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1 AULA 7 A IDADE ESCOLAR Sílvia Maria Melo Gonçalves Apenas para fins didáticos, conforme foi mencionado na aula 6, na medida em que nenhuma criança obedece a padrões fixos, a criança em idade escolar ou na terceira infância será considerada aquela entre 6/7 anos e 11/12 anos. A escola é a experiência central dessa etapa da vida; o crescimento físico diminui, mas o corpo torna-se apto a realizar façanhas que, anteriormente, eram impossíveis, pois sua força e habilidades motoras se aperfeiçoaram. A família continua sendo essencial e os amigos passam a exercer maior influência para a criança, aumentando seu desenvolvimento emocional e social. A autoimagem se desenvolve, afetando, consequentemente, a autoestima. O desenvolvimento cognitivo é evidente, a memória e as habilidades de linguagem aumentam significativamente e a criança passa a pensar com lógica, embora seu pensamento seja predominantemente concreto. Dessa forma, com os avanços cognitivos e a educação formal, a criança será capaz de construir seu conhecimento. Desenvolvimento físico: O crescimento físico se dá mais lentamente na idade escolar (ou terceira infância), quando as crianças dos 6 aos 11 anos aumentam em estatura, em média, de 5cm a 7,5cm por ano e adquirem o dobro do peso nesse mesmo período (PAPALIA & OLDS, 2000). A retenção de tecido adiposo nas meninas é maior do que nos meninos, persistindo, assim, durante a vida adulta (PAPALIA & OLDS, 2000). Papalia e Olds (2000) apontam que a grande preocupação da saúde púb lica d e vários países concentra-se na obesidad e i n f a n t i l e m v á r i a s f a i x a s e t á r i a s . Assim, visando prevenir o excesso de peso e problemas cardíacos, tanto para crianças como para adultos, além da escola, a mídia colabora na divulgação de uma nutrição bem equilibrada, com quantidade adequada de grãos, frutas, carnes e vegetais. 2 O sono é importante em todas as etapas da vida do ser humano, e a criança em idade escolar precisa de uma noite bem dormida para executar todas as atividades do seu dia, inclusive as da escola. O sono costuma ser de cerca de 11 horas por dia aos 5 anos, 10 horas ao s 9 anos e d e 9 horas aos 13 anos (PAPALIA & OLDS, 2000) . Na escola, a hora do recreio é importante para o desenvolvimento físico e motor das crianças, para as brincadeiras e a interação social entre os alunos. Os gêneros diferem em relação às brincadeiras nos intervalos das aulas, os meninos brincam, geralmente, usando o físico, enquanto a meninas preferem usar expressões verbais e brincadeiras que possibilitem a contagem em voz alta, como a “amarelinha” e pular corda (PAPALIA & OLDS, 2000). Desenvolvimento psicossexual: Em relação ao desenvolvimento psicossexual (que você já viu na aula 5 e verá na aula 9), a criança, em idade escolar, está na fase de latência. Fase de latência: (5-6 anos até 12 anos) Esse período não é realmente uma fase, pois não há nova organização de zona erógena. É um período intermediário entre a genitalidade infantil e a adulta. Após a resolução do complexo de Édipo, uma grande parte das inquietações ligadas à vida sexual é rejeitada no inconsciente, esquecida, recalcada. Assim, os impulsos incestuosos e agressivos do complexo de Édipo ou foram recalcados, ou foram transformados em sentimentos socialmente aceitos ou foram resolvidos através do processo de identificação. Com interdição do Édipo, a energia da libido fica temporariamente deslocada dos seus objetivos sexuais e é direcionada para outras finalidades, será redistribuída e sublimada, irá para as atividades escolares, culturais, esportivas e sociais É uma calmaria dos impulsos sexuais, dos sentimentos hostis e dos medos. Esse período coincide com a alfabetização e os primeiros anos do ensino fundamental, o que é bom, já que o Eu está mais livre para as realizações intelectuais e socialmente produtivas, através da sublimação. 3 Durante esta época, as crianças buscam outras do mesmo sexo para brincarem, reforçando ainda mais o papéis sexuais pela identificação, e demonstram afeto pelos pais. A importância da escola: A ida para a escola é um momento de muita fantasia para a criança, e há muita expectativa dos pais sobre o comportamento da criança. Embora os pais tentem esconder dúvidas e temores, a criança percebe sua ansiedade sobre esses momentos que marcam seu crescimento. Até a fase escolar, a criança se caracterizava pelo egocentrismo, pelas dificuldades que tinha em conceber a individualidade dos outros e em admitir que eles existiam, não para ela, mas independente dela. Outra característica é o agarramento afetivo e um amor