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COSTA, Carlos Zibel-Sobre_o_fim_da_arquitetura_e_do_design

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1 
Sobre o fim da arquitetura e do design: arte, projeto, autoria e 
textualidade na era digital. 
 
Carlos Zibel Costa (maio de 2008) 
 
“Tu és a história que narraste, não o simples narrador”. 
Carlos Drummond de Andrade 
 
 
 
 
Sumário 
 
Resumo 
 
Abstract 
 
Palavras-chaves 
 
 
Introdução 
 
O Espaço Multidimensional na Pós-modernidade: a Complexidade 
 
Da Arte ao Projeto: o estabelecimento da Contemporaneidade 
 
A “morte do Homem”: Redes, Alteridade e Diferença 
 
O Fim da Arquitetura e do Design? 
Epílogo: da prancheta ao hiperespaço 
 
 
Bibliografia Específica 
 
Bibliografia Geral 
 
 
 
 
 
 
 2 
 
 
Resumo 
 
O trabalho aborda a questão da autoria e da textualidade na era digital em relação 
ao campo do design, ou seja, do projeto1. Ele parte da consideração das 
afinidades e das diferenças entre as atividades profissionais do artista, plástico 
e audiovisual em particular, com relação ao projetista: designer de produto, 
designer gráfico e arquiteto, urbanista2. 
 
Estabelece ainda, a situação contemporânea da popularização exponencial do 
design, onde eventos de toda ordem se atribuem como tal, inclusive certas ações 
que, tradicionalmente, se viam como essencialmente artísticas e, vice-versa3. 
 
Verifica alguns aspectos conceituais sobre autoria e textualidade em projeto e 
problematiza tais aspectos com referência ao que se denominou de a morte do 
autor e o fim da arte, especialmente entre as décadas de 1960 e 1980, período 
fortemente associado à pós-modernidade. 
 
Investiga características atuais das áreas profissionais das artes, design e 
arquitetura que revelam sinais claros da influência dos pensamentos 
contemporâneos, especialmente os pós-estruturalistas como aqueles analisados na 
questão da morte do autor, na valorização da textualidade e no papel ativo do 
leitor. É nesse sentido que seria legítimo falar da morte do designer ou do fim 
da arquitetura. 
 
 
1 Para os fins perseguidos por este texto, os termos design e projeto serão utilizados 
como sinônimos. Em casos necessários haverá um esclarecimento específico. 
2 Neste trabalho não se aborda como tais reflexões deveriam se relacionar – o que 
na opinião do autor, efetivamente ocorre - com as atividades de outros tipos de 
designers-projetistas como, por exemplo, os engenheiros e, mesmo, com os próprios 
usuários de ferramentas digitais que trazem embutidas sistemas completos de 
design-projeto, como é o caso de quase todos os softwares de uso amplo na era 
digital. Vide a esse respeito o trabalho de VASSÃO, Caio Adorno. Arquitetura livre: 
complexidade, metadesign e ciência nômade. São Paulo: FAU-USP, 2008. Tese 
(Doutorado). 
 
 
 
 
 
 
 
3 Cf. FARIAS, Agnaldo. Design é arte? In: Boletim ADG. São Paulo: Associação dos Designers 
Gráficos, n. 18, dez. 1999, p. 25-32. 

 3 
Elabora cenários prospectivos onde, na era digital, se vislumbram saídas efetivas 
para que com o fim do design e da arquitetura, possa surgir induzido pela 
interatividade multimiática da era digital, o design do usuário-partícipe, algo 
simples e radical como um design contemporâneo. Ou seja, um projeto sempre 
inovador e, portanto, moderno de verdade. 
 
Palavras-chaves: design e arquitetura na era digital; autoria e textualidade nas 
artes, design e arquitetura; fim do design e da arquitetura; pensamento pós-
estruturalista; crítica cultural; estética e história da arte. 
 
 
 
Abstract 
 
This work deals with the issue of authorship and textuality in the digital era, 
basically in reference to the field of design; it means that we are talking about the 
concept of project [1]. The starting point is a reflection about the affinities and 
differences between various artistic professional activities, particularly the 
plastic and audiovisual arts, in relation to the designer: product designer, 
graphic designer and architect, urbanist [2]. 
 
It also approaches a very contemporary situation: the exponential widespreading 
of the activity of design. In our days all sorts of activities call themselves design, 
including some that used to consider themselves, and to be considered, as 
essentially artistic, and vice versa. 
 
The work checks some conceptual aspects about authorship and textuality in the 
area of project, and puts up some questions with reference to what has been 
called the death of the author and the end of art, mainly between the decades 
of 1960 to 1980, a period that has been strongly associated to post-modernity. 
 
It also examines present traits of the professional areas of art, design and 
architecture that reveal clear signs of influence of contemporary thought, 
especially of the post-structuralists authors analyzed in the issue of the death of 
the author, in giving due value to textuality and in the active role of the reader. In 
 4 
this sense, it would be legitimate to talk about the death of the designer and the 
end of architecture. 
 
Finally, the work elaborates on prospective scenarios that enable us to glimpse 
effective ways through which, with the end of design and architecture, it becomes 
possible, induced by midiatic interactivity of our digital era, the emergence of the 
design of the user-participant, something simple and radical that might be called 
contemporary design. In other words, an ever original project and, 
consequently, truly modern. 
 
Key words: design and architecture in the digital era; authorship and textuality in 
arts, design and architecture; end of design and architecture; post-structuralist 
thinking; cultural analysis; aesthetics and art history. 
 
 
 
Introdução 
 
“Quem fala assim? (...) Jamais será possível saber, pela simples razão que a 
escritura é a destruição de toda voz, de toda origem”. 
Roland Barthes 
 
 
Para os fins do presente trabalho, sempre focado na questão do autor e do texto 
relacionada com as atividades do arquiteto, do artista e do designer, os étimos 
designer e arquiteto são usados de modo equivalente, fundado em que ambos 
profissionais se caracterizam no exercício do design, entendido aqui como projeto. 
O artista é convocado a se integrar nesse grupo profissional por exercer atividade 
propositiva e criadora como os demais. Costuma-se distinguir os projetistas 
“criativos” - designers e arquitetos - dos artistas “criadores”, alegando que os 
primeiros são sempre e essencialmente funcionalistas enquanto os segundos são 
livres do compromisso funcional. 
 
Essa opinião, porém, pode dar margem ao argumento contrário, muito difundido, 
que afirma a necessidade da arte, ou seja, fazer arte reconhecida como tal, passa 
 5 
a ter uma função essencial e autojustificável.4 Deste modo, parece razoável 
agrupar as três funções que se distinguem de outras também criativas – é o caso 
do engenheiro que projeta, e de tantas outras funções criativas como, por 
exemplo, os cientistas teóricos e mesmo alguns tipos de pesquisadores - e como 
tal, passar a estudá-las frente aos conceitos pós-estruturalistas de autor e 
textualidade A essas duas funções, na expressão de Foucault, o trabalho soma, 
pelos motivos que seguirão, o leitor, como signo de participação, interatividade e 
conectividade entre autor e texto. 
 
Antecipando o novo, seja o objeto, a imagem, a arquitetura, através, portanto, do 
projeto/ver à frente os profissionais designers e arquitetos se igualam. Também 
encontram identidade no fato de, em geral, responderem de modo funcional as 
questões que lhes são formuladas profissionalmente. Entretanto, é indiscutível que 
os designers compartilhem com os artistas essa visão antecipada, típica dos 
estados criativos, por vezes, em algumas circunstâncias e segundo algumas 
opiniões, deles se distinguem. Por exemplo, segundo Kate Nesbitt,“Derrida 
mostra que, diferentemente das outras belas-artes, a arquitetura [e o design] não 
diz respeito à representação de algo já existente”.5 
 
É claro que Derrida ao falar em belas-artes está se referindo ao estatuto da arte 
anterior à contemporaneidade, pois a partir desse novo estatuto, a arte assume 
decisivamente as possibilidades do campo ampliado e do público participante e 
operativo, como autor e como ator e, passa a ficar muito difícil se referir a esse 
trabalho como belas-artes.6 Por outro lado, se considerarmos a transformação por 
que passaram as artes, concluiremos que hoje, elas se aproximam, em boa 
medida, da postura típica do design/projeto, e não simplesmente porque 
subentendem um “projeto/ ver a frente”. 
 
Essa condição de sentido e razão é no mínimo tão antiga quanto qualquer ato 
humano, mas, a aproximação se realiza, especialmente porque, ao atuar junto e 
com o seu público e, ainda, sobre o campo ampliado urbano, muitas vezes o 
artista deve articular e elaborar sobre um objeto/obra inovador, não-existente, 
 
4 Cf. entre outras referências clássicas FISHER, Ernst. A necessidade da arte. [1959] Rio de 
Janeiro: Guanabara, 1987. 
 
5 NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-
1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006; vide Entrevista de Jaques Derrida a Eva Meyer 
– Uma arquitetura onde o desejo pode morar, p.165-172. 
 
6 Vide: KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins 
Fontes, 1998; O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a
idelogia
do

espaço da arte. São Paulo: Martins Fontes: 2002; e COSTA, Carlos Zibel. Além das 
formas: uma introdução ao pensamento contemporâneo nas artes, no design e na 
arquitetura. Tese de Livre-Docência. São Paulo: FAUUSP, 2008. 
 6 
não natural – já que se refere à forma de organização sócio-econômico-cultural 
adequadas e viabilizadas pela cultura de massa em mídias digitais e virtuais. 
Portanto, sem o perfeito estabelecimento de referências formais ou registros 
anteriores adequados, realizando destarte, aquilo que Derrida, referindo-se ao 
estatuto de ser ou pensar arquitetura (design) vislumbra como uma possibilidade 
do próprio pensamento (..) no momento do desejo, da invenção.7 
 
Sobre a questão da funcionalidade presente, essencial ou não, na resposta 
profissional dada pelas três categorias, é justo lembrar que nem todo projeto de 
arquitetura ou design se propõe resolver determinada questão de uma forma 
exclusivamente funcionalista – quer dizer racionalista, formalista ou 
universalizante conforme os dogmas predominantes do modernismo. Ou mesmo 
ergonômica. Bastaria lembrar a extraordinária série de objetos do grupo Memphis, 
a tradição americana do styling, bem como os extravagantes edifícios e projetos 
da arquitetura do início do pós-moderno, sem falar dos dadaístas e surrealistas... 
 
