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Noções básicas da Semiótica SEMIÓTICA é o estudo dos signos, que consiste em todos os elementos que representam algum significado e sentido para o ser humano, abrangendo as linguagens verbais e não-verbais. A Semiótica busca entender como o ser humano consegue interpretar as coisas, principalmente o ambiente que o envolve. Desta forma, estuda como o indivíduo atribui significado a tudo o que está ao seu redor. O estudo da Semiótica mostra que para apreendermos o mundo temos que entender a linguagem cogitando suas decorrências, influências e poder. “A Semiótica é a ciência que tem por objetivo de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”, segundo Lúcia Santaella. O signo: elementos semióticos de Peirce Nada é um signo, a menos que interpretado como um signo. (C.S.Peirce) O filósofo Charles Sanders Peirce (1839 — 1914) investigava a relação entre objetos e o pensamento. Em sua perspectiva seria impossível compreender objetos externos ao sujeito de forma acurada e de maneira universalmente aceitas entre diferente sujeitos. Ícone: um parâmetro que se assemelha ao objeto. Uma foto, por exemplo. Onomatopeias seriam ícones verbais. As limitações do ícone basicamente são duas: nem todos os seres vivos reconhecem um ícone (animais se auto-reconhecerem em uma pintura), dependendo da qualidade da representação, como em um retrato cubista. Índice: um parâmetro cujo o signo possua uma relação de causalidade sensorial indicando seu significado. Alguns índices podem ser interpretados por animais. Por exemplo, onde há fumaça geralmente há fogo. Pronomes demonstrativos e advérbios são equivalentes verbais dos índices. Símbolo: uma relação puramente convencional entre o signo e seu significado. Não há forte evidências que animais na natureza usem os símbolos. Sinais de chamados de baleias, cachorros e pássaros aproximam-se mais dos índices. A gorila Koko ou outro primatas que respondem a símbolos são exceções a serem estudados. O símbolo é explicado ad infinitum por outros referentes, como nas definições de um dicionário que levam a outra definição. Alguns símbolos são não verbais, como a cruz para simbolizar uma sepultura, a religião cristã, uma nacionalidade (em bandeiras), um hospital. Nas línguas, quase a totalidade das palavras são símbolos, representando alguma coisa, quer nominal (um substantivo ou adjetivo) ou uma ação. O signo em si (representâmen) seria o representante que transmitiria a ideia do objeto representado ao interpretante, não a pessoa em si, mas o conjunto de pressupostos e percepções do receptor. As tríades de Peirce (ícone, índice e símbolo; o representante, o objeto denotado, o interpretante) contrapõe às dicotomias da teoria dos signos de Saussure, mas o foco comum no signo sedimentou a Semiologia como a ciência dos significados, influenciando a teoria da comunicação, o estruturalismo e a linguística. Peirce, físico e astrônomo que se voltou à filosofia da ciência, propôs que havia três categorias básicas entre elementos que resumiriam todas as outras relações. A primeiridade (monádica), a secundidade (relação diádica) e a terceiridade (a relação triádica). A primeiridade formaria o novo, a possibilidade, a qualidade de um ser que não teria existência por si só, sem referência a outro ser, sendo portanto, abstrato. De sua negação, oposição, semelhança e contraste com outro, estabelecia-se a secundidade, a própria relação, a qual assume função e existência. Por fim, a terceiridade representaria uma generalidade. Esses atributos estariam presentes no sistema do signo como primeiridade > ícone, secundidade> índice, e terceiridade > símbolo, bem como no sistema semiótico de signo, objeto e interpretante. Em uma rápida analogia, o azul (categoria de primeiridade) não pode ser definido, mas em sua categoria de secundidade pode ser definido como em “azul celeste”, anil, ou #0000ff (Pantone). Por fim, o que é interpretado como azul é a terceiridade, a qual pode ser aplicada de forma generalizante. Ao considerar o papel do interpretante, Peirce conclui sua teoria igualando o conhecimento com a semiose (a produção de signos ou ação dos signos – um processo contínuo de criar significados aos objetos). Baseado em Peirce, Charles William Morris (1901 – 1979) estabeleceu três disciplinas semióticas: a sintaxe (estudo da relação entre signos e signos), a semântica (estudo das relações entre signos e objetos) e a pragmática (estudo da relação entre signo, objetos e usuários). Semiótica no Jornalismo Considerando a notícia como signo, a Semiótica permite entender as estruturas e os