muito envolvente com os pais. O processo da socialização que se inicia com o ingresso na escola desempenha importantíssimo papel não só nas vivências edípicas como também na regressão do egocentrismo. O início da vida escolar leva a criança a conviver com outras de sua faixa etária e a compartilhar a atenção do adulto. Não será mais o centro das atenções e dos cuidados, terá que partilhar o professor com todos os outros que lá estão e que têm os mesmos direitos. Assim, logo perceberá que, às vezes, terá que lutar para manter seu lugar no grupo, que precisará considerar a existência dos outros, fazer-lhes certas concessões, aceitar fazer intercâmbio com esses, tolerar não mais ser constantemente admirado, amado e acariciado. O eu terá que ceder lugar ao nós. Essa passagem será possível graças à identificação da criança com seus pais e a uma melhor tomada de consciência de sua individualidade e da dos outros. Se em sua casa havia normas a serem cumpridas, ela se deparará com outras regras na escola. É um espaço onde outras pessoas, estranhas até aquele momento (crianças e adultos), falam-lhe, questionam-na, interpelam-na, frustram-na etc. Freud, em Psicologia de grupo e a análise do ego, aponta para o comportamento da criança, em grupo, principalmente na escola. “(...) Assim, no grupo de crianças desenvolve-se um sentimento comunal ou de grupo, que é ainda mais desenvolvido na escola (...). Se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos ninguém mais o será.” (FREUD, 1974, Vol. XVIII, p.152) 4 Por outro lado, as situações de aprendizagem deixam o aluno em uma posição de expectativa por ser avaliado, porque, ainda que se trate de novas metodologias, a avaliação sempre existirá. O ser humano é muito zeloso com sua imagem e sua “inteligência será avaliada”; quantos estereótipos existem em relação à inteligência! O narcisismo explica bem essa visão de si mesmo, no caso de uma imagem favorável, o Eu pode ser encorajado para a ação, ser estimulado em suas atividades tão difíceis. Ao mesmo tempo, é uma espécie de volta sobre si mesmo e um meio de tomar consciência de si. Entre um mundo instintual considerado ameaçador e um mundo real em que a adaptação está sendo temida, a fuga para o mundo interior e para a ficção garante ao indivíduo a segurança perdida. O êxito pode ser vivido na imaginação e na ficção, sem dano algum para o Eu, se não o de um desligamento provisório da realidade. Algumas crianças, diante das várias possíveis dificuldades na escola, voltam-se para dentro de si, isolando-se em um canto, sem que consigam se relacionar com seus colegas, não veem o outro como pessoa. Nas tão comuns brigas na escola, são os outros que desencadeiam as desavenças. E são os outros que querem exclusividade com o professor e sempre serão os outros que fazem alguma coisa errada. É o mecanismo da projeção que está em cena. Você já deve ter ouvido uma criança falar: “_Vouperguntar para o meu professor, ele sabe responder tudo”, caso você não se lembre de já ter dito essa mesma frase. A identificação da criança com o genitor do sexo oposto, vinda do final da fase fálica e durante a fase de latência, para lutar contra as tendências edipianas, terá na figura do professor, sem dúvida, uma transferência da admiração que sente pelo seu pai ou pela sua mãe. Kupfer (1995) refere-se a constatação de Freud de que a criança transfere ao professor, de um modo bem peculiar, algumas características da relação com os pais, reeditando e ressignificando suas antigas vivências. E o adolescente, por rejeitar as identificações com os pais, as transfere, muitas vezes, para personagens reais, como o professor, por exemplo. Mas, o professor também mostrará o que está certo e errado, ensinará regras e normas. Será uma pessoa ora amada, ora odiada, dependendo das frustrações que vier a causar. O modo como a criança passou pelo complexo de Édipo e como lida com a autoridade serão fatores fundamentais para a relação com seu professor. 