida nos manuais 
de direito romano, pode-se, resumidamente, considerar que se trata do “conjunto de 
pessoas que pela linha masculina descendem de um antepassado comum” (CRETELLA 
JÚNIOR, 2007, p. 26). 
Acredita-se que essa organização familiar foi um empecilho para o 
desenvolvimento das regras comerciais em Roma, uma vez que, em decorrência da 
predominância da indústria doméstica, somente foram desenvolvidas relações contábeis 
e não-jurídicas entre pai e filhos. Relação cujas decisões, conforme já mencionado, eram 
tomadas arbitrariamente pelo detentor do poder patriarcal. 
 
 
3.1.1.4 Organização da religião 
 
A religião tinha como base duas classes de deuses. Uma era inspirada na alma 
humana, em que os deuses eram chamados de domésticos, manes ou lares. Tratava-se dos 
ancestrais e, a eles, era feito o “culto doméstico, em que se invocavam os antepassados 
para proteção. Levava-se-lhes comida e prestavam-se-lhes orações” (FIUZA, 2007, p. 
40). 
A outra classe era inspirada nos fenômenos naturais, chamados de deuses 
superiores (deuses do Olimpo), “cujas principais figuras foram Zeus, Hera, Atena, Juno, 
a do Olimpo helênico e a do Capitólio romano” (COULANGES, 2007, p. 132). 
Essas duas classes, que alguns autores chamam de religiões, perduraram em 
harmonia, dividindo o domínio sobre o homem. 
 
3.1.1.5 Organização política e judiciária 
 
Os poderes públicos eram exercidos pelo rei, pelo senado e pelo povo. O rei 
era o supremo sacerdote, chefe do exército, juiz soberano e protetor da plebe. Seu cargo, 
que era “indicado por seu antecessor ou por um senador” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, 
p. 27), era vitalício, mas não hereditário. Apesar disso tudo, podia ser deposto, conforme 
a já mencionada expulsão ocorrida com Tarqüínio, o Soberbo. 
Já a instituição do senado era como um conselho, que tinha competência para 
gerir e opinar nos negócios de interesse público. “O Senado detinha a auctoritas para 
aconselhar o rei, quando convocado, e para confirmar as decisões dos comícios” (FIUZA, 
2007, p. 41). 
Nomeados dentre os chefes das gentes pelo rei, os “senadores, por serem os 
mais velhos em suas gens, chamavam-se patres, pais. O conjunto deles acabou formando 
o Senado (de senex, velho, ancião – conselho dos anciãos)” (ENGELS, 2006, p. 139/140). 
E, o “poder, de fato, estava nas mãos dos patres-familias, sendo o Senado sua 
representação máxima” (FIUZA, 2007, p. 41). 
O último dos três elementos que integram a organização política e judiciária 
na fase da realeza era o povo. Este era, no início, 
“Integrado pelos patrícios, na idade de serviço militar. Reúne-se em 
assembléias – os comícios curiatos – (“comitia curiata”) -, num recanto 
do fórum denominado mesmo comitium. A lei, proposta pelo rex, é votada pelo populus, 
que vota por cúrias. As leis, assim votadas, recebem o nome de leges 
curiatae” (CRETELLA JÚNIOR: 2007, p. 27). 
Então, o povo era a sociedade romana, constituída, no início, apenas de 
patrícios. Após Sérvio Túlio, que deu à plebe a cidadania, também passaram a compor 
a populus romanus. 
O povo exercia seus direitos em assembléias, denominadas comícios, onde 
votavam para decidir sobre propostas específicas de casos concretos. 
 
3.1.1.6 Fontes do direito 
 
As fontes do direito na fase da realeza são apenas duas: o costume (fonte 
principal) e a lei (secundária). E, tendo em vista o amplo domínio dos deuses sobre o 
homem, essas fontes são extremamente influenciadas pela religião. 
Costume pode ser entendido como o “uso repetido e prolongado de norma 
jurídica tradicional, jamais proclamada solenemente pelo Poder Legislativo” 
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 28). Sua autoridade resulta de um acordo tácito entre 
todos os componentes da cidade. 
Já a lei decorre de uma iniciativa do rex, tendo em vista um caso concreto em 
que alguém deseja agir contrariando algum costume. Essa proposta do rei pode ou não 
ser aceita pelo povo. Se for aceita, a lex é analisada pelo senado. Caso ratificada torna-se 
obrigatória perante todos. 
Aqui, a autoridade da lei resulta, ao contrário do costume, de um acordo 
formal entre todos os cidadãos. Então, o Direito na realeza é: 
“Casuístico, porque era criado para cada caso concreto. Empírico,porque se 
baseava na observação prática, nada possuindo de científico. A posteriori, porque nascia 
depois do fato concreto. Finalmente, concreto, uma vez que nada tinha de abstrato, 
vinculando-se exclusivamente ao caso concreto” (FIUZA, 2007, p. 42). 
Então, a lei na fase da realeza teria surgido de forma gradativa e “como parte 
da religião. As normas sobre direito de propriedade e de sucessão estavam dispersas entre 
as regras relativas aos sacrifícios, à sepultura e ao culto dos antepassados” 
(COULANGES, 2007, p. 206). 
 
3.1.2 O Direito Romano na República (510 a.C. a 27 a.C.) 
3.1.2.1 Principais eventos 
 
No início da fase da república, logo após a expulsão de Tarqüínio, o Soberbo, 
houve a “substituição do rex por dois comandantes militares (cônsules) dotados de iguais 
poderes” (ENGELS, 2006, p. 143). 
Esses sucessores do rei eram eleitos anualmente, em número de dois, para que 
governassem de forma alternada, cada mês um deles controlavam o imperium, enquanto 
o outro fazia uma fiscalização, com direito de veto ou intercessio. E, “se perigos 
gravíssimos ameaçam a república, o cônsul em exercício enfeixa o poder dos dois, 
tornando-se ditador, com os poderes absolutos, perdendo o colega o recurso 
da intercessio (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 30). 
Foi nessa época que a diferença entre patrícios e plebeus já não se justificava. 
Inclusive, por volta dos séculos IV e III a.C., “a plebe já ocupava todos os cargos da 
magistratura, antes reservados só aos patrícios” (FIUZA, 2007, p. 54). 
 
3.1.2.2 Organização social 
 
Na República, a organização social se modifica um pouco. As classes sociais 
eram bem distintas: classe baixa (ou plebs urbana), escravos, Cavaleiros da Ordem 
Eqüestre e a nobreza. 
A economia, assim como na realeza, se baseava na mão-de-obra escrava. Os 
escravos, parcela significativa da população, “eram considerados bens semoventes, 
despidos de personalidade” (FIUZA, 2007, p. 53). 
Já a classe baixa, ou plebs urbana, era a casta composta por plebeus pobres, 
“com profissões menos prestigiosas: barbeiros, sapateiros, padeiros, açougueiros, 
pastores, agricultores etc” (FIUZA, 2007, p. 53). 
A classe dos Cavaleiros da Ordem Eqüestre era composta, na verdade, por 
homens de negócio. Atuavam, até mesmo, em nome de nobres, que não queriam ou não 
podiam exercer atividades mercantis. Eram os homens que não integravam a nobreza e 
que possuíam patrimônio superior a 400.000 sestércios. Esse nível patrimonial era o 
mesmo exigido “para se tornar um juiz eqüestre, a quem competia julgar as questões 
envolvendo corrupção” (FIUZA, 2007, p. 54). 
A última classe era a nobreza, também chamada de nobilitas, composta de 
descendentes de magistrados. Nesta classe, tinha destaque a Ordem Senatorial. Ao final 
da República, não era preciso ser descendente de homem público para integrar essa 
Ordem. 
A nobilitas era considerada a classe administradora e constituía, juntamente 
com os Cavaleiros, a classe dominante da época. Posto isso, as demais classes (plebe 
urbana e os escravos) eram dominados na fase do direito romano na República. 
 
