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81 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Unidade III 7 PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA 7.1 O desenvolvimento psicológico infantil As fases de desenvolvimento psicológico devem respeitar a cultura na qual as crianças estão inseridas, assim, não se trata do estabelecimento de idades rigidamente fixadas por este teórico, mas em períodos descritos em função das características que podem ser identificadas em cada criança, com certa regularidade, durante o desenvolvimento infantil. Figura 23 – Crianças Disponível em: https://bit.ly/3lCx5Cp. Acesso em: 23 maio 2022. As fases do desenvolvimento propostas por Wallon foram observadas e construídas por ele, em suas minúcias, por meio do método de análise genética comparativa multidimensional, método já explicado anteriormente. Lembrete Lembramos, mais uma vez, que as idades descritas por Wallon referem‑se à cultura francesa (e de outras culturas e etnias) do final do século XIX e início do século XX, por isso devem ser colocadas em reavaliação crítica quando de sua aplicação no contexto em que for estudado. 82 Unidade III Vamos agora, então, conhecer as fases do desenvolvimento estudadas por Wallon. Inicialmente apresentaremos as principais características de cada etapa e alguns exemplos para tornar mais claro para você como ocorre o funcionamento psicológico da criança em cada período. Ao final, damos algumas dicas de filmes para que você possa reconhecer os principais indicadores do desenvolvimento estudados no curso. 7.2 Períodos do desenvolvimento psicológico Estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano) A partir do nascimento até por volta de um ano de idade, se dá o primeiro estágio, chamado de impulsivo-emocional. A predominância funcional, nesse período, é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta), ou seja, voltado para o autoconhecimento. Sendo assim, a afetividade é marcante nesse momento, pois a criança se nutre pelo olhar e por contato físico e se expressa por gestos, mímicas e posturas. Essa é a etapa da formação do eu corporal, a criança está voltada à construção do eu. No início, há total indiferenciação eu‑outro (simbiose); somente no próximo estágio ocorrerá à diferenciação do espaço objetivo e subjetivo (recorte corporal). Um exemplo sobre esta indiferenciação é quando o bebê coloca a mão na boca e morde sem compreender que a dor que sente foi provocada por ele mesmo. Figura 24 – Bebê Disponível em: https://bit.ly/3a72gTN. Acesso em: 23 maio 2022. 83 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Este estágio está dividido em dois momentos: • impulsivo (0 a 3 meses) — é um organismo puro, sua atividade se manifesta apenas por reflexos e movimentos impulsivos: exploração do corpo, movimentos bruscos, desordenados; existe uma simbiose fisiológica. • emocional (3 a 12 meses) — construção de padrões emocionais de medo, alegria, raiva, que são formas de comunicação corporal; existe uma simbiose afetiva que caracteriza o início do psiquismo ou da vida psíquica. Em relação à impulsividade motora, que ocorre por volta de 0‑3 meses de vida, foram identificadas sensibilidades interoceptiva e proprioceptiva. As sensibilidades interoceptivas são aquelas que se manifestam pela região visceral, como, por exemplo, a fome e dores provocadas pela região intestinal; já a sensibilidade proprioceptiva é aquela ligada às questões musculares, como, por exemplo, o incômodo postural gerado ao deixar o bebê por muito tempo na mesma posição ou pelo prazer em se movimentar livremente. Lembrete A simbiose é uma condição em que a pessoa depende de outras, não para um esforço mútuo e colaboração, mas para a situação de necessidades neuróticas. A simbiose fisiológica é a dependência funcional da criança com a alimentação e com os cuidados para a sobrevivência. Consiste em um prolongamento da simbiose fetal até por volta dos três meses de vida. Essa comunicação é possível de ser observada, de maneira muito clara, na relação que a mãe estabelece com o bebê nesse período: a mãe identifica em seu corpo a reação de fome do bebê, quando ocorre o vazamento do leite em seus seios. Além da sensibilidade interoceptiva e proprioceptiva, há nesse período a manifestação da sensibilidade exteroceptiva, que nada mais é do que os cinco sentidos: olfato, audição, gustação, visão e tato. Essas manifestações da criança se desenvolvem e passam gradativamente a constituir‑se como manifestação de relações afetivas. Por isso, no segundo momento desta fase, temos o subperíodo “emocional”, onde aparecem as primeiras manifestações intencionais de emoção. Há uma importante ligação entre emoção e tônus. Por meio do escoamento do tônus provocado pelos movimentos e gestos, a criança manifesta reações de alegria; já nos movimentos excessivos ou acumulação do tônus são manifestados sinais de sofrimento ou cólera. Assim, a partir dos três meses até o final do estágio impulsivo‑emocional (12 meses), surge a simbiose afetiva, que significa o aparecimento de uma dependência emocional da criança em sua relação com os adultos. 84 Unidade III Seus movimentos vão se tornando cada vez mais expressivos e, dessa forma, ela passa a se entender melhor com o adulto que dela cuida, uma vez que emocionalmente vai acontecendo um diálogo por meio do corpo. Ainda não há fala na criança, mas esta vai aprendendo cada vez mais a como se manifestar e conseguir do adulto o que precisa. É importante lembrar que o bebê está ainda em processo de indiferenciação do eu corporal e do eu psíquico. Aos seis meses inicia‑se a atividade circular, ou seja, um gesto da criança cria um resultado auditivo ou visual e ela tentará reproduzi‑lo, isso possibilitará a organização dos exercícios sensório‑motores e irá preparar a criança para o estágio seguinte. Segundo Mahoney (2000): Os balbucios do bebê, cada vez mais variados, que o preparam para discernir os mesmos sons pronunciados pelas pessoas de seu meio, são um exemplo da atividade no campo auditivo. Da mesma forma, sente prazer com o barulho do chocalho, quando colocado em sua mão, ou com o barulho feito ao amassar e rasgar uma folha de papel. Em relação à atividade motora ou tátil, a criança não se cansará de pegar e manipular objetos ao seu alcance, mordê‑los, esfregá‑los no corpo e deixá‑los cair um sem número de vezes. Observação Jean Piaget (1896‑1980) observou esse mesmo comportamento em crianças com idade entre zero e dois anos, indicando que o mesmo ocorre no estágio sensório‑motor, chamando de reações circulares primárias, secundárias e terciárias. Portanto essas atividades circulares – movimentos repetitivos que se chamam circulares por girarem em torno do mesmo eixo – podem ser observadas, como foi dito, em várias ações infantis: balbucios variados, movimentos de pernas, movimentos de braços, morder objetos, manipular um chocalho, pegar e deixar cair várias vezes um objeto. Assim, nesse período, as principais aprendizagens se destinam a reconhecer “o que” ela é e fazer um recorte entre ela e o mundo, pois a criança ainda não se reconhece como diferente de qualquer objeto que encontra em seu meio. Não raro, encontramos bebês beliscando a si próprios por não se reconhecerem como donos do próprio braço e começarem a chorar por sentir a dor. Em outras situações podemos presenciar uma criança puxando seu próprio cabelo e, naturalmente, chorando pela dor que sente. O recurso principal de aprendizagem nada mais é do que a fusão com o adulto. É como se a criança e o adulto fossem uma pessoa só, graças à forte ligação entre os dois. Essa interação é que proporciona o avanço em todos os conjuntos funcionais da criança, pois a estimula de inúmeras maneiras. 85 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Exemplo de aplicação Leia atentamente as informações a seguir e responda à questão: Mariana está sentada em seu carrinho. Brinca animadamente com as suas mãos: abre e fecha os dedos, segura uma mão contra a outra, coloca‑as na boca. Agarra seus pés, coloca‑os na boca,e começa a chorar, porque mordeu os seus pés. A partir dessa situação é possível inferir que: I. Mariana está no estágio impulsivo‑emocional. II. No caso, o eu corporal ainda está indiferenciado, sem a diferenciação entre o espaço objetivo e o espaço subjetivo (morde o próprio pé). III. Neste estágio, a criança apresenta simbiose afetiva com o meio. Assinale a alternativa correta: A) Todas as afirmativas são corretas. B) Apenas as afirmativas I e II são corretas. C) Apenas as afirmativas II e III são corretas. D) Apenas a afirmativa II é correta. E) Apenas a afirmativa III é correta. A alternativa correta é a A. Todas as afirmativas são corretas, porque correspondem ao período impulsivo‑emocional e respondem a situação de Mariana ao morder seus pés. A seguir apresentamos um quadro com as principais informações sobre esse período do desenvolvimento psicológico, segundo Wallon. Quadro 3 – Impulsivo-emocional Estágio Idade Predominância funcional Fatores dinamogênicos Características Impulsivo‑emocional 0 a 1 ano Afetiva Conflito de natureza endógena centrípeta Indiferenciação eu‑outro Sensibilidade interoceptiva, proprioceptiva, exteroceptiva Simbiose fisiológica Simbiose afetiva Atividade circular Está dividido em dois momentos: Impulsividade motora 1 a 3 meses Emocional 3 a 12 meses 86 Unidade III Saiba mais Recomendamos que você assista aos filmes a seguir e estabeleça relação com o período impulsivo-emocional que foi estudado neste capítulo. OLHA quem está falando. Direção: Amy Heckerling, EUA, 1989. 