Do lado das artes, ao contrário, lembrar as extremamente elaboradas e 
funcionalistas propostas de intervenção de Christo e Jeanne-Claude, das 
apresentações teatrais com participação do público e em locais fora-teatro e de 
todas as séries de não-esculturas, objetos para serem mexidos, usados e 
desenvolvidos pelo público-partícipe, como Os Bichos de Lygia Clark e os 
Parangolés de Hélio Oiticica, lembrar da Op Arte, bem como das intervenções 
urbanas, das artes dos coletivos, da arte interativa e em rede via Internet, sem 
esquecer dos happenings programados, desde a década de 1969 até 1990, e 
muitas outras circunstâncias em que fazer arte, enquanto elaboração das 
realidades possíveis, se aproxima decididamente das práticas consagradas pelas 
táticas de projeto e planejamento característicos do design. 
 
 
 
 
O Espaço Multidimensional na Pós-modernidade: a Complexidade 
"O fim da vanguarda não é o fim da modernidade, mas, 
ao contrário, a sua plena realização". 
Antonio Cícero. 
 
O conceito de autor, na forma como emergiu e ocorreu o estabelecimento da 
questão no ocidente europeu no início do século passado, pressupõe a 
consideração de uma enorme série de interlocutores e participantes, fato que 
impossibilita sua abordagem completa nesta ocasião. Porém, sob pena de perda 
do sentido desta colocação, junto à questão da morte do autor deve-se verificar ao 
menos, como dela participam o texto, a obra, a escrita e, por fim, o leitor. Ou 
 
7 Cf. Derrida In NESBITT, vide nota 4. 
 7 
melhor, como essas funções se comportam quando se as vê pelos óculos da arte, 
design e arquitetura. 
 
Deve-se destacar que, devido ao desconhecimento de estudo específico sobre a 
morte do designer, do arquiteto ou do urbanista sobre o qual partir, se devem 
perscrutar as bordas, guiar-se pelo contexto geral e pelo não-dito na área das 
artes, design e arquitetura em cada aspecto analisado do cortejo fúnebre. Se é 
que nesses casos tem sentido se falar em féretro. 
 
É verdade que entre as décadas de 1960 e 1980, chegou-se a falar em morte da 
arte (como se verá adiante) e, então, se especulou também sobre o fim eminente 
do artista, mas como nada disso ocorreu, e o mercado de arte estava indo tão 
bem, acabou-se esquecendo.8 Na realidade, tal questão sequer repercutiu 
significativamente na produção e na crítica das artes. No caso do design e da 
arquitetura não se encontra nem isso, a não ser algumas matérias e artigos 
esparsos que ficaram mais na área da especulação intelectual e comunicacional, 
não chegando a configurar uma questão acadêmica ou cultural verdadeiramente 
significativa. Não quer dizer que as reverberações do pensamento pós-
estruturalista de Barthes, Foucault, Derrida e outros, aí também, não tenham 
chegado. 
 
A compreensão dos impactos que as reverberações diagnosticadas entre os pós-
estruturalistas causaram nas “áreas criativas”, é preciso aceitar, como veremos 
mais ao final, que esses conceitos se referiam, e referem ainda, ao contexto 
contemporâneo amplo, onde as funções de autoria e textualidade se 
transformaram sócio-econômica e culturalmente em relação à situação anterior 
vigente até meados do século XX.9 De fato, na mesma época dos trabalhos de 
Barthes, Foucault, Derrida, por exemplo, na área do design e da arquitetura - 
especialmente urbanismo e planejamento urbano - brotam trabalhos e 
movimentos que, retomando de certo modo alguns dos princípios modernistas 
esquecidos - preteridos que foram pelo mainstream do design ulm-bauhausiano e 
 
8 Vide a esse respeito: BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. 
São Paulo: Cosac Naify, 2006; DANTO, Arthur C. Después del fin del arte: el arte 
contemporáneo y el linde de la historia. Buenos Aires: Paidós. 2006, e BRAYER, Marie-Ange, 
Art/architecture, constructions d’atmosphere, In Revista Artpress – la revue de lárt 
contemporain. Paris, 2005 (5 SPECI) p. 48. Acessado em 21 de maio 2008: 
(http://www.ucm.es/BUCM/compludoc/W/10506/02455676_2.htm). A autora lembra que cerca do 
ano 1950, dentro do Grupo Cobra que propunha a “Bauhaus imaginista, alternativa ao 
funcionalismo da Bauhaus bem como ao racionalismo dos CIAMs (Congresso Intenacional de 
Arquitetura Moderna)” Asier Jorn afirmava que “[os integrantes do grupo] não reconhecemos a 
existencia da arquitetura” (tradução do autor; sem grifo no original). 
 
9 É sabido que, históricamente dificilmente a geraçào atual consiga estabelecer 
consciência equilibrada e crítica daquilo que está vivendo. Como se diz “Não se vê 
os óculos através dos quais se enxerga”. 
 8 
international style-corbusiano - caminharam juntos com as preocupações que a 
lingüística, a filosofia e as ciências sociais denominavam como a questão do autor 
e do texto. 
 
São projetos, estudos e movimentos que abandonam o fascínio pelo espetáculo e 
pelo design exclusivoou erudito de obras de arte – o autor como fulcro de sua 
própria obra - para servir e aprender com o trabalho projetual junto à população 
de e na, sua cidade ou de outras que ele mesmo elege, ou é eleito. O autor que 
existe enquanto processo de textualidade: texto, leitor, autor. Nesse processo 
projetual/textual, inovador na postura tradicional do projetista que recebia uma 
“encomenda de projeto”, a comunidade é o “cliente/leitor” que por meio de 
Associações de Bairro ou ONGs específicas, passa a ter voz ativa e indispensável 
no processo que se instaura envolvendo também o Poder Público. Nesse processo, 
hoje bastante difundido, o usuário/cliente/leitor, passa a ter poder propositivo e de 
veto; desde a feitura do Programa de Necessidades, passando pela disposição, 
dimensão e funcionamento das construções ou das áreas verdes, até a avaliação 
pós-ocupação (APO) das construções, espaços e equipamentos públicos.10 
 
Ainda nessa época, particularmente entre os anos 1970 e 1980, designers são 
convocados ou se apresentam para o desenvolvimento de equipamentos de 
segurança em funções de risco, ou aparelhos para pessoas com graus variados de 
deficiência, dificuldade ou invalidez. Cria-se o conceito de acessibilidade e, mais do 
que isso, o Design Universal, aquele acessível e viável para todo o universo de 
usuários possíveis. Privilegiava-se a solução de problemas de grande alcance 
social sem descuidar da qualidade de projeto, economia, produção e 
principalmente de manutenção dos sistemas.11. 
 
De fato, trata-se de uma alteração profunda no sistema de autoria na área do 
design e da arquitetura, em tudo semelhante à situação que fez o crítico Hal 
 
10 Cf. entre outros: 
• FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. 3. ed. São Paulo: ProLivros, 2005. 
159 p. 
• O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da 
arte. São Paulo: Martins Fontes: 2002. 
• MARICATO, Ermínia; PAMPLONA, Telmo; BROSIG, Percival. A penetração 
dos bens “modernos” na habitação proletária: estudo do caso Osasco na 
região da Grande São Paulo. São Paulo: FAU/USP, 1977. 37 p. 
• SOMMER, Robert. A conscientização do design: o papel do arquiteto. São 
Paulo: Brasiliense, 1979. 
• VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. Sao 
Paulo: Martins Fontes, 1995. 
 
11 Aquela época mal se pensava na sociedade de consumo e a miríade de objetos, 
serviços e novas necessidades que a economia globalizada iria em seguida viabilizar 
 9 
Foster afirmar que as idéias de Roland Barthes sobre o Autor e o Texto, chegam a 
sinalizar a própria passagem da crítica cultural e literária moderna para o estágio 
contemporâneo. Segundo Foster, com quem concordamos e estendemos sua 
opinião para as três áreas consideradas, os conceitos barthesianos de autor e 
texto refletem e simbolizam a mudança de visão modernista de uma obra 
enquanto criação de uma totalidade e unidade, para outra pós-moderna e 
contemporânea de criação de um espaço multidimensional, complexo, ou melhor, 
de um “campo metodológico”.12 
 
Em seguida, fazendo um resumo que recorte com mais precisão o contexto 
histórico e social estudado, verifica-se que a história milenar da arquitetura, das 
artes e do design apresenta situações muito diferenciadas com respeito à questão 
da autoria e da obra. A primeira, em importância e não só cronologicamente, é a 
situação de ausência de autor. Ou, dito de outro modo, da não significância dessa 
expressão, na medida em que o conceito de autoria enquanto original - estatuto 
típico de um criador - inexiste como qualidade humana e cotidiana. É o caso das 
chamadas sociedades tradicionais, hoje bastante raras, mas ainda existentes em 
alguns rincões mais isolados. Nessas, a autoria seria considerada como atributo 
divino ou heróico, na mesma esfera do mito e da ritualidade própria daquela 
cultura. 
 