3.1.2.3 Organização da religião 
 
Na fase anterior, o rei era o supremo sacerdote. Já na República, conforme 
ensina César Fiuza: 
“Os poderes sacerdotais do rei passaram ao rex sacrorum (rei das coisas 
sacras) na República. Além dele, havia o Colégio de Pontífices, encabeçado pelo pontifex 
maximus (sumo pontífice). Com o passar dos tempos, a pessoa do rex sacrorum se tornou 
figurativa e quem exercia o poder sacerdotal era o sumo pontífice” (FIUZA, 2007, 
p.48/49). 
 
3.1.2.4 Organização política e judiciária 
 
Na República, a organização política era composta por cônsules, pelo senado 
e pelo povo, que se reúne em comícios populares. 
Tendo em vista que os cônsules eram apenas dois e que enquanto um 
governava, o outro fiscalizava, o desenvolvimento da população de Roma exigiu a 
repartição das funções antes concentradas no rex. Por isso, foram criados vários cargos, 
dentre eles: questores, censores, edis curuis, pretores, praefecti jure dicundo e 
governadores das províncias. 
Já o Senado, que exercia funções consultivas, como por exemplo, ratificar leis 
e decisões dos Comícios, “compõe-se de 300 patres, nomeados pelos cônsules” 
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 31). “A partir de 312 a.C., os censores passaram a 
nomear os senadores, normalmente, dentre antigos cônsules. Até essa data eram indicados 
pelos cônsules” (FIUZA, 2007, p. 47). 
O povo, composto por patrícios e plebeus, exercia seus direitos reunidos em 
comícios: 
“Os comícios curiatos e os comícios centuriatos, como na realeza. Além 
disso, há uma nova espécie de comícios, os comícios tributos. A plebe, sozinha, reúne-se 
nos concilia plebis. Nestes concílios, votam-se os plebiscitos. Os comícios tributos 
(comitia tributa) são assembléias do povo, cuja unidade de voto é a tribo.” (CRETELLA 
JÚNIOR, 2007, p. 32). 
Nesses comícios populares, o populus romanus exercia funções legislativas e 
judiciárias (Comícios Centuriatos); eram responsáveis pelos testamentos e pelas ad-
rogações (Comícios Curiatos); e exerciam funções eletivas e legislativas (Comícios 
Tributos e Conselhos da Plebe). 
 
3.1.2.5 Fontes do direito 
 
As fontes do direito na fase da República são cinco: os costumes, as leis 
escritas, o senatus consultos, a jurisprudência e os editos dos magistrados. 
Em se tratando de um povo conservador, os costumes continuam 
desempenhando um papel importante como fonte do direito em Roma. Para César Fiúza, 
“um costume só será fonte de Direito, só será verdadeiramente costume se 
nele estiverem presentes o uso (repetição constante de uma prática) e a opinio 
necessitatis (convicção de que aquele uso tem força de norma jurídica).” (FIUZA, 2007, 
p. 49). 
Para José Cretella Júnior, a autoridade de um costume resulta de um acordo 
tácito entre os componentes da cidade. Para esse autor, costume pode ser entendido como 
o “uso repetido e prolongado de norma jurídica tradicional, jamais proclamada 
solenemente pelo Poder Legislativo” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 28). 
Pela incerteza oriunda de um ordenamento baseado em costumes, a plebe luta 
por uma lei escrita, pública, conhecida e que possa ser invocada contra qualquer um. 
Havia duas espécies de leis escritas, as leges rogatae e as leges datae. As primeiras eram 
propostas por iniciativa de um magistrado, votadas pelo povo e homologadas pelo 
Senado. Já as leges datae eram medidas unilaterais tomadas diretamente pelos cônsules, 
em nome do povo, sem votação e nem homologação do Senado. 
Das leis escritas, fundamental mencionar sobre a Lei das XII Tábuas, 
considerada até mesmo como sendo fonte de todo o direito privado. Elas “foram escritas 
em meio a uma evolução social; foram os patrícios que as fizeram, mas a pedido e para 
uso da plebe” (COULANGES, 2007, p. 334). Esse pedido foi feito através de protestos e 
revoltas populares. 
Diante do caráter tipicamente romano da Lei das XII Tábuas, ocorreu 
imediata aceitação e, assim que publicadas, passaram a regular as relações do povo de 
Roma. Há autores que afirmam de modo diferente, que essa Lei teria sido fruto de 
compilação dos costumes da época. 
O senatus consultos era a consulta que o Senado fazia após convocação por 
um magistrado. Era “uma espécie de parecer senatorial” (FIUZA, 2007, p. 51). Não tinha 
força de lei. 
A jurisprudência, que também pode ser chamada de interpretação dos 
prudentes, seria como se fosse nossa atual doutrina jurídica, contendo interpretações e 
adaptações à lei. 
Como a lei na época tinha muitas lacunas, de extrema importância o trabalho 
dos jurisprudentes, que eram “jurisconsultos encarregados de preencher as lacunas 
deixadaspelas leis” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 34). 
Os editos dos magistrados tinham grande relevância na fase da república. 
Eram um conjunto de cláusulas, que funcionavam como normas, expondo a plataforma 
que seria aplicada para os casos que fossem apresentados. Eram divulgados assim que os 
magistrados assumiam o cargo. 
 
 
4 HERMENÊUTICA E MODERNIDADE 
 
Considerando o relevo da autonomia do pensamento jurídico contemporâneo, 
torna-se indispensável o resgate de parte da historicidade para alcançar a atitude mental 
do jurista que influencia a realização do direito. Por esta linha, devem ser compreendidas 
as dimensões da ligação entre pensamento e concretização, ideia e realização prática. A 
investigação, como concebida, visa desvendar a compreensão da própria evolução do 
direito enquanto fenômeno histórico-cultural marcado por um processo histórico 
complexo. 
O estudo do direito representa lastro seguro e indispensável ao entendimento 
dessa complexidade histórica, considerando a metodologia que lhe é própria, permitindo 
o resgate dos aspectos polêmicos e relevantes da construção do pensamento jurídico a 
partir da Jurisprudência dos conceitos. 
“Os pensamentos jurídicos revelam-se, deste modo, entidades culturalmente 
históricas. São função da concepção do direito e dos objetivos práticos. Mais do que isto, 
são função inclusivamente do sentido fundamental da cultura englobante, do sistema 
cultural global, porquanto aí se oferecem já os últimos e referentes intencionais (o próprio 
sistema de valores que o direito assimilará), já as estruturas noéticas que nessas épocas 
condicionam as possibilidades de pensar abertas a qualquer pensamento integrado nesse 
mesmo universo cultural. Daí, pois as profundas variações diacrônicas e as não menores 
diferenças sincrônicas do pensamento jurídico”.(NEVES, 1993, p.13) 
O ensaio tem por propostas: descrever os resultados obtidos na pesquisa 
científica levada a efeito no projeto científico, sob idêntico título técnico, desenvolvido 
na instituição; apreender o conhecimento histórico do pensamento jurídico a partir de um 
dado período, considerando mais significativo e, portanto, mais próximo dos fins do 
estudo, apontando a influência da metodologia de tempos mais recentes acerca do 
ambiente jurídico.3 
Cabe remarcar, não ser objeto de estudo a própria história do pensamento 
jurídico. A análise deduzida será parcial e referente às fases mais relevantes, a juízo 
próprio, constituídas por diferentes momentos da racionalidade jurídica, em contraponto 
à ruptura paradigmática subsequente. 
Para Cabral de Moncada, “a história do direito deve conceber-se como uma 
história de conceitos construtivos e das dogmáticas dos diversos sistemas jurídicos do 
passado, procurando fazer-se a reconstituição, fixação e caracterização destes nas suas 
relações entre si e com o presente”. (MONCADA, 
1949, p. 213) 
É nessa perspectiva que o ensaio desenvolverá investigações elegendo como 
ponto de partida a metodologia de Savigny, objetivando a análise crítica da evolução do 
pensamento jurídico sempre direcionada à compreensão do direito em suas 
complexidades, restando assentado, desde o início, com o apoio de Karl Larenz “que a 
ciência do direito desenvolve por si métodos de um pensamento orientado a valores, que 
permitem complementar valorações previamente dadas, vertê-las no caso singular e 
orientar a valoração que de cada vez é exigida, pelo menos em determinados limites, a 
tais valorações previamente achadas” (LARENZ, 1997, p. 3). 
 