93 min. NINGUÉM segura esse bebê. Direção: Patrick Read Johnson. EUA, 1994. 100 min. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) O próximo estágio, o sensório-motor e projetivo, por volta de 1 a 3 anos, tem por base a exploração do mundo exterior. A predominância funcional nesse estágio é cognitiva (relações cognitivas) e o conflito é de natureza exógena (centrífuga), ou seja, voltada para o mundo exterior. Período marcado pela diferenciação do corpo físico, mas não do eu psíquico, que ocorre no próximo estágio. Nessa etapa, portanto, ocorre a integração do corpo, das sensações ao corpo visual e isso pode ser observado, por exemplo, quando a criança está em frente ao espelho. Ela somente irá perceber e reconhecer sua própria imagem projetada no espelho por volta dos 2 anos (diferenciação do eu corporal). Antes disso, acredita que a sua imagem projetada é de outra criança e tenta comunicar‑se com ela, atribuindo a ela existência, vida própria. Apresenta também diálogo consigo mesma representando vários personagens. Como outra característica desse período, observa‑se intensa exploração sensório‑motora do mundo físico; há na criança uma intensa atitude de agarrar, segurar, empurrar objetos, bem como comportamentos de sentar e de marchar (andar), dando‑lhe autonomia para explorar o ambiente de diferentes formas e, com isso, desenvolver‑se. Além disso, há o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem – o ato mental “projeta‑se” em atos motores. Com isso, os ganhos do estágio anterior possibilitam que a criança tenha mais instrumentos de exploração dos locais em que vive. O desenvolvimento neuromotor alcançado até então permite maior interação com os objetos exteriores e, com estes, há uma relação para um exercício das funções. Movimentos e atividades da criança se repetem para testar os efeitos e modular seus órgãos sensórios motores; é a continuidade das atividades circulares, que agora, nesse estágio, se ampliam. Aparece a capacidade de locomoção, o engatinhar e a aquisição da marcha, oportunizando o contato e o conhecimento dos locais por si própria e com a ajuda dos adultos. A fala é outra grande conquista, pois dá mais recursos para se comunicar com os adultos, o que permite um forte avanço em termos de aprendizagem e desenvolvimento. 87 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Portanto, é um estágio dividido em dois momentos: • sensório-motor (1 a 2 anos) — a inteligência é prática: movimentos motores com o início da marcha acompanhado dos demais movimentos – agarrar, segurar, sentar, virar, rodar, pular; • projetivo (2 a 3 anos) — a inteligência é simbólica: movimentos motores acompanhados de gestos e projeções. Aparecimento da linguagem. A criança necessita dos gestos para expressar seus pensamentos e, nesse sentido, o gesto precede a palavra e a criança é incapaz de imaginar sem representar gestualmente. O ato mental projeta‑se em atos motores. Observação Wallon, Piaget e Vygotsky compartilham da mesma premissa sobre o efeito do aparecimento da função simbólica no desenvolvimento psicológico da criança: permite uma relação mais sofisticada com o mundo pela possibilidade do uso da representação, especialmente da linguagem. Essa atividade projetiva aparece nesse estágio e nos outros por meio dos jogos simbólicos e das histórias infantis, e abre caminho para outras formas de representação, uma vez que a ação motora organiza seu pensamento. Há vários movimentos projetivos nessa fase: imitação, simulacro, animismo e o uso da 3ª pessoa. A seguir, iremos descrever cada uma delas. Figura 25 – Criança desenhando Disponível em: https://bit.ly/3PCuqGG. Acesso em: 23 maio 2022. 88 Unidade III • imitação — atividade que relaciona o movimento de um modelo exterior e a representação. A criança reproduz modelos das pessoas e situações que a atraem; • simulacro — pelos gestos, a criança simula uma situação de utilização de um objeto sem tê‑lo de fato. Trata‑se de um ato sem o objeto real, pois é um pensamento apoiado em gestos e serve de suporte à sua linguagem (o faz de conta). O gesto torna presente o objeto; • animismo — a criança atribui vida a alguma parte de seu corpo, tratando‑a como se fosse uma pessoa; • uso da terceira pessoa — refere‑se a sua pessoa pelo próprio nome ou usa a terceira pessoa em vez de utilizar o pronome “eu”. Por exemplo: “Mariana” está triste; “ela” quer brincar etc. Portanto a criança utiliza a imitação como modelo da sua conduta motora e inicia as manifestações do simulacro, ou seja, suas atividades que manifestam a fantasia e são o prenúncio da representação. Ao imitar, a criança demonstra ser capaz de guardar imagens de coisas que captou visualmente e guardá‑las em mente. Por isso, para Wallon, a imitação é o primeiro e mais rico meio de aprendizagem da criança nesta fase de desenvolvimento. Após conquistar avanços representativos através da imitação a criança começa a simular as coisas existentes em seu meio, como, por exemplo, ao pegar uma pedra e brincar como se fosse uma batata, ela projeta na mente o objeto batata e simula (por isso simulacro) uma realidade. A brincadeira do faz de conta, para Wallon, é uma conquista ainda maior que a anterior, a imitação, pois dá a chance da criança incorporar papéis sociais, estruturar em sua mente uma melhor noção dos costumes e formas de vida existentes em seu meio etc. É brincando que a criança conquista esse avanço mental, por isso a brincadeira deve ser muito valorizada em todos os estágios, em especial, nesse, porque estará aprendendo a fazer isso. Exemplo de aplicação Leia a situação a seguir e responda a questão: Paulinha está fazendo aniversário e seu avô lhe trouxe de presente uma boneca bastante grande. No dia seguinte, no parque em frente a sua casa, ao contar para outra criança sobre seu presente, ela abre os braços para mostrar o tamanho da boneca que ganhou. A forma de Paulinha contar sobre seu presente parece indicar que ela se encontra no estágio: A) Personalismo, pois, para conseguir o que deseja, a criança usa qualquer recurso para exibir o objeto admirado. B) Impulsivo‑emocional, em que há profunda relação entre a emoção e o tônus, este para favorecer uma base material à vida afetiva. 89 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA C) Categorial, pois revelam sua necessidade de autossubstituir os outros, pois seus simples gestos são padrões imitativos. D) Personalismo, porque as qualidades e méritosdo urso‑modelo foram reproduzidos de forma enriquecida. E) Sensório‑motor e projetivo, porque seu pensamento ainda é incipiente, e, assim, necessita do auxílio de gestos para se exteriorizar, expressar seus pensamentos. A alternativa correta é a E. Seu pensamento ainda é incipiente, e, assim, necessita do auxílio de gestos para se exteriorizar, expressar seus pensamentos. A isso Wallon chamou de simulacro. No quadro a seguir resumimos os principais conceitos desse período para auxiliá‑lo em seus estudos. Quadro 4 – Sensório-motor e projetivo Estágio Idade Predominância funcional Fatores dinamogênicos Características Sensório‑motor e projetivo 1 a 3 anos Cognitiva Conflito de natureza exógena centrífuga Diferenciação do corpo físico, eu corporal Exploração sensório‑motora do mundo físico (agarrar, segurar, sentar, marchar) Desenvolvimento da função simbólica e da linguagem – o ato mental “projeta‑se” em atos motores Imitação Simulacro Animismo Uso da terceira pessoa Está dividido em dois momentos: Sensório‑motor 1 a 2 anos Projetivo 2 a 3 anos Saiba mais Recomendamos que você assista aos filmes a seguir e estabeleça relação com o período sensório-motor e projetivo que foi estudado neste capítulo. OLHA quem está falando também. Direção: Amy Heckerling. EUA: Tri‑Star Pictures, 1990. 77 min. TRÊS solteirões e um bebê. Direção: Leonard Nimoy. EUA: Touchstone Home Video, 1987. 