A segunda delas, parece ter surgido com o advento da agricultura e o 
estabelecimento de cidades, que seria a condição histórica inicial do 
comportamento sedentário que atualmente assume um paroxismo inquietante, 
como abordado por Paul Virilio e outros pensadores13. O status do que poderíamos 
hoje denominar de atribuição de autoria, aparece eventualmente na arqueologia 
de protocolos administrativos. É de início tímida, como um simples registro de 
função, com deveres e remunerações em uma economia urbana incipiente, como 
se verifica, por exemplo, nos hieróglifos do antigo Egito. 
 
 
12 FOSTER, HAL. (Post) modern polemics. In: Perspecta: The Yale Architecture Journal, n. 21, 
1984. p. 144-153. Para mais informações sobre os conceitos barthesianos de espaço 
multidimensional ou campo metodológico, vide BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: 
Martins Fontes, 2004; especialmente Da obra ao texto, entre p. 65-75. O presente texto aborda 
em seguida desenvolvimentos dessa idéia. Deixou-se para outra oportunidade o desenvolvimento 
do conceito da função-autor desenvolvidos em FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: 
Passagens, 2006. p. 45-71. 
 
 
 
 
13 Vide VIRILIO, Paul. Velocidade e política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. VIRILIO, 
Paul. A inércia polar. Lisboa: Publicações Dom Quichote, 1993; e VASSÃO, Caio Adorno; 
COSTA, Carlos Zibel. Mobilidade e interface: um pensar contemporâneo para a urbanidade 
segundo suas formas e meios de produção ambiental. In: NOJOSA, Urbano (Org.). Design 
contemporâneo. São Paulo: Nojosa, 2005. p. 123-143. 
 10 
A terceira situação que também encontra rebatimento no âmbito da arquitetura, 
da arte e do design decorre do desenvolvimento do sistema de escrita ligada às 
lides urbanas que, do ponto de vista formal e muito simplificadamente, podemos 
resumir de um lado, em registros administrativos e seus congêneres e de outro, 
em textos discursivos que a tradição da antiguidade consagra em cânones 
artísticos ou religiosos ainda desprovidos da aura autoral. Aura que adquirem, 
entretanto, a partir da época moderna, pós-medieval, ao serem vistos como 
literatura e não mais, simplesmente, como as versões fixas da tradição oral, 
outrora dominante. 
 
A presente situação, a quarta, sobre a qual estamos nos detendo mais 
atentamente, deve-se à situação histórica que a crítica pós-moderna e 
contemporânea - especialmente à literária, mas que depois se alastra pelas 
demais disciplinas da área das humanidades - na expressão consagrada por 
Roland Barthes em 196814, denomina por a morte do autor. Para sua colocação e 
enfrentamento pelos filósofos dos séculos XIX e XX, ela pressupôs na Europa, o 
complexo desenvolvimento anterior do conceito de Homem – ou o “advento do 
Eu”15 - e o conseqüente surgimento da subjetividade criadora16 que, a partir do 
final do Medievo e durante o Renascimento e o Barroco, forjam a Modernidade na 
esteira da Revolução Industrial iniciada em meados do século XVIII na Inglaterra. 
 
Nesse deslocamento do foco no autor para o texto, Eagleton assinala o 
reconhecimento pós-estruturalista da conexão presente na relação orador e 
audiência, ao afirmar que 
 
“o discurso diz respeito à linguagem apreendida como elocução (..) [ou] como 
prática”, enfatizando a substituição da “visão objetiva da linguagem (como objeto 
independente de um sujeito humano) para a concepção de que a linguagem é o 
discurso de um sujeito, ou indivíduo”17 [sem grifo no original]. 
 
De acordo com Foucault, na antiguidade e até o medievo europeu, cabe observar 
duas funcionalidades autorais bem distintas e concomitantes; textos que “hoje 
chamaríamos ‘ literários’ (...), eram recebidos, postos em circulação e valorizados 
sem que se pusesse a questão da autoria; o seu anonimato não levantava 
dificuldades, a sua antiguidade, verdadeira ou suposta, era uma garantia 
suficiente”.Por outro lado, textos que hoje chamamosde científicos “eram 
 
14 BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 55-64. 
15 MARITAIN, Jacques. Creative Intuition in Art and Poetry. New York: Meridian 
Books, 1957. 
16 Vide PAYOT, Daniel. Le philosophe et l’architecte – sur quelques déterminations 
philosophiques de l’idée de l’architecture. Paris : Aubier-Montaigne, 1982. Vide ainda 
BRANDÃO, Carlos A. Leite. A formação do homem moderno vista através da 
arquitetura. Belo Horizonte: AP Cultural, 1991. 
17 EAGLEATON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins 
Fontes, 1983. 
 11 
recebidos na Idade Média como portadores do valor da verdade apenas na 
condição de serem assinalados com o nome do autor”.Hipócrates disse”, “Plínio 
conta” (...) eram indícios que assinalavam os discursos destinados a ser recebidos 
como provados”.18 
 
 
Falar em morte do autor, como muito oportunamente observou Foucault (2006) 
nas respostas as indagações por ocasião de sua conferência “O que é um autor?” 
de 1969, decorre da chamada morte do Homem - que o próprio Foucault ajuda 
enfaticamente a enterrar na conclusão de “As palavras e as coisas”19 de 1966 - e, 
podemos dizer que lembra, ainda, a morte da História da Arte, ou a morte da 
História, entre outras “mortes” anunciadas entre as décadas de 1960 e 90.20 
 
 
 
 
Da Arte ao Projeto: o estabelecimento da Contemporaneidade 
 
 “Decodificar a arte nos sinais visíveis da vida leva à decodificação da vida nos 
sinais da arte”. 
Waldemar Cordeiro 
 
Como se pode então pensar a experiência do Outro no design-projeto? 
Parece claro para o enfoque deste trabalho, que se deva pensá-la 
sempre e efetivamente, através da experiência das artes, conforme 
estudada neste item. Hoje, a atividade compreendida no binômio 
projeto/design não configura uma exclusividade do designer de 
produto ou gráfico - para ficarmos somente nas duas terminologias 
abrangentes mais divulgadas nesse campo profissional – e, claro, do 
arquiteto ou urbanista. Pelo contrário, convive-se com uma avalanche 
de especialidades que se apresentam como design, desde os 
praticantes de hair design, architectural design, interior design, 
planning and urban design, personal design, stylist design e, por aí 
vai. 
 
Ficou famosa há alguns anos a ironia que certos críticos destilaram em várias 
oportunidades sibilando que “nem todos arquitetos podem ter seu filósofo 
 
18 FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 2006. p. 48-9. 
19 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências 
humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 
20 FUKUYAMA, Francis. The end of History and the last man. Londres: Penguin, 
1992 e, LANG, Berel. The end of Art. New Cork, 1984. 
 12 
particular...” 21, como foi o caso do Concurso para o Parc de la Villette em Paris, 
projeto que Bernard Tschumi desenvolveu com a assessoria do eminente filósofo 
pós-estruturalista Jaques Derrida. Privilégio que alguns projetos de Peter 
Eisenman em outras oportunidades e também outros arquitetos tiveram. 
Estaríamos hoje, por acaso, designers, arquitetos e eventuais clientes, à beira de 
estabelecer a demanda inovadora do philosophical designer? 
 
Vivemos, de fato, uma situação assemelhada aquela da síndrome que Hal Foster 
estudou em Design and Crime, de 200322, porém ainda mais impressionante 
devido ao incremento do processo detectado por ele décadas atrás: tudo parece se 
transformar em design. Fenômeno paralelo ao ocorrido na época do art-nouveau, 
consagrado pelo artigo de Adolf Loos Ornament and Crime, editado em 1908 e 
referente à ornamentação que no art-nouveau, segundo ele, tudo dominava a 
ponto de não mais se distinguir o espaço ou o objeto verdadeiro, da sua epiderme, 
transformada obcessivamente em artesanato. 
 
Foster faz uma releitura do marcante trabalho de Loos e elabora, através de 
brilhante paráfrase, a análise do final do século XX, a respeito da situação 
conflitante e tensa gerada pela mercantilização quase total do espaço de vida no 
mundo contemporâneo. Constata a incursão do design na alma e no corpo de tudo 
que se constitui objeto. Nesse percurso, expõe que o projeto não só dos objetos e 
das imagens, mas da arquitetura e do próprio espaço de vivência, assume tal 
intensidade e abrangência que, por vezes, chega quase a “matar” o próprio 
significado. Afogando o significante num envoltório tentacular, numa verdadeira 
cascata de funções e superfícies ininterruptas, fizeram-no tender ao mono-
significado, condição que se avizinha da total ausência de referência e da entropia 
semântica. 
 