4.1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO NA PERSPECTIVA DA 
TRILOGIA DAS JURISPRUDÊNCIAS 
 
A investigação tem por meta resgatar a evolução do pensamento jurídico com 
vistas à apreensão dos conteúdos retidos na historicidade, para desvelar a influência 
exercida no direito pós-moderno, com vista à análise da complexidade e busca da 
realização dos fins do direito em relação ao contexto social. 
A delimitação temática decorre das dimensões do pensamento jurídico focado 
na comparação das Jurisprudências dos conceitos, interesses e valores. 
Tais delineamentos são adequados para distinguir a evolução das 
possibilidades hermenêuticas no contexto temporal. 
De outra parte, resgatar a memória do pensamento jurídico representa estudo 
indispensável à academia que, em algumas vezes, peca por omitir as bases históricas ao 
estudante que, sem outra opção, tenta entender problemas atuais sem conhecer a 
historicidade, por exemplo no que tange à prestação jurisdicional, à celeridade ou a 
ausência da celeridade nas resoluções das lides, a excessiva burocracia decorrente da 
própria legislação vigente, que permite a interposição de um número incontável de 
recursos das decisões judiciais, procrastinando a justiça e impedindo a concretização de 
busca de soluções que proporcionem aos jurisdicionados uma prestação jurisdicional 
eficaz, que atenda aos interesses em conflito e, sobretudo, realizadora da justiça. Estas e 
outras disparidades decorrem de um complexo de situações, muitas das quais ainda 
motivadas por questões que remontam no emprego de metodologias tardias, fundadas em 
pensamentos jurídicos pretéritos, distantes da realidade social e, por via de consequência, 
da realização da justiça. 
 
4.2 Jurisprudência dos Conceitos 
 
A Jurisprudência dos conceitos tem origem na Alemanha, com Puchta 
defendendo a adoção de um sistema próprio para a construção conceitual das normas 
jurídicas. “Essa concepção de sistema veio informar a Jurisprudência dos conceitos 
(Begriffsjurisprudenz), que se desenvolveu com Georg Friedrich Puchta, sistematizador 
da escola histórica, que, em sua pirâmide de conceitos, deu ênfase ao caráter lógico-
dedutivo do sistema jurídico, enquanto desdobramento de conceitos e normas abstratas 
da generalidade para a singularidade, em termos de uma totalidade fechada e completa”. 
(FERRAZ JR., 1977, p. 33) 
Deste modo, a Jurisprudência dos conceitos foi responsável pela introdução 
do método lógico-dedutivo nos sistemas jurídicos considerando-os fechados e completos. 
Definia-se, então, o apego ao racionalismo dogmático ainda que seu defensor entendesse 
o Direito como nascido do espírito popular. 
As fontes do direito estavam formadas pelo costume, pela lei e pela ciência 
jurídica. O Estado não criava o direito que era pressuposto, mas era indispensável à 
realização do direito. 
Savigny, em sua primeira fase, apega-se à lei como regra superior, 
defendendo, nessa perspectiva, o formalismo lógico, retirando qualquer possibilidade 
criativa do juiz e, portanto, negando a interpretação com base em outras fontes. 
Posteriormente, recua para aceitar o direito como produção do espírito do 
povo (Volksgeist), afastando-se da concepção de que a lei já não predominava como fonte 
originária do direito. 
“Savigny entendia que a apreensão conveniente de um instituto, como um todo de sentido, 
só era possível pela intuição – confirmando o pensamento conceitual numa apreensão de 
regras jurídicas necessariamente abstratas, à maneira da lógica formal - pode dizer-se que 
ele preparou o caminho à Jurisprudência dos conceitos formal de Puchta (...) Savigny 
liberta-se da estrita vinculação ao teor literal da lei defendida no seu escrito de juventude, 
em favor de uma consideração mais vigorosa do fim da lei e o nexo de significações 
fornecidas pela global intuição do instituto”. (LARENZ, 1997, p. 15-19) 
O pensamento conceitual toma por fundamento a construção abstrata das 
normas jurídicas. Cria-se um sistema lógico-dedutivo estruturado em um conceito 
fundamental que subordina todos os demais. O conceito geral localizasse no vértice da 
pirâmide e os específicos na base. 
Isto significa dizer, segundo Larenz, que“quanto maior for a largura, ou seja, 
a abundância da matéria, tanto menor a altura, ou seja, a capacidade de perspectiva, o 
âmbito de aplicação e vice-versa. (...) O ideal do sistema lógico é atingindo quando no 
vértice se coloca o conceito mais geral possível, em que se venham a subsumir, como 
espécies e subespécies, todos os outros conceitos, de sorte a que de cada ponto da base 
possamos subir até ele, através de uma série de termos médios e sempre pelo 
caminho da eliminação do particular”. (LARENZ, 1997, p. 23) 
Em síntese, a Jurisprudência dos conceitos dá origem a um sistema lógico de 
conceitos, sendo que o princípio geral e os específicos interligam-se através de 
condicionantes e derivantes. Assim, se cada conceito superior admite várias afirmações, 
àquele co-determina todos os inferiores através de seu conteúdo, denominado por Puchta 
de nexo lógico de conceitos. O sistema conceitualista apresenta-se atrelado ao método 
lógico-dedutivo, a busca do conhecimento sistemático, nos sentidos ascendentes e 
descendentes. Os conceitos geral e específicos ou, em outras palavras, o conceito 
fundamental e os especiais comunicam-se nessa estrutura sistêmica piramidal, de estrita 
observância lógica. 
Para a teoria conceitualista, a característica do pensamento conceitual resulta 
de que os conceitos ou normas criados permitem apenas ver a superfície exterior do 
sistema, e o que é essencial, a prática, fica totalmente eliminada do sistema, pois não há 
aplicabilidade para tal teoria ou aspecto conceitualizado. 
Percebe-se, no entanto, que o erro está justamente nesta ligação entre a base 
e o vértice da pirâmide, já que os conceitos inferiores passam a ser entendidos somente 
segundo o conceito superior a que se integram e não pela sua função no contexto em que 
se inserem, o que resulta em duas afirmações, segundo Larenz: 
 