102 min. 90 Unidade III Estágio personalismo (3 a 6 anos) No estágio do personalismo, entre 3 e 6 anos, a direção do desenvolvimento inverte novamente para o conhecimento de si própria, numa direção centrípeta. A predominância funcional é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta). Nessa fase, a afetividade – que é simbólica – incorpora os recursos intelectuais (principalmente a linguagem) e se exprime por palavras e ideias. Em função disso, esse é um período de formação da personalidade, marcado por conflitos e crises. Será nesse momento do desenvolvimento que ocorrerá a construção e o enriquecimento da personalidade, a formação do eu psíquico. A personalidade é compreendida por Wallon como “[...] sentido do ser total, físico‑psíquico e tal como ele se manifesta pelo conjunto do seu comportamento” (WALLON, 2007, p. 131). Existe um progresso da sensibilidade proprioceptiva, ou seja, de captação da realidade pelos cinco sentidos. Pode‑se notar também que a criança começa a resolver problemas culturalmente impostos a ela, como se alimentar sozinha, amarrar os sapatos, escovar os dentes, tomar banho e ir à escola, o que Wallon define como sendo as praxias culturais. Dessa forma, três fases de relações interpessoais distintas se apresentam neste estágio, com o objetivo de, ao final, ter‑se conseguido o desdobramento do eu psíquico, a individualização. Trata‑se de romper com seus cuidadores, simbolicamente, pois dependerá deles para adquirir um jeito próprio de ser. São elas: a oposição, a sedução e a imitação. Figura 26 – Criança no período do personalismo Disponível em: https://bit.ly/3NukFII. Acesso em: 23 maio 2022. A oposição se dá pela necessidade de se autoafirmar, de ganhar a autonomia e se descolar do comportamento do adulto. É uma fase de recusa e reivindicação, com expressões do tipo: Não, não faço, 91 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA não quero, não gosto, não empresto, é meu. O uso da primeira pessoa para referir‑se a si mesmo é uma importante característica desse período. Trata‑se da necessidade de romper a característica de seguir os pedidos dos adultos como forma de tentar galgar seu próprio espaço. A criança parece ter se virado contra os adultos, mas nada é tão natural nessa fase. Muitos dizem ser a fase de autoafirmação e, por isso, a criança costuma não obedecer da maneira que fazia anteriormente. De acordo com Mahoney (2000): A criança sente prazer em contradizer e confrontar com as pessoas de seu ambiente pela simples razão de experimentar sua independência, impondo‑a. [...] É para afirmar o eu e tornar seu ponto de vista pessoal dominante e exclusivo que o movimento de oposição ao outro assume características de confronto e de negatividade. Assim sendo, nesse período ocorrem com frequência os conflitos pessoais, a criança apresenta momentos de oposição ao não eu, manifestados em forma de confrontos (ciúmes, tirania, agressividade). Um exemplo disso é a disputa de brinquedos, em que a manifestação do desejo de propriedade conta mais do que o próprio objeto. Wallon chama isso de sentimento de posse, onde ter propriedade não significa apenas apropriar‑se do que é do outro, mas a afirmação de si próprio. Nesse sentido a criança se torna competitiva e extremamente ciumenta, em função da necessidade de ter claro para si o que lhe pertence e, com isso, se diferenciar do outro para se constituir como sujeito diferenciado. Portanto há a expulsão e a incorporação do outro, ou seja, movimentos complementares e alternantes no processo de formação do “eu”. Uma boa maneira de lidar com essa situação, uma vez que parece ser a autonomia o interesse da criança, seria oferecer pequenas responsabilidades para ela. Tomar conta de algo, ajudar com uma coisa ou outra, algo que venha a valorizar seu jeito de fazer as coisas. Alguns pais de filhos nesta faixa de idade costumam pedir que os ajudem a cuidar do irmão mais novo e, mesmo sendo algo não tão sério (pois não se relegaria aos cuidados de uma criança nesta idade a vida de outra mais nova) costuma dar certo, pois valoriza a participação ativa da criança, proporcionando a autoafirmação que ela tanto desejava. Lembrete O “jogo do contrário” é uma boa forma de ajudar a criança nesse período. Solicitar que não faça algo que, na verdade, se deseja que ela faça é a melhor maneira de enfrentar as situações de oposição desse período. Logo em seguida à oposição, surge a fase da sedução ou idade da graça, onde a criança sente necessidade de ser aceita e admirada, de agradar os adultos e, dessa forma, admirar‑se também. Gosta de se exibir com gracejos dizendo: “Olha o que eu faço, olha o que eu consigo fazer”, faz isso em busca de elogios e de satisfação narcísica. 92 Unidade III Então acontece nessa fase uma exuberância motora que precisa ser mostrada, na qual a criança se exibe na busca de reconhecimento. Agora, nessa busca que parece ser mais um fortalecimento da autoestima, ela busca a admiração daqueles com quem antes ela havia rompido pela oposição. Costuma ser muito comum a criança brigar pela atenção daqueles que ela admira, fazendo coisas extravagantes e chamativas. Mostrar os saltos que ela aprendeu a fazer, o brinquedo que ela ganhou, a nova habilidade que ela desenvolveu, a música que aprendeu etc. são os instrumentos que ela utiliza para arrancar elogios, reconhecimento e admiração. Por isso as respostas dos adultos parecem ser bastante importantes para ela. Entretanto, não se pode pensar que qualquer forma de elogio seria valorizada pela criança, pois, mesmo sendo muito nova, não se deixa enganar. Caso seja elogiada sem sentido ela perceberá e não aceitará como algo sincero, uma vez que não quer ser enganada, mas sim reconhecida para que seu conceito de valor próprio (autoestima) seja preenchido positivamente. A imitação, outra característica dessa fase, distingue‑se da imitação realizada no estágio sensório motor e projetivo, pois, naquele momento, o interesse estava no gesto motor como modelo de aprendizagem e formação do eu corporal. Nesse período, a imitação caracteriza‑se pelo modelo de comportamento da pessoa, de detalhes de uma personalidade a ser não apenas copiada, mas interiorizada, servindo de exemplo apenas àqueles que a criança admira e quer suplantar. A necessidade é o desdobramento do eu psíquico, da afirmação de que ela é diferente dos outros, ela precisa copiar alguns trejeitos e comportamentos que ela possa admirar. Assim, ela costuma imitar personagens de desenhos animados, de filmes e programas infantis,bem como seu pai, sua mãe, professora ou professor, irmão mais velho etc. Com esses modelos servindo de parâmetro, ela pode formar sua própria personalidade, que é o objetivo principal desta fase de desenvolvimento. Outra importante característica dessa fase é a inércia mental, que faz com que a criança seja totalmente absorvida por suas ocupações, sem nenhum poder de mudança sobre elas. Ela costuma ser atraída por qualquer estímulo que chame sua atenção, mudando de atividade ou persistindo nelas sem que se possa explicar ao certo. É também nessa fase que Wallon pôde ver a primeira manifestação afetiva que ele chamou de paixão. Paixão é quando se possui o autocontrole cognitivo para retardar uma manifestação emocional. Por exemplo, uma criança de 4 anos pode apresentar um autocontrole de seu ciúme por seu irmão mais novo, esperando sua mãe sair do quarto para que ele possa se aproximar e dar um beliscão no bebê. Ou aguardar a distração de sua professora e arrancar da mão de uma colega o brinquedo que ele não quer lhe emprestar. A escola, dessa forma, pode ocupar um papel muito importante para a criança nessa fase, pois, para formar sua própria personalidade, ela precisa se autoafirmar psiquicamente e reconhecer que é diferente de outras pessoas. Nesse sentido, é favorável que conviva com várias pessoas, e o ambiente escolar é um local que propicia isso, uma vez que em casa essas oportunidades ficam limitadas. Outro detalhe importante é que a criança precisa aprender a lidar com a negação, pois a frustração é um aspecto comum na vida social de um adulto e desde cedo precisamos aprender que as coisas não são sempre ao nosso favor ou do jeito que queremos que sejam. 93 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Exemplo de aplicação Analise o episódio segundo a teoria de Wallon e responda à questão: Artur, desde os 2 anos e meio de idade, queria realizar todas as atividades sem ajuda de ninguém. Mas é somente a partir dos 3 anos que ele realmente faz questão de agir e de se livrar sozinho das dificuldades. Esforça‑se para empurrar ou arrastar objetos, subir, molhar uma planta, gritando o tempo todo, entusiasmado: “Olha! Eu sei fazer sozinho! Eu fiz sozinho!”