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James, W. (2005). Pragmatismo

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índice
Prefácio do editor.5
Dedicatória.11
Introdução.13
Prefácio do autor.23
Primeira Conferência
O atual dilema da filosofia.25
Segunda Conferência
O que significa o Pragmatismo.43
Terceira Conferência
Alguns problemas metafísicos considerados pragmaticamente.61
Quarta Conferência
Singular e plural.80
Quinta Conferência
Pragmatismo e senso comum. 97
Sexta Conferência
Concepção da verdade no Pragmatismo.111
Sétima Conferência
Pragmatismo e humanismo.130
Oitava Conferência
Pragmatismo e religião.145
Perfil biográfico.159
Texto Complementar - Pragmatismo.169
Bruno
Typewriter
PRAGMATISMO - WILLIAM JAMES
Bruno
Typewriter
Bruno
Typewriter
Dedicatória do autor de Pragmatismo:
A memória de John Stuart MUI
com quem eu aprendi pela primeira vez
a sinceridade espiritual pragmática
e que na imaginação gosto de conceber
como nosso mestre se hoje fosse vivo.
Bruno
Typewriter
Introdução
JOSEPH L. BLAU
I I Espirito do homem reflexivo
,
 nos últimos anos do século
XIX
,
 estava dividido contra si mesmo. Intelectualmente,
estava dominado pela visão científica do mundo. Seus conceitos
físicos eram os de um universo de partículas atómicas em movimento
determinado - ao que se faz alusão frequentemente como o "univer-
so bola de bilhar" da física do século XIX. Sua visão da vida e das
ciências biológicas era impulsionada em uma direção semelhante
pelo impacto do pensamento evolucionista, que culminou na teoria
de Darwin. Emotivamente
,
 porém, estava ainda vivendo em um
universo pré-científico
,
 no qual o homem era a criação especial de
uma deidade condescendente, cujo cuidado e dedicação por suas
criaturas era tal que, sendo necessário, realizava milagres, pondo
de lado as leis da natureza a favor de seus favoritos. Os realistas
insistiam em que os seres humanos viviam em um mundo no qual
os consequentes seguiam seus antecedentes com regularidade ine-
xorável. a despeito dos desejos, esperanças e ideais humanos. Os
idealistas insistiam em que os desejos e os esforços humanos pode-
riam acarretar uma diferença no curso dos acontecimentos.
O fato de William James (3842-1910) ter sido distinguido como
filósofo pelo povo durante esse período decorre de ter apresentado
com graça e brilho e considerável entendimento, uma teoria que
poderia reconciliar o realismo e o idealismo. Os filósofos profis-
sionais nunca levaram James a sério. Escrevia muito bem; expres-
sava-se com demasiada clareza para poder ser tido na conta de
profundo; embora torturado possa ter sido o seu próprio curso no
Bruno
Textbox
13
alcançar de uma posição, seu estilo nunca o traiu em sendo tortuoso.
Fez o pensamento filosófico parecer muito fácil, ao alcance de
qualquer pessoa. Os problemas que o obsedavam eram os mesmos
que importunavam os espíritos de seus contemporâneos, de
preferência as questões técnicas especiais da fraternidade filosófica.
Ao longo de seus últimos anos, esteve sempre prometendo a si
mesmo escrever uma exposição de sua posição filosófica em
linguagem técnica para benefício de seus colegas profissionais,
mas acabou morrendo deixando apenas fragmentos desse tema.
Não obstante, porém, dentre os filósofos americanos, nenhum outro,
exceto Ralph Waldo Emerson, tem sido tão amplamente lido em
seu país e na Europa, e nenhum outro tem sido tão calorosamente
saudado como o porta-voz de uma atitude de espírito caracteristi-
camente americana.
Embora as obras pelas quais William James seja principalmente.
lembrado como filósofo tenham sido escritas durante a última
década de sua vida, seu contato com a filosofia deu-se cedo. Seu
pai, o mais velho Henry James. foi homem de independência finan-
eeira, que dedicou a maior parte de sua vida a desenvolver uma
teologia filosófica profunda, mas excêntrica. À mesa de jantar de
James. era prática comum a conversação girar em torno de algum
problema filosófico; o pai aparentemente se deleitava com ter o
debate iniciado, guardando-se em seguida, a escutar os esforços de
seus filhos para resolver problemas que haviam perturbado os mais
argutos pensadores do mundo por gerações, se não por séculos. A
partir de então William James adquiriu permanente interesse pela
filosofia, juntando-.se com entusiasmo aos seus amigos em
discussões informais sobre assuntos "metafísicos". Na realidade, o
aspecto pelo qual mais tarde haveria de ter celebridade formou-se
em um desses grupos de discussão, liderado por Charles Sanders
Peirce, por volta de 1870. William James escreveu, durante as
décadas de 1870 e 1880, algumas páginas de conteúdo filosófico,
nas quais estavam disseminados os grãos de sua posição futura.
Mas não foi senão por 1897 que passou a encarar a filosofia com
interesse profissional.
James e seus irmãos foram educados de maneira bem irregular.
O pai tanto se achava em casa na Europa como na América, e seu
caráter deambulatório veio a ser o padrão de vida para a família
toda. William não conseguia se resolver no sentido de que carreira
queria seguir. Pensou que podia tornar-se um artista, mas pendeu
também para urna carreira na ciência. Caracteristicamente, seu pai
deu-lhe a oportunidade para explorar ambas as possibilidades.
Afinal, formou-se em medicina e foi nomeado para a Faculdade de
Harvard, em 1872, para lecionar fisiologia. Quatro anos mais tarde.
ficou responsável pelo estabelecimento de um pequeno e admitida-
mente inadequado laboratório de psicologia em Harvard; ficara
impressionado com a nova disciplina de psicologia fisiológica que
se estava gerando nos laboratórios de psicologia das universidades
alemãs, e esperava construir coisa parecida na América. De maneira
característica, o próprio James fez uso reduzido do laboratório; há
registro de seus estudos experimentais sobre vertigem levados a
cabo aí, mas James não era propriamente um cientista de labora-
tório. A importância do laboratório de Harvard reside no fato de
que, a despeito de suas limitações, alguns dos estudantes que aí
treinaram foram levados a prosseguir mais ainda em seus estudos
posteriores.
James
, por essa época, estava mais interessado no campo geral
da psicologia do que na área especial onde a psicologia e a fisiologia
se sobrepõem. Transferiu-se para o departamento de filosofia, na
primeira oportunidade, a fim de ensinar sua versão de psicologia.
Era amplamente versado em escritores franceses e ingleses, tanto
quanto em alemães, de psicologia, de modo que seu curso e sistema
veio a incluir uma seleção de temas tirados dos estudos típicos dos
sistemas europeus. Em razão dessa largueza de perspectivas, viu-se
em condições de romper o modelo de psicologia, baseado princi-
palmente em referências inglesas, que era, então, dominante nas
faculdades americanas. Formais de um século, a psicologia inglesa
tinha estado encerrada em um abraço de morte com uma teoria do
conhecimento baseada sobre um estrito dualismo espírito-matéria,
insistindo em que o espírito era o recipiente passivo de simples
impressões advindas do mundo externo. Essas simples impressões
não eram em si impressões de objetos, mas de qualidades não
relacionadas entre si. A fim de formar ideias de objetos, o até aqui
espírito passivo tinha de trazer constelações de qualidades em
relações uma com a outra. A maneira pela qual o espírito procedia
assim era por intermédio da associação de impressões semelhantes.
Em lugar dessa psicologia "associativa", James expôs uma análise
do espírito como uma espécie de comportamento com relação ao
mundo externo. Espírito, para ele, era uma atividade, um processo
dinâmico; consíderava-o de algum modo à luz da biologia evolu-
análise. Para ele
, as emoções e os processos subinconscientes e
inconscientes foram ponto por ponto tão importantes quanto os
processos conscientes e muito mais interessantes do que estes. Sua
discussão mais influente, relativa ao "fluxo de consciência", de-rivou de sua nova interpretação funcional e comportamental da
psicologia, tendo importantes consequências para sua filosofia,
tanto quanto pajra a literatura do século XX.
Anteriormente a James, a consciência fora tratada, dentro da
tradição do empirismo inglês, como uma sucessão de impressões
mentais separadas e não relacionadas entre si. As vezes
.
,
 dizia
James, a fim de aperfeiçoar nosso "tratamento conceptual" da
experiência, pode ser útil falar como se houvera percepções sepa-
radas dela e concepções distintas a respeito dessa mesma experiência.
Na realidade, porém, não há tais divisões distintas. Não devemos
presumir que a separação arbitrária que introduzimos para nossa
própria conveniência descreva a realidade da consciência. Ao invés,
insistia, a consciência é uma corrente contínua, um fluxo de idéias,
percepções e relações. Parte desse fluxo acha-se ao centro de nossa
atenção a qualquer momento; mas mesmo quando nosso interesse
está focalizado no centro, há uma certeza de penumbra de sensações
e de impressões fugidias. Mais ainda, pensava James, "ninguém
jamais teve uma sensação simples por si mesmo. A consciência,
desde nosso dia de nascimento, é de uma prolífica multiplicidade
de objetos e de relações, e o que chamamos sensações simples são
as resultantes da atenção discriminativa, elevadas frequentemente a
um grau bem alto".
 Como consequência dessa acentuação, cada
pensamento, visto que baliza uma parcela do fluxo contínuo da
consciência por meio da atenção seletiva, "tende a ser parte de uma
consciência pessoal"
, dentro da qual prossegue a seleção. No sentido
de acentuar esse ponto mais agudamente, a certeza do eu é uma
consequência da focalização da atenção em estados momentâneos
da corrente de consciência.