Curioso anotar ainda como em nossa época enquanto “tudo passa a ser - ou, quer 
se fazer passar por - design”, nas artes plásticas, e audiovisuais ao menos, o 
conceito de separação da função-arte daquelas ligadas à função-projeto que 
sempre foi o “funcionalismo”, visto enquanto atributo exigido do design como 
ramo profissional, se dilui cada vez mais. Verifica-se então, que inclusive 
conceitualmente se aproximam o fazer artístico – outrora livre de compromissos 
funcionais – e a prática projetual mais crua, de todo e de algum modo, 
funcionalista. 
Tal característica é merecedora de especial atenção pois revelará, se verdadeira 
como se irá pesquisar em seguida, um esgarçamento entre o fazer artístico e o 
projetivo que se presta à reformulação conceitual – e efetivamente a prática de 
 
21 Vide por ejemplo IBERING, Hans. Supermodernismo: arquitetura en la era de la 
globalización. Barcelona: Gustavo Gilli, 1998. 144 p. 
22 FOSTER, Hal. Design and Crime: and the others diatribes. Nova Iorque: Verso, 
2003. 176 p. 
 13 
projeto e da arte dão sinais muito fortes dessa condição – dos campos 
profissionais e do próprio sistema cultural contemporâneo.23 
Pesa, certamente, nessa avaliação a constatação da impossibilidade de fazer arte 
pelo mimetismo, naturalismo ou simplesmente por seus atributos estéticos; o 
abandono pesaroso do belo nas artes contemporâneas. Ou ainda, como explica a 
designer Elaine Ramos, contribui para essa aridez, o momento em que a arte 
moderna 
“deixa definitivamente de ser uma janela para o mundo (retrato, paisagem etc.), e 
passa a ser auto-referencial, ao enfocar as questões da própria arte (planaridade, 
pincelada, materiais, mercado etc.), até a diluição da fronteira entre arte e vida e 
arte e mercadoria”.24 
A aproximação arte-design no sentido acima exposto se desdobra de modo conexo 
e essencial com o tema desse trabalho, mas por impossibilidade temporal não 
poderá ser totalmente desenvolvido. É indispensável, entretanto observar um 
trajeto que se nota na história da arte moderna brasileira entre as décadas de 
1960 e 1980, por ser exemplar e altamente explicativo. 
Desde No limiar de uma nova estética escrito por Pedro Geraldo Escoteguy em 
1965, Realismo ao nível da cultura de massa do Waldemar Cordeiro também em 
1965, Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica de Mario Pedroso em 1966 
e o manifesto de Hélio Oiticica também de 1966 Situação da vanguarda no Brasil 
(Proposta 66), passando pelo conceito de Ferreira Gullar sobre A teoria do não-
objeto editado em 1977 até o estudo A genealogia do (não) artista de Frederico 
Gomes em 1983 e culminando com o trabalho de Ricardo Basbaum O artista como 
curador de 2001.25 
O trajeto indicado acima aponta para alguns dos principais elementos revelados 
pela nova circunstância que a crise chamada pós-modernismo desencadeou no 
establishment anterior das artes plásticas onde, além da contestação da noção de 
Arte, os próprios artistas se descobriram inadequados à nova ordem proposta pela 
 
23 O assunto foi extensamente abordado na Tese de LivreDocência, Cf. COSTA, 
Carlos Zibel. Além das formas: uma introdução ao pensamento contemporâneo nas 
artes, no design e na arquitetura. São Paulo: FAUUSP, 2008. 
 
24 vide depoimento de Elaine Ramos Diretora de Arte da Editora Cosac & Naify em 
http://www.cosacnaify.com.br/noticias/fim_historia_arte.asp (acessado em 
08/05/2008) sobre o trajeto da arte brasileira desse período, que serve como boa 
introdução e síntese das transformações a que este trabalho se refere. 
25 Cf. todos trabalhos citados em FERREIRA, Glória (org.) Crítica de arte no Brasil: 
temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. Além desses, cf. GULLAR, 
Ferreira, Teoria do não-objeto In AMARAL, Aracy. Projeto construtivo brasileiro 
nas artes (1950-1962) (org. e texto). Rio de Janeiro: MEC/Funarte/ MAM-RJ; São 
Paulo: Séc. da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado/ Pinacoteca do Estado, 1977. 
 
 14 
sociedade26. Pontos que igualmente, podem caracterizar e iluminar quase todas as 
mudanças que se processaram na área do design-projeto. De modo simplificado 
eles podem ser resumidos como segue. 
A falência progressiva dos sistemas baseados no racionalismo, romantismo, 
republicanismo, iluminismo, socialismo (Humanismo, de modo geral, mas na 
época ainda não explicitado ou assumido) e conseqüentemente, na estética e na 
história da arte modernista. Naquela oportunidade inclusive, os artistas e críticos 
passam a vê-la revelar-se eurocêntrica e logocêntrica.27 
A arte se liberta, como diz Gomes (1983), da Instituição-Arte através de “alguns 
lances estratégicos e decisivos que (...) eliminariam os últimos resquícios 
românticos e racionalistas das vanguardas”: vide Marcel Duchamp, mais que os 
surrealistas e os dadaístas, com seus ready-made e o afastamento da imagem do 
artista como um artesão estilístico. Segundo Gullar (vide Amaral, 1977), o 
abandono da moldura - como meio de re-inserir no mundo a tela branca inicial, 
vista como mera base para uma metáfora, uma representação do real - pelos que 
descartaram a representação como Mondrian, Malevitch e seguidores, levou a arte 
a ser pensada como ação sobre e no real, e atribuir “pela aparição da obra – 
objeto especial – uma significação e uma transcendência”. 
A rejeição progressiva dos espaços oficiais consagrados de arte, galerias, museus, 
salões que impediriam atingir a “nova objetividade” que de acordo com Oiticica 
demanda toda a escala sensorial e lança mão, por exemplo, do ambiente que, com 
seu penetráveis, parangolés ou bólides ao final, busca que todo espectador seja 
um participador. Caso semelhante ao vivido por Lygia Clark, com seus bichos que 
“possuíam organicidade própria; eram não-objetos que, possibilitando a 
intervenção direta do espectador revelavam múltiplas transformações estruturais. E 
assim, transcendiam a percepção tradicional do objeto de arte”. 
Lygia abandona em seguida, a posição de artista “produtor de objetos dados à 
percepção” para se colocar como 
“um propositor de situações sensíveis em que a experiência perceptiva está 
localizada no próprio corpo do espectador(...) corpo-coletivo como elemento 
indissociável do ato mesmo da realização das proposições”. 
Quando afinal desenvolve seus trabalhos chamados terapêuticos, segundo Gomes 
(1983), no limiar da tensão entre a prática psicanalista e a prática artística, é que 
a artista atinge seu clímax, na indiferenciação entre público de arte e artista, 
passando a se auto proclamar não-artista. 
Segundo análise de Gomes (1983) é, entretanto, no trabalho de Cildo Meireles que 
a arte brasileira do período rompe as limitações “idealistas” presentes certamente 
 
26 Cf. especialmente as brilhantes argumentações de GOMES, Frederico In FERREIRA, 
Glória, 2006, p. 169-172. 
27 Vide adiante, o item A “morte do Homem”: Redes, Alteridade e Diferença. 
 
 15 
nos neo-concretos e, mesmo, em certos traços dos trabalhos de Lygia e Oiticica. 
Em que pese a genialidade, radicalidade e o potencial transformador que se 
reconhece, ambos ainda se referiam ao contexto modernista, caracterizado pela 
luta que eles e muito outros, é claro, travavam contra. 
Cildo parte de uma situação social, econômica e culturalmente reformulada, 
historicamente caracterizada como contemporaneidade e, nesta nova condição, 
sua ação “não mais se traduz por uma interferência estética no campo da arte – 
lugar da intervenção do artista romântico e racionalista” pois trata-se, agora, de 
agir ao nível da Cultura ou seja, ele se propôs realizar “um desdobramento político 
da interferência estética efetuada por Duchamp ao nível da Arte”. 
Alinhando-se com outros artistas do período, suas obras da série Inserções, em 
Circuitos Ideológicos (Coca-Cola) e em Circuitos Antropológicos ( Ficha 
Telefônica), não mais se alinham com a Percepção visual ou artística, de qualquer 
ordem anterior, mas propõem a Prática, “a própria ação do espectador no sistema 
social ao tornarem visível o simbolismo das práticas sociais”. Como o artista se 
expressa em texto de 1981: 
“...as Inserções só existiriam na medida em que não fosse mais a obra de uma 
pessoa. Quer dizer, o trabalho só existe na medida em que outras pessoas o 
pratiquem. Uma outra coisa que se coloca então é a necessidade do anonimato” 28 
e especulando que essa condição pressupõe a questão da propriedade, propõe que 
não se trabalhe mais com o objeto autoral mas sim, como diz Gomes (1983) com 
as dinâmicas, “na prática indeterminada e transformadora da própria sociedade”. 
O artigo de Basbaum O artista como curador de 2001, completa esse círculo 
virtuoso da passagem do moderno ao pós-moderno e deste, ao contemporâneo 
nas artes plásticas, tomando o Brasil como eixo. Nele, o autor nos lembra que “há 
muitas décadas os contornos do que pode ou não ser uma obra de arte 
dissolveram-se por completo” e que do artista (ou coletivo, claro) não se pode 
“exigir limites rígidos ou absolutos revelando-se mais como um trânsito, um 
certo deslocamento através das coisas (...) os limites que jogam com a 
determinação e a identidade do artista não mais se configuram em simples 
problema de cruzamento de fronteiras (...) mas sim enquanto delineadores 
de uma figura de espacialidade que acaba conduzindo a vivenciar esses 
atravessamentos a partir de uma possível singularidade de inserção: 
escapar das determinações de um campo ou mesmo amplificar sua atuação 
a partir de uma deliberada mistura de linhas de identidade”29 
O artigo de Basbaum nos serve ainda para lembrar e corroborar sua percepção de 
que 
 
28 MEIRELES, Cildo. In Arte brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Funarte, 
1981. 
29 BASBAUM, Ricardo. O artista como curador In FERREIRA, Glória (org.) Crítica de 
arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte, 2006. p. 235-
240. 
 16 
“está em curso um outro arranjo poético da cultura – um período de invenção de 
estruturas de pertencimento e narrativas legitimadoras: há um desejo de escrever 
(ou reescrever) inscrições, deslocar certos acomodamentos para um arranjo mais 
dinâmico e produtivo, movimentar e reinventar mecanismos e circulações”. 
Entre elas, como se percebe nas análises anteriores, a participação artística 
demanda a aceitação do sistema social, em muitos casos, como condição central 
de interlocução artística e cultural e, mesmo e especialmente, como veículo de 
realização artística. O que sucede na medida em que a arte se vê partícipe do 
sistema social, da trama, do tecido e adentra na economia própria da sua 
reprodução cultural e deve prospectar, não só poeticamente mas 
estrategicamente. Ainda nas palavras de Basbaum 
“quando o poético se aproxima desse modo do jogo institucional (...) é sintoma e 
sinal de que (...) estão sendo reivindicadas ferramentas necessárias – menosidealizadas e mais próximas das lutas do dia-a-dia” [concluindo que] “é sempre 
interessante quando se percebe a arte a se aparelhar com um tecido poético-
institucional que incorpora em sua prática dimensões não discursivas de 
linguagem”. 
No que nos diz respeito, isso também se refere à visão prospectiva, organizacional 
e projetual inerente às estratégias institucionais. Características que como vimos, 
estão em boa medida, integradas à linguagem da arte através da vivência nas 
comunicações de massa e em sua versão contemporânea da era digital e virtual, 
por meio da computação ubíqua, cooperativa e interativa.30 
 
 
 
A “morte do Homem”: Redes, Alteridade e Diferença 
“Não existem fatos, só interpretações”. 
Friedrich Nietzsche 
 
Os pensadores pós-estruturalistas, em que pese a falta de um recorte claro para a 
denominação, produziram extensa bibliografia crítica e conceitual vasculhando a 
nova tessitura proposta pela constatação da falência dos valores que haviam sido 
consagrados pelo racionalismo e romantismo - embutidos no Iluminismo e 
desenvolvidos e alimentados em retrofit pela modernidade - sob a égide do 
Humanismo. 
 