“a construção dedutiva do sistema depende absolutamente da 
pressuposição de um conceito fundamental determinado quanto 
ao seu conteúdo, conceito que não é, por sua vez, inferido do 
Direito positivo, mas dado previamente à ciência jurídica pela 
filosofia do Direito. Só pode ser Direito o que se deixe subordinar 
a esse conceito fundamental”. (LARENZ, 1997, p. 26) 
 
O formalismo jurídico estabelece um modelo de construção racionalista do 
direito, desenvolvendo-se desde o final do século XVIII e, por mais incrível que possa 
parecer, mantém-se até os dias atuais. Foi fortemente impulsionado pelo positivismo, 
sendo a construção lógico-dedutiva reafirmada pelo normativismo de Hans Kelsen. 
As críticas ao formalismo jurídico são incontáveis, enfrentando 
questionamentos que passam pela emancipação do direito, distanciamento da realidade 
social, alienação da ciência do direito, ausência de consciência crítica e hermetismo 
metodológico. Estas reações aos excessos lógicos-formais preparam 
a base para impulsionar a mudança do pensamento jurídico na modernidade, 
deslocando-se da racionalidade científica, do formalismo lógico em direção a outras 
dimensões demarcadas pelo pluralismo jurídico. 
A Jurisprudência dos conceitos estabelece, para um longo período, a base 
metodológica adotada, posteriormente, pela metodologia da subsunção. A lógica dedutiva 
reflete profundas inadequações em relação à hermenêutica jurídica. O papel criador do 
juiz inexiste, considerando que o único movimento possível estava e permanece em 
subsumir o fato à norma. A extensão maior permaneceu em relação à colmatação de 
lacunas, implicando na justificativa, da necessidade inarredável, de sustentar a ficção da 
completude do sistema. 
Em Kelsen a metodologia da subsunção alcança o ápice através da doutrina 
da estrutura escalonada da norma. A imagem piramidal é mantida. 
No vértice localiza-se a norma fundamental como pressuposição lógico 
transcendental e fundamento de validade, de onde decorre a validade de todas as normas 
jurídicas. 
Para a doutrina kelseniana da teoria pura do Direito, importa, tão somente, o 
Direito positivo: 
“uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, mas sim 
porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico de uma norma 
fundamental pressuposta [...]. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito. Não 
há qualquer comportamento humano que, em si mesmo, esteja excluído de ser conteúdo 
de uma norma jurídica”. (KELSEN, 1976, p. 273) 
As críticas ao positivismo jurídico são dirigidas à própria teoria kelseniana, 
tomando, como exemplo, o rigor metodológico de sua concepção normativa. Kelsen foi 
considerado o metodólogo do silogismo jurídico, em que a premissa maior é a norma 
válida, a premissa menor é a ordem de conduzir-se de determinada maneira e a conclusão 
é a própria afirmação da validade da norma. 
Em verdade, foi exatamente o que o modelo kelseniano traduziu, rompendo 
os diálogos do direito com ciências afins, especialmente com a sociologia, que se 
destacava à época.5 
Não obstante, as diversas críticas em relação à metodologia racionalista 
permaneçam, a subsunção subsiste, resistindo às modificações metodológicas, mantendo-
se como núcleo da estrutura padrão, assegurada na atualidade pela resistência ao novo, 
revelado naturalmente pelo avanço da sociedade plural, gênesis do fenômeno jurídico 
pluridimensional. Por via de consequência, chega-se a inquestionável esgotamento do 
modelo da subsunção, sendo que o fator temporal seria bastante para dar conta da 
superação do velho silogismo. A complexidade social, de par com a libertação do direito, 
somados à crise paradigmática, promovem a ruptura com a velha concepção, em direção 
à renovação de toda uma estrutura passada, insuficiente para dar respostas à produção e 
aplicação do direito, voltadas à contemplação das necessidades sociais, contextualizadas 
pela visão aberta do mundo social atual.6 
 
4.3 Jurisprudência dos Interesses 
 
O final do século XVIII e século XIX são marcados pela proposta de uma 
jurisprudência pragmática voltada à compreensão do valor da vida e a transposição para 
o direito. Neste período, destaca-se a obra de Jhering ao enfrentar a questão, até então não 
referida, da ausência de valor na Jurisprudência 
dos conceitos. 
A percepção de Jhering volta-se para as transformações operadas no âmbito 
dos conceitos e das proposições jurídicas em razão da passagem do tempo. 
A apreensão temporal feita por Jhering traz ao cimo e ao questionamento 
problema inafastável do centro das discussões referentes aos novos conceitos, até então; 
não enfrentados pela própria Jurisprudência dos conceitos. Ainda assim, Karl Larenz 
questiona a crença da inalterabilidade dos conceitos jurídicos, as combinações de tais 
conceitos fazendo surgir um conceito novo e, ainda, a dedução de novas proposições 
jurídicas, não enfrentadas por Jhering, em sua jovialidade. 
“Nessa ordem de ideias, vê agora Jhering que a coerência lógica de uma 
proposição jurídica não é o mesmo que a sua validade prática, declarando-se contra a 
ilusão da dialética jurídica, que busca dar ao positivo o nimbo do lógico, contra o culto 
da lógica, que pensa erigir a Jurisprudência em uma matemática do Direito”. (LARENZ, 
1997, p. 58) 
A respeitabilidade da crítica permite verificar a vulnerabilidade da 
metodologia. A reação, face aos equívocos dos postulados metodológicos, conduzem as 
contribuições de Jhering para a crítica direcionada à desconstrução da logicidade reinante 
mediante a oposição, agora de caráter teleológico, significante de uma viragem expressiva 
em seus trabalhos. 
“A trajetória intelectual de Jhering expressa a passagem, a superação do 
formal pelo real. O momento marcante dessa passagem, creio, encontra-se na definição 
do direito como ‘interessejuridicamente protegido’. [...] Os conceitos e as categorias 
jurídicas, por certo delas não se libertou Jhering. São, para o segundo Jhering, não 
obstante, conceitos e categorias visualizados de uma perspectiva inteiramente nova. São 
conceitos e categorias históricas e, portanto, alteráveis segundo o envolver das 
circunstâncias históricas”. (GRAU in ADEODATO, 1996, p. 72) 
A partir de apurada revisão das concepções conceituais, Jhering concebe, 
finalmente, a doutrina finalista do direito, quando sentencia: “A vida não é conceito; os 
conceitos é que existem por causa da vida. Não é o que a lógica postula que tem de 
acontecer; o que a vida, o comércio, o sentimento jurídico postulam é que tem de 
acontecer, seja isso logicamente necessário ou logicamente impossível”. (JHERING apud 
ARENZ, 1997, p. 58) 
Estava iniciada a nova fase de compreensão do direito em busca de um 
movimento libertário que viria para permitir novos métodos de interpretação, importando 
em dizer da necessidade do direito se adequar à sociedade, à vida; enfim, ao trânsito 
jurídico. Era preciso libertar a criatividade e, na busca desta realização, passa-se do meio 
ao fim. 
Foi então que Jhering escreveu Der Zweck im Recht – O Fim do Direito – 
onde propugna que “o fim é o criador de todo o direito; não há norma jurídica que não 
deva a sua criação a um fim, a um propósito, isto é, a um motivo prático”. (JHERING 
apud DINIZ, 2004, p. 60) 
E a finalidade do direito, no entender de Jhering, é a proteção de interesses, procurando 
conciliar os individuais com os coletivos.7 “O eixo da obra de Jhering reside 
verdadeiramente na questão dos sujeitos dos fins, do sujeito que está por detrás das 
proposições jurídicas e que, através delas, consegue prevalecer”. (LARENZ, 1997, p. 59) 
A Jurisprudência dos interesses é marcada pela introdução do elemento 
finalístico na produção e aplicação do direito, voltado à contemplação de um fim social. 
“Ele vê no direito a finalidade de proteção de interesses, mas só enquanto a convergência 
dos interesses sobre o mesmo fim, suscitando a cooperação, cria determinadas 
instituições, como o Estado, o comércio e a sociedade. E isso de modo tal que o 
utilitarismo de Jhering resulta um utilitarismo não-egoísta, não individual, mas sim um 
utilitarismo social. É aí que se abre a linha, na obra de Jhering, que vai enriquecer a 
sociologia do direito. A Jurisprudência dos interesses também recebe essa influência”. 
(GRAU in ADEODATO, 1996, p. 75-76) 
Jhering concebe a doutrina do interesse, mas foi Heck o responsável pela 
construção metodológica da Jurisprudência dos interesses. Em síntese apurada, a 
Jurisprudência dos interesses apreende o direito em uma dimensão específica de tutela de 
interesses. O ponto fundamental é que esses interesses são, de fato, legítimos interesses 
sociais, vale dizer, os interesses dos sujeitos de direito e grupos sociais na ordem sócio-
jurídica. 
Na afirmação de Larenz “o centro de gravidade desloca-se da decisão pessoal 
do legislador e de sua vontade entendida psicologicamente, primeiro para os motivos e, 
depois, para os fatores causais motivantes. A interpretação, reclama Heck, deve remontar, 
por sobre as concepções do legislador, aos interesses que foram causais para a lei. O 
legislador aparece simplesmente como um transformador, não sendo nada mais, para 
Heck, que a designação englobante dos interesses causais”. (LARENZ, 1997, p. 66) 
A Jurisprudência dos interesses, impregnada de uma certa orientação 
sociológica, foi muito bem recepcionada, na medida em que obteve a realização dos fins 
práticos a que se destinava e, ainda, por ter, gradativamente, solapado o espaço ocupado 
pelo formalismo lógico do sistema dos conceitos jurídicos 
abstratos. A resistência e crítica aos excessos lógicos permitiu o desenvolvimento de 
novos enunciados. A despeito das críticas enfrentadas, e a ausência de preocupação direta 
com a questão do valor, embora naturalmente presente no ambiente social, aquele 
movimento metodológico promoveu, no âmbito da hermenêutica, formulação progressiva 
para alcançar a meta principal, compromissada com a ideia de realidade. Assim, os fatos 
sociais, os eventos da vida em sociedade, os interesses dos indivíduos e dos grupos 
sociais, são o centro gravitacional da proposta metodológica que obtém êxito ao 
consolidar os resultados práticos, defendidos como ponto vital do modelo. Os equívocos 
teóricos não comprometem a finalidade do conjunto metodológico. 
 