Encarado do ponto de vista de sua filosofia posterior, que
chamava de "empirismo radical"
, o aspecto mais significativo de
sua discussão psicológica do fluxo de consciência foi sua insistência
no fato de que a consciência de relações é parte da corrente, não
uma construção do espírito superposta a átomos de sensação. "Se
afinal há coisas assim como sentimentos, então seguramente como
existem relações entre objetos na natureza das coisas, assim segu-
ramente
, e mais ainda seguramente, existem sentimentos aos quais
Bruno
Typewriter
ciente. As definições de Peirce, tanto de verdade quanto de signi-
ficado dependiam de processos públicos. As definições de James
para as mesmas categorias eram bem mais subjetivas e pessoais.
Como Peirce
,
 James considerava o significado em termos de
consequências de uma proposição, pois em todas as formas de
pragmatismo, o significado e a verdade acham-se localizados no
futuro, de preferência ao passado. As consequências, porém, às
quais James se voltava na busca do significado, eram pessoais
antes de serem sociais
,
 particulares antes de serem públicas. O
significado de uma proposição, para mim, deve ser encontrado em
suas consequências particulares em minha experiência prática futura,
mesmo que, para você
,
 esse mesmo significado desponte em sua
experiência futura. Poder-se-ia traduzir James nesse passo dizendo
que o significado deve ser encontrado no fluxo contínuo da corrente
de consciência de alguém. O significado de um asserto é o uso que
dele posso fazer. Semelhantemente
, o autor personalizou sua teoria
da verdade; uma proposição verdadeira é a que me leva a alcançar,
em minha experiência futura, os resultados que antecipo, e que,
pois. satisfazem minhas expectativas, ao passo que uma proposição
falsa não me leva aos resultados que antecipo. Investigando a
verdade ou a falsidade de uma proposição, a pergunta que estamos
fazendo, diz James
,
 é: "que diferença concreta, em sendo verdade,
fará em qualquer vida atual de alguém?". Se isso é o que a verdade
significa, então é evidente que uma proposição não deve ser tida
como verdadeira no momento em que é feita; somente podemos tê-
la como verdadeira depois que suas consequências particulares
tenham ocorrido na experiência futura de alguém, isso é o que
devemos entender na insistência de James a respeito de que "a
verdade de uma idéia não é uma propriedade estagnada que lhe seja
inerente. A verdade acontece a uma idéia. Toma-se verdadeira, é
feita verdadeira pelos acontecimentos". A verdade é, pois, um
processo de descoberta.
Tanto quanto as idéias científicas estejam em jogo, não haveria
maior diferença entre Peirce e James
, visto que, para James, um
dos critérios das proposições verdadeiras, enquanto guia satisfatório,
era social. "As idéias verdadeiras"
,
 disse, "levam à harmonia intrín-
seca. à estabilidade, e ao intercurso humano fluente. Afastam da
excentricidade e do isolamento
, do pensamento estéril e frustrado".
A diferença somente aparece quando se considera o tipo de pro-
rosição que não tenha diretamente consequências verificáveis de
natureza pública. Com respeito a tais proposições, James esrava
preparado para examinar as consequências da crença no pronun-
ciamento, ao invés das consequências do pronunciamento em si. Se
a crença no asserto faz uma diferença na experiência de vida daqueles
que acreditam, James estava disposto a garantir a proposição do
que chamava de "valor da verdade". O psicólogo em James foi
mesmo longe ao ponto de anotar que há alguns exemplos "em que a
fé em um fato pode ajudar a criar o fato". Nesses casos, disse James
em seu famoso ensaio intitulado "Desejo de Acreditar", nos quais
não há uma razão intelectual válida para escolher entre proposições
conflitantes, temos o direito de acreditar na alternativa que terá as
consequências mais satisfatórias em resultado de nossa crença, a
longo prazo e na medida em que podemos prever as consequências.
A verdade e o proveito vieram a tornar-se completamente interli-
gados na teoria de James. Assim, embora a visão de James da
verdade tenha-se desenvolvido a partir da abordagem científica que
satisfez completamente aos realistas de seu tempo, com a introdução
do "desejo de acreditar, preparou o caminho para as necessidades
dos idealistas.
Em seu apanhado final da "noção de verdade", disse James que
"
a verdade"
, para falar em poucas palavras, é somente o expediente
no caminho de nosso pensamento, justamente como "o direito" é
somente o expediente no caminho de nosso comportamento. Essa
negativa de verdade absoluta não casou bem com o pensamento do
colega mais moço de James no departamento de filosofia de Harvard
,
Josiah Royce
, que quis saber se James ficaria satisfeito em pór uma
testemunha no banco no tribunal e fazê-la jurar a contar "o expe-
diente
, nada mais que o expediente e somente o expediente, e assim
ajudá-la em sua experiência futura". E, certamente, até mesmo os
membros do clero que apreciavam o préstimo proporcionado pelo
"desejo de acreditar" à doutrina da existência de Deus, ficaram
desapontados com o tratamento de James dado à "verdade", como
meramente um comportamento de expediente, de preferência à
conformidade a um padrão ético absoluto. James mesmo jamais
negou que pudesse haver um padrão ético; viu, porém, que todas as
tentativas no sentido de estabelecer um modelo dessa natureza
careciam, de aplicabilidade universal. Viu em todas, todavia, uma
característica comum
,
 isso é, que todas são tentativas no sentido de
satisfazer os reclamos de algum ser consciente, e formulou daí
como seu padrão moral a satisfação dos reclamos. De modo ideal,
todos os reclamos de cada pessoa interessada poderiam teoricamente
ser satisfeitos pela mesma iniciativa; na prática, entretanto, os
reclamos acham-se sempre em conflito. Ao resolver essa dificuldade,
James foi levado a uma virtual reformulação do princípio da "su-
prema felicidade"
 dos militaristas: que é bom, ou é para ser escolhido
o curso que satisfaça o maior numero de reclamos do maior número
de pessoas. É,
 em resumo, 
"
o expediente no caminho de nosso
comportamento".
Muitos filósofos têm ficado profundamente impressionados com
a unidade que descobrem no mundo (ou imposta a ele). James ficou
mais profundamente impressionado com sua variedade, seu plura-
lismo. "A palavra 'ou'"
,
 escreveu certa vez, "designa uma genuína
realidade"
.
 Encarava esse "universo pluralístico" de certo modo
baseado no modelo da "corrente de consciência". A constituição
final da realidade não é nem simples unidade
,
 nem multiplicidade
desligada, mas uma conexão "sem solução de continuidade". "Cada
parte, embora possa não estar em conexão imediata ou real, está,
não obstante
, em alguma conexão possível ou mediada com toda
outra parte, apesar de remota, através do fato de que cada parte
pende junta com os seus vizinhos imediatos em inextricável
confusão"
.
 Reconhecia que esse relato do universo dependia de
suas discussões anteriores
,
 
"da confluência de cada momento pas-
sante de experiência sentida concretamente com os seus vizinhos
imediatamente próximos". Sua visão pluralística foi contrariada,
por um lado, pela idéia dos idealistas, como Royce, para quem toda
diversidade era engolfada pelo Absoluto, e, por outro lado, pelo
universo fragmentado da versão usual do empirismo, com sua
"
experiência picada a sensações atomísticas, incapaz de união com
outra qualquer, até que um princípio puramente intelectual tivesse
se despencado sobre elas vindo do alto, envolvendo-as em suas
próprias categorias conjuntivas".
Diferenças de visão como essas eram atribuídas por ele a diferen-
ças de temperamento. "Uma filosofia é a expressão do caráter íntimo
de um homem
,
 c todas as definições do universo não são senão reações
de atributos humanos que sobre ele incidem, perfilhadas delibera-
damente". Estamos, pois
,
 capacitados a encarar a filosofia do próprio
James como evidência da espécie de homem que foi, pois embora
Lim filósofo empreste razões impessoais às suas conclusões
,
 
"
seu
temperamento concede-lhe uma distorção muito mais forte do que
qualquer de suas premissas mais estritamente objetivas".
Que espécie de homem foi William James? Foi um homem cujo
treinamento no objetivismo da ciência jamais subjugou completa-
mente sua crença idealística, no sentido de que os homens não são
meramente uns autómatos, estritamente condicionados por um mun-
do mecânico, mas são, pelo menos até certo grau, os construtores e
formadores de seu mundo. Foi um homem cujo idealismo jamais o
levou ao absurdo de arguir contra a evidência, pois insistia, realisti-
camente
, que há áreas onde o conhecimento científico exato é
possível. Além de que, foi um homem sempre pronto a ser todo
ouvido à mais selvagem das teorias, porquanto não podia convencer-
se de que toda sabedoria fosse académica ou que houvesse somente
um caminho claramente definido no rumo da verdade. Estava inte-
ressado pelo novo, de preferência ao velho; pelo pode-ser-verdade,
de preferência ao foi-verdade; pelo futuro, de preferência ao passado.
O universo em que vivia estava aberto a todos. Talvez o seu mais
característico pronunciamento tenha sido de satisfação em sua casa
de verão
,
 com quatorze portas, todas abrindo para o lado de fora.
Pois
,
 como Jerome Nathanson disse muito bem, "as portas de sua
alma do mesmo modo abriam-se para as experiências múltiplas de
um mundo em movimento, no qual nada estava assente e muito
ainda estava para ser feito".
u
Prefácio do autor
s conferências que se seguem foram pronunciadas no Insti-
tuto Lowell, em Boston, em novembro e dezembro de 1906, e
em janeiro de 1907, na Universidade de Colúmbia, em Nova Ior-
que. Foram impressas conforme o original, sem desenvolvimentos
ou notas. O movimento pragmático, chamado assim - não gosto
do nome
, mas, aparentemente, £ tarúfe demais para mudá-lo -
parece ter-se precipitado algo subitamente das alturas. Certo nú-
mero de tendências que sempre existiram na filosofia, tornaram-se
todas de uma só vez cônscias de si mesmas coletivamente
,
 e de sua
missão em conjunto; e isso ocorreu, em tantos países e de tantos
pontos de vista diferentes, que daí resultou muito pronunciamento
desajustado.
 Procurei unificar o quadro conforme se me apresenta
aos meus próprios olhos, tratando-o em largas pinceladas, e evitan-
do as controvérsias miúdas
.