. Artur encontra‑se no seguinte estágio de desenvolvimento: A) Categorial. B) Sensório‑motor e projetivo. C) Impulsivo‑emocional. D) Operatório formal. E) Personalismo. A alternativa correta é a E. Segundo Wallon, Artur se encontra no período do desenvolvimento psicológico chamado de personalismo, sendo a principal característica a construção da personalidade e do eu psíquico. Para que isso ocorra é necessária diferenciação do outro, por isso, no excerto que acabamos de apresentar, há a oposição às solicitações do meio e manifestação de atitudes de autonomia com a utilização do “meu”, “eu’”. No quadro a seguir resumimos os principais conceitos desse período para auxiliá‑lo em seus estudos. Quadro 5 – Personalismo Estágio Idade Predominância funcional Fatores dinamogênicos Características Personalismo 3 a 6 anos Afetiva Conflito de natureza endógena centrípeta Diferenciação do corpo físico, eu psíquico Formação da personalidade Praxias culturais Oposição Sedução ou Idade da Graça Imitação Sentimento de posse Ciúme Inércia mental 94 Unidade III Saiba mais Recomendamos que você assista aos filmes a seguir e estabeleça relação com o período personalismo que foi estudado neste capítulo. UM TIRA no jardim da infância. Direção: Ivan Reitman. EUA: Universal Pictures, 1991. 110 min. O PAIZÃO. Direção: Dennis Dugan. EUA: Columbia Pictures, 1999. 93 min. Estágio categorial (6 a 11 anos) O estágio categorial se inicia por volta dos 6 anos de idade e se distingue amplamente do período anterior. No personalismo, a afetividade é a predominância funcional que conduz ao desenvolvimento; no período categorial a predominância funcional é cognitiva, as características do comportamento são determinadas principalmente pelo desenvolvimento intelectual e o plano afetivo e motor são dependentes da evolutiva da cognição. Figura 27 – Crianças em idade escolar Disponível em: https://bit.ly/38dBc4K. Acesso em: 23 maio 2022. Assim, a predominância funcional nessa fase é cognitiva (relações cognitivas) e o conflito é de natureza exógena (centrífuga). Esse é um período marcado pela exploração mental do mundo físico, mediante atividades de agrupamento, seriação, classificação, categorização (pensamento categorial). A afetividade é racional, os sentimentos são elaborados no plano mental. Há a consolidação da função 95 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA simbólica e a diferenciação da personalidade, que permitem progressos intelectuais e revelam o interesse da criança para o conhecimento. No plano motor, a criança já manifesta gestos mais precisos e elaborados, pode planejar movimentos e as consequências de seus gestos. Da mesma forma, é capaz de tomar maior cuidado com seu próprio corpo em situações de risco e, nesse sentido, é mais autônoma em relação aos adultos. Em outras palavras, esse é um período de razoável estabilidade se comparado com o estágio do personalismo. No transcorrer, desaparece o sincretismo e a criança apresenta uma autodisciplina mental ou atenção que marca sua entrada na escola – por isso também é chamada de idade escolar. Assim sendo, uma das principais características que emerge nesse estágio é a autodisciplina mental ou atenção. Significa dizer que nesse momento a criança torna‑se capaz de manter‑se atenta por mais tempo em uma mesma atividade, desconsiderando os demais estímulos que recebe do ambiente e respondendo apenas àqueles que lhe interessam. Na maior parte das culturas, esse período coincide com a entrada na escola e, graças à maturação neurológica, a função simbólica e a diferenciação da personalidade, importantes avanços ocorrem no plano da inteligência, como a direção do interesse para o conhecimento e a conquista do mundo exterior (centrífuga), vertendo suas relações com o meio com preponderância do aspecto cognitivo. Dessa forma, com o aparecimento da função simbólica e a conquista da atenção voluntária (rompendo com a inércia mental da fase anterior), é possível o surgimento do pensamento discursivo que Wallon estuda pormenorizadamente no livro Origens do Pensamento na Criança (1941). Nessa obra, analisa o pensamento discursivo de crianças de 5 a 9 anos e busca compreender como pensavam. Para isso realiza entrevistas abordando temas do cotidiano infantil, com perguntas do tipo: “o que é o sol, o vento, a lua etc.” Wallon conseguiu perceber, por meio desse estudo, que o pensamento se processa no início dessa fase de maneira sincrética, confusa e global, para, depois, tornar‑se um pensamento categorial propriamente dito, com a expressão de um pensamento discursivo. Dessa forma, o período categorial está dividido em dois momentos: • pré-categorial (6 a 9 anos) — a principal característica é o pensamento ainda marcado pelo sincretismo, pensamento confuso onde os critérios afetivos prevalecem. Esse sincretismo pode ser observado pelos seguintes fenômenos: — tautologia: repetição de um termo várias vezes na frase; — elisão: fala confusa, faltando pedaços; — fabulação: inventa histórias para contar fatos; — pensamento por pares: um objeto ou situação só pode existir em seu pensamento se estiver em relação a outro que lhe dê identidade. Exemplo: uma pessoa dorme porque sonha. 96 Unidade III • categorial propriamente dito (9 a 11 anos) — as operações mentais e a formação de categorias intelectuais que auxiliam na representação das coisas, na explicação e ordenação do real. Caracteriza a inteligência ou pensamento discursivo. São exemplos de categorias intelectuais: identificar, analisar, definir, classificar, seriar. Então quais são as características de cada uma dessas subfases? No período pré-categorial, a principal característica é o pensamento sincrético, de caráter confuso e global do pensamento e percepção infantil. Nesse pensamentoencontram‑se misturados aspectos fundamentais, como o sujeito e o objeto pensado, os objetos entre si, os vários planos do conhecimento, ou seja, noções e processos fundamentais de que dependem os progressos da inteligência (GALVÃO, 2013). As manifestações do pensamento sincrético no período categorial podem ser observadas por vários fenômenos, como pensamento por pares, tautologia, elisão e fabulação. Vamos à definição de cada um deles. De acordo com Mahohey (2000): O pensamento por pares caracteriza‑se por uma percepção global, maciça, formada pela união de circunstâncias, coisas, acontecimentos, em que se confundem sentimentos e realidade. As imagens que a criança retém do mundo são misturadas, e ela é incapaz de distinguir as partes do todo que percebe. Não consegue destacar um elemento do conjunto, compará‑lo com outro conjunto, em outra ordem. Dessa forma, a menor unidade do pensamento é o par, ele é base do raciocínio infantil. A criança não consegue considerar uma palavra isoladamente, pois ainda não há essa diferenciação. Wallon nos mostra que o pensamento sincrético mistura aleatoriamente uma coisa à outra, sem uma lógica definida, por ainda ter uma forte base afetiva nesse pensamento. Essa base guia boa parte das escolhas no uso dos termos empregados pela criança e pela escolha do par, por exemplo: pode fazê‑lo em função de uma vivência, pela semelhança entre os objetos, por aproximações sonoras ou automatismos de sentido, como parlendas ou rimas. Assim, no pensamento por pares, a criança não consegue operar com sistemas de relações, não distingue causa e efeito, por isso classifica os objetos em função da relação que estabelece com eles. Observação Piaget (1896‑1980) afirma que esse pensamento corresponde ao estágio de operatório concreto (7 a 11 anos): para que a criança possa estabelecer relações lógicas, ela precisa manusear os objetos na realidade, somente assim irá conseguir abstrair. 