procedimentos pelos quais passa ao nosso pensamento ao interpretar o mundo e as informações ao nosso redor. A produção da notícia participa da construção social da realidade. A produção jornalística possui um modo fundamentalmente semiótico. Seja através do processo ou pela transmissão de sentidos sobre o mundo que ela atua ou pelo fato de intervir neste mundo ao ponto de construir, sua ‘semioticidade’ (processo semiótico). Os meios de comunicação proporcionam processos complexos e novos, unido com o seu aparecimento, emergem toda uma nova diversidade de sistemas de signos, no interior dos quais a linguagem jornalística se estabelece, se diversifica e se prolifera. Epistemologicamente(1), a verdade não seria passível de ser validada. Desse modo, a verdade é definida por consenso, distinta da realidade. A verdade seria um processo, um processo de auto-verificação. A utilidade do conhecimento seria sua validade, surgindo aí o pragmatismo como linha de pensamento epistemológico e ontológico (2). Estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral. O ramo da filosofia que estuda a natureza do ser. É essencial perceber que a fotografia não é um signo acidental. Ou seja, ela não é algo que, por um acaso, significa alguma coisa para alguém. O objeto fotografia, seja o de papel ou o digital, já nasce no intuito de significar seu objeto. Sendo a fotografia um signo criado para significar algo, fica claro que a semiótica é uma ferramenta absurdamente essencial para quem estuda os aspectos conceituais dessa arte, em vários níveis. Foto: Custódio Coimbra - Gustavo Capanema 19 Foto: Custódio Coimbra – manhã de chuva – 13-08-2018 Foto: Custódio Coimbra No jornalismo, em especial no jornalismo impresso, o papel da fotografia é de suma importância para completar a notícia. O autor Francis Vanoye (1) explica a importância da fotografia para a construção de um sentido: “[...] a fotografia não veicula apenas uma mensagem referencial; sua preparação (enquadramento, proporções respectivas dos objetos, luminosidade, cores, etc), sua montagem [...] “carregam-na” de conotações múltiplas e complexas” (1) VANOYE, Francis. (2003), Usos da Linguagem. São Paulo: Martins. Ainda no plano de expressão, em relação à forma, a foto traz uma combinação de elementos que definem o atual momento do corredor... que parece querer levar o leitor a entender aquele exato mesmo momento! Mediante os elementos do plano de expressão, chega-se a um significado abrangente no plano de conteúdo, na substância. Homem chora abraçado ao corpo do filho morto em atentado na cidade síria de Aleppo – G1 - 04/10/2012 Bem, se todo o nosso contato com o mundo se dá por mediação sígnica, e a fotografia é um signo em sua razão de ser, é evidente que a semiótica é um método fundamental para melhor criar, ler e analisar imagens fotográficas. O desenho da notícia Em uma capa de jornal, por exemplo, a substância do plano de expressão abrange desde como as pessoas estão vestidas, as cores das roupas até mesmo a parte estética, quanto ao tamanho das fontes. A forma diz respeito à maneira como os elementos citados acima estão combinados, que tem como proposta formaruma mensagem. Já no plano de conteúdo é mais abrangente, o significado transmitido é toda a mensagem implícita do conjunto da capa. A experiência do acontecimento se dá fundamentalmente na linguagem. É através dela que esse acontecimento se materializa publicamente e os sentidos são produzidos. E é nesse jogo de tessitura da linguagem que as narrativas sobre os acontecimentos ganham aquela pimenta malagueta (grifo meu) e deveriam ser pensadas em potências mais complexas... Textura, vivacidade, densidades narrativas, em um jogo entre tensões e fruições estéticas (na estrita relação com o ato de desfrutar ou ter prazer com algo). A teoria de Peirce colabora para compreender o jornalismo porque oferece um mapa conceitual prodigioso para o entendimento dos interstícios de suas configurações pensadas em termos de acontecimento, fontes, ação dos jornalistas, enquadramentos, ação dos públicos e desdobramentos sociais. Há várias exemplificações que pode ser dadas. Vejamos um artigo de jornal, em que o sentido oculto que está em entrelinhas. Para autor José Alves Pinto (1), no jornalismo impresso, a utilização de frases com o sentido oculto é uma das coisas mais naturais. Esse pensamento ganha legitimidade nessa definição do autor: ora, o jornalismo impresso, de todas as mídias, é o que mais lida, ou o que lida mais de perto, com a linguagem verbal. É a mídia que mais sabe das coisas da linguagem verbal, de suas sutilezas, de sua possibilidade de fazer