 Muita controvérsia fútil poderia ter
sido evitada
, acredito, se nossos críticos estivessem dispostos a
aguardar até que tivéssemos dado conta de nossa mensagem.
Se minhas conferências interessam a algum leitor de assunto
geral, sem dúvida que desejará ler mais a respeito. Envio-o, por-
tanto
, a algumas fontes.
Na América, Studies in Logical Theory, de John Dewey, são
fundamentais
.
 Ler, também, por Dewy, os artigos em Philosophical
Review
, vol. XV, páginas 113 e 465, em Mind, vol. XV, página 293,
e em Journal of Philosophy, vol. IV, página 197.
Provavelmente
, os melhores pronunciamentos para se come-
çar, entretanto, são os de F.C.S. Schiller, em seus Studies in
Bruno
Textbox
23
Humanism, especialmente os ensaios de números I, V, VI, VII, XVIII
e XIX. Seus ensaios anteriores e, em geral, a literatura polemica
sobre o assunto, recebem citação por extenso em suas notas de
rodapé.
Mais ainda, ver J. Milhaud: Le Rationnel, 1898, e os finos
artigos de Le Roy em Revue de Métaphysique, vols. 7, 8 e 9. Ver,
também, os artigos de Blondel e De Sailly em Annales de Philo-
sophie Chrétienne, 4ème Série, vols. 2 e 3. Papini anuncia um livro
a respeito de Pragmatismo, em língua francesa, para ser publicado
em breve.
A fim de evitar pelo menos um mal-entendido, digo que não há
conexão lógica entre o pragmatismo, como eu o compreendo, e
uma doutrina que dei a lume recentemente como "empirismo ra-
dical Essa última se sustenta por si própria. Pode-se rejeitá-la
por inteiro e ainda assim continuar sendo um pragmatista.
Universidade de Harvard, abril de 1907.
a
Primeira Conferência
O atual dilema da filosofia
o Prefácio à sua admirável coleção de ensaios, intitulada
Heretics, Chesterton escreve essas palavras: "Há algumas
pessoas - e eu sou uma delas - que pensam que a coisa mais
prática e importante relativamente a um homem é ainda sua visão
do universo. Achamos que para uma senhoria que considera o seu
inquilino, o importante é conhecer os seus rendimentos, porém
ainda mais importante é conhecer sua filosofia. Achamos que para
um general prestes a combater um inimigo, o importante é saber o
número de inimigos, porém mais importante ainda é saber a filosofia
do inimigo. Achamos que a questão não é se a teoria do cosmos
afeta os negócios, e sim, porém, se a longo prazo são afetados por
alguma coisa".
Afino com Chesterton nesse particular. Sei que vocês, senhores
e senhoras, têm uma filosofia, cada qual e todos vocês, e que a
coisa mais interessante e importante é a maneira pela qual determina
a perspectiva em seus diversos mundos. Vocês sabem o mesmo de
mim. E, não obstante, confesso um certo tremor pela audácia da
tarefa que estou prestes a encetar. Para a filosofia, o que é tão
importante em cada um de nós não é um preparo técnico; é o nosso
mais ou menos senso comum do que a vida honesta e profundamente
significa. É somente em parte obtido nos livros; é a nossa maneira
individual de ver e sentir exatamente a carga total e pressão do
cosmos. Não tenho direito de presumir que muitos de vocês sejam
estudantes do cosmos
, no sentido escolar, porém aqui estou eu
desejoso de interessá-los por uma filosofia que, em não menor
Bruno
Textbox
25
extensão, tem de ser tratada tecnicamente. Desejo fazer com que
simpatizem com uma tendência contemporânea, na qual acredito
profundamente, e, entretanto, tenho de falar como um professor a
quem não é estudante. Qualquer que seja o universoem que o
professor acredite, deve ser, de qualquer modo, um universo que se
preste a um discurso prolongado. Um universo definível em duas
palavras é alguma coisa para a qual o intelecto professoral não tem
uso. Nenhuma fé em qualquer coisa de espécie tão barata! Temos
visto amigos e colegas tentarem popularizar a filosofia nesse mesmo
recinto, mas logo se tornam áridos e, então, técnicos, e os resultados
somente em parte foram encorajadores. Desse modo, minha tarefa
é ousada. O próprio fundador do pragmatismo deu recentemente
um curso de conferências no Instituto Lowell, referente ao título
em epígrafe - coriscos de luz brilhante dardejados contra a nossa
ignorância crassa! Nenhum de nós, suponho, compreendeu tudo
quanto ele disse - e, contudo, aqui estou eu, arriscando-me a uma
aventura semelhante.
Corro o risco porque essas mesmas conferências de que falo
arrastaram - atraíram bom auditório. Há, deve-se confessar, uma
curiosidade fascinante em escutar coisas elevadas expostas em
palestras, mesmo que nem nós, nem os expositores, as compreendam.
Somos levados pela emoção da problemática, sentimos a presença
da vastidão. Deixem uma controvérsia tomar pé em um recanto
qualquer, seja sobre livre arbítrio ou a onisciência de Deus, seja
sobre o bem e o mal, e vejam quantos em roda começam a prestar
atenção. Os resultados da filosofia dizem respeito a todos nós de
maneira fundamental, e os mais intrigantes argumentos filosóficos
titilam agradavelmente o nosso senso de sutileza e de inventiva.
Acreditando eu mesmo devotamente na filosofia, e acreditando
também em que uma nova espécie de aurora desponta para nós,
filósofos, sinto-me impelido, por fas ou por nefas, a tentar comuni-
car-lhes algumas novas da situação.
A filosofia é, ao mesmo tempo, a mais sublime e a mais trivial
das empreitadas humanas. Opera nas brechas mais estreitas e se
abre para os mais vastos horizontes. Não "enche barriga", como já
foi dito, mas pode inspirar nossas almas com coragem; e repelente
como suas maneiras, suas dúvidas e desafios, seus sofismas e
dialéticas frequentemente o são para a gente comum, nenhum de
nós pode prosseguir sem a luz longínqua que espraia pelas pers-
pectivas do mundo. Esses clarões, pelo menos, e os efeitos contras-
tantes de mistério e escuridão que os acompanham, emprestam ao
que diz um interesse que é muito mais que profissional.
A história da filosofia é, em grande parte, a de uma certa colisão
de temperamentos humanos. Indigno que possa parecer a alguns de
meus colegas um tal tratamento, terei de levar em conta esses
choques e explicar por seu intermédio grande parte das divergências
filosóficas. Qualquer que seja o temperamento de um filósofo
profissional, trata, quando filosofando, de encobrir o fato de seu
temperamento. O temperamento não é razão convencionalmente
admitida, com o que lança mão das razões impessoais somente para
as conclusões. Seu temperamento, contudo, confere-lhe uma distor-
ção mais forte do que qualquer de suas premissas mais estritamente
objetivas. Sobrecarrega-lhe a evidência desse modo ou de outro,
estabelecendo uma visão mais sentimental ou mais realística do
universo, justo como esse fato ou aquele princípio o fariam. Confia
em seu temperamento. Necessitando de um universo que se lhe
adapte, acredita em qualquer representação de universo que se lhe
adapta. Sente que os homens de temperamento oposto estão fora de
sintonia com o caráter do mundo, e em seu íntimo considera-os
incompetentes e "por fora" do negócio filosófico, embora mesmo
possam excedê-lo a perder de vista em matéria de habilidade dia-
lética.
No tribunal, todavia, não pode reivindicar, na simples base de
seu temperamento, por autoridade ou discernimento superiores.
Decorre daí
, pois, uma certa insinceridade em nossas discussões
filosóficas: a mais poderosa de nossas premissas jamais é mencio-
nada. Estou certo de que contribuiria para a clareza se, nessas
conferências
, rompêssemos essa regra e a mencionássemos, e eu,
de minha parte, sinto-me livre para poder agir dessa maneira.
Naturalmente que falo aqui de homens positivamente bem marca-
dos
, homens de idiossincrasia radical, que impuseram sua chancela
e feitio à filosofia
, e figuram em sua história. Platão, Lock, Hegel,
Spencer
, são esses pensadores sentimentais. Muitos de nós, natu-
ralmente
, não têm um temperamento intelectual definido, somos
uma mistura de ingredientes contrários, cada qual presente em
proporções bem moderadas. Conhecemos imperfeitamente nossas
próprias preferências em matéria de assuntos abstratos; alguns de
nós somos facilmente desalojados da conversa, e terminamos por
seguir a moda ou nos harmonizamos com as crenças do filósofo
mais impressionante da vizinhança, seja qual for. Uma coisa, porém,
que tem pesado até agora na filosofia é que um homem deve ver as
coisas, vê-las diretamente em sua própria maneira peculiar de ver,
e não se satisfazer com qualquer modo contrário de vê-las. Não há
razão em supor que essa forte visão temporamental vá de agora por
diante deixar de contar na história das crenças humanas.
Agora, a diferença particular de temperamento que tenho em
mente ao estabelecer essas observações é a que tem sido levada em
conta em literatura, arte, governo e costumes, tanto quanto em
filosofia. Em maneiras, encontramos pessoas formalistas e desen-
voltas. Em governo, autoritários e anarquistas. Em literatura, puristas
ou académicos, e realistas. Em arte, clássicos e românticos. Reco-
nhecem-se esses contrastes como familiares; bem, em filosofia
temos um contraste bem semelhante expresso pelo par de termos
"racionalista"
 e "empírico", este último significando o adepto dos
fatos em toda a sua crua variedade, e "racionalista" traduzindo o
devoto aos princípios eternos e abstratos. Ninguém consegue viver
uma hora sem fatos e princípios, com o que é antes uma diferença
de ênfase; gera, contudo, antipatias do mais pungente caráter entre
os que põem a nota enfática diferentemente; e acharemos extraordi-
nariamente conveniente expressar um certo contraste nos modos
dos homens tomarem seu universo, falando do temperamento "em-
pírico" e do "racionalista". Esses termos tornam o contraste simples
e sólido.