97 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Além do pensamento por par, regido por uma dinâmica binária que compõe em pares os objetos mentais, outros fenômenos caracterizam o pensamento sincrético nessa fase, que são elementos observados na fala da criança quando em diálogo com adultos ou outras crianças. Na tautologia, a criança define um termo pela repetição do mesmo na frase, diversas vezes. Por exemplo, a criança diz: “Eu fui para escola e no caminho eu vi um cachorro, era um cachorro muito grande, eu tive medo do cachorro porque...” A palavra “cachorro” é repetida várias vezes na frase, como fio organizador do pensamento da criança. A elisão caracteriza‑se pela fala repleta de partes incompletas, uma fala confusa, faltando pedaços. Outra característica é a fabulação, na qual, na narrativa infantil, observa‑se um enredo, uma história para retratar ou explicar um acontecimento ou uma ideia. Com o desenvolvimento da atenção, é possível a formação de um pensamento mais estruturado, que Wallon chamou de pensamento categorial. O sincretismo desaparece e a criança passa a ser capaz de organizar o real em categorias, em séries, formar classes apoiadas em um fundo simbólico estável. É uma diferenciação que favorece a objetivação do real ou o ajustamento gradativo do pensamento à realidade. Isso também é possível, graças ao amadurecimento dos centros de inibição (neurológicos), onde organicamente se dá a possibilidade de estabilizar o pensamento e persistir em um foco definido, o que Wallon relata como um poder capaz de dar a eficácia desejada, o prolongamento e a perseverança no foco em questão. A criança, nesta fase, precisa aprender o que é o mundo, as diferenças e semelhanças entre as coisas, elaborar ideias, representações, enfim, pôr o mundo em categorias racionalmente organizadas. Para isso, precisa de uma variedade de atividades e, segundo Wallon, a escola é o principal cenário onde isso pode ocorrer. Exemplo de aplicação Observe essa situação e responda a questão: Luiza arrumou seu guarda‑roupa colocando todas as camisetas de manga em uma gaveta. Na outra gaveta, colocou as blusas de alça, organizou todas as saias em um cabide e as calças em outro, depois, separou as tarefas escolares do dia seguinte em uma pilha e as da próxima semana em outra. Luiza também é organizada com a sua coleção de papéis de cartas que está guardada em uma pasta e arrumada por cor e tamanho. Diante da situação proposta é possível afirmar sobre Luiza: I. Se encontra no estágio categorial e seu interesse está voltado para nomear, agrupar, comparar, classificar. II. O pensamento categorial permite à Luiza analisar as características dos objetos ou acontecimentos, fazer comparações e assimilações sistemáticas e coerentes, entre outras características. 98 Unidade III III. Luiza se encontra no personalismo e essa busca de controle sobre os objetos reflete a busca interior de controle do próprio eu. É correto o que se afirma em: A) I apenas. B) II apenas. C) III apenas. D) I e II apenas. E) II e III apenas. A alternativa correta é a D. Luiza se encontra no estágio categorial e seu interesse está voltado para nomear, agrupar, comparar, classificar (I). O pensamento categorial permite à Luiza analisar as características dos objetos ou acontecimentos, fazer comparações e assimilações sistemáticas e coerentes, entre outras características (II). Para finalizar nossos estudos sobre este estágio, apresentamos a seguir um quadro com uma síntese com as principais características desse período. Quadro 6 – Categorial Estágio Idade Predominância funcional Fatores dinamogênicos Características Categorial 6 a 11 anos Cognitiva Conflito de natureza exógena centrífuga Autodisciplina mental ou atenção Atenção voluntária (rompendo com a inércia mental) Idade escolar Pensamento sincrético: tautologia, elisão, fabulação, pensamento por pares Pensamento discursivo Está dividido em dois momentos: Pré‑categorial 6 a 9 anos Categorial propriamente dito 9 a 11 anos 99 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Saiba mais Recomendamos que você assista aos filmes a seguir e estabeleça relação com o período categorial que foi estudado neste capítulo. ESQUECERAM de mim. Direção: Chris Columbus. EUA: Fox Films, 1990. 103 min. HARRY Potter e a pedra filosofal. Direção: Chris Columbus. EUA: Warner Bros. Pictures, 2001. 152 min. Estágio da puberdade e adolescência (12 a 15 anos) O estágio da puberdade e adolescência começa por volta dos 12 anos e vai até a juventude, pois se trata da última e movimentada etapa que separa a criança do adulto. Novamente, sujeito à mudança na predominância funcional, assim como no estágio do personalismo, o sujeito volta‑se agora para o conhecimento do eu (direção centrípeta), o conhecimento interior. Mas as semelhanças entre esses estágios são maiores, pois, como explica Wallon, são as necessidades da personalidade que passam novamente para primeiro plano. Nela, o indivíduo está sujeito a inúmeras crises, onde “[...] os sentimentos possuem a mais evidente ambivalência: timidez e arrogância, vaidade e gozo dos outros alternam e muitas vezes combinam‑se” (WALLON, 2007, p. 139). A predominância funcional é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta). O estágio da puberdade é também chamado de período da crise da puberdade, pois nele ocorrem modificações fisiológicas, corporais e psicológicas. Há o amadurecimento sexual, provocando na criança profundas transformações corporais acompanhadas de modificações psíquicas. O corpo da menina fica diferente do corpo do menino, crescem pêlos, há a modificação da voz, crescimento dos seios e dos órgãos genitais, além do aumento acelerado na estatura. A menina apresenta a menarca e o menino apresenta a emissão de espermas (aquisição da função reprodutora). Lembrete Em função do amadurecimento sexual, pelas modificações hormonais que ocorrem nessa fase, o jovem adquire a posse da função reprodutora, muito embora não tenha construído na mesma dimensãoo amadurecimento emocional para exercer a função paterna e materna. Quanto à função sexual, Wallon destaca que o sujeito leva boa parte da adolescência para se reconhecer sexualmente e, como se sabe, isso se refere às necessidades sexuais, o que carece de muito mais orientações do que julgamentos, punições ou comentários que colocam o adolescente em situações vexatórias. 100 Unidade III Psicologicamente muita coisa muda, pois o desejo sexual aparece, dando espaço a tentações típicas dessa energia estimulada pelos hormônios. Acompanhando esse raciocínio, podemos perceber os riscos de inúmeros problemas, os desejos aflorados e a necessidade de enamorar‑se de outra pessoa. O resultado, em termos de atitude, quando não bem orientado, pode ser uma gravidez precoce, uma doença sexualmente transmissível ou outros problemas tão graves quanto. Portanto a crise pubertária rompe a tranquilidade da fase anterior: modificações hormonais e corporais levam às crises morais e existenciais. A afetividade é racional, os sentimentos são elaborados no plano mental. Novamente ocorre o conflito eu‑outro (do personalismo), agora mais cognitivo do que emocional. Há a exploração de si mesmo com uma identidade autônoma, mediante atividades de confronto, autoafirmação e questionamentos. Observa‑se também o domínio de categorias cognitivas de maior nível de abstração, com discriminação mais clara dos limites de sua autonomia e de sua dependência. O espelho é o grande rival: ao mesmo tempo em que se apresenta como companhia constante, proporcionando momentos de prazer, causa inquietação e angústia, pois em função das mudanças corporais tão rápidas, o adolescente não se reconhece na imagem refletida e isso lhe proporciona mal‑estar. Nas palavras de Wallon (2007, p. 218): Assinalou‑se o que foi denominado signo do espelho: tanto os rapazes como as moças têm necessidade de se examinar num espelho e observar as transformações do rosto, sentem‑se mudar e ficam desorientados. Sentem ainda mais essa mudança, essa desorientação perante eles mesmos, em relação ao seu meio ambiente. Observação Para Wallon (apud ALMEIDA; MAHONEY, 2000), o adolescente se sente desorientado com essa mudança, por isso examina‑se constantemente no espelho, e a isso ele chamou de signo do espelho. Todas essas modificações geram uma ambivalência de atitudes e sentimentos, marcados, principalmente, pela crise em relação ao adulto (ambivalência afetiva). Por isso, tanto nessa fase como no personalismo, o adulto deve estar preparado para lidar com as situações e poder ajudar o jovem em desenvolvimento. É importante uma explicação diferenciando os termos puberdade e adolescência, para se compreender como Wallon trata ambas as questões. Como vimos anteriormente, puberdade nada mais é do que um fenômeno biológico, endocrinológico, que acomete as pessoas nessa fase de desenvolvimento e, exatamente por conta deste fenômeno, se 101 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA coloca um fim à infância. A adolescência, por sua vez, significa o período socialmente criado no qual aqueles que não são mais crianças e ainda não são considerados adultos são chamados, portanto, trata‑se de um período de separação entre ambos. Figura 28 – Adolescentes Disponível em: https://bit.ly/3ySOgaz. Acesso em: 23 maio 2022. Dessa forma, a puberdade e adolescência são consideradas como momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, pois marcam não apenas a aquisição da imagem corporal definitiva, como também a estruturação final da personalidade. A puberdade (do latim pubertate – sinal de pelos, barba, penugem) caracteriza‑se pelas modificações biológicas dessa faixa etária, e a adolescência (do latim adolescere – crescer), pelas transformações psicossociais que a acompanham (OSÓRIO,1992). A puberdade se inicia com o aparecimento dos pelos no corpo da criança – axilas, região pubiana – em função da ação hormonal (desenvolvimento das gônadas – testículos, nos meninos, e ovários, nas meninas), que desencadeia o processo puberal, com dois eventos marcantes por volta dos doze aos quinze anos: a menarca ou primeira menstruação, na menina, e a primeira ejaculação ou emissão de esperma no menino (espermarca). A puberdade estaria concluída com o crescimento físico por volta dos 18 anos. Observação As transformações sexuais acentuam a diferença entre o menino e a menina, o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, o aparecimento de pelos em alguns lugares do corpo, a posse da função reprodutora, as mudanças na fisionomia (facial), o estirão de crescimento, o aparecimento de espinhas, as mudanças na voz (principalmente do rapaz). 