4.4 Jurisprudência dos Valores 
 
Os movimentos metodológicos conduzem a um novo ambiente demarcado 
pela necessidade indiscutível de uma concepção do pensamento jurídico capaz de 
absorver valores, princípios, não só no plano do ideário, mas por serem realidades 
culturais do universo humano. Assim, a interpretação desses valores, a funcionalidade, 
emprego e adoção em benefício da compreensão dos casos concretos em uma dada 
dimensão, conduzem a travessia da Jurisprudência dos interesses para a Jurisprudência 
dos valores. 
“A passagem a uma Jurisprudência de valoração só cobra, porém, o seu pleno 
sentido quando conexionada na maior parte dos autores com o reconhecimento de valores 
ou critérios de valoração supralegais ou pré-positivos que subjazem às normas legais e 
para cuja interpretação e complementação é legítimo lançar mão, pelo menos sob 
determinadas condições. Pode-se a este propósito invocar os valores positivados nos 
direitos fundamentais, especialmente nos artigos 1º a 3º da Lei Fundamental, recorrer a 
uma longa tradição jusfilosófica, a argumentos linguísticos ou ao entendimento que a 
maior parte dos juízes tem de que é sua missão chegar a decisões justas. A quase 
totalidade dos autores envolvidos nas mais recentes discussões metodológicas partilha a 
concepção de que o Direito tem algo a ver com a justiça, com a conduta soco eticamente 
correta”. (LARENZ, 1997, p. 167) 
É, pois, com a Jurisprudência de valoração que os princípios são trazidos 
como critério de interpretação, não importando se legais ou supralegais, surgindo aí a 
contribuição indispensável de Dworkin e Alexy. A ideia da absorção dos princípios pelo 
Direito prospera na pósmodernidade pela importância teórica e prática que passam a 
representar para a produção e aplicação do Direito. Os princípios normativados são 
introduzidos nas modernas cartas constitucionais dos novos Estados democráticos. Tal 
fato é extremamente relevante em relação ao direito pátrio referente à absorção das pautas 
axiológicas pela Carta Magna brasileira. 
A densificação da valoração do Direito ocorre de conformidade com o 
pensamento jurídico da Jurisprudência dos valores, passando pelas dimensões da 
legitimidade do Direito, da eficácia do Direito e, por que não dizer, também no âmbito da 
validade. 
O Direito, como realidade complexa, desenvolve-se fundado nas texturas 
axiológicas para valer como instrumento de realização da justiça na busca dos fins 
práticos, da função social do Direito, visando regular, assegurar, solucionar conflitos da 
vida em sociedade. 
A nova ordem metodológica, em que pese desafiante, recebe aporte 
significativo do ambiente constitucional pós-moderno. As transformações decorrentes da 
nova metodologia afastam o pensamento anacrônico da subsunção, rompendo com a 
vinculação do arquétipo de uma lógica encarcerada em pirâmides. 
A absorção da valoração pelo Direito continental no século passado provoca 
mudanças de paradigmas para fundar o Direito na pós-modernidade, representando o mais 
significativo dos movimentos metodológicos, responsável pela base principiológica 
indispensável à produção científica na perspectiva de um paradigma epistemológico, 
contrapondo-se ao silogismo lógico gerado pela racionalidadede um tempo e época. 
O ordenamento jurídico brasileiro, por meio da convenção metodológica da 
constitucionalização, adere, em tardia modernidade, à metodologia dos valores, 
conformados em princípios constitucionais. Lênio Streck está “convencido de que há uma 
crise de paradigmas que obstaculiza a realização 9º acontecer) da Constituição (e, 
portanto, dos objetivos da justiça social, da igualdade, da função social da propriedade, 
etc.): trata-se das crises dos paradigmas objetivista aristotélico-tomista e da subjetividade 
(filosofia da consciência), bases da concepção liberal-individualista normativista do 
Direito, que se constitui, em outro nível, na crise de modelos de direito, pela qual, muita 
embora já tenhamos, desde 1988, um novo modelo de Direito, nosso modo-defazê-l- 
Direito continua sendo o mesmo de antanho, isto é, olhamos o novo com os olhos do 
velho, com a agravante de que o novo (ainda) não foi tornado visível”. (STRECK, 2004, 
p. 294) 
O século XX, marcado pela crise do direito, pelos problemas e 
transformações provocados pela crise, enfrenta a ruptura em relação aos velhos 
paradigmas, exigindo a reflexão acerca das questões surgidas em meio a uma nova 
postura paradigmática, vinculada à identificação da função transformadora do Estado 
Democrático de Direito, ainda oculta. Nesse sentido, afirma Lênio Streck: 
“Basta observar que, em pleno Estado Democrático de Direito, setores 
importantes da dogmática jurídica continuam (des)classificando as normas em 
programáticas, de eficácia plena, etc., com o que os dispositivos denominados de 
programáticos são relegados a um segundo plano, com baixa ou nenhuma carga 
eficacial”. (STRECK, 2004, p. 299) 
Por este caminho constitucional, o Direito brasileiro recepciona, finalmente, 
a interpretação conforme a Constituição. Mas, não só a interpretação como também a 
produção e aplicação do Direito, estão orientados pelo mesmo nível. 
“Por isso, a Jurisprudência é tanto no domínio prático (o da aplicação do 
direito) como no domínio teórico (o da dogmática), um pensamento em grande medida 
orientado a valores. Que um tal pensamento é uma das distintas possibilidade do 
pensamento e em que é que consiste a sua especificidade não é algo de que muitos juristas 
tenham clara consciência, pois equiparam o pensamento jurídico com a subsunção ou com 
as deduções lógicas e não consideram como suscetíveis de fundamentação racional os 
juízos de valor”. (LARENZ, 1997, p. 299-300). 
Dito de maneira mais direta e referente à visão equivocada da Constituição e 
seus princípios (valores), de acordo com a crítica de Alejandro Nieto: “Las constituciones 
no son al fin y al cabo más que un texto lingüístico, por más que en ellas se prometan las 
maravillas de un Estado de Derecho que asegura el imperio de la ley. Lo que convierte la 
Constitución en un elemento capital del Derecho, no son esas pomposas declaraciones 
sino la voluntad del Estado, de los partidos y de los ciudadanos en hacerla operativa. Son 
ellos con el esfuerzo de cada dia – y no las Cortes constituyentes de una vez por todas – 
los que hacen de veras la Constitución”. (NIETO, 2007, p. 131) 
Nem as Cortes Superiores, nem os Tribunais, são capazes de superar o 
formalismo que deforma o Direito, o Direito Constitucional, que assegura o direito de 
constituir uma sociedade livre, justa e solidária que busca, incansavelmente, em meio à 
debilidade do Estado Democrático de Direito e Social, assegurar a sobrevivência 
(in)digna, a (in)segurança, a paz social por entre as balas da violência perdida, o bem (in) 
comum, em algum lugar constituído para constituir o homem (de) bem, o ser humano (de) 
direito. 
“Há uma dificuldade enorme em convencer a comunidade jurídica acerca do 
valor da Constituição e do constitucionalismo. A crise ocorre em vários níveis. Em um 
nível mais simples, a inefetividade da Constituição decorre da mera ignorância acerca da 
diferença entre texto e norma ou entre vigência e validade. 
[...] São raras, igualmente, as decisões que aplicam as técnicas da 
interpretação conforme a Constituição e da inconstitucionalidade parcial sem redução de 
texto. [...] Em outro nível, a ineficácia constitucional está assentada num plano mais 
complexo, a partir da negativa dos Tribunais (assumindo maior relevância, aqui, os 
Tribunais Superiores) em dar efetividade aos princípios e às assim denominadas ‘normas 
programáticas’, ainda consideradas como ‘meramente’ programáticas. 
Veja-se a dificuldade em fazer valer o valor da parametricidade do art. 3º da 
Constituição, que consubstancia o Estado social na Constituição. Uma hermenêutica 
adequada aponta, por exemplo, para a inconstitucionalidade de muitas das privatizações 
realizadas nos últimos oito anos; muito embora tais teses tenham recebido guarida na 
justiça federal, foram esvaziadas em grau de recurso pelo STJ e pelo STF. Isto para dizer 
o mínimo”. (STRECK, 2004, p. 78) 
As metodologias sob análise contribuem, fortemente, com seus acertos e não 
acertos, doando ao Direito contribuições de significado inestimável. Não obstante, o 
pensamento jurídico capta as transformações colhidas em cada plano para manusear, com 
habilidade científica, os conceitos, interesses e valores. 
As estruturas metodológicas acabam sendo reconhecidas como através de 
uma convivência paralela que não se excluem. Convergindo ou divergindo, compõem a 
cena do pensamento jurídico desde a Historicidade até a pósmodernidade. Do conjunto 
trino analisado, o saldo pode ser considerado positivo quando revisitado pela lente da 
arguta teoria crítica do Direito, objeto de análise futura e parte da sequência de nosso 
projeto, em sua segunda fase. 
 