Mais simples e sólido do que isso, são, usualmente, os homens
de quem os referidos termos são predicados. Pois cada tipo de
permutação e de combinação é possível na natureza humana; e se
agora procedo a definir mais completamente o que tenho em mente
quando falo de racionalistas e empíricos, acrescentado a cada um
desses títulos algumas características qualificativas secundárias,
solicito considerarem minha conduta como arbitrária, até um certo
ponto. Seleciono tipos de combinação que a natureza oferece muito
frequentemente, mas de maneira alguma uniformemente, e os
seleciono somente por sua conveniência em auxiliar-me em meu
propósito posterior de caracterizar o pragmatismo. Historicamente,
encontramos os termos "intelectualismo" e "sensacionalismo" usa-
dos como sinónimos de "racionalismo". Bem, a natureza parece
combinar mais frequentemente com o intelectualismo uma tendência
idealística e otimista. Os empíricos, por outro lado, são comumente
materialistas, e o seu otimismo é apto a ser decididamente condicio-
nal e trémulo. O racionalismo é sempre monístico. Parte dos con-
juntos e dos universais, e faz muito com a unidade das coisas. O
empirismo parte das partes, e faz do todo uma coleção - não é,
pois, absurdo chamá-lo de pluralístico. O racionalismo usualmente
considera-se mais religioso do que o empirismo, mas há muito que
dizer a respeito dessa pretensão, pelo que meramente faço-lhe
menção. É pretensão verdadeira quando o racionalista individual é
o que é chamado um homem de sentimentos, e quando o empírico
individual jacta-se de ser um racionalista. Nesse caso, o raciona-
lista usualmente também estará a favor do que é chamado livrearbítrio, e o empírico será um fatalista - faço uso dos termos mais
popularmente correntes. O racionalista, finalmente, será de tempe-
ramento dogmático em suas afirmações, ao passo que o empírico
pode ser mais cético e aberto às discussões.
Escreverei esses traços abaixo em duas colunas. Penso que se
reconhecerá praticamente os dois tipos de construção mental que
tenho em mente se encimo as colunas pelos títulos "espírito terno"
e "espírito duro", respectivamente.
Espírito terno Espírito duro
Racionalista (que
segue "princípios")
Intelectualista
Idealista
Otimista
Religioso
Livre arbitrista
Monista
Dogmático
Empírico (que
segue "fatos")
Sensacionalista
Materialista
Pessimista
Irreligioso
Fatalista
Pluralista
Cético
Peço retardar por um momento a questão que implica se as duas
misturas contrastantes que alinhei são cada qual interiormente coe-
rentes e auto-adaptadas ou não - logo estarei em condições de ter
muito o que dizer a respeito. Basta para nosso propósito imediato
que o espírito terno e o espírito duro como pessoas, caracterizadas
conforme estabeleci, existem ambos. Cada um dos senhores pro-
vavelmente conhece alguns exemplos bem marcantes de cada tipo,
e os senhores sabem o que cada exemplo pensa do exemplo do
outro lado da coluna. Têm uma opinião baixa um do outro. Seu
antagonismo
, sempre quando como indivíduos seus temperamentos
foram fortes
,
 tem formado em todas as idades uma parcela da
atmosfera filosófica da época. Forma parte da atmosfera filosófica
de hoje. O duro considera o terno como sentimentalista e idealista.
O temo acha que o duro não é refinado, e sim bruto ou grosso. Sua
reação mútua é bem parecida com a que sucede quando turistas
sofisticados topam com a população de um lugarejo em caixa-
pregos. Cada tipo acredita que o outro seja inferior; mas o desdém
em um caso vem misturado com distração, no outro tem uma ponta
de medo.
Agora, como já insisti anteriormente, poucos de nós somos
puros e simples turistas sofisticados, e poucos são típicos capiaus
do interior, em filosofia. Muitos de nós têm um anelo pelas boas
coisas em ambos os lados da linha. Os fatos são bons, naturalmente
- queremos fatos aos montes. Os princípios são bons - queremos
princípios a mancheias. O mundo é indubitavelmente um se você o
olha de certo modo, mas sem dúvida é muito se você o olha de
outra maneira. E tanto um quanto muito - adotemos uma espécie
de monismo pluralístico. Tudo, naturalmente, é necessariamente
determinado e, não obstante, naturalmente nossas vontades são
livres: uma espécie de determinismo livre-arbítrio é a verdadeira
filosofia. O mal das artes é inegável, mas o todo não pode ser mau:
assim, o pessimismo prático pode ser combinado ao otimismo
metafísico. E assim por diante - o leigo comum de tendências
filosóficas não sendo jamais um radical, jamais extravasando de
seu sistema, mas vivendo vagamente em um compartimento plau-
sível de um ou de outro, para se acomodar às tentações das horas
sucessivas.
Alguns de nós, porém, somos mais que meros leigos em filo-
sofia. Somos dignos do nome de atletas amadores
,
 e nos sentimos
vexados com tanta incongruência e vacilação em nosso credo. Não
podemos preservar uma consciência intelectual condigna enquanto
nos mantivermos misturando os incompatíveis dos lados opostos
da linha.
E chego agora ao primeiro ponto positivamente importante que
desejo fazer. Nunca houve tantos homens de uma tendência
decididamente empírica em existência como os há hoje em dia.
Nossas crianças, pode-se dizer, nascem quase científicas. Nossa
estima pelos fatos, porém, não nos neutralizou de todo a religiosi-
dade. E ela própria quase religiosa. Nosso temperamento científico
é devoto. Tome-se agora um homem desse tipo e deixe-se que seja
também um amador filosófico, sem disposição para misturar um
sistema de mixórdia conforme o modelo de um leigo comum, e que
situação acha que é a sua, nesse ano sagrado de nosso Senhor,
1906? Quer fatos; quer ciência; quer, também, porém, uma religião.
E sendo um amador e não um criador independente em filosofia,
naturalmente que procura por um guia entre os técnicos e profis-
sionais que depara já no terreno. Grande número dos senhores aqui
presentes, possivelmente a maioria, são amadores justamente desse
tipo.
Agora, que espécie de filosofia encontra você atualmente ofere-
cidas, capazes de atender às suas necessidades? Encontra-se uma
filosofia empírica que não é bastante religiosa, e uma filosofia
religiosa que não é bastante empírica para os seus propósitos. Se
olhar para o sítio onde os fatos são mais considerados, encontra o
programa todo dos espíritos duros em operação, e o "conflito entre
a ciência e a religião" em plena efervescência. Ou é aquele bruto
roceiro de um Haeckel com o seu monismo materialista, seu deus
etéreo e sua gozação ao seu Deus como um "vertebrado gasoso";
ou é Spencer tratando a história do mundo como uma redistribuição
somente de matéria e de movimento, e despendido a religião poli-
damente para fora da porta da frente - pode, na verdade, continuar
a existir, mas nunca mais deve mostrar sua face dentro do templo.
Por cento e cinquenta anos passados, o progresso da ciência
pareceu significar o alargamento do universo material e a diminui-
ção da importância do homem. O resultado é o que se pode chamar
o crescimento do sentimento naturalístico ou positivista. O homem
não é legislador para a natureza, é um absorvente. A natureza é que
permanece firme; o homem é que se deve acomodar. Que registre a
verdade
, embora seja desumana, e se submeta! A espontaneidade e
a coragem românticas foram-se, a visão é materialista e deprimente.
Os ideais aparecem como subprodutos inertes da fisiologia; o que é
mais alto é explicado pelo que é mais baixo, e tratado para sempre
como um caso de "nada, a não ser" - nada
, a não ser qualquer
coisa outra de uma espécie completamente inferior. Tem-se, em
suma, um universo materialista, no qual somente o espírito duro se
encontra agradavelmente em casa.
Se agora, por outro lado, voltarmo-nos para o terreno religioso
da consolação, e procurarmos conselho nas filosofias de espírito
terno
, que encontramos?
A filosofia religiosa, em nossos dias e geração, é, entre o povo
de língua inglesa, de dois tipos principais. Um desses tipos é mais
radical e agressivo, o outro tem mais o ar de estar combatendo em
retirada lenta. Por ala mais radical de filosofia religiosa quero dizer
o que se chama idealismo transcendental da escola anglo-hegeliana,
a filosofia de homens como Green, os Cairds, Bosanquet e Roy.
Essa filosofia tem influenciado grandemente os membros mais
estudiosos de nossa igreja protestante. É panteísta e, indubitavel-
mente, já embotou à grande o gume do teísmo tradicional no pro-
testantismo.
Esse teísmo, entretanto, permanece. É o descendente linear,
através de um estágio de concessão após o outro, do teísmo esco-
lástico dogmático ainda ensinado rigorosamente nos seminários da
igreja católica. Por longo tempo costumou ser chamada entre nós a
filosofia da escola escocesa. É o que eu quero dizer por filosofia
que tem o ar de combater em retirada lenta. Entre os abusos dos
hegelianos e outros filósofos do "absoluto", por um lado, e os dos
evolucionistas científicos e agnósticos, por outro, os homens que
nos dão essa espécie de filosofia, James Martineau, professor Bowne,
professor Ladd e outros, devem sentir-se algo firmemente constran-
gidos. Imparcial e honesta que seja, essa filosofia não é de tempera-
mento radical. E eclética, um sistema de compromissos, que procura
um modus vivendi acima de todas as coisas. Aceita os fatos do
darwinismo, os fatos da fisiologia cerebral, mas não faz nada ativo
ou entusiástico com eles. Carece da tónica agressiva ou vitoriosa.
Carece de prestígio, em consequência; enquanto o absolutismo tem
um certo prestígio, devido aoseu estilo mais radical.