O legado que se firmara como absoluto nos finais do século XIX sofre, grosso 
modo, uma ruptura reconhecida entre alguns importantes segmentos intelectuais 
como o abandono ou a desilusão com o Humanismo, que levou à expressão, um 
pouco carregada nas tintas, de “a morte do homem”. 
 
30 Cf. nota 2 acima, e VASSÃO, 2008. 
 17 
 
Se, desmoronaram muitas das mais características bases do Humanismo, esse 
movimento-símbolo que apoiava e validava boa parte do movimento moderno, 
certamente tremeram, racharam e esgarçaram-se tecidos, fronteiras e 
fundamentos das disciplinas construídas sobre tais bases ou apoiadas nas 
técnicas, conceitos e sistemas epistemológicos delas originários. 
 
A enorme efervescência intelectual que acompanhou essa crise da modernidade, 
inicialmente conhecida na década de 1960 como pós-modernidade, mas logo 
substituída na década de 1980 pela expressão contemporaneidade, resultou em 
seus aspectos conceituais e acadêmicos, uma formidável produção de eventos 
artísticos e culturais marcantes, bem como uma extensa e ininterrupta seqüência 
de lançamentos bibliográficos que, na área abordada neste trabalho, se tornaram 
referências obrigatórias. 
 
Sem mencionar todos os pensadores seminais e inaugurais – filósofos, 
investigadores e críticos - ligados ao estruturalismo, ao marxismo, aos estudos de 
gênero, à psicanálise, à lingüística, à fenomenologia, à antropologia postcolony, à 
semiótica e ao pós-estruturalismo, entre tantas áreas das “humanidades” 31 e, 
para ficarmos somente em algumas das referências mais divulgadas pela mídia, 
deve-se lembrar as seguintes: 
 
• “a morte do homem” anunciada e subjacente ao discurso que constitui toda 
a parte final do livro As palavras e as coisas de Michel Foucault, de 1966, 
• o trabalho A morte do autor de Roland Barthes publicado em 1968, 
• o discurso do próprio Foucault à Société Française de Philosophie em 1969, 
no qual indaga O que é um autor?, 
• o livro O fim da história da arte? De Hans Belting de 1983, 
• o artigo O fim da história que Francis Fukuyama lança em 1989 
• o trabalho The architecture of deconstruction: Derrida’s Haunt de Mark 
Wingley em 1993 
• o livro Después del fin del arte do Arthur Danto de 1997 (cujas idéias-mestra 
ele estava desenvolvendo ao longo de vários artigos e críticas há mais de dez 
anos, nos quais situava o “fim da idéia moderna de arte” nos anos 1960) e, 
• já em plena virada para o século XXI, o designer David Carson com The end 
of print de 2.000, entre tantos outros.32 
 
31 Vide Bibliografia Específica ao final do trabalho. 
32 Vide análises específicas sobre Foucault, Barthes, Derrida, entre outros filósofos 
pós-estruturalistas, mais a frente. No fundo, verifica-se que parte dos trabalhos 
citados como referências midiáticas, estão interagindo insistentemente com as novas 
condições e locuções daquilo que Ilya Prignone tão bem expressou como a era do fim 
das certezas , vide PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Editora da Unesp, 1996. 
 
 
 18 
 
No campo da arte, os trabalhos de Danto e Belting demonstram exaustivamente a 
impossibilidade das noções tradicionais da estética da arte serem aplicadas com 
êxito à arte contemporânea, como ocorreu até ao menos o final do expressionismo 
abstrato, quando despontaram críticos exponenciais como Clement Greenberg e 
Harold Rosenberg. Na medida que surgem Wharhol, Rauschenberg, J. Johns e todo 
movimento da Pop Arte, a crítica vai perdendo o pé e, os fundamentos da estética 
e da história da arte se mostram ineficazes, senão para analisar – uma vez que 
até hoje continuam sendo usados – ao menos para especular e, definitivamente 
jamais, prever para onde se dirigem as artes e os artistas contemporâneos. 
 
O comportamento, ou mau comportamento segundo alguns puristas, que se 
descortina acima, foi não só detectado e discutido como vimos na área das artes-
projeto, como se prestou a uma intensa e profícua discussão conceitual sobre a 
questão do Autor e do texto, bem como sobre o Outro, na área das humanidades 
mais próximas das ciências sociais e filosofia. Discussão que marca todo o período 
e reformula de modo decisivo a cultura da época, da qual hoje, queiramos ou não, 
de algum modo descendemos.33 
 
Importa lembrar que, quando se fala em crítica do Outro, se entende não só os 
pós-estruturalistas – Michel Foucault em primeiro lugar – mas também e 
obrigatoriamente aos pensadores da modernidade, a exemplo de Pierre Weil, 
Edgard Morin, Felix Guattari, Henri Lefebvre, a própria Escola de Frankfurt e tantos 
outros . No dizer de Kate Nesbitt eles buscaram de algum modo, uma 
 
“abordagem interdisciplinar (..) [combinando] filosofia, história, psicologia [e 
demais disciplinas] num esforço cuidadoso de descrição dos fenômenos da cultura 
no contexto da sociedade”34. 
 
A teia tecida por eles, ainda que incompleta, possibilitou alguns tantos passos 
seguintes, que garantiram em seus aspectos mínimos a possibilidade atual de se 
pensar a interdisciplinaridade como uma experiência intelectual possível, 
indispensável, não-hegemônica, não-centralizante e, principalmente, não-
homogenizante.35 
 
 
33 Parte da argumentação que segue foi desenvolvida em COSTA op. cit. (2008). 
34 NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-
1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 43. 
 
35 Veja ainda, acerca das quebras, deslocamentos e amolecimentos nas tradições das 
fronteiras, entre outros: HISSA, 2002; FERNANDES; GUIMARÃES; BRASILEIRO (Org.), 2002; 
SILVA (Org.), 2006; COELHO, M., 2006. Cf. também e especialmente os conceitos de 
modernidade líquida em BAUMAN, 2001 e de interdisciplinaridade em WEIL, 1993 e 
GUATTARI, 1993. 
 19 
A progressiva valorização da diferença e da diversidade, em seus vários graus, 
revelou-se um elemento da prática cultural advinda com o fenômeno da 
globalização sociocultural-econômica, em que a específica dinâmica econômico-
social geralmente interessa do ponto de vista político, pois tem se revelado 
geradora de dividendos eleitorais, ou de apoio popular nos casos em que não são 
democracias, aos Estados que conseguem tirar proveito do novo sistema 
produtivo. 
 
O aparente consenso de tal interesse, em grande parte dos países, democráticos 
ou não, partícipes na economia globalizada, tem auxiliado na aceitação e na 
permanência da diversidade e no amolecimento das fronteiras disciplinares e 
categoriais, em graus variados. Para fazer juz à dinâmica complexa do momento 
atual e antes de adentrar meandros pós-estruturalistas comumente associados àfragmentação e à desconstrução surgidas na esteira do pós-moderno, se 
vislumbra36 a busca por um sentido convergente para o pensamento humano. 
Desde a falência dos discursos redentores especula-se sobre a “ignorância” 
profunda do significado dos caminhos abertos durante o curso do desenvolvimento 
acelerado das tecnologias e das comunicações, que a oferta incessante e por vezes 
avassaladora de produtos propiciou. 
 
Nesbitt, citando o crítico Hal Foster em (Post) modern polemics, afirma que tanto 
a história e sua representação quanto o sujeito e sua linguagem demonstram ser 
construções mentais formadas com as representações sociais vigentes, em vez de 
seu simples reflexo, lembrando que 
 
o pós-estruturalismo admite uma multiplicidade de histórias narradas a partir de 
outros pontos de vista além dos de elite e do poder. Essas narrativas substituem a 
versão “recebida” de uma “história dos vencedores” (..) Na visão pós-estruturalista 
de Barthes e Foucault, amplamente aceita nos dias de hoje, esse “indivíduo” é, de 
fato, situado em um sistema de convenções que “fala por seu intermédio”.37 
 
Fica claro que tais pressuposições condicionam que qualquer possível convergência 
seja marcada pela diversidade e pela complexidade. Alguns críticos ajuntam o 
termo fragmentação, que Edgard Morin, o mais proeminente pensador da 
complexidade, rejeita com ênfase38. De qualquer maneira, é certo que o 
 
36 Inclusive os de extração marxista, como se vê, por exemplo, em Manuel Castells, apesar da 
análise crítica totalmente pertinente sobre o jogo econômico que domina a chamada revolução 
digital. Cf. do mesmo autor: A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e 
a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003; e Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 
1999. (A era da informação: economia, sociedade e cultura, v. 3) 
37 Cf. NESBITT, 2006, p. 38-43. 
 