5 TEORIAS FILOSÓFICAS DO 1º MOVIMENTO METODOLÓGICO – 
JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS 
 
5.1 kant – Fenômeno x Númeno 
 
As formulações mais gerais de Kant sobre interpretação, exegese e 
hermenêutica são encontradas em seu opúsculo O conflito das faculdades, publicado em 
1798. Tratando de delimitar as competências respectivas da faculdade de Filosofia e das 
faculdades superiores de Teologia, Direito e Medicina, Kant explicita em relação à 
Teologia o que constitui a contribuição específica da Filosofia para a interpretação de 
textos religiosos, defendendo o procedimento que adotara em seu texto de 1793 sobre A 
religião nos limites da simples razão. Diante da tradição teológica, trata-se, portanto, para 
o filósofo, de estabelecer "princípios filosóficos da interpretação da Escritura" (AA VII, 
38),formulando-se a "regra suprema da interpretação <Interpretation" (AA VII, 41) nos 
seguintes termos: "Passagens que contêm certas doutrinas teóricas, anunciadas como 
sagradas, mas que ultrapassam todo conceito racional (até mesmo o prático) podem, 
aquelas passagens, entretanto, que contêm proposições que contradizem à razão 
prática devem ser interpretadas em favor da última" (Der Streit der Fakultäten, AA VII, 
38). Essa regra formula a pretensão da razão a se constituir como autoridade suprema 
também no âmbito da interpretação de textos religiosos, desdobrando-se em duas partes. 
Com a primeira parte da regra, concernente àquelas narrativas cujo sentido literal 
ultrapassa os limites da razão sem, no entanto, entrar em contradição com os princípios 
racionais, torna-se disponível para a interpretação racional o conjunto dos textos 
sagrados, seja aqueles que já se atêm ao "conceito racional", seja aqueles que o 
ultrapassam, exigindo assim uma interpretação racional. Com a parte final da regra, 
concernente àquelas narrativas que entram em contradição com a razão, é mesmo 
formulado um princípio de intervenção no âmbito das interpretações 
religiosas, devendo ser combatido o desdobramento irracional e sugerida uma 
interpretaçãoracional dessas narrativas. 
Apesar do enorme desafio que um tal princípio racional de interpretação 
constitui para uma teologia tradicional e dogmática, Kant acredita poder contar com o 
apoio de uma faculdade teológica esclarecida, pois mesmo os teólogos concederiam, ao 
distinguir entre expressão humana e sentido divino, que "a razão é, em matérias religiosas, 
a intérprete <Auslegerin> suprema da Escritura" (AA VII, 41). Esta expectativa de Kant 
só se justifica diante do desenvolvimento que a teologia protestante sofreu desde a 
Reforma até a Época das Luzes, dando margem à esperança de que um dia a própria 
teologia se harmonizaria plenamente com a razão. No contexto da proibição de se 
manifestar sobre assuntos religiosos, sofrida por Kant em 1794, trata-se aqui, não de uma 
ingenuidade, mas de uma expectativa motivada pela própria razão. 
Em termos de técnica interpretativa, a regra mencionada pressupõe a 
distinção entre o sentido literal de uma narrativa e o sentido que se estabelece pela 
interpretação. Assim, as narrativas bíblicas podem ser "tomadas como verdadeiras 
literalmente <buchstäblich für wahr gehalten" ou "interpretadas de certa maneira <doch 
so ausgelegt" (Der Streit der Fakultäten, AA VII, 41). Ao "sentido literal <der 
buchstäbliche Sinn" (AA VII, 41) podem ser contrapostos sentidos estabelecidos por 
interpretação, por exemplo, mediante "a ideia de uma interpretação filosófica da 
Escritura" (AA VII, 44). Assim, a interpretação que Kant sugeriu em A religião nos 
limites da simples razão é uma aplicação dessa ideia de uma interpretação filosófica da 
Escritura, tendo como fio condutor o princípio da moralidade. O sentido literal é 
designado também "a letra", contrapondo-se lhe "o espírito" (Cf. AA VII, 64), que na 
interpretação kantiana é o sentido moral. A crença no sentido literal ou na mera letra da 
narrativa "é morta em si mesma" (AA VII, 66), enquanto só o espírito ou a crença no 
sentido moral vivifica e torna bem-aventurado (Cf. AA VII, 67). 
Abrindo os textos bíblicos para o campo das interpretações, a regra da 
interpretabilidade dos textos e discursos religiosos leva naturalmente ao desenvolvimento 
de uma técnica da interpretação, a fim de suplantar a total arbitrariedade que se 
estabeleceria com interpretações sem nenhum critério. Esta técnica é a hermenêutica, cujo 
desenvolvimento inicial se dá como "arte/técnica da interpretação <Auslegungskunst> 
bíblica (hermenêutica sacra)" (AA VII, 66). A hermenêutica pode tomar o texto sagrado 
como autêntico, quer dizer, como expressando a intenção do autor, caso em que "a 
interpretação tem de ser adequada literalmente (filologicamente) ao sentido do autor" 
(AA VII, 66), ou então em sentido doutrinal, quando o intérprete "tem a liberdade de 
atribuir à passagem (filosoficamente) aquele sentido que ela adquire na exegese em 
perspectiva prático-moral" (AA VII, 66). Ora, tão somente a interpretação doutrinal adota 
como critério o progresso moral dos povos, enquanto a interpretação literal se aferra ao 
sentido literal das narrativas, menosprezando mesmo a possibilidade de que seus autores 
tenham se equivocado ou representem um estágio pouco desenvolvido do conhecimento 
e da moralidade: "Portanto o único método bíblico-evangélico de instruir o povo na 
verdadeira religião interior e universal é tão-somente aquela interpretação doutrinal que 
não exige conhecer (empiricamente) qual sentido o autor sagrado pode ter dado a suas 
palavras, mas qual doutrina a razão pode ocasionalmente atribuir (a priori) a um trecho 
da Bíblia em perspectiva prática" (Der Streit der Fakultäten, AA VII, 67). 
O conflito das faculdades explicita, assim, os princípios filosóficos da 
interpretação de narrativas religiosas, fornecendo finalmente o fundamento da 