5 O Prazer no investimento intelectual: Há situações em que ocorre uma transformação no impulso sexual para um fim não mais sexual, percebido pelo sujeito como mais “digno”: é o processo de sublimação. São atividades sem qualquer relação aparente com a sexualidade, mas que têm como elemento propulsor a força da pulsão sexual. Para Freud, a sublimação não constitui um mecanismo de defesa patógeno contra as pulsões por serem estes modificados em sua finalidade, tornando-se, assim, um fator preventivo e de defesa contra as neuroses. (...) há apenas duas possibilidades de permanecer sadio quando existe uma frustração persistente do mundo real. A primeira é transformar a tensão psíquica em energia ativa, que permanece voltada para o mundo externo e acaba por arrancar dele uma satisfação real da libido. A segunda é renunciar à satisfação libidinal, sublimar a libido represada a voltá-la para a consecução de objetivos que não são mais eróticos e fogem à frustração. (FREUD, 1974, vol. XII, p. 292). É através do mecanismo de sublimação que surgirão as atitudes que o ser humano valoriza como a expressão mais elevada e mais nobre de sua própria ação. As transformações sofridas pelo impulso sexual mediante o processo de sublimação irão propiciar o desenvolvimento cultural em três áreas essenciais da civilização: a arte, a ciência e a religião. O processo de sublimação, ao oferecer uma saída “normal” ao indivíduo enquanto o recalque da pulsão cria uma tensão muitas vezes insuportável, estará permitindo-lhe não somente evitar tensões desagradáveis como também promovendo a aplicação de suas energias em caminhos construtivos e não neuróticos. Podemos perceber a importância desse processo para fins sociais e construtivos conforme o seguinte trecho de Freud: (...) a sublimação da pulsão constitui aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural, é ela que torna possível as atividades psíquicas superiores científicas, artística ou ideológicas, desempenho de um papel tão importante na vida civilizada. (FREUD, 1974, vol. XXI, p. 118). As sublimações são desenvolvidas mediante a força de pressões dos pais, da sociedade e do Supereu, como resposta a certas interdições e a certas normas que tornam impossível a satisfação direta das pulsões. 6 Por que, então, a orientação da educação é geralmente repressiva? No fundo, a tarefa do educador consiste em encontrar o equilíbrio entre a omissão e a interdição. Trata-se de se avaliar constantemente qual o menor sacrifício de prazer pode parecer compatível com a vida social, sem esquecer que o princípio do prazer deve ser suplantado pelo princípio da realidade. As frustrações maiores acontecem no domínio da sexualidade, mas Freud chama a atenção de que uma liberdade sexual ilimitada desde o nascimento não levará a um melhor resultado na vida das pessoas. Em Totem e tabu, Freud utiliza grande número de páginas para mostrar como surgiu a proibição do incesto e porque traça a linha de demarcação entre os selvagens e a humanidade, culminando com a constituição das leis sociais. É também o que faz do desejo uma dimensão especificamente humana. Não somente a proibição do desejo, mas também o suporte que permite o surgimento da lei, ou seja, um sistema de regras simbólicas que impede definitivamente o acesso a um prazer original (FREUD, 1974, Vol. XIII). Nessas condições, a conciliação entre as exigências da civilização e as reivindicações das pulsões aparece como completamente impossível, ela só ocorrerá pagando o preço da constituição original: a do desejo. E precisamente a educação que Freud exalta é a educação baseada na realidade, consistindo em levar a criança a tomar consciência da realidade exterior, mas também da realidade psíquica, ou seja, a realidade do desejo. Freud introduziu progressivamente um novo dualismo, entre pulsões sexuais e pulsões do Eu, o que traz novos elementos que enriquecem sua concepção da educação. Somente o Eu pode ser educado, mesmo que as pulsões sexuais permaneçam indomáveis a qualquer influência exterior. A educação vem então preservar a criança do enfrentamento brutal com a existência. Como você já viu, as medidas educativas levam a criança a suportar uma certa dose de desprazer, pela renúncia das satisfações pulsionais imediatas, em vista de obter um outro prazer. E a recompensa é o amor, que é um componente das pulsões sexuais. Renuncia-se a satisfação de certas pulsões sexuais para conservar o benefício de outras satisfações, igualmente libidinais, mas favorecendo as pulsões do Eu. A criança não demora a perceber que ser amado é muito bom, é uma vantagem pela qual se deve sacrificar muitas outras. 