38 Cf. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: 
Sulina, 2007. 
 
 20 
pensamento crítico desenvolvido com base nas questões que a consideração do 
Outro levanta, diz respeito a um desnudamento de fantasias ideológicas e 
posturas críticas relativamente recentes – de meados do século passado – que a 
supercomplexidade atual induz à descrença e à desesperança. 
 
É certo que o estudo do pós-estruturalismo contribui para sedimentar a percepção 
sobre a principal herança da questão do Outro para o mundo atual: é necessário 
trabalhar não simplesmente o sujeito e seu discurso, mas a rede, o contexto – 
significados, significantes e as respectivas diferenças, mais todos os feedbacks – 
caso a caso, sem pressupostos históricos e vontades universalizantes. Foi o que 
empreenderam a literatura, a sociologia, a geografia, a história, a semiótica, a 
antropologia, praticamente todas as ciências humanas. 
 
 
 
O Fim da Arquitetura e do Design? 
“A música, tal qual a conhecemos, não existe mais”. 
Antonio Carlos Jobim 
 
Como se pode, então, pensar a experiência do Outro no design-
projeto? Parece razoável, dado o enfoque que seguimos, que se deva 
pensá-la sempre e efetivamente, através da experiência vivida, 
documentada, analisada e extensamente processada pelas artes, 
conforme este trabalho já abordou no item Da arte ao projeto. 
 
De outro lado, deve-se recordar que foi através do estudo filosófico, 
conceitual, das funções autor, leitor e texto a partir da literatura e 
lingüística, que se divulgaram as idéias contemporâneas, muito 
simplificadamente denominadas por fim, morte, negação, alteridade: 
morte da arte, fim da história, não-objeto, não-arte, não-texto, 
espectador-participador, questão do Outro, etc. E, também, por 
algumas idéias, de certa forma incompatíveis com a essência dos 
pensamentos nietzschianos considerados a base filosófica do pós-
estruturalismo francês, como aquelas relativas ao surgimento e 
substituição de certas disciplinas e funções: o pós-estruturalismo, a 
pós-modernidade, o pós-humano, etc.39 
 
Então, de que modo se poderia resumir a contribuição central desses 
conceitos, para a interface design-artes-arquitetura, que estudamos? 
 
39 Considera-se que parte da idéia contida na palavra pós revela-se herdeira de uma 
das fraquezas atribuídas ao pensamento modernista - historicidade, evolução – 
porque associadas mesmo que seja por simples oposição e superação, aos discursos 
redentores e finalistas que acabaram por se revelar como mitos erguidos pela 
modernidade e que o pensamento contemporâneo refuta. 
 21 
Deve-se dar voz a Barthes quando explica que, com a entrada em 
cena de um terceiro elemento o Leitor, realiza-se o estabelecimento 
da textualidade como campo multidisciplinar. Lócus 
contemporâneo da convivência entre alteridades, o espaço do Outro é 
o mesmo espaço, compartilhado, da sociedade e da cultura que vivem 
e produzem a complexidade e as redes interativas. Redes que hoje, 
tendem à atualização pela preponderância da media digitais e virtuais. 
 
Barthes assim inicia seu famoso artigo A morte do Autor de 1968: 

“...Balzac escreve esta frase: Era a mulher, com seus medos repentinos, 
seus caprichos sem razão, suas perturbações instintivas, suas audácias 
sem causa, suas bravatas e sua deliciosa finura de sentimentos. Quem 
fala assim? É o herói da novela, interessado em ignorar o castrado que 
se esconde sob a mulher? É o indivíduo Balzac, dotado por sua 
experiência pessoal, de uma filosofia da mulher? É o autor Balzac, 
professando idéias "literárias" sobre a feminilidade? É a sabedoria 
universal? A psicologia romântica? Jamais será possível saber, pela 
simples razão que a escritura é a destruição de toda voz, de toda 
origem. A escritura é esse neutro, esse composto, esse oblíquo pelo 
qual foge o nosso sujeito, o branco-e-preto em que vem se perder toda 
identidade, a começar pela do corpo que escreve”. (sem negrito no 
original) 
 
de fato, como vimos nas artes plásticas, através da experiência brasileira, no 
momento em que o espectador, o leitor diria Barthes, passa a ter voz e função 
como a parte essencial, a que dá sentido à própria obra, ao texto – criando 
assim o conceito de textualidade – é que desse modo, afinal, surge a arte e a 
cultura contemporânea. 
 
No contexto onde a autoria age dentro de um campo ampliado, complexo 40, 
de uma complexidade tecida sempre em três instâncias, e, não mais na 
bipolaridade anterior que possibilitava os eternos pares antagônicos, e 
“complementares” - dicotomias que a desconstrução derridiana enfrentou com 
sucesso41- é que pôde surgir e florescer com sentido próprio, a expressão “morte 
 
40 Parodiando a expressão de Rosalind Krauss sobre o “campo ampliado” da arte. Cf. KRAUSS, 
Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 
 
41 Cf. NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 
(1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006; vide Entrevista de Jaques Derrida a Eva 
Meyer – Uma arquitetura onde o desejo pode morar, p.165-172. Sobre a estratégia e 
o pensamento derridiano e a desconstrução, vide especialmente CULLER, Jonathan 
D. Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo. Rio de Janeiro: 
 22 
do autor”. Vejamos as palavras com que Barthes encerra seu polêmico e 
fundamental artigo: 
 
 
“Voltemos à frase de Balzac. Ninguém (isto é, nenhuma "pessoa") a diz: 
sua fonte, sua voz não é o verdadeiro lugar da escritura; é a leitura. Outro 
exemplo bem preciso pode fazer-nos entender isso: pesquisas recentes (J.-
P. Vernant) tornaram patente a natureza constitutivamente ambígua da 
tragédiagrega; o texto é tecido de palavras de duplo sentido que 
cada personagem compreende unilateralmente (esse perpétuo 
mal-entendido é precisamente o "trágico"); há, entretanto, 
alguém que ouve cada palavra na sua duplicidade, e ouve mais, 
pode-se dizer, a própria surdez das personagens que falam 
diante dele: esse alguém é precisamente o leitor (ou, no caso, o 
ouvinte). Assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é 
feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram 
umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há 
um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, 
como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde 
se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é 
feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas 
no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um 
homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse 
alguém que mantém reunidos em um mesmo campo todos os traços de 
que é constituído o escrito. É por isso que é derrisório ouvir condenar a 
nova escritura em nome de um humanismo que hipocritamente se arvora 
em campeão dos direitos do leitor. O leitor, jamais a crítica clássica se 
ocupou dele; para ela não há outro homem na literatura a não ser o que 
escreve. Estamos começando a não mais nos deixar engodar por essas 
espécies de antífrases com as quais a boa sociedade retruca 
soberbamente a favor daquilo que ela precisamente afasta, ignora, 
sufoca ou destrói; sabemos que, para devolver à escritura o seu 
futuro, é preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve 
pagar-se com a morte do Autor”.42 (sem grifos no original) 
 
Essa fuga das oposições, possibilitada pelo desenvolvimento cuidadoso 
dos pensamentos semióticos e pós-estruturalistas, foi bem expresso na 
estratégia desconstrutivista explicitada por Derrida: 
 
 
Rosa dos Tempos: Record, 1997, e PETERS, Michael. Pós-estruturalismo e 
filosofia da diferença: uma introdução. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 
 
 
 
42 Cf. BARTHES, 2004, p. 63-64. 
 23 
“A desconstrução analisa e questiona pares conceituais 
comumente aceitos como naturais e evidentes por si mesmos, como se 
não tivessem sido institucionalizados em algum momento preciso. (..) 
Por serem aceitos como óbvios, eles limitam o raciocínio”.43 (sem grifo 
no original) 
 
 
Ora, assim como visto no processo artístico, onde o apagamento do autor revela 
que existe e age um leitor - fim último da tragédia consubstanciada em todo 
complexo visto como textualidade - é certo que também nas áreas profissionais 
caracterizadas pelo design/projeto o mesmo ocorreu. Foi justamente, e não por 
acaso, que a crise do modernismo denominada pós-modernismo eclodiu de 
início na arquitetura a partir do respaldo do design de produto e gráfico. 
De fato, verifica-se na época, uma crise crescente que os valores e ideários 
modernos passam a sofrer e culmina, na década de 1970, com ao menos dois 
casos paradigmáticos na arquitetura. 
 
No dia 15 de julho de 1972, que Charles Jenks marca como o final 
simbólico do modernismo – na arquitetura, bem entendido – à exata 
hora de 15h32min, o conjunto de habitação popular “Pruitt-Igoe, de St 
Louis (uma versão premiada da máquina para a vida moderna de Le 
Corbusier), foi dinamitado como um ambiente inabitável para as 
pessoas de baixa renda que abrigava”44. Ainda em 1972, é publicado o 
livro Aprendendo de Las Vegas, de Robert Venturi, Denise Scott Brown 
e Steven Izenour, quase um divisor de águas no surgimento da 
consciência pós-moderna.45 
 
A breve historiografia do período acima traçada alinha-se ainda com a 
de Eduardo F. Coutinho, especialista em literatura comparada, que no 
artigo “Revisitando o pós-moderno”46 corrobora o recorte adotado. 
Segundo suas investigações, “foi apenas nos anos de 1970 que ele [o 
termo pós-moderno] ganhou um curso mais geral, passando a ser 
utilizado, em primeiro lugar, na arquitetura e, em seguida, na dança, 
no teatro, na pintura, no cinema e na música” [apesar de que na 
realidade o termo tenha sido] “importado da literatura e introduzido na 
área [de arquitetura] por Robert Stern e Charles Jenks tardiamente, 
 
43 Depoimento de Jacques Derrida em entrevista a Eva Meyer, “Architecture where 
desire can live”, Domus n. 671, abr. 1986, p. 18. Existe tradução em português no 
já citado trabalho de Nesbitt, 2006. p. 166-172. 
 