Esses dois sistemas são o que se tem à escolha, se nos voltamos
para a escola de espírito terno. E se você é o apaixonado pelos fatos
que suponho ser, dá com a trilha da serpente do racionalismo, do
intelectualismo, por sobre tudo que jaz naquele lado da linha. Você
escapa, na verdade, do materialismo que acompanha o empirismo
reinante; mas paga por sua escapada perdendo contato com as
partes concretas da vida. Os filósofos mais absolutistas pairam em
um nível tão alto de abstração, que nem mesmo tentam alguma vez
descer aqui em baixo. O absoluto espiritual que nos oferecem, o
espírito que plasma nosso universo por pensá-lo, podia, pois alguma
coisa nos mostram ao contrário, ter feito qualquer de um milhão de
outros universos, tanto quanto este. Não se pode deduzir dessa
noção nenhum particular simples e real. É compatível com qualquer
estado de coisas, o que quer que seja sendo verdadeiro aqui embaixo.
E o Deus teístico é quase um princípio estéril. Tem-se de ir ao
mundo que criou a fim de ter-se qualquer vislumbre de seu ver-
dadeiro caráter: é a espécie de deus que, de uma vez por todas, fez
aquela espécie de mundo. O Deus dos escritores tefsticos vive em
alturas tão puramente abstratas quanto o Absoluto. O absolutismo
tem um caráter mais de varredura e de arremetida a esse respeito,
ao passo que o teísmo mais usual é mais insípido, porém ambos são
igualmente remotos e vazios. O que se precisa é uma filosofia que
não somente exercite os poderes de abstração intelectual, mas que
estabeleça alguma conexão positiva com o mundo real de vidas
humanas finitas.
Precisa-se de um sistema que combine ambas as coisas, a
lealdade científica aos fatos e disposição em levá-los em conta, o
espírito de adaptação e de acomodação, em suma, mas também a
velha confiança nos valores humanos e na espontaneidade resultante,
seja do tipo religioso ou romântico. E esse é, então, o dilema:
encontramos as duas partes do quesito desesperadamente separadas.
Vê-se empirismo com desumanismo e irreligião; ou então encontra-
mos uma filosofia racionalista que, na verdade, pode chamar-se
religiosa, mas que se mantém fora de toda e qualquer relação com
os fatos concretos e alegrias e tristezas.
Não estou muito certo de quantos dos senhores vivem o bastante
em intimidade com a filosofia para compreender integralmente o
que tenho em mente com essa última reprovação, com o que ficarei
um pouco mais de tempo a repisar sobre essa irrealidade em todos
os sistemas nacionalistas pelos quais o crente sério em fatos se
encontra apto a sentir-se repelido.
Quisera ter poupado as primeiras páginas de uma tese que um
estudante me passou às mãos um ano ou dois atrás. Ilustravam meu
ponto tão claramente que tenho pena de não poder lê-las agora.
Esse jovem, formado por alguma faculdade do oeste, começava
dizendo que tinha tido sempre como certo o fato de que, quando se
entra em uma classe de filosofia
, tem-se de estreitar relações com
um universo inteiramente distinto daquele que se deixou lá atrás na
rua
.
 Supunha-se que os dois, disse, tinham tão poucas relações um
com o outro
, que não se podia possivelmente ocupar o espírito com
eles ao mesmo tempo. O mundo de experiências pessoais concretas
ao qual a rua pertence é heterogéneo, além da imaginação, enredado,
obscuro
,
 doloroso e enigmático. O mundo ao qual o professor de
filosofia o introduz é simples
,
 claro e nobre. As contradições da
vida real acham-se ausentes dele. Sua arquitetura é clássica. Os
princípios da razão traçam os seus delineamentos, as necessidades
lógicas cimentam suas partes. A pureza e a dignidade são o que
mais expressa. É uma espécie de templo marmóreo brilhando no
alto de uma colina.
Evidentemente, é bem menos um relato desse mundo real do
que um acréscimo patente erguido sobre ele, um santuário clássico
no qual a imaginação racionalista pode ter refúgio do caráter into-
leravelmente gótico e confuso que os meros fatos apresentam. Não
é uma explanação de nosso universo concreto, é outra coisa
completamente, um substituto, um remédio, uma saída de escape.
O seu temperamento, se posso usar a palavra temperamento
aqui, é completamente diferente do temperamento de existência no
concreto. Refinamento é o que caracteriza nossas filosofias inte-
lectualistas. Satisfazem esplendidamente a ânsia por um objeto
refinado de contemplação, que é um apetite tão poderoso do espírito.
Peço, porém, com toda a seriedade, que olhem em torno desse
universo colossal de fatos concretos, em sua medonha confusão,
suas surpresas e crueldades, na selvageria que mostram, e então
que me contem se "refinado" é o único e inevitável adjetivo que
vem aos lábios.
O refinamento tem o seu lugar, é bem verdade. Mas uma filosofia
que nada transpira, a não ser refinamento, jamais satisfará o tem-
peramento empírico. Parece antes um monumento de artificialidade.
Assim, encontramos homens de ciência que preferem voltar as
costas à metafísica como a alguma coisa enclausurada e espectral, e
homens práticos espanando o pó da filosofia de suas botas e
atendendo ao apelo da natureza.
Verdadeiramente
, há algo fantasmagórico na satisfação com
que um sistema puro, mas irreal, enche um espírito racionalista.
Leibnitz foi um espírito racionalista, infinitamente mais interessado
em fatos do que muitos espíritos racionalistas podem mostrar. Não
obstante, se quisermos um exemplo de superficialidade encarnada,
há de ler apenas aquele livro encantadoramente escrito, Teodicéia,
no qual procura justificar os caminhos de Deus ao homem, e provar
que o mundo em que vivemos é o melhor dos mundos possíveis.
Citemos um exemplo.
Dentre outros obstáculos a essa filosofia otimista, Leibnitz deixa
de considerar o número dos eternamente em danação. Esses são em
número infinitamente maior, no nosso caso humano, do que os
salvos, o que aceita como premissa dos teólogos, e então prossegue
argumentando nesse sentido. Diz ele:
"O mal aparecerá como quase nada em comparação com o bem,
se considerarmos a real magnitude da Cidade de Deus. Celius
Secundus Curió escreveu um livro pequeno, De Amplitudine Regni
Celestis, que foi reimpresso não faz muito tempo. Ele falhou,
porém, em alcançar a extensão do reino dos céus. Os antigos
faziam pouca idéia das obras de Deus... Parecia-lhes que somente a
nossa terra tinha habitantes, e até mesmo a noção de antípodas
fazia-os vacilar. O resto do mundo para eles consistia de alguns
globos brilhantes e de algumas esferas cristalinas. Hoje, porém,
quaisquer que sejam os limites que possamos conceder ou recusar
ao universo, devemos reconhecer nele um número incontável de
globos, tão grandes quanto o nosso ou maiores, que têm tanto
direito quanto o nosso de suportarem habitantes racionais, embora
daí não se infira que esses todos tenham de ser homens. Nossa terra
é somente um dentre os seis principais satélites de nosso sol. Como
todas as estrelas fixas são sóis, vê-se quão pequeno é o lugar que
nossa terra ocupa entre as coisas visíveis, visto que é somente um
satélite de uma estrela entre tantas. Ora, todos esses sóis podem ser
habitados
, e somente por criaturas felizes; e nada nos obriga a
acreditar que o número de pessoas em danação seja muito grande;
pois uns poucos exemplos e amostras bastam para a utilidade que
o bem saca do mal. Ainda mais
, visto que não há razão para supor
que há estrelas por toda parte, não pode haver um grande espaço
além da região das estrelas? E esse imenso espaço, circundante
dessa região toda... pode estar repleto com felicidade e glória...
Que se pode considerar agora de nossa Terra e de seus habitantes?
Não diminui para alguma coisa incomparavelmente menor do que
um ponto físico
, visto que nossa Terra não é senão um ponto
comparado com a distância das estrelas fixas.
 Assim, a parte do
universo que conhecemos, estando quase perdida em nada, com-
paradocom o que é desconhecido para nós, mas que somos, entre-
tanto
,
 obrigados a admitir; e todos os males que sabemos existirem
nesse quase nada; segue-se que os males podem ser quase nada em
comparação com os bens que o universo contém".
Leibnitz continua em outra parte:
"Há uma espécie de justiça que visa não à emenda do cri-
minoso
, não à concessão de um exemplo aos outros, não à repara-
ção de uma injúria. Essa justiça fundamenta-se em pura propriedade,
que encontra uma certa satisfação na expiação de uma ação daninha.
Os seguidores de Sozzini e Hobbes objetaram contra essa justiça
punitiva, que é propriamente justiça vindicativa, e que Deus reser-
vou para si em muitas ocasiões... Fundamenta-se sempre na
propriedade das coisas, e satisfaz não somente a parte ofendida,
mas todos os espectadores esclarecidos, do mesmo modo que uma
bela música ou uma fina obra de arquitetura satisfaz um espirito
bem constituído. É assim que os tormentos do danado continuam,
mesmo que não mais sirvam para desviar alguém do pecado, e que
as recompensas do abençoado continuam, mesmo que não confir-
mem ninguém no bom caminho. Aqueles em danação atraem para
si sempre novas penas por seus contínuos pecados, e os abençoados
atraem sempre novas alegrias por seu incessante progresso no bem.
Ambos os fatos fundamentam-se no princípio da retidão... pois
Deus fez todas as coisas harmoniosas em perfeição, como já disse".
A débil pegada da realidade por Leibnitz é evidente demais
para exigir comentários de minha parte. É evidente que nenhuma
imagem realística da experiência de uma alma danada jamais se
aproximara dos portais de seu espírito. Nem lhe havia ocorrido que
quanto menor é o número de "exemplos" do género "alma-perdida",
a quem Deus lança como um pedaço de pão embebido na eterna
retidão, maior é a glória do bem-aventurado injustamente preso ao
chão. O que nos dá é um frio exercício literário, cuja alegre subs-
tância até mesmo o fogo do inferno não esquenta.