referências a objetos de maneira cruzada. (1) Análise da Narrativa. Disponível em: http://www.jopinho.planetaclix.pt/Index.htm[Consultado a 31 de maio de 2005]. Existem dois aspectos importantes aqui: o primeiro está naquilo que compõe a alma das prerrogativas jornalísticas, que tem a ver com precisão e credibilidade. Se pensarmos o acontecimento como um objeto semiótico e as narrativas produzidas pelo jornalismo como semioses decorrentes desse objeto transformado em signos, teleologicamente (estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade) existe um motor que faz essas semioses andarem no sentido do desvendamento pleno desse objeto: convenções, enquadramentos, interesses de diversas ordens, enfim, há uma série de entraves que inviabilizam essas semioses plenas (que, na verdade, nunca sairão da categoria da possibilidade). Outro aspecto que podemos destacar é que se pode narrar o acontecimento de diferentes formas, e isso traz a narrativa jornalística para um plano estético, com potência de revelar camadas não dizíveis dos acontecimentos: aproximar-se da sua primeiridade, de um plano sensível, do seu estado puro ou bruto. Narrativas como as de Eliane Brum , por exemplo, são exercícios com esse porte. É na linguagem que está a materialidade do jornalismo, sobretudo na sua principal articulação: a de colocar-se como uma mediação qualificada entre os acontecimentos públicos e a sociedade”, explica o pesquisador Ronaldo Henn. Para ele, isso instaura alguns problemas de largada, dentre os quais, “os limites e potencialidades desse lugar de mediação, que semioses esses processos tendem a disparar e com que desdobramentos, e o que os elementos constitutivos dessa mediação revelam sobre os próprios processos constitutivos da realidade social. “Por conta disso, acredito que a teoria de Peirce colabora para compreender o jornalismo porque oferece um mapa conceitual prodigioso para o entendimento dos interstícios de suas configurações pensadas em termos de acontecimento, fontes, ação dos jornalistas, enquadramentos, ação dos públicos e desdobramentos sociais.” A produção da imagem informativa postula a existência de três paradigmas: pré-fotográfico, que são as fotografias tiradas com os olhos, ou seja, a observação pessoal e desarmada de cada um sobre os fenômenos e as imagens artesanais; a fotográfica, que é a captação física do mundo visível, dependendo de aparatos como a máquina fotográfica e filmadora; e por fim a pós-fotográfica, as infografias geradas por computação. Trata-se de um processo de semiose, ou de geração de signos de um factual. Peirce estabeleceu categorias fenomenológicas que correspondem às formas mais gerais de como os fenômenos acessam e processam-se na consciência. Tudo o que estaria no plano das qualidades em si mesmas, sem estarem, a rigor, encarnadas em algo, ele chamou de primeiridade. O que já é algo, na sua dimensão ainda singular, no aqui e agora, trata-se da secundidade. E quando esse algo já é traduzido em linguagem, que a forma como nós, inevitavelmente, acessamos o mundo, estamos no plano da terceiridade. Essas três categorias (que podemos, também, designar como qualidade, singularidade e generalidade) estão presentes em toda a construção filosófica de Peirce: trata-se de um pensamento essencialmente triádico. Então, podemos inferir que no jornalismo as matérias, artigos, crônicas, notas, enfim, são modos de abordar e narrar os acontecimentos que, em algum nível, consigam restituir algo dessa radical singularidade que se perde nas convenções da linguagem jornalística e nos enquadramentos hegemônicos. Parte dos sentidos construídos sobre o mundo tem como núcleo o jornalismo: não é pouca coisa! Fazer com que essas possibilidades de sentido se ampliem, talvez ,seja uma necessidade contemporânea imposta ao jornalismo no momento em que outras formas de mediação se consolidam. Mas elas não agem isoladamente, até porque nós, seres já formatados na consciência, estamos irremediavelmente atrelados à terceiridade e só temos lampejos ultra efêmeros do que seria um primeiro ou um segundo. Peirce dizia que suas categorias funcionam como timbres: há acentos de predominância, como, por exemplo, uma obra de arte estaria próxima da primeira categoria, enquanto um argumento, próximo da terceira. A semiótica peirceana é, como disse Lúcia Santaella, “um método científico para orientar o raciocínio”. Sendo assim, podemos dizer também que essa semiótica nos fornece as ferramentas para compreender processos sígnicos, certo? E sabemos que a humanidade é eminentemente baseada em signos, em representação, em interpretação de signos, certo?