102 Unidade III Em função de crescimento, o sujeito precisa reestruturar seu esquema corporal, ou seja, se readequar às suas dimensões de corpo, quanto aos braços e pernas mais longos, que o tornam, às vezes, um pouco desajeitado, seus movimentos no espaço etc. O início e o término da adolescência dependem do ambiente sociocultural do indivíduo. O início é definido por alguns aspectos, como a perda do corpo infantil e a aquisição do corpo adulto; independência simbiótica dos pais; estabelecimento de escalas de valores; identificação no grupo de iguais; conflitos com a geração precedente na busca de separação/individuação. De acordo com Osório (1992), o término ocorre por volta dos 18 anos (variando de acordo com as condições socioeconômicas da família) e pode ser identificado pelos seguintes aspectos: • estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis; • capacidade de assumir compromissos profissionais e manter‑se economicamente (independência econômica); • aquisição de um sistema de valores pessoais; • relação de reciprocidade com a geração precedente, sobretudo com os pais. Concluindo, podemos afirmar que no período da puberdade e adolescência há a passagem da infância para a vida adulta, por isso é uma fase marcada por diversas crises em função das várias modificações que ocorrem no sujeito em desenvolvimento: modificações corporais (fisiológicas e hormonais); modificações psicológicas; e modificações sociais. Para finalizar a discussão sobre essa etapa é importante que seja dito que nesta fase existe uma preocupação com o futuro. A apreensão do tempo faz com que o sujeito se destine a escolher uma carreira, um modo de vida, mas, ao mesmo tempo, seus planos mudam tão facilmente quanto surgem em função da ambivalência própria desse período. O adulto deve estar preparado para auxiliar a criança em todas as etapas do desenvolvimento psicológico, especialmente nessa última fase, em que irá preparar o sujeito para uma vida psíquica adulta, com a integração de todas as funcionalidades: afetiva‑cognitiva‑motora. Exemplo de aplicação Leia com atenção o texto a seguir e responda à questão: Geração Coca-Cola Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA, de nove às seis. Desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial, mas agora chegou nossa vez: vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês. 103 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Somos os filhos da revolução. Somos burgueses sem religião. Somos o futuro da nação. Geração Coca‑Cola [...] Em relação à letra dessa música podemos afirmar que: A) Refere‑se ao estágio categorial, pois aborda a problemática do excesso de horas em frente à televisão aos quais estas crianças foram submetidas nesta fase de questionamentos de sua vida. B) Apresenta a perspectiva walloniana de que na puberdade a dimensão cognitiva é mais importante do que a afetiva no desenvolvimento psicológico. C) Apresenta o pensamento do adolescente onde os fatores dinamogênicos exógenos são o motor propulsor do desenvolvimento. D) Refere‑se ao período da adolescência no qual a capacidade de representar mentalmente uma situação amplia‑se em comparação com o estágio anterior. O jovem sustenta uma oposição ao adulto, com sólidos argumentos intelectuaisque foram conquistados no estágio anterior. E) Representa o estágio do personalismo, período em que o jovem deve fazer escolha de valores morais, geralmente estabelecendo relações inadequadas. A alternativa correta é a D. A letra da música refere‑se ao período da puberdade e adolescência, no qual a capacidade de representar mentalmente uma situação amplia‑se em comparação com o estágio anterior. O jovem sustenta uma oposição ao adulto com sólidos argumentos intelectuais, bem como apresenta intensa flutuação e intensidade afetiva com forte expressão das emoções. O quadro a seguir resume as principais características desse período. Quadro 7 – Puberdade e adolescência Estágio Idade Predominância funcional Fatores dinamogênicos Características Puberdade e adolescência 12 a 15 anos Afetiva Conflito de natureza de endógena centrípeta Crise da puberdade Período marcado por modificações fisiológicas, hormonais, corporais, psicológicas e sociais Idade do espelho Período de ambivalência de atitudes e sentimentos Crise em relação aos valores e costumes do adulto Formação de grupos Está dividido em dois momentos: Puberdade Adolescência 104 Unidade III Saiba mais Recomendamos que você assista aos filmes a seguir e estabeleça relação com o período da puberdade e adolescência que foi estudado neste capítulo. A LAGOA azul. Direção: Randal Kleiser. EUA: Columbia Pictures, 1980. 104 min. DIÁRIO de um adolescente. Direção: Scott Kalvert. EUA: Flashstar, 1995. 102 min. 8 WALLON E A EDUCAÇÃO 8.1 Projeto Langevin‑Wallon Henri Wallon construiu uma teoria psicológica partindo de uma abordagem psicogenética. Por meio do estudo do desenvolvimento psicológico da criança apresenta a origem dos processos psíquicos. Em seus estudos, compreende o sujeito humano como uma pessoa completa, analisa‑a em suas dimensões afetiva, cognitiva e motora, em uma perspectiva integrada, dialética e interdependente. Wallon não propõe uma teoria pedagógica, mas desde o início de seus estudos e pesquisas compreendeu a importância da educação na constituição psicológica da criança. Por isso produziu textos específicos sobre educação e participou da elaboração da reforma do ensino francês, conhecido como Projeto Langevin‑Wallon, que será discutido mais adiante. Dessa forma, a Psicologia do Desenvolvimento walloniana possibilita inúmeras interpretações por aqueles que procuram subsídios para a reflexão pedagógica. De acordo com Galvão (2013): “Tratando de temas como emoção, movimento, formação da personalidade, linguagem, pensamento e tantos outros, fornece valioso material para a adequação da prática pedagógica ao desenvolvimento da criança”. Segundo Mahoney (2000), na obra de Wallon encontramos dois tipos de referências à educação: • pedagogia explícita – textos que apresentam reflexões sobre reforma da universidade, doutrinas da educação nova, orientação vocacional e o papel do psicólogo escolar, formação do professor, interação entre alunos e problemas de comportamento, bem como o Projeto Langevin‑Wallon. Como já foi dito, Wallon não criou um método pedagógico original de ensino, sua formação em Medicina e os estudos em Psicologia, levaram‑no a uma participação ativa no debate educacional de sua época. Entre as várias atividades destacam‑se o Grupo Francês de Educação Nova (GFEN) e a Sociedade Francesa de Pedagogia da qual foi presidente até sua morte; • educação nova – Wallon faz uma série de críticas aos pioneiros desse movimento (Ferrière, Claparède, Freinet, Dewey, Montessori) afirmando que oferecem conclusões parciais sobre a educação e não abrem a escola para a sociedade em que a criança está inserida. Em sua perspectiva, apenas 105 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Decroly (1871‑1932) e Makarenko (1888‑1939) conseguiram fazer essa integração entre a prática e a teoria levando em consideração o contexto psicossocial da criança. Em função de seus estudos sobre a educação nova e de sua teoria psicológica sobre a formação da pessoa, será convidado por Langevin para participar da Reforma do Ensino Francês, sendo sua grande oportunidade de expressar seus ideais de Homem e de Sociedade (MAHONEY, 2000). 