interpretação filosófica de algumas dessas narrativas apresentada por Kant em A religião 
nos limites da simples razão. Essa obra visa uma interpretação unitária das narrativas 
bíblicas sob o princípio único da moralidade. A filosofia moral kantiana abriu também 
espaço para uma religião racional ou uma fé moral, na perspectiva da complementação 
das exigências rigorosas da razão prática pura num ser limitado e mesclado com 
elementos sensíveis como é o ser humano. A Crítica da razão prática reconhece a 
necessidade de um ser racional finito acreditar na existência de Deus, introduzindo-a 
como um postulado da razão prática e autorizando, assim, a crença religiosa e o cultivo 
de uma religião racional em perspectiva moral. Ora, historicamente seres racionais finitos 
como os homens sempre já se deparam com crenças empiricamente constituídas, nas 
quais os povos satisfazem aquela "necessidade natural de todos os homens de obter para 
os supremos conceitos e fundamentos racionais sempre algo sensivelmente seguro, uma 
confirmação qualquer da experiência etc." (Die Religion, AA VI, 110). Historicamente, 
portanto, a autorização do cultivo da religião racional visando a complementação sensível 
das exigências da razão leva à necessidade de harmonizar aquelas crenças empíricas com 
o fundamento da fé moral, tornando indispensável a hermenêutica, pois "para tanto é 
exigida uma interpretação <Auslegung> da revelação que chegou até nós, i. é, uma 
completa interpretação <Deutung> da mesma em um sentido que concorda com as regras 
práticas universais de uma religião racional" (Die Religion, AA VI, 110). Está respondida 
assim a questão que Kant formula em nota: "pergunto se a moral deve ser interpretada 
segundo a Bíblia ou antes a Bíblia deve ser interpretada segundo a moral" (Die Religion, 
AA VI, 110 nota). Sendo o fim de toda atividade racional a promoção da moralidade, a 
complementação sensível que a razão prática pura encontra nas narrativas bíblicas só será 
autorizada segundo o princípio da própria moralidade: "Uma vez que o aprimoramento 
moral do homem constitui propriamente o fim de toda religião racional, essa conterá 
também o princípio supremo de toda interpretação da Escritura" (Die Religion, AA VI, 
112). 
O princípio da moralidade constitui, portanto, o critério de uma interpretação 
unitária das narrativas bíblicas com a qual Kant marca presença na história da exegese 
bíblica e da hermenêutica em geral. Pois este procedimento interpretativo com base em 
um critério único suplanta a arbitrariedade e a aleatoriedade que o princípio da 
interpretabilidade das narrativas traz consigo. A hermenêutica kantiana opera segundo 
um princípio que lhe permite determinar de maneira unificada "o sentido que damos aos 
símbolos da fé popular ou também dos livros sagrados" (Die Religion, AA VI, 111). Os 
símbolos da crença popular são produtos da fantasia ou imaginação dos povos, tendo em 
geral um sentido literal na própria representação popular. Na medida em que "a religião 
racional pura tem de ser a intérprete" (Die Religion, AA VI, 160) desses símbolos para 
que sejam adequados à simbolização dos conceitos da razão prática pura, ela não pode se 
ater ao sentido literal que a crença popular geralmente lhes confere, mas também não 
pode simplesmente ignorar a representação dos povos, tratando-se de lhe "atribuir um 
sentido espiritual [...] sem entrar em conflito com o sentido literal da fé popular" (Die 
Religion, AA VI, 111). 
As narrativas religiosas, os símbolos da crença popular, constituem em geral 
"artigos de fé <Glaubensmeinungen> [...] nas quais não se consegue alcançar de forma 
alguma qualquer concordância se não se apela para a razão pura como intérprete" (Die 
Religion, AA VI, 130). Ao longo do texto sobre a religião, quando a razão pura opera 
como intérprete, encontra-se explicitado este procedimento interpretativo em 
formulações como "dar-lhe a última interpretação" (AA VI,113) ou "isto pode certamente 
ser interpretado assim" (AA VI, 121 nota) ou ainda: "pode-se interpretá-lo como uma 
representação puramente simbólica" (AA VI, 134). Em todos estes casos, a interpretação 
consiste em conferir um sentido moral ou puramente racional àqueles produtos da fantasia 
popular que constituem as narrativas religiosas. 
Kant dividiu os objetos em duas espécies: fenómeno ou objeto sensível para 
mim, que vejo, toco, ouço, saboreio, cheiro, etc., e númeno ou objeto inteligível, em 
si, fora do alcance da sensibilidade e de toda a manifestação sensível (Deus, mundo 
metafísico, liberdade, alma imortal). 
Há aqui uma imprecisão de Kant no interior da sua arquitetônica, do seu 
sistema de pensamento. Afinal, o que é fenômeno? Chamam-se fenômenos as 
manifestações sensíveis na medida em que são pensadas como objetos, segundo a unidade 
das categorias. 
Fenômenos são, por exemplo: nuvem, máquina de lavar, corpo de animal, 
corpo humano, rio, planície, casa, estrela, céu, oceano. Mas todos estes entes ou coisas 
são determinados: possuem uma forma, uma substância, uma cor, um tamanho, etc., que 
os determina, que os essencializa ou individua. 
Portanto, a definição correta de fenômeno, dentro do sistema de Kant e em 
coerência com este, deveria ser: “Fenómeno é o objeto determinado de uma intuição 
empírica. Objeto indeterminado é o númeno ou coisa incognoscível.” 
5.2 Hegel: Historicismo da Razão 
O Entendimento de Hegel sobre a história humana, que culmina na 
perspectiva de seu eventual “fim” (das Ende), alinha, em um mesmo horizonte, tanto a 
perspectiva teológico cristã da história, quanto a visão iluminista. De certo modo, Hegel 
sintetiza, neste quesito, o pensamento histórico que o antecedeu. Com efeito, seu 
pensamento importa teses características marcantes da visão cristã, ao conceber a história 
como o desenvolvimento de um plano divino – basta lembrar-se da teoria de Santo 