7 Acredito que de um encontro de amor, seja ele com o objeto ou mesmo com o outro, nasce e transforma-se a vida; mudam-se os destinos, tiram-se do nada todo um mundo de projetos e idéias que antes não existiam. Nasce uma espera, consolida-se um tempo e apalpa-se um espaço. As pulsões se transformam e sublimam-se, e, assim, educamos um ser para si e para o seu meio. As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores. (SALTINI, 1997, p.15) O medo de perder o amor é um poderoso trunfo da educação, na medida em que representa um acréscimo na garantia de ser protegido do mundo exterior, o que está de acordo com as pulsões do Eu. A transferência e a contratransferência na relação ensinante-aprendente: O quê vem à sua cabeça se lhe pedirem para pensar na escola? Sem dúvida, o propósito ao qual se destina: a aprendizagem (educação); e a cena onde dois personagens tomam seus lugares já tão estruturados e fundamentados na nossa cultura, o aluno e o professor. Mas, aparecerão, também, lembranças sobre os célebres problemas de aprendizagem, disciplina, falta de motivação e o já temido fracasso escolar, além de muitos outros. A relação professor-aluno surge em momentos de insegurança para o aluno, pois ele teve que se afastar dos pais e de sua casa para ir à escola. Encontrou novas pessoas, novas regras etc.; é de se imaginar que posteriormente algumas “marcas” permaneçam. Freud vislumbrou a possibilidade de o aluno transferir para o professor as dificuldades trazidas da fase fálica do desenvolvimento psicossexual, a resolução do complexo de Édipo. O aluno percebe seu professor a partir da percepção que tem de seus pais. Freud via na transferência o motor essencialda cura analítica: a psicanálise é uma clínica da transferência. O analisando se engaja no trabalho analítico pelo amor transferencial que ele consagra ao analista. Na transferência, predomina o desejo de reviver o aspecto pessoal da antiga relação. O desejo resulta da problemática da relação anterior, ou nela colocada, mais tarde pelo paciente. A afetividade bloqueada fica “à espera” de circunstâncias favoráveis que lhe permitam ou exijam a eclosão. 8 No senso comum, “fazer uma transferência” é se encontrar preso de maneira enigmática por um intenso investimento afetivo (seja de amor ou de ódio). Trata-se da repetição da dependência infantil. É a repetição da situação anterior, transfere-se a relação antiga para o momento presente. As manifestações da transferência são múltiplas na vida social e institucional, e é claro, na relação professor-aluno. É uma relação de poder. Seria ótimo que esse poder fosse ignorado, e muito ruim se fosse deliberadamente utilizado para a manipulação dos alunos. Kupfer (1995), em relação à transferência, argumenta que o professor está em um lugar privilegiado em termos psíquicos, um lugar de poder e assim reconhecido pelos alunos. Ele não deveria ficar tão vaidoso a ponto de deixar de perceber a singularidade de cada aluno e tentar moldá-lo de acordo com seus ideais, seus desejos pessoais e suas limitações inconscientes. Ele deverá sempre refletir sobre essa dinâmica, já que “o professor também é um sujeito marcado pelo seu próprio desejo inconsciente. Aliás, é exatamente esse desejo que o impulsiona para a função de mestre. Por isso, o jogo todo é muito complicado. Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali. Mas, estando ali, ele precisa renunciar a esse desejo” ( KUPFER, 1995, p.94). Porém, não é nada fácil se renunciar ao desejo inconsciente, por ser a possibilidade de se obter prazer. Existem, ainda, as questões narcísicas da relação professor-aluno; nessa dinâmica, o professor além de deter o poder, tem a sabedoria, além de infinitas fantasias que venha a experimentar. O professor estará fazendo a contratransferência, isto é, a transferência por parte do professor para o aluno. O professor repete um vínculo antigo, de uma relação infantil, na relação com o aluno. Quando o professor desempenhar o seu papel de mestre com seus alunos, estará trazendo para essa relação sua subjetividade, suas dificuldades, pois, há muito mais gelo abaixo do iceberg do que aquele que se vê na superfície. Ao falarmos da subjetividade do professor, estamos mencionando seu inconsciente, o conteúdo recalcado que lá habita e que está presente no ato pedagógico. Assim, o laço afetivo e social com o aluno, sua relação com o saber e, claro, as influências que seus professores deixaram quando ele ainda era aluno. Assim, o inconsciente dos educadores pode ser considerado como mais determinante para o desenvolvimento da criança do que a ação educativa programada. Uma parte essencial do processo educativo escaparia do domínio do professor na 9 medida em que, como já foi dito, a escolha da profissão do educador vai além de sua vocação profissional, partindo também de suas motivações inconscientes. Desse modo, os desejos e os fantasmas dos adultos pesam na prática pedagógica. De fato, encontramos frequentemente a existência de uma revanche por detrás da severidade excessiva na educação. Se o professor tiver uma relação de autoridade extrema e distante com a criança, será negligente, hostil, repressor e ansioso, cobrando dos alunos um comportamento submisso, passivo e obediente. É claro que o afeto da criança com o professor será rompido, impedindo