E não venham dizer-me que para mostrar a vacuidade do filosofar
racionalista tive de remontar a uma época ultrapassada. O otimismo
do racionalismo dos dias presentes soa falso ao espírito dedicado
aos fatos. O universo real é um todo escancarado, mas o racionalis-
mo faz sistemas, e os sistemas devem ser fechados. Para os homens
na vida prática, a perfeição é alguma coisa distante e ainda em
processo de consecução. Isso para o racionalismo é apenas a ilusão
do finito e do relativo: o terreno absoluto das coisas é uma perfeição
eternamente completa.
Encontro um fino exemplo de revolta contra o fútil e vazio
otimismo da filosofia religiosa corrente em uma publicação de um
valente escritor anarquista, Morrison I. Swift. O anarquismo de
Swift vai um pouco além do que o meu, mas confesso que simpatizo,
e muito, e alguns dos senhores, eu sei, simpatizarão ardentemente
com o seu desgosto pelos otimismos idealísticos atualmente em
voga. Começa seu panfleto sobre a Submissão Humana com uma
série de itens de reportagens urbanas de jornais (suicídios, mortes
por fome e que tais) como espécimes de nosso regime civilizado.
Por exemplo:
"Após caminhar com muito custo através da neve, de uma ponta
a outra da cidade, na vã esperança de arranjar emprego, e com sua
esposa e seis filhos sem alimentação e com ordens de abandonar
sua casa em uma cabeça-de-porco da zona mais miserável da
cidade, por causa de atraso no pagamento de aluguel, John Corcoran,
funcionário, acabou hoje com a vida bebendo ácido carbólico.
Corcoran perdera sua posição três semanas antes por motivos de
doença, e durante o período de disponibilidade, suas magras eco-
nomias desapareceram. Ontem obtivera trabalho com uma turma
de limpadores de neve da cidade, mas estava muito fraco em
virtude da doença, e foi forçado a largar o trabalho após o esforço
de uma hora com a pá. Com o que recomeçou de novo a fatigante
tarefa de procurar emprego. Completamente desencorajado, Corco-
ran retornou ao lar a noite passada para encontrar esposa e filhos
sem alimentos e o alvará de despejo pregado à porta. Na manhã
seguinte, bebeu o veneno".
"Os registros de muitos mais casos encontram-se diante de mim
(prossegue Swift); uma enciclopédia poderia facilmente ser
preenchida com casos dessa espécie. Esses poucos eu cito como
uma interpretação do universo. 'Estamos certos da presença de
Deus nesse mundo,
, diz um escritor em uma revista inglesa re-
cente. 'A presença mesmo do mal na ordem temporal é a condição
da perfeição da ordem eterna,, escreve o professor Royce {The
World and the Individual
,
 II, 385). 'O absoluto é mais rico para
cada discórdia e para toda a diversidade que abarca', diz F. H.
Bradley (Appearance and Reality, 204). Quer dizer que esses homens
assassinados tornam o universo mais rico
, e que isso é filosofia.
Mas enquanto os professores Royce e Bradley e uma turma toda de
consumados pensadores inocentes estão descobrindo a Realidade e
o Absoluto e explicando o mal e a dor, essa é a condição dos únicos
seres que conhecemos em qualquer parte do universo, com uma
consciência desenvolvida do que é o universo. O que essas pessoas
experimentam é a realidade
.
 Dá-nos uma fase absoluta do universo.
E a experiência pessoal daqueles mais bem qualificados em nosso
círculo de conhecimento a ter experiência
, a contar-nos o que é.
Agora, que adianta pensar a respeito da experiência que essas
pessoas vieram a ter, comparado ao sentir direta e pessoalmente o
que sentiram? Os filósofos brincam com sombras, enquanto os que
vivem e sentem conhecem a verdade. E o espirito da humanidade
- não
, porém, o espirito dos filósofos e da classe proprietária -
mas o da grande massa de homens que pensam e sentem em
silêncio, está chegando a essa concepção. Estão julgando o universo
da mesma maneira que até agora permitiram que os hierofantes da
religião e do conhecimento os julgassem..."
"Esse trabalhador de Cleveland, matando seus filhos e a si
mesmo (outro dos casos citados), é um dos fatos elementares es-
tupendos do mundo moderno e do universo. Não pode ser mi-
nimizado ou justificado por todos os tratados a respeito de Deus, do
amor e do ser, irremediavelmente existentes em sua monumental
vacuidade. Isso é um dos elementos simples irredutíveis da vida do
mundo, após milhões de anos de oportunidade e de vinte séculos de
Cristo. É no mundo mental o que os átomos ou sub-átomos são no
físico, primários, indestrutíveis. E o que alardeia ao homem é a
impostura de toda filosofia
, que não vê nesses acontecimentos o
fator consumado de toda experiência consciente. Esses fatos provam
irretorquivelmente que a religião é uma nulidade. O homem não
concederá à religião dois mil séculos ou vinte séculos mais para se
pôr à prova e desperdiçar o tempo humano. Esse tempo esgotou-se;
sua provação terminou; o seu próprio registro liquida-a. A humani-
dade não tem anos e eternidades para desperdiçar, ensaiando sistemas
desacreditados".,
Essa é a reação de um espírito empírico ante o cardápio de um
racionalista. É um absoluto "não, muito obrigado". "A religião", diz
Swift, "é como um sonâmbulo, para quem as coisas reais são vazias".
E esse, embora menos tensamente carregado com sentimento, é o
veredicto de cada amador que pesquise seriamente em filosofia
hoje em dia, e que se volte para o professor de filosofia para
satisfazer plenamente as necessidades de sua natureza. Os escritores
empíricos oferecem-lhe materialismo, os racionalistas dão-lhe
alguma coisa religiosa, mas para essa religião "as coisas reais são
vazias"
.
 Torna-se, pois, o juiz dos filósofos. Terno ou duro, descobre
"
 Morrison I. Swift, Human Submissiony segunda parte, Filadélfia,
Liberty Press, 1905, páginas. 4-10
que também estamos necessitados. Nenhum de nós pode tratar seu
veredicto com desdém, pois, apesar de tudo, ele é o espírito tipica-
mente perfeito, o espírito cujasoma de necessidade é a maior, o
espírito cujos criticismo e desgostos são fatais a longo prazo.
É nesse ponto que a minha própria solução começa a aparecer.
Ofereço a coisa singularmente chamada de pragmatismo como
uma filosofia que pode satisfazer a ambas as espécies de procuras.
Pode permanecer religiosa como os racionalismos, mas, ao mesmo
tempo, como os empirismos, pode preservar a intimidade mais rica
com fatos. Espero que possa estar em condições de deixar em
muitos dos senhores uma opinião tão favorável a seu respeito quanto
a que eu mesmo tenho dela. Como, porém, estou próximo do término
de meu tempo, não farei uma apresentação integral do pragma-
tismo por hora. Começarei com o assunto em uma próxima vez.
Prefiro, no presente momento, retornar um pouco ao que já disse
anteriormente.
Se qualquer dos senhores aqui presente é um filósofo profis-
sional, e alguns dos senhores sei que o são, sem dúvida que terá
sentido que o meu discurso até agora tem sido cru até um ponto
imperdoável, ou, melhor ainda, até um grau quase incrível. Espírito
terno e espírito duro, que desassociação bárbara! E, em geral,
quando a filosofia vem toda recheada de delicadezas intelectuais e
sutilezas e escrupulosidades, e quando se obtém cada tipo possível
de combinação e transição dentro de seus limites, que caricatura
brutal e redução das coisas mais altas a mais baixa expressão
possível é representar o seu campo de conflito como uma espécie
de luta livre entre dois temperamentos hostis! E, de novo, quão
estúpido é tratar a abstração dos sistemas racionalistas como um
crime, e censurá-lo porque se oferecem como santuários e guaridas,
de preferência a prolongamentos do mundo dos fatos. E não são
todas as nossas teorias justamente remédios e abrigos? E, se a
filosofia deve ser religiosa, como pode ser outra coisa senão um
reduto final na fuga à crassidão da superfície da realidade? Que
melhor pode fazer senão elevar-nos acima dos nossos sentidos
animais e mostrar-nos um outro lar mais nobre para nossos espíritos
na grande estrutura de princípios ideais subjacentes a toda realidade,
que o nosso intelecto adivinha? Como podem princípios e vistas
gerais serem alguma coisa outra e em algum tempo outro senão
esboços abstratos? A catedral de Colónia foi construída sem um
plano ou desenho arquitetônico? E o refinamento em si abominável?
É a rudeza concreta a única coisa que é verdadeira?
Acreditem-me, sinto a força total da acusação. O quadro que
pintei é, na verdade, monstruosamente super simplificado e rude.
Gosto, porém, de todas as abstrações, provam que têm o seu uso.
Se os filósofos podem tratar a vida do universo abstratamente, não
devem queixar-se de um tratamento abstrato da própria vida da
filosofia. De fato, o quadro que dei é, embora bem grosseiro e
simples, verdadeiro, literalmente. Os temperamentos, com seus
anelos e recusas, determinam o homem em suas filosofias, e sempre
o farão. Os detalhes dos sistemas podem ser racionados até as suas
últimas consequências, e quando o estudante lida com um sistema,
pode, com frequência, esquecer a floresta pela árvore. Quando,
porém, o trabalho está encerrado, o espírito sempre realiza o seu
grande ato de síntese, e o sistema em seguida se projeta contra
alguém como uma coisa viva, com a simples nota estranha da
individualidade que ronda nossa memória, como o espectro do
homem, quando um nosso amigo ou inimigo está morto.
Não somente Walt Whitman podia escrever "quem toca este
livro, toca em um homem". Os livros de todos os grandes filósofos
são como muitos homens. O nosso sentido de um aroma pessoal
essencial em cada um deles, típico, mas indescritível, é o fruto mais
apurado de nossa própria educação filosófica realizada. O que o
sistema pretende ser é um quadro do grande universo de Deus. O
que é - e, oh, tão perfumadamente! - é a revelação de quão
intensamente singular é o cheiro pessoal de alguma criatura humana.