44 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2004, p. 45-46 
45 Cf. COSTA, op. cit. p. 34. 
46 GUINSBURG, J.; BARBOSA, A.M.(Org.) O pós-modernismo. São Paulo: 
Perspectiva, 2005. p. 160-172. 
 
 24 
em 1975” e desse modo atesta a prioridade que o termo deve à 
arquitetura e ao design. 
 
Deve-se ainda lembrar que na história do design, em oposição e 
alternativa, ao exacerbado racionalismo do modernismo dominante, já 
na década de 1970 apresenta vários movimentos sob a égide do anti-
design, como proposto por inúmeros grupos: Archizoom, Super Sudio, 
Gruppo Strum, Global Tool e o Studio Alchimia, sendo que no início 
dos 1980, surge o Memphis de Ettore Sottssas que estabelece 
importante link com o pós-modernismo e a contemporaneidade. 
 
O que esses movimentos esparsos e independentes afirmavam, pode 
ser detectado na leitura atenta de obras basilares do período. O 
arquiteto Sergio Ferro no texto O canteiro e o desenho e no artigo 
Arquitetura Nova, título do famoso artigo de Ferro que marcou, nas 
palavras de Nabil Bonduki47 “uma espécie de manifesto de rompimento 
com Artigas, a arquitetura paulista e suas relações com o projeto 
nacional desenvolvimentista”, propõe uma retomada do processo de 
produção da arquitetura 48. Ou seja, o que se deveria denominar de 
a textualidade arquitetônica completa: demanda, recursos, design, 
produção, consumo e avaliação (“reciclagem”), em correspondência ao 
que hoje chamamos de Life Cycle Design49. 
 
 
47 Cf. BONDUKI, Nabil. Jornal Folha de S. Paulo, Resenha do livro Grupo Arquitetura Nova: Flávio 
Império, Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro. Jornal de Resenhas, São Paulo; 14 fev. 2004, p. 3. 
 
48 Atentar ao processo ao invés de focar exclusivamente no produto, resultou uma outra forma de 
pensar e fazer projeto e obra, muito diversa da adotada pela linha predominante do modernismo. 
Não só o “cliente” é visto como Barthes vê o “leitor”, mas todos os demais envolvidos no processo 
em fluxo, do objeto concebido ao produto em uso. O operário, o mestre, o artesão passam a ter 
nova valorização e vistos como uma fonte possível de saber e admiração. É desta linha de 
pensamento toda a valorização do popular nas artes e a nova visão antropológica, por exemplo. O 
texto abaixo, de autoria do meu ex-professor, grande arquiteto - considerado o mestre-fundador 
da chamada Arquitetura Paulista - Vilanova Artigas é bom exemplo do caminho que a arquitetura 
(e o design) trilhavam antes da virada dos anos 1960: “Sou dessa geração de arquitetos 
modernos que, pela primeira vez, foram até o conhecimento do fazer do operário, ou do sub-
empreiteiro, para dizer-lhes, em desenho, em projeto, o que era preciso fazer — por 
exemplo, a escada, que altura, largura e expressão ela teria. Porque você podia projetar no 
papel, desenhar no papel, não a escada que o escadeiro ia fazer, mas aquela que você queria 
que fosse realizada, dentro do espaço que lhe servia”. Cf. ARTIGAS, João B. Vilanova. A 
função social do arquiteto. São Paulo: Nobel, 1989. p. 35. (grifos conforme o original). 
 
49 Sobre sustentabilidade em design, Cf. especialmente MANZINI, Ezio; VEZZOLI, 
Carlo. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais 
dos produtos industriais. São Paulo:Edusp, 2002. 
 
 25 
Porém, muito além da visão ideologizada desse período, que Bonduki 
entretanto expõe com maestria, havia todo um movimento de fuga 
das pranchetas - dogmáticas, logocêntricas e bolorentas - para 
uma busca pelo estudo e pela vivência das bases populares e 
dos seus saberes no design e na arquitetura. Fato que sucedeu 
também nas artes como vimos em Lygia Clark e Hélio Oiticica e 
depois, ocorreu na obra de Cláudio Tozzi e Rubens Gershman, entre 
inúmeros outros artistas, em todas as partes da sociedade ocidental. 
 
Muito diferente da visão modernista, bem expressa por Corbusier, 
Bauhaus e assemelhados, que sugeriam sempre andar com um bloco 
de desenho para anotar as soluções e medidas encontradas nas obras 
veneráveis, mas sempre eruditas, ou propor, num lampejo criativo, 
soluções originais e inovadoras para um mundo que estaria marchando 
inexoravelmente para a liberdade e a alegria. 
 
A busca pelo vernacular e popular entretanto sobreviveu em muitos 
dos jovens arquitetos/ designers daquela geração, até porque muitos 
dos sinais daquela utopia, tornaram-na avassaladoramente frustante, 
e os jovens buscavam aprender com a realidade da produção, nem 
tanto das obras, objetos e imagens em si mesmos, quanto na 
experiência de vida, dos anseios, da sabedoria de viver dos usuários 
finais e dos operários, moradores anônimos, não-autores, da 
metrópole.50 
 
É por exemplo desse período a experiência relatada por Bonduki na 
resenha crítica do livro sobre o Grupo Nova Arquitetura de São Paulo, 
sobre os editores da revista Ou...que se opunham à linha dos 
“arquitetos do traço”, que editavam a revista Desenho, ambos da 
FAUUSP.51 A Revista Ou...propunha entre seus participantes estudar e 
agiar a partir das construções populares periféricas ou faveladas, feitas 
pelo método espontâneo, vernacular, da auto-construção. Propunham 
o processo, a textualidade inerente e necessária do Texto/Leitor - o 
usuário e o operário - ao invés do autoritarismo e logocentrismo do 
Autor - o designer e o promotor. 
 
É a época dos trabalhos sociais de base e dos estudos acadêmicos e 
profissionais sobre sistemas construtivos, artesanato popular, e 
também sobre arquiteturas, objetos e tipografias vernaculares. A 
 
50 Não à toa um excelente artigo recente, comemorando os quarenta anos da década 
de 1960, foi intitulado Vestígios da Primavera. Cf. Jornal O Estado de São Paulo, 
Caderno 2, Edição Especial 1968/2008 – Vestígios da Primavera, São Paulo, domingo 
11 de maio de 2008, Ano XXVI, Número 1437, p. 2-14. 
51 Para referência bibliográfica, vide acima, nota 56. 
 26 
consideração do “leitor”que em design significa o usuário, implicou 
permitir, ou melhor explicado, necessitou de sua participação na 
textualidade, ou seja, no Life Cycle Design, o que, simplesmente, 
implodiu toda a visão que arquitetos e designers tinham de si 
mesmos e de sua profissão. Não era mais suficiente deter a 
condição pessoal de uma qualidade inquestionável na sua “arte” e 
perpetrar um projeto que gerasse obra considerada pela crítica ou pelo 
cliente, público ou privado, como bela, inovadora e interessante. 
 
Tinha de funcionar e ainda mais, de acordo com os valores e as 
condições do usuário que, a àquela época passa a ser eminentemente 
a população de média e baixa renda. Um novo tipo de clientela que, 
nem arquitetos nem designers, haviam jamais atendido. Fica claro que 
assim, gostando ou não, o projetista, o usuário é que deveria, 
agora, ser ouvido. De preferência, antes e durante o processo de 
design, pois, depois de feito, só restaria reformá-lo. Ou destruí-lo, 
como se viu nos casos de Pritt St. Louis nos E.U.A e da Vila Kennedy 
no Rio de Janeiro. 
 
Foram marcantes as influências profissionais e mais ainda, 
intelectuais, sobre essa geração - que hoje, aliás, boa parte dela está 
nos postos de poder tanto políticos e empresariais quanto acadêmicos 
– de alguns trabalhos52 que plantaram a semente da mudança que nos 
trouxe ao mundo contemporâneo, da era digital. Podemos lembrar 
algumas dessas obras de passagem que, atualmente são consideradas 
como referências: 
• os livros de Gui Bonsiepe, especialmente sobre o design na 
época do Chile de Salvador Allende, 
• a arquitetura de raiz indígena de Sidônio Porto na Amazônia e de raiz 
cabocla e popular de Lina Bo Bardi em São Paulo e Salvador, o estudos de 
Paul Olivier sobre culturas tradicionais no mundo todo,53 
• as propostas, baseadas na recuperação e atualização de 
processos tradicionais, de Hassan Fathy no Egito, 
• os exemplos e projetos do livro Desenhando para o mundo real e 
das soluções “faça você mesmo” propostas por Victor Papanek e 
equipe, 
 
52 Cf. alguns títulos na Bibliografia Específica. 
53 OLIVIER, Paul. Cobijo.[Shelter, 1973]. Madrid: Blume Ediciones. 1979. 
 
 27 
• o excelente estudo e propostas sobre racionalização e uso 
ecologicamente adequado dos equipamentos hidro-sanitários de 
Alexander Kira54, 
• o reformulador desenho gráfico dos anos 1960 tão bem 
estudados no Brasil, pela obra de Chico Homem de Melo e de 
sua marcante pré-história exposta por Rafael Cardoso em Uma 
introdução à história do design, 
• a crítica lúcida estabelecida por Adrian Forty à hipocrisia 
modernista no ocultamento da demanda de consumo pelas 
classes trabalhadoras no livro Objetos de desejo. E certamente 
inúmeros outros. 
 
Na área da arquitetura, pode-se afirmar que a mudança mais notável e 
visível, decorrência das questões contemporâneas levantadas 
especialmente por Barthes, Foucault e Derrida - além da semiótica, 
dos fenomenologistas e da Escola de Frankfurt, resumidas por este 
trabalho na expressão deslocamento do autor para o leitor - deveu-se 
à passagem focal evidente do edifício para o planejamento 
urbano e territorial, aí incluído a paisagem como elemento essencial 
da habitação. 
 