qualquer evolução educacional mais profunda. Se me pergunto o que tem a ver o sofrimento de um neurótico com a educação por ele recebida, o máximo que as pessoas poderão me responder é que ele foi reprimido demais pelos pais ou principalmente pela mãe. A escola, no entanto, permanece distanciada, isenta dessa possibilidade (SALTINI, 1997, p.14). Os professores ao “esbarrarem” em suas dificuldades emocionais, apresentam comportamentos que impedem o aluno de crescer. A subjetividade de seus alunos lhes assusta na medida em que estes querem construir sua autonomia e sua independência emocional e intelectual. Villani (1999) cita algumas sugestões para o professor refletir e se interrogar, e aqui destacamos uma delas: Finalmente uma última recomendação, a mais evidente, mas mesmo assim não fácil de ser posta em prática, consiste em não resistir ao afastamento dos alunos, ou seja, em não boicotar as tentativas, mesmo que grosseiras, de os alunos produzirem algo de próprio. Se quisermos resumir isso num mote para o professor, podemos dizer: não faça chantagem, não use o poder que lhe advém de sua função (e da transferência) para manter os alunos presos a sua pessoa ou a seu saber (VILLANI, 1999, p.136). Pensando na autonomia da criança (interiorização da regra), a ação educativa só visa a colocar as coisas em seus devidos lugares, vislumbrando o final do processo, sem garantias de êxito no decorrer desse processo. Nessa perspectiva, os desejos inconscientes dos pais e dos professores continuam a importar mais que os princípios educativos. Este desejo é testemunha do modo como estes encontraram a solução para suas dificuldades. A pedagogia não é uma ciência, é uma arte, bastante singular que engaja a subjetividade daquele que a pratica e que deve intuir os processos inconscientes em jogo na relação educativa. 10 É por isso que Freud desejava que os educadores recebessem uma formação analítica pessoal. Freud sustentava que os pais e os educadores se esquecem das dificuldades da própria infância e se conformam com as prescrições de seu próprio Supereu na educação que dão às crianças. O Supereu da criança não se formaria, então, de acordo com a imagem dos pais, mas de acordo com a imagem do Supereu destes. O papel da psicanálise na educação é levar à compreensão a existência de desejos inconscientes de alunos ou professores, no processo de aprendizagem e que muito atrapalharão ou mesmo impedirão um sucesso escolar, independente da capacidade cognitiva do aluno e da melhor técnica pedagógica do professor. O professor vai reviver suas dificuldades através dos alunos, passando a projetar neste os seus defeitos. É claro que essa situação interferirá na aprendizagem do aluno. Assim, a subjetividade do professor deveria ser cuidadosamente considerada nos planos de formação de professores e nas questões sobre as demandas das escolas sobre as polêmicas queixas escolares. A função do educador é fundamental para construir a subjetividade humana. Ele precisa ter uma identidade estruturada para poder ajudar emocionalmente seus alunos e para servir de modelo de identificação para os adolescentes. Desenvolvimento Psicossocial: Você estudará a teoria do desenvolvimento Psicossocial de Erik Erikson na aula 10. Erikson (1976) descreve as influências culturais no desenvolvimento e concordava com muitas ideias de Freud, mas insistia que é o conflito entre os instintos e as exigências culturais que forma a personalidade da criança. Os instintos são provavelmente os mesmos em todas as crianças, mas as culturas divergem de um lugar do mundo ao outro, e as culturas, assim como os seres humanos, crescem e se desenvolvem. Discutiremos, agora, sua teoria em relação à criança em idade escolar, que se encontra na crise Produtividade X Inferioridade. Crise IV: Produtividade versus Inferioridade (5 a 11 anos) Esse período corresponde ao período de latência de Freud e são os primeiros anos escolares; o valor que surge é a competênciada criança, que aprende como 11 trabalhar e a ser diligente (presteza em fazer alguma coisa), tornando-se capaz de iniciar e de finalizar uma quantidade de atividades e projetos. Se os esforços da criança forem encorajados, respeitados e bem sucedidos, ela desenvolverá o senso de produtividade. Mas, ao contrário, se seus esforços forem duramente criticados ou ridicularizados, ela poderá adquirir um sentimento de inferioridade. As experiências em casa e na escola são fundamentais para essa etapa da vida da criança. A escola traz para a criança solidez em suas relações, fazendo-a compreender que nesse local é bem aceita e, o mais importante, tem sua individualidade