Uma vez reduzido a esses termos (e todas as nossas filosofias se
reduzem a eles em espíritos tornados críticos pelo conhecimento),
nosso trato com os sistemas reverte ao informal, à reação humana
instintiva de satisfação ou de desagrado. Manifestamo-nos tão
peremptórios em nossa rejeição ou aceitação como quando uma
pessoa se apresenta candidata ao nosso favor; nossos veredictos
vêm recolhidos como simples adjetivos de louvor ou de reprimenda.
Medimos o caráter total do universo como o sentimos, contra o
sabor da filosofia nos oferecida, e uma palavra é o bastante.
"Statt de lebendigen Natur", dizemos, "da Gott die Mensccem
schuf hinein" - aquela nebulosa cocção, aquela coisa grosseira e
constrangida, aquela artificialidade impertinente, aquele bolorento
produto da sala de aula, aquele sonho de doente! Fora com isso.
Fora com tudo! Impossível! Impossível!
Nosso trabalho a respeito dos detalhes de seu sistema é, na
verdade, o que nos proporciona nossa impressão resultante do filó-
sofo, mas é à própria impressão resultante que reagimos. A destreza
em filosofia é medida pela precisão de nossas reações finais, pelo
adjetivo de percepção imediata com que o técnico fere o alvo de
assuntos tão complexos. Grande perícia, entretanto, não é necessário
para vir o adjetivo. Poucas pessoas têm articulado definitivamente
filosofias delas próprias. Quase todos, porém, têm o seu próprio
senso peculiar de um certo caráter total no universo, e da insuficiên-
cia completa para casá-lo aos sistemas peculiares que conhecem.
Simplesmente não abarcam o mundo. Um será por demais gentil;
outro, muito pedante; um terceiro, com muito de um cabide de
empregos de opiniões; um quarto, muito mórbido; e um quinto,
muito artificial, e o que mais. De qualquer modo, ele e nós sabemos
de antemão que tais filosofias acham-se fora de prumo e fora de
nível e fora de "tacada", e que não é de nossa conta pronunciarmo-
nos em nome do universo. Platão, Locke, Spinoza, Mill, Caird,
Hegel - evito prudentemente nomes mais chegados a nós - estou
certo que para muitos dos senhores, meus ouvintes, esses nomes
são pouco mais do que lembranças de muitos modos pessoais
curiosos de ser mal sucedido. Seria um absurdo óbvio se tais
maneiras de captar o universo fossem realmente verdadeiras.
Nós, filósofos, temos de contar com esses sentimentos por parte
dos senhores. Como último recurso, repito, será por intermédio
deles que todas as nossas filosofias serão julgadas em última análise.
A maneira finalmente vitoriosa de olhar as coisas será a maneira
mais completamente impressiva para o pendor normal dos espíritos.
Uma palavra mais - especialmente sobre filosofias, que são
necessariamente contornos abstratos. Há projeções e projeções,
projeções de edifícios que são gordos, concebidos em um volume
cúbico por seu planejador, e projeções de edifícios em planta baixa
no papel, com ajuda de régua e compasso. Esses permanecem ma-
gros e macilentos mesmo quando erigidos com pedra e argamassa,
e o esboço já sugere o resultado. Um esboço em si é seco, na verdade,
mas não sugere necessariamente uma coisa magra. É a magreza
essencial do que é sugerido pelas filosofias racionalistas usuais que
impele os empíricos ao seu gesto de rejeição. O caso do sistema de
Herbert Spencer exemplifica bem a questão. Os racionalistas sentem
a sua medonha ordem de insuficiências
.
 O seu temperamento seco
de mestre-escola
,
 a sua monotonia de realejo, sua preferência por
expedientes baratos na argumentação, sua falta de educação mesmo
em princípios mecânicos, e em geral a vagueza de todas as suas
idéias fundamentais, o arcabouço geral de seu sistema, como se
fora armado a marretadas com tábuas rachadas - e, todavia, metade
da Inglaterra quer enterrá-lo na abadia de Westminster.
Por quê? Por que Spencer invoca tanta reverência, a despeito de
sua fraqueza aos olhos racionalistas? Por que tantos homens edu-
cados que sentem tal fraqueza, você e eu, talvez, não obstante
desejamvê-lo na abadia? Simplesmente porque sentimos que seu
coração está no lugar certo filosoficamente. Seus princípios podem
ser todos pele e osso, mas, de qualquer modo, seus livros tentam
amoldar-se à configuração particular da carcaça desse mundo parti-
cular. O bulício dos fatos ressoa através de todos os seus capítulos,
as citações de fatos nunca cessam, dá ênfase aos fatos, volta-se para
onde estão; e isso é o que basta. Significa a espécie certa de coisa
para o espírito empírico.
A filosofia pragmática, da qual espero começar a falar em
minha próxima conferência, preserva como cordial uma relação
com os fatos, e, diferente da filosofia de Spencer, nem começa e
nem termina pondo as construções religiosas positivas para fora da
porta - trata-as cordialmente, do mesmo modo.
Espero poder levá-los a achar que essa filosofia é o caminho de
pensamento que procuravam.
tn
Segunda Conferência
O que significa o Pragmatismo
A lguns anos atrás, participando de uma festa campestre nas
montanhas, retornava de uma perambulação solitária quando
encontrei a todos ocupados em uma feroz disputa metafísica. O
corpus da disputa era um esquilo - um esquilo vivo que se supunha
estar agarrado a um lado de uma árvore; enquanto do outro lado
oposto da árvore, imaginava-se estar um ser humano. Essa teste-
munha humana tenta ver o esquilo movendo-se rapidamente em
torno da árvore
, mas não importa quão rápida se mova, o esquilo se
movimenta também rapidamente na direção oposta, e sempre
mantém a árvore entre si e o homem
, de maneira que jamais o tem
em vista
.
 O problema metafísico resultante agora é esse: O homem
anda em torno do esquilo ou não? Ele anda em torno da árvore,
certo
, e o esquilo está na árvore; ele anda, porém, em torno do
esquilo? Na ilimitada ociosidade da vastidão
,
 a discussão havia
chegado a nenhuma conclusão.
 Todos tinham tomado partido, e
obstinadamente; e o número de contendores em cada lado se igua-
lava
.
 Cada lado, quando apareci, portanto, apelou para mim para
fazer a maioria
.
 Atento ao adágio escolástico de que sempre quando
se encontra uma contradição deve-se fazer uma distinção, imedia-
tamente procurei e encontrei uma, como se segue: "o lado que está
certo"
, disse, "vai depender do que se entende praticamente por 'ir
em 10010, do esquilo. Se se entende passar do norte dele para o
leste
,
 então para o sul, então para o oeste, e então para o norte dele
de novo
, é óbvio que o homem vai em torno dele, pois ocupa essas
posições sucessivas. Se, porém, ao contrário, entende-se que
Bruno
Textbox
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primeiro está em frente a ele, então, à sua direita, então, atrás,
então, à esquerda, e, finalmente, de novo em frente dele, é comple-
tamente óbvio que o homem deixa de ir em torno do esquilo, pois
pelos movimentos compensadores que o esquilo faz, mantém o seu
ventre voltado para o homem todo o tempo, e as suas costas voltadas
para o lado oposto. Faça-se a distinção, e não haverá ocasião para
qualquer disputa posterior. Os dois lados estão ao mesmo tempo
certos e errados, de acordo com o que se conceba em relação à
locução 4ir em torno,, em um sentido prático ou em outro".
Embora um ou dois dos disputantes mais inflamados dissessem
que minha resposta fora uma evasiva, argumentando que queriam
não subterfúgios ou disputas escolásticas, mas uma definição honesta
da expressão "em torno", a maioria parecia pensar que a distinção
havia decidido o debate.
Narro este episódio banal porque é um exemplo peculiarmente
simples do que desejo agora falar como sendo o método pragmático.
O método pragmático é, primariamente, um método de assentar
disputas metafísicas que, de outro modo, se estenderiam intermina-
velmente. E o mundo um ou muito? - predestinado ou livre? -
material ou espiritual? - eis aqui noções, quaisquer das quais
podem ou não valer verdadeiras para o mundo; e as disputas em
relação a tais noções são intermináveis./O método pragmático
nesses casos é tentar interpretar cada noça(?traçando as suas con-
sequências práticas respectivas. j Que diferença praticamente ha-
veria para alguém se essa noção, de preferência àquela outra, fosse
verdadeira? Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática
qualquer, então as alternativas significam praticamente a mesma
coisa, e toda disputa é vã. Sempre que uma disputa é séria, devemos
estar em condições de mostrar alguma diferença prática que decorra
necessariamente de um lado, ou o outro está correto.
Uma olhada à história da idéia mostrará ainda melhor o que
significa o pragmatismo. O termo deriva da mesma palavra grega,
7ipáx%a, que significa ação, do qual vêm as nossas palavras
"prática"
 e "prático". Foi introduzida pela primeira vez em filoso-
fia por Charles Peirce, em 1878. Em um artigo intitulado "Como
tornar claro nossas idéias", em Popular Science Monthly de janeiro
daquele ano,, Peirce, após salientar que nossas crenças são,
"
 Transcrito em Revue Philosophique de janeiro de 1879 (vol. VII).
realmente, regras de ação, dizia que, para desenvolver o significado
de um pensamento, necessitamos apenas de determinar que conduta
está apto a produzir: aquilo é para nós o seu único significado. E o
fato tangível na raiz de todas as nossas distinções de pensamento,
embora sutil, é que não há nenhuma que seja tão fina ao ponto de
não resultar em alguma coisa que não seja senão uma diferença
possível de prática. Para atingir uma clareza perfeita em nossos
pensamentos em relação a um objeto, pois, precisamos apenas
considerar quais os efeitos concebíveis de natureza prática que o
objeto pode envolver - que sensações devemos esperar daí, e que
reações devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos, se imediata
ou remota, é, então, para nós, o todo de nossa concepção do objeto, na
medida em que essa concepção tenha, afinal, uma significação positiva.