Inclusive porque, enquanto minguavam trabalhos acadêmicos e 
profissionais, principalmente verbas e ministérios públicos para 
realização de edifícios, fora os politicamente inevitáveis projetos de 
escolas e postos de saúde, aumentava o espaço que o poder público 
dedicava às cidades e às redes de transportes e comunicações. 
Em compensação, o setor particular investia pesadamente na 
produção de moradias no chamado Mercado Imobiliário, do qual o 
setor público, progressivamente se afastou. 
 
Os arquitetos que desejavam projetar edifícios viram esgarçar sua 
reserva de obras sociais e culturais e passaram a depender de seu 
realinhamento junto à “especulação imobiliária” para realizá-las. Algo 
paralelo ocorreu com o design de produto e gráfico, que se deslocou 
de eventuais bem sucedidas atuações em parcerias com o Governo e 
entidades de classe produtora e industrial - Cooperativas de 
Trabalhadores, Sindicatos, organizações terciárias, ou empresariais 
tipo FIESP, CIESP, SESI, SENAC –, para cada vez mais, agir 
diretamente com as indústrias e o setor de serviços, depois, com as 
 
54 Vide estudo para adaptação aos sistemas construtivos de auto-construção em 
COSTA, Carlos Zibel. O desenho do sistema hidráulico e sanitário da 
habitação. São Paulo: FAUUSP, 1983. Dissertação (Mestrado). 
 28 
mídias de comunicação de massa escrita e audiovisual e, finalmente, 
com as agências de eventos, publicidade e marketing. 
 
Ao foco que, do edifício passa ao planejamento na área da arquitetura, 
correspondeu ao deslocamento do foco no objeto para o foco no 
consumo na área do design. Ambos deslocamentos, no fim das 
contas, nada mais significam que a aceitação tácita pelos meios 
profissionais e culturais do fato que a sociedade e a cultura – esta, a 
interlocutora privilegiada das duas áreas de projeto, quesempre se 
viram e foram vistas sob a ótica da arte – haviam se transformado em 
uma rede de complexidades que a lógica, a historicidade e 
evolucionismo social anteriormente estabelecido não mais 
compreendiam e davam conta de manobrar adequadamente. 
 
Havia chegado ao fim o que até então se compreendia como 
arquitetura e design. Exatamente do mesmo modo como ocorrera 
com a história da arte e a passagem da arte moderna para a 
contemporânea. O discurso crítico e os fundamentos que norteavam a 
criação, social e culturalmente aceitas, da arquitetura e do design não 
mais atendiam as suas necessidades e não conseguiam vislumbrar 
qualquer estrutura que possibilitasse um mínimo de consenso e 
compreensão e, logicamente, qualquer ação prospectiva fosse 
tecnológica, cultural ou social para seu desenvolvimento. 
 
Morte da arte, morte do design e da arquitetura, morte do arquiteto e 
do designer, ou simplesmente o fim de - em mais uma paródia, agora 
inspirada em Nietzsche - uma antiga ilusão (ocultamento) através do 
martelamento e destruição de mais um ídolo do pensamento da era 
moderna?55 
 
 
55 Vide COSTA, 2008, p. 47-58, A4 – Esgarçamentos pós-modernos, onde na nota 
45, se lê “Veja NIETZSCHE, Friedrich. 1983. Verificar especialmente A questão de 
Sócrates. In: Crepúsculo dos ídolos: ou como filosofar com o martelo. p. 329-344, 
e na nota 47, se lê: “Nietzsche usa a expressão Göttzen-Dämmerung no título do seu 
trabalho Crepúsculo dos ídolos. O tradutor brasileiro de suas Obras Incompletas, 
Rubens Rodrigues Torres Filho, explica tratar-se de uma paródia e um trocadilho, 
pois “na época Wagner encenara a ópera Götterdämmerung, Crepúsculo dos deuses 
(..) o sentido latente (..) levando mais longe o jogo de palavras (ou seja: 
martelamento dos ídolos) não é improvável: na correspondência Nietzsche sugere, a 
um provável tradutor francês, a fórmula: Marteau des idoles”. Cf. NIETZSCHE, 1983, 
p. 127”. As referências acima citadas de Nietzsche estão em NIETZSCHE, F. Obras 
incompletas. Seleção Gérard Lebrun. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 329-
344. (Coleção Os Pensadores) 
 
 
 29 
 
Epílogo: da prancheta ao hiperespaço 
“Prefiro o amanhecer ao crepúsculo. O crepúsculo é muito acadêmico”. 
Vinícius de Moraes 
 
A morte do design e da arquitetura, tal como foram concebidas até 
meados do século passado altera - além do perfil profissional e da 
atuação sócio-econômica como visto acima – o próprio contexto 
cultural, em vias de aceleração, ativado pela computação ubíqua e as 
redes de comunidades virtuais, colaborativas ou de negócios. 
A situação presente, domínio das mídias digitais e virtualização da 
informação56, dos objetos e dos serviços, levanta a seguinte questão 
central: com a “morte do autor” na área das artes e do projeto, quem 
cria, para quem e quais obras? 
Como vimos, na presente situação histórica, trata-se mais 
propriamente de texto, ou melhor ainda, de textualidades e não de 
obras. O conceito de textualidade já pressupõe o convívio do outro, da 
diferença, naquilo que se denominou complexidade. Assim, hoje, 
“obra” significa um híbrido57 que envolve, e vive, várias almas ao 
mesmo tempo que, simplificadamente, chamamos por autor, obra, 
 
56 Cf. PARENTE, André (Org.). Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, 
estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004 
 
57 Cf. os conceitos de rede, rizoma, híbrido e antologia do presente em KASTRUP, 
Virgínia. A rede: uma figura empírica da ontologia do presente. In: PARENTE, André 
(Org.). Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da 
comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 80-90. 
 
 30 
leitor. Em outras palavras, podemos associar “obra”com a textualidade 
produzida pela complexidade inerente à cultura contemporânea.58 
Isso demanda pensar de que modo essa textualidade/obra se relaciona 
com a função-autor e a função-leitor59 numa circunstância onde a 
informação se capilariza em redes cada vez mais complexas e 
cooperativas. Contexto este,de evidente dificuldade até porque muito 
recente e ainda não suficientemente estudado. O que se considera 
afirmado pelos estudiosos, entretanto, é que não se deve esperar 
qualquer retrocesso processual no caminho aberto pelo acesso via 
Internet à informação. 
Talvez, o signo mais forte desse indício é que as empresas migram 
fortemente para o espaço da hipermídia e os usuários vem 
confirmando presença e interação com os serviços e o comercio 
virtual. Tal situação evidencia o ponto focal dessas considerações 
finais: de que modo a convergência cross-midiática com o networking 
social60 - que, configuram uma nova cultura, a da era digital - vem 
alterando o design compreendido conforme os conceitos pós-
estruturalista na textualidade representada pelo ciclo completo de 
vida, que compreende o processo de: 
1. configuração da demanda, 
2. desenvolvimento projetual, 
3. produção, 
4. consumo e 
5. reciclagem dos produtos que circulam na rede? 
 
58 vide, entre outros: MACIEL, Kátia; PARENTE, André(orgs.). Redes sensoriais: arte, ciência, 
tecnologia. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003. 
 
59 Cf. visto na nota 10, este trabalho não tem condição de abordar e, menos ainda, desenvolver os 
conceitos foucaultianos de função-autor e função-leitor que, pretende-se realizar em outra 
oportunidade. Cf. em FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 2006. p. 45-71. 
 
60 Cf. SPYER, Juliano. Conectado: o que a internet fez com você e o que você pode 
fazer com ela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 
 
 31 
A resposta mais adequada hoje, seria considerar a proposta daquilo 
que Vassão chama de arquitetura [design] livre, parceira da internet 
livre, viabilizada por meio de algoritmos e softwares emergentes 61. Ou 
seja, fomentar e apoiar um processo em redes não-estruturais porém 
rizomáticas, no sentido que lhes dão Deleuze e Guattari62, com as 
seguintes características básicas: 
• desdobro democrático segundo Deleuze63: garantia de 
acessibilidade e ativismo; afetividade, segundo Guattari: 
privacidade e espaço pessoal com interatividade social.64 
• ação na textualidade: projeto probabilístico e fuga da 
oposição dicotômica pergunta-resposta (estratégia 
derridiana desconstrucionista65). 
• Apropriação dos princípios e estratégias 
desconstrucionista também em relação aos softwares 
livres. 
• Desenvolvimento colaborativo do Projeto Inacabado, 
incompleto, socialmente distribuído, polívoco. 
O contexto gerado por esse campo alargado de projeto, em tudo 
semelhante ao conceito de espaço em obra de que nos fala Tassinari66, 
equivaleria na era digital, aos conceitos estudados sobre a 
textualidade em Barthes e sobre as função-autor e função-leitor em 
 
61 Usaremos nas propostas de uma arquitetura [design] livre algumas expressões 
pessoais e muitas expressões cunhadas por VASSÃO, 2008, especialmente 4.4. 
Projeto como Pergunta e, 4.5. Objetos e Ferramentas, das p. 269-303, 
62 Cf. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de 
Janeiro: Editora 34, 1995. v. 1. (Cap. I – Rizoma) 
 
63 Cf. DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o barroco. Campinas: Papirus, 1991. 
 
64 Cf. GUATTARI, Félix. Da produção de subjetividade. Tradução Suely Rolnik. In: PARENTE, André. 
Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. 304 p. p. 
171-191. 
 
65 Cf. CULLER, Jonathan D. Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-
estruturalismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: Record, 1997. 
 
66 Cf. TASSINARI, Alberto. O espaço moderno.

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