respeitada. A idade escolar é o estágio da ritualização formal, a criança passa a conhecer o trabalho metódico. No adulto, o ritualismo deformado é o formalismo, havendo repetição de formalidades sem sentido e rituais sem motivos. Na escola, os professores, por serem adultos, já introjetaram seus preconceitos e suas preferências, e seus comportamentos manifestarão a escolha daqueles com quem querem manter contato, como um amparo e uma segurança. Assim, os professores, ao se relacionarem com as crianças, manifestarão de forma inconsciente esta aproximação também seletiva com alguns de seus alunos, deixando outros de lado. Este comportamento traz sérios problemas. Primeiramente, o professor deve saber que exerce influência na promoção de modelos e situações inovadoras para a criança. Assim, ao interagir com uma parcela do grupo ou com determinadas crianças que lhe são afins ou mais simpáticas, estará “resolvendo” unicamente o seu problema de insegurança e deixando de perceber os que possam vir dos alunos. Por último, a percepção que as crianças têm do comportamento do professor identificam suas preferências por determinados alunos, o que impossibilitará que haja qualquer relação afetiva e educativa com as crianças que não foram eleitas pelo professor. Nesse sentido, Anna Freud (1974) afirma que o professor não pode se utilizar das crianças para realizar uma terapia pessoal. Essa autora insiste que todo professor deve ter seus problemas psicológicos resolvidos, ou pelo menos reconhecidos, antes de se relacionar com os alunos. Essa ideia é bastante interessante, mas também é óbvia a impossibilidade de que isso venha a acontecer em nossos cursos tradicionais de formação de professores. O professor, quando estabelece relacionamentos interpessoais com a criança, também deve ser percebido como alguém importante no processo de auxiliá-la na 12 estruturação de sua personalidade. O professor com conhecimento acerca das teorias do desenvolvimento humano, com compreensão sobre relações interpessoais e também socioculturais no âmbito pedagógico, torna-se não somente um informador de conteúdos ou reprodutor de conhecimento, mas fundamentalmente um educador que consegue auxiliar à criança em sua totalidade, porque entende que há aprendizagem significativa quando há envolvimento concreto no processo educacional. Desenvolvimento Cognitivo: Em relação ao desenvolvimento cognitivo, que você estudará mais detalhadamente na aula 11, para Piaget, a criança em idade escolar encontra-se no estágio operatório concreto (aula 11, p. 30-31). Estágio operatório concreto (6/7 a 11/12 anos): Nesta etapa, a criança está apta para iniciar um processo de aprendizagem sistemática e lidar com conceitos abstratos (de forma concreta) como números e relacionamentos. Dentre suas características mais importantes estão: Capacidade de trabalhar em grupo. Autonomia pessoal. Equilíbrio entre assimilação e acomodação mais estável. Capacidade de fazer associações e análises lógicas. Ultrapassou o egocentrismo. Começa a perceber conservação de volume, massa e comprimento. Aumento da empatia com os sentimentos e as atitudes dos outros. Capacidade de compreender a propriedade transitiva (a vaca é maior que o cachorro, o elefante é maior que a vaca, então o elefante também é maior que o cachorro), quando aplicada a objetos concretos que conhece. REFERÊNCIAS: ERIKSON, E.H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. FREUD, A. Psicanálise para pedagogos. Lisboa: Martins Fontes, 1974. 13 FREUD, S. História de uma neurose infantil. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVII, 1974, 24v. ___________. Totem e tabu. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIII, 1974, 24v. ___________. Psicologia de grupo e a análise do ego. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, Vol. XVIII, 1974, 24v. ___________. O futuro de uma ilusão. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, Vol. XIII, 1974, 24v. GONÇALVES, S.M.M. Aprendizagem e o Processo Afetivo. Rio de Janeiro: UFRRJ/CEP-EB, 2005. KUPFER, M.C M. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1995. PAPALIA, D. & OLDS, S. Desenvolvimento Humano. PortoAlegre: Artmed, 2000. PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1967. SALTINI, C.J.P. Afetividade & inteligência. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. VILLANI, A. Psicanálise e educação: tarefas “intrigantes?. Estilos da Clínica: Revista sobre a Infância com Problemas, n.4, 1999, pp126-137. INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, estudaremos o período da adolescência.
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