Esse é o princípio de Peirce, o princípio do pragmatismo. Per-
maneceu inteiramente despercebido por vinte anos, até que eu, em
uma alocução perante a reunião filosófica do professor Howison na
Universidade da Califórnia, trouxe-o à baila novamente e dei-lhe
uma aplicação especial na religião. Por essa época (1898), o tempo
parecia propício à sua acolhida. A palavra "pragmatismo" espalhou-
se, e, atualmente, transparece em grau razoável nas páginas das
publicações filosóficas. Em todas as bandas damo-nos conta do
"
movimento pragmático", falando às vezes com respeito, às vezes
com contumélia; raramente com perfeito conhecimento de causa. E
evidente que o termo se aplica convenientemente a um número de
tendências que até aqui têm carecido de um nome geral, e que "veio
para ficar".
Para se ter idéia da importância do princípio de Peirce, deve-se
ir acostumando a aplicá-lo aos casos concretos. Descobri a alguns
anos atrás que Ostwald, o ilustre químico de Leipzig, esteve fazendo
uso perfeitamente distinto do princípio do pragmatismo em suas
conferências acerca da filosofia da ciência
,
 embora não o tenha
chamado por seu nome.
"Todas as realidades influenciam nossa prática", escreveu-me,
"
e essa influência é o seu significado para nós. Estou acostumado a
expor problemas às minhas classes nesses termos: sob que aspectos
o mundo seria diferente se essa alternativa ou aquela fosse verda-
deira? Se não posso achar nada que o tornasse diferente, então a
alternativa não tem sentido"
.
Isto é
, a visão rival significa praticamente a mesma coisa, e não
há para nós nenhum sentido que não o prático. Ostwald, em uma
conferência publicada, dá exemplo do que quer dizer. Os químicos
desde há muito que têm debatido a respeito da constituição interna
de certos corpos chamados "tautômeros". Suas propriedades pare-
ciam igualmente compatíveis com a noção de que um átomo instável
de hidrogénio oscila dentro deles, ou que são misturas instáveis de
dois corpos. A controvérsia lavrou,porém nunca chegou a termos.
"E nunca teria começado", diz Ostwald, "se os contendores tivessem
perguntado a si próprios que fato experimental particular podia ter
sido tornado diferente por esse ou aquele ponto de vista ser o correio.
Pois, então, teria aparecido que nenhuma diferença de fato podia
provavelmente daí decorrer; e a disputa foi tão irreal como se, teori-
zando nos tempos primitivos a respeito do crescimento da massa
pelo fermento, um grupo invocasse um *duende,, enquanto outro
insistisse em um 'alfo, como a causa verdadeira do fenómeno".2
É espantoso de ver-se quantas e quantas disputas filosóficas dão
em nada no momento em que a submetemos ao simples teste de
traçar uma consequência concreta. Não pode haver nenhuma dife-
rença em alguma parte que não faça uma diferença em outra parte
- nenhuma diferença em matéria de verdade abstrata que não se
expresse em uma diferença em fato concreto e em conduta
consequente derivada desse fato e imposta sobre alguém, alguma
coisa, em alguma parte e em algum tempo. Toda a função da
filosofia deve ser a de achar que diferença definitiva fará para mim
e você, em instantes definidos de nossa vida
,
 se essa fórmula do
mundo ou aquela outra seja a verdadeira.
Não há nada de novo absolutamente no método pragmático.
Sócrates foi adepto dele. Aristóteles empregou-o metodicamente.
Locke, Berkeley e Hume fizeram contribuições momentâneas à
verdade por seu intermédio. Shadworth Hodgson insiste em que as
realidades são somente o que sabemos delas. Esses precursores do
pragmatismo, porém, usaram-no de maneira fragmentária: apenas
2 "Theorie und Praxis"
, Zeitsch. des Oesterreichischen Ingenieur u.
Architecten-Vereines, 1905, Nr. 4 u. 6. Encontro um pragmatismo ainda
mais radical do que o de Ostwald em uma palestra pelo professor W. S.
Franklin: "Penso que a noção doentia da física
,
 mesmo se um estudante a
entende, é a de que é 1a ciência das massas
,
 moléculas e do éter'
.
 E eu
penso que a noção mais saudável, mesmo se um estudante não a compreende
inteiramente é que a física é a ciência dos meios de tomar posse dos
corpos e de impulsioná-los"! (Science
, 2 de janeiro de 1903).
o preludiaram. Não foi senão em nossa época que se generalizou,
tomou-se consciente de uma missão universal, aspirou a um destino
conquistador. Acredito nesse destino, e espero poder terminar
transmitindo-lhes toda a minha fé.
O pragmatismo representa uma atitude perfeitamente familiar
em filosofia, a atitude empírica, mas a representa, parece-me, tanto
em uma forma mais radical quanto em uma forma menos contradi-
tória, em relação a que já tenha assumido alguma vez. O pragma-
tista! volta as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma
série de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Afasta-
se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más
razões a priori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados,
com pretensões ao absoluto e às origens. Volta-se para o concreto e
o adequado, para os fatos, a ação e o poder. O que significa o reinado
do temperamento empírico e o descrédito sem rebuços do tempera-
mento racionalista. O que significa ar livre e possibilidades da
natureza, em contraposição ao dogma, à artificialidade e à pre-
tensão de finalidade na verdadeN
Ao mesmo tempo não pretende quaisquer resultados especiais.
É somente um método. O triunfo geral desse método, porém, signi-
ficaria uma alteração enorme no que chamei, em minha última
conferência, de "temperamento" da filosofia. Os professores do
tipo ultra-racionalista têm calafrios só de ouvir isso, igual ao tipo
cortesão
, que fica gelado ao ouvir falar em república, e ao prelado
do tipo ultramontano, que se arrepia em terras protestantes. A
ciência e a metafísica poder-se-iam aproximar mais ainda, poderiam
mesmo
,
 de fato, trabalhar de mãos dadas.
A metafísica tem, comumente, seguido uma trilha muito primi-
tiva de interrogatório. Sabe-se quanto os homens têm suspirado por
poderes mágicos ilícitos, e se sabe também a grande parte que as
palavras sempre desempenharam na magia. Se temos o nome ou a
fórmula de encantamento que lhe diz respeito, pode-se controlar o
espírito
, génio, entidade ou qualquer que seja o poder. Salomão
sabia os nomes de todos os espíritos, e, tendo os seus nomes,
mantinha-os sujeitos à sua vontadeJAssim, o universo tem sempre
aparecido ao espírito natural como uma espécie de enigma, do qual
a chave deve ser procurada na configuração de algum nome ou
palavra mágica ou iluminada. Essa palavra designa o princípio do
universo
, e possuí-la é, de certo modo, possuir o próprio universo,
"Deus"
,
 
"Matéria", "Razão", "Absoluto", "Energia são muitos
desses nomes encantados. Podemos repousar quando os temos.
Chegamos ao fim de nossa pesquisa metafísica.
Se, porém, seguimos o método pragmático, não nos podemos
limitar a nenhuma dessas palavras como definitivas. Tem-se de
extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, pô-lo a trabalhar
dentro da corrente de nossa experiência. Desdobra-se, então, menos
como uma solução do que como um programa para mais trabalho, e
mais particularmente como uma indicação dos caminhos pelos
quais as realidades existentes podem ser modificadas.
teorias, assim, tornam-se instrumentos, e não respostas aos
enigmas, sobre as quais podemos descansar Não ficamos de costas
para elas, movemo-nos adiante, e, na ocasião, fazemos a natureza
retornar com a sua ajuda. O pragmatismo relaxa todas as nossas
teorias, flexiona-as e põe-nas a trabalhar. Não sendo nada essencial-
mente novo, se harmoniza com muitas tendências filosóficas antigas.
Concorda com o nominalismo, por exemplo, sempre apelando para
os particulares; com o utilitarismo, dando ênfase aos aspectos
práticos; com o positivismo, em seu desdém pelas soluções verbais,
pelas questões inúteis e pelas abstrações metafísicas.
Todas essas, vê-se, são tendências antiintelectuais. Contra o
racionalismo como uma pretensão e um método, o pragmatismo
acha-se completamente armado e militante. Mas, em princípio, pelo
menos, não visa resultados particulares. Não tem dogmas e doutrinas,
salvo o seu método. Como o jovem pragmatista italiano Papini
disse muito bem
,
 situa-se no meio de nossas teorias, como um
corredor em um hotel. Inúmeros quartos dão para ele. Em um,
pode-se encontrar um homem escrevendo um volume ateístico; no
próximo, alguém de joelhos rezando por fé e força; em um terceiro,
um químico investigando as propriedades de um corpo. Em um
quarto, um sistema de metafísica idealística está sendo excogitado;
em um quinto, a impossibilidade da metafísica está sendo demons-
trada. Todos, porém, abrem para o corredor, e todos devem passar
pelo mesmo se quiserem ter um meio prático de entrar e sair de
seus respectivos aposentos.
Até então não há nenhum resultado particular, mas somente
uma atitude de orientação, que é o que o método pragmático signi-
fica. A atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios,
das "categorias das supostas necessidades; e de procurar pelas
últimas coisas, frutos, consequências
, fatos.
Tanta coisa para o método pragmático! Pode-se dizer que o
estive louvando, de preferência a explicá-lo, mas, por agora, darei
muitas explicações a seu respeito, mostrando como opera em relação
a alguns problemas familiares. Nesse meio tempo, a palavra pragma-
tismo tem sido usada em um sentido ainda mais amplo, como
significando também uma certa teoria da verdade. Pretendo fazer
uma conferência sobre essa teoria, após primeiro preparar o terreno,
com o que posso ser breve por ora. A brevidade, porém, é dura de
seguir, com o que peço a atenção dos senhores por algum tempo.
Se permanecer obscuro, espero poder expor o assunto com mais
clareza em palestras posteriores.
Um dos mais cultivados ramos da filosofia em nosso tempo, e
com êxito, é o que se chama

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