Agostinho em A cidade de Deus –, e do progressismo beirando o evolucionismo do 
Esclarecimento – com a noção de progresso característica do período moderno –, tomando 
como base a ampliação da noção de liberdade individual (ou, no vocabulário hegeliano, 
“vontade subjetiva”). 
Ao mesmo tempo, supera dialeticamente essas visões, ao descrever uma 
história filosófica cujo núcleo é a realização imanente da liberdade do Espírito através do 
progresso da consciência humana. Embora latente em quase toda sua obra, 
particularmente na segunda parte da Fenomenologia do Espírito, é no trabalho póstumo 
Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, traduzida para o português como 
Filosofia da História, que sua visão acerca do tema recebe um contorno definitivo. Com 
ela, o filósofo estabelece, de modo determinante para o pensamento ocidental, a 
necessidade de se pensar os fenômenos sociais à luz de sua gênese histórica – necessidade 
inclusive assumida pelos seus críticos, de Marx, ainda no século XIX, a Foucault, por 
exemplo, mais contemporaneamente. 
Naquele trabalho, com efeito, vemos Hegel assumir aquele compromisso de 
construir uma “história filosófica”, cujo objetivo era produzir uma explicação conceitual 
para os acontecimentos históricos, independente e logicamente anterior a eles. É, 
igualmente, naquele texto, que a controversa tese de que a história teria atingido seu ponto 
final de maturação na modernidade, com a qual este artigo se encerra, é detalhada. Trata-
se, como se sabe, neste último ponto, de uma posição que gerou uma polêmica que se 
estende desde seu surgimento até recentemente (basta recordar a apropriação ideológica 
do tema por Francis Fukuyama, no início dos anos 1990, que se tornou célebre por algum 
tempo). 
Inclusive por isso, para mais bem compreendê-la – o que, em larga medida, 
aliás, significa fornecer uma interpretação geral do próprio sistema hegeliano –, é preciso 
passar em revista as linhas de força de sua concepção de uma história filosófica. Por isso, 
este artigo tentará inicialmente reconstruir os principais aspectos da filosofia da história 
de Hegel para, ao final, subsidiado por essa recapitulação, poder se debruçar com maior 
zelo sobre aquela questão. Nesse sentido, primeiramente, convém assinalar um primeiro 
nó na intenção hegeliana: como conciliar história – enquanto ciência positiva dos fatos – 
e filosofia – cujo saber “científico” (para Hegel) pretende-se universal e, portanto, 
atemporal? 
De fato, assume o filósofo, à primeira vista, “a história parece estar em 
contradição com a atividade da filosofia” (HEGEL, 1999, p. 16), pois, a história 
propriamente dita – isto é, enquanto ciência positiva – atém-se ao existente factualmente 
e separa a realidade do pensamento. A filosofia, por sua vez, submete a história ao 
pensamento de acordo com um sistema racional. Como seria possível, então, falar de uma 
“história filosófica”? É que, para Hegel, a filosofia revelaria o sentido último da história, 
deixando a esta ciência o papel de se ocupar com os fatos empíricos à luz daquele fio 
condutor. Assim, não haveria contradição, mas complementaridade – com privilégio 
lógico para a primeira; o nó, portanto, logo se dissipa. Logo, torna-se indispensável 
demarcar que, na filosofia hegeliana, a Razão “é o conteúdo infinito, toda a essência e 
verdade” (HEGEL, 1999, p. 17). Ou seja, a Razão “governa o mundo” e, por conseguinte, 
a história universal também só pode ser “um processo racional”. 
Por isso, trata-se, para a Filosofia, de desvendar o nexo racional da História 
(que se revela na própria História), porquanto os acontecimentos históricos não se 
encontrariam desconexos, isolados entre si, mas, intimamente articulados e racionalmente 
ordenados – portanto, conceitualmente explicáveis3 . Se for assim, à luz do que a Ciência 
da Lógica informava, a saber, que a Razão é imanentemente dotada de um movimento 
dialético, o processo histórico – a história do “Espírito dos povos”, como será descrita na 
sequência – também só pode ser concebido naqueles termos. A transcrição a seguir é 
longa, mas imprescindível. O tempo é, no sensível, a negação. 
O pensamento é também a negação, mas a forma mais íntima e infinita dela, 
na qual todo ser se desfaz; em primeiro lugar, o ser finito, a forma definida. Mas a 
existência é, genericamente, limitada em seu caráter objetivo, e aparece, por isso, como 
um mero dado – algo imediato, uma autoridade –, sendo, em seu conteúdo, finita e 
limitada, ou servindo de limite para o sujeito pensante e para a infinita reflexão deste em 
si mesmo. (...). A forma determinada do espírito não morre naturalmente no tempo, mas 
é anulada na atividade de refletir a si mesma da consciência, por ser uma atividade do 
pensamento, essa é, ao mesmo tempo, preservação e transfiguração, uma vez que, ao 
anular a realidade – a permanência daquilo que ele é –, o espírito alcança a essência, o 
pensamento, o elemento universal daquilo que ele apenas era. Seu princípio não é mais 
esse conteúdo e esse fim imediato –, como era, mas a essência dos mesmos. 
O resultado desse processo é que o espírito, ao se tornar objetivo e fazer dessa 
sua existência um objeto do pensamento, por um lado, destrói a forma determinada de 
sua existência, por outro, compreende o elemento universal que essa existência envolve, 
dando assim uma nova forma ao seu princípio inerente. Com isso, altera-se a 
determinação substancial desse espírito do povo, ou seja, seu princípio eleva-se a outro – 
aliás, superior. (...) O espírito é, essencialmente, resultado de sua atividade: a atividade 
de transcender a existência imediata, simples e irrefletida. (...). Já discutimos a meta final 
essa progressão. Os princípios das sucessivas fases do espírito que anima os povos – em 
uma sequência necessária de níveis – são apenas momentos

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