8.2 Sobre o Projeto Langevin‑Wallon Após a Segunda Guerra Mundial, no período de 1945 a 1947, Wallon, com um grupo de 20 membros nomeados pelo Ministério da Educação Nacional, participou da Reforma do Ensino Francês. No início o presidente desta Comissão foi o físico Paul Langevin e, depois de sua morte, Wallon assumiu a coordenação do grupo. Lembrete O Projeto Langevin‑Wallon parte do pressuposto de que a escola é um meio indispensável à formação do ser humano e o professor deve ter uma formação adequada para atuar nesse meio e o reconhecimento de sua atenção. De acordo com Mahoney (2000), a diretriz norteadora do projeto é construir uma educação mais justa para uma sociedade mais justa. As ações propostas repousam sobre quatro princípios: justiça, dignidade, orientação e cultura geral. Para atender a esses princípios o projeto prevê mudanças na estrutura e no funcionamento do ensino francês: após a escola maternal, que começa aos 3 anos (não obrigatória), existe o primeiro grau com primeiro ciclo (7‑11 anos), segundo ciclo (11‑15 anos) e terceiro ciclo (15‑18 anos); e o segundo grau que engloba o ensino propedêutico e o ensino superior. Figura 29 – Alunos em sala de aula Disponível em: https://bit.ly/3lGjudq. Acesso em: 23 maio 2022. 106 Unidade III Além disso, o projeto oferece sugestões de métodos de ensino, salientado que os mesmos devem se adequar às necessidades dos alunos, o conteúdo das disciplinas e a atividade dos alunos, alternando o trabalho individual ao trabalho em equipe. De acordo com Galvão (2013), [...] o plano representa as esperanças em uma educação mais justa para uma sociedade mais justa. A reforma proposta (que nunca chegou a ser implantada) deveria operar‑se no sentido de adequar o sistema às necessidades de uma sociedade democrática e às possibilidades e características psicológicas do indivíduo, favorecendo o máximo desenvolvimento das aptidões individuais e a formação do cidadão. Pedagogia implícita: textos que apresentam suas reflexões a respeito de sua teoria psicogenética do funcionamento psicológico e sua atuação (do próprio Wallon) como professor. A teoria walloniana enfatiza que cada etapa do desenvolvimento psicológico tem suas próprias características e deve ser vivenciada a partir de seus objetivos e necessidades. Por isso o atendimento a essas necessidades deve ser preocupação do educador, levando em consideração o contexto sócio‑histórico no qual a criança está inserida. É responsabilidade do educador adequar o meio escolar às possibilidades e necessidades infantis do momento (MAHONEY, 2000). Em resumo, a teoria walloniana, de base humanista, enfatiza o aproveitamento das possibilidades de cada fase do desenvolvimento psicológico da criança e, para isso, sugere diversos recursos pedagógicos para cada idade. De acordo com Mahoney (2000), três aspectos são importantes nas ideias pedagógicas de Wallon para um ensino de qualidade: • a ação da escola não se limita à instrução, mas se dirige à pessoa inteira e deve converter‑se em um instrumento para seu desenvolvimento; esse desenvolvimento pressupõe a integração entre as dimensões afetiva, cognitiva e motora; • a eficácia da ação educativa se fundamenta no conhecimento da natureza da criança, de suas capacidades, necessidades, ou seja, no estudo psicológico da criança; • é no meio físico e social que a atividade infantil encontra as alternativas de sua realização; o saber escolar não pode se isolar desse meio, mas sim, nutrir‑se das possibilidades que ele oferece. Observação O professor não é apenas mediador entre a cultura e o aluno, mas é o representante da cultura para o aluno. 107 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA De acordo com Mahoney (2000), o papel do professor na escola é muito importante pelo que lhe é atribuídopela sociedade. O apoio que o professor dará ao aluno nessa travessia de criança a adulto terá maior ou menor relevância dependendo dele olhar muitas vezes para trás para avaliar seu próprio desempenho; de olhar seu aluno com reverência ou acatamento, lembrando sempre que a criança de hoje é o adulto de amanhã; de tomar em consideração, ter em conta suas condições de aprendizagem e as de seu meio; de seguir as determinações, cumprir, observar, acatar o ritmo de desenvolvimento próprio de sua etapa de formação. Enfim, é da disposição do professor estar na direção, estar voltado para seu aluno. Exemplo de aplicação Leia com atenção o texto a seguir e responda à questão: Carlos e André estão disputando um brinquedo: um pião. Uma vez por semana, na sexta‑feira, as crianças trazem seus próprios brinquedos para brincar. Ana Lúcia, a professora, tenta separá‑los. Em seguida, eles recomeçam a brigar, sendo que um deles alega que o pião é seu. Pautando‑se na teoria de Wallon, sobre a disputa pelos objetos, indique: A) Qual a compreensão que podemos ter desta situação? B) Provavelmente, qual o período e idade desses meninos? C) Para obter o que deseja ou para beneficiar outra criança, que outras atitudes as crianças dessa idade podem apresentar quando se tratam de seus brinquedos? Resolução A) Na disputa pelos objetos, pode‑se observar que o sentimento de propriedade se mostra muito presente e que a propriedade significa não só a apropriação do que é do outro, mas a afirmação de si próprio. Assim, a criança se sente frustrada, em sua pessoa, se seu bem é dado à outra pessoa sem seu consentimento. Período caracterizado pela exploração de si, oposição (expulsão do outro)/discriminação eu do outro. B) Personalismo, 3 a 6 anos. C) Para conseguir o que deseja a criança é capaz de mentir, usar força, não emprestar o brinquedo para o irmão, mas emprestar com alegria a outro que admira. Uma estratégia que a própria criança usa é emprestar seu próprio brinquedo para conseguir se apossar dos brinquedos do outro. Pode ocorrer também de partilhar o brinquedo e até renunciá‑lo, a fim de beneficiar outra criança, principalmente se esta outra for mais nova e/ou houver uma ligação afetiva maior. 108 Unidade III O texto a seguir apresenta reflexão sobre as ideias de Wallon a respeito da educação em interface com sua teoria do desenvolvimento psicológico. Aproveite essa leitura! Contribuições da teoria à educação Wallon chama de humanismo ampliado a concepção que implica a plena realização do homem em cada indivíduo. O homem completo só é concebido em sua forma universal atribuindo‑lhe o poder de compreender, ponderar e escolher. Uma educação humanista, segundo Wallon, deve considerar todas as disposições que constituem o homem completo, mesmo estando desigualmente repartidas entre os indivíduos, pois qualquer indivíduo potencialmente pode se desenvolver em qualquer direção, a depender de seu aparato biológico e das condições em que vive. Segundo Wallon, uma aptidão só se manifesta se encontrar ocasião favorável e objetos que lhes respondam. Muitas aptidões novas poderiam manifestar‑se no encontro das necessidades psicológicas das crianças e as necessidades crescentes da sociedade. Assim, o acesso à cultura é função primordial da educação formal, pois ela é a expressão do florescimento das criações e das aptidões do homem genérico, universal, sejam manuais, corporais, estéticas, intelectuais ou morais. A escola é parte das condições de existência na qual a pessoa se desenvolve e constitui, devendo intervir neste processo de maneira a promover o desenvolvimento de tantas aptidões quantas for possível. O Projeto Langevin‑Wallon propunha uma educação integral do pré–escolar até a universidade e tinha na sua gênese a preocupação com a formação dos valores éticos e morais, pois considerava a escola um espaço social adequado para tal. Visando uma educação preocupada com a formação geral sólida, para a autonomia, a cidadania e a orientação profissional, fundamentadas pelos princípios de justiça, igualdade e respeito à diversidade, o projeto sistematizou e sugeriu etapas consecutivas que priorizassem aspectos e necessidades específicas de cada faixa etária, respeitando o desenvolvimento afetivo, cognitivo de socialização e maturação biológica de cada indivíduo. Os programas educacionais deveriam ser reformados de maneira que toda aptidão pudesse ser orientada, cultivada segundo sua natureza, de forma que o ensino recebido fosse uma preparação suficiente para o exercício de qualquer função que poderia oferecer‑se mais tarde. Wallon acreditava serem as aptidões cultivadas, desenvolvidas em contato com a cultura, e não inatas, embora elas dependam também de condições orgânicas. Por isso atribuiu à escola, como função primordial, dar acesso à cultura visando o cultivo das aptidões, pois só podem exercer as disposições que constituem o homem completo – compreender, ponderar e escolher – aqueles aos quais for dado a conhecer a cultura de seu tempo. 109 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Wallon acreditava que todos deveriam ter oportunidades iguais, inclusive ao respeito à singularidade, e para isso seria necessário haver escola para todos onde cada um pudesse encontrar, segundo suas aptidões, todo o desenvolvimento intelectual, estético e moral que fosse capaz de assimilar. Oferecida uma base comum, dever‑se‑ia também propiciar condições para que a criança, experimentando, descobrisse suas tendências de acordo com seu estágio de desenvolvimento: — dos três aos onze anos, as aptidões parecem não contribuir de maneira eficiente. Exatamente por este motivo, o momento seria propício, segundo Wallon, para orientar e cultivar todas elas, cada uma de acordo com sua natureza: manual, corporal, estética, intelectual e moral. — entre onze e quinze anos, sobre um fundo de aquisições comuns, emergem aptidões mais particulares, mais pessoais, mais originais que devem encontrar tarefas que ajudem no desenvolvimento. A oferta de alternativas deveria ser ampla o suficiente para permitir à criança, ao exercitar e desenvolver novas funções, reconhecer suas preferências e suas dificuldades. — à universidade caberia a formação profissional, a investigação científica e a difusão da cultura associando uma cultura geral superior a uma especialização muito avançada. Wallon afirma que o meio e a cultura condicionam os valores morais e sociais que a criança incorporará, e que devem ser cultivados os valores de solidariedade e justiça. Insiste na importância de o professor conhecer as condições de existência de seu aluno, para saber quais os valores que nela estão sendo cultivados, nos outros meios em que está imersa, e saber como cultivar aqueles que são seu objetivo. A partir de sete anos, a criança vive, ao mesmo tempo, sentimentos e situações de cooperação, exclusão e rivalidade. Caberia ao professor intervir, propondo atividades que privilegiem trabalhos em grupo e atitudes de cooperação, em relação aos trabalhos individuais, uma vez que, nessa época, podem acirrar‑se rivalidades em detrimento da solidariedade. Além disso, o momento é propício para preparar a criança para a etapa seguinte que é a adolescência. Diante do adolescente, compreendendo as características de seu estágio de desenvolvimento, o professor pode atuar no sentido de ajudá‑lo a distinguir valores sociais e morais. A responsabilidade é um dos sentimentos que o educador deve buscar promover no adolescente, uma vez que ela tem ingredientes capazes de mobilizar essa faixa etária graças às suas características específicas, pois responsabilidade representa, segundo Wallon (1975:222): 110 Unidade III “Tomar a seu cargo o êxito de uma ação que é executada em colaboração com outros ou em proveito de uma coletividade. A responsabilidade confere um direito de domínio, por uma causa, mas também um dever de sacrifício, o que significa que o adolescente responsável é aquele que deve se sacrificarmaior, por tarefas sociais que contribuem para o crescimento e desenvolvimento da coletividade e do grupo”. O professor pode, desta forma, auxiliar o adolescente em suas indecisões e angústias, propondo atividades que propiciem o reconhecimento de suas tendências e o cultivo de aptidões e orientando a proposição de metas e objetivos futuros. Fonte: Wallon (1981). Figura 30 – Material escolar Disponível em: https://bit.ly/3wFB4EE. Acesso em: 23 maio 2022. 8.3 Por uma educação da pessoa completa Ao estudar as reflexões de Wallon sobre a educação, entendemos que este autor nos convida a responder a seguinte questão: como superar o dilema entre o autoritarismo dos métodos tradicionais e a espontaneidade das práticas que se pretendem renovadas? Como oferecer uma proposta de educação onde a primazia não seja ora do professor, ora do aluno? Para Wallon, ações pedagógicas que superem essa dicotomia são aquelas que estão pautadas em um raciocínio dialético, que compreenda as complexas relações de determinação recíproca que existem entre indivíduo e sociedade. Tarefa difícil, não acha? Por isso, de acordo com Galvão (2013): A solução para esse impasse não se atinge somente com uma discussão acerca de métodos pedagógicos. Demanda uma reflexão política sobre o papel da escola na sociedade. 111 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Não se trata, portanto, de priorizar a construção de uma melhor metodologia para educação, mas sim, de identificar as dimensões sociais de controle em uma sociedade, uma vez que o regime político de determinada sociedade tem relação direta com o sistema educacional que é oferecido a sua população. Lembrete A educação tem sempre um papel político, mesmo que isso não esteja explicitamente colocado. Galvão (2013) relata que Wallon tinha um olhar crítico à seletividade do sistema de ensino francês, pois este oferecia um promissor processo de ensino aos alunos de classes sociais mais favorecidas e, ao contrário, aos menos favorecidos impunha curta carreira dirigida a cursos técnicos e profissionalizantes. Por trás dessa seletividade havia uma força e interesse político da elite que, com isso, buscava manter‑se no poder, como classe dirigente, em uma sociedade capitalista, competitiva e individualista. Temos, com isso, uma educação a serviço do controle e da manutenção da desigualdade social. Wallon se opunha veementemente a essa concepção política de controle da qual a educação estava a serviço. Para este autor, a educação deve contribuir para a construção de uma sociedade socialista, pautada pela democracia e justiça social. O Projeto Langevin‑Wallon está pautado nessa dimensão político‑social da educação, visa à reconstrução da sociedade pós‑guerra e tem a educação como principal responsável nesse processo. Para isso propunha acabar com a seletividade no ensino e a organizar esse sistema (administrativo, curricular, metodológico), a partir do conceito de justiça social, apoiado no conhecimento científico sobre a Psicologia do Desenvolvimento (psicogenética) da pessoa completa. E para que isso fosse viabilizado de maneira significativa ao aluno, previa uma orientação profissional para investigação dos interesses individuais, um sistema de ensino gratuito e remuneração ao estudante. A Psicologia Psicogenética walloniana constitui valiosa ferramenta para educação na medida em que apresenta as características psicológicas da criança em cada uma das fases de desenvolvimento, permitindo, com isso, a construção de estratégias pedagógicas mais eficientes ao ensino e aprendizagem do aluno. Dessa forma, se utilizada como referencial teórico para a prática pedagógica, possibilita intervenção e promoção em todas as dimensões do desenvolvimento psicológico do aluno (afetivo, cognitivo, motor). Observação Uma Pedagogia inspirada na psicogenética walloniana não considera o desenvolvimento intelectual como a meta máxima da educação, mas, ao contrário, considera‑a como meio para a meta maior, que é a pessoa completa. 112 Unidade III Assim, a proposta não é oferecer uma Pedagogia conteudista, onde o professor é o transmissor da cultura e o aluno um sujeito passivo e receptivo. Ao contrário, busca a valorização da expressividade do sujeito, especialmente porque é a partir dela que o mesmo irá construir sua personalidade, base postulada na psicogênese. Por fim, destaca‑se a importância que Wallon atribui ao meio no qual a criança aplica e recebe recursos sociais para suas ações. Em se tratando do ambiente escolar, o planejamento, a organização e a estruturação desse meio possibilita a promoção do desenvolvimento infantil. Isso significa que o planejamento das atividades não deve se restringir somente à seleção de temas ou conteúdos de ensino, mas envolver todas as dimensões que compõem o meio no qual a criança está inserida (materiais, objetos, espaço físico, disposição do mobiliário, organização do tempo, duração da atividade, oportunidade de interação social, formação de grupos). Lembrete A escola, ao possibilitar uma vivência social diferente do grupo familiar, desempenha importante papel na formação da personalidade da criança. Saiba mais Chegamos ao final de nossos estudos sobre a teoria de Henri Wallon. Recomendamos que você assista à seguinte entrevista, com apresentação de Heloisa Dantas: HENRI Wallon. Coleção Grandes Educadores. Brasil: Editora Paulus, [s.d.]. Prezado aluno, Chegamos ao fim deste livro‑texto: um percurso desafiador e diversificado percorrido através de autores essenciais à formação de um profissional! Veja quantas ideias diferentes, e algumas até conflitantes, foram apresentadas. E quantas reflexões foram provocadas a partir delas! Certamente há perguntas sem respostas, bem como dúvidas e questionamentos que permanecem, mas esse é o desafio de se tornar um profissional que pretenda lidar com a formação de outros seres humanos: suportar a incerteza para que se mantenha aberto aos novos conhecimentos que a prática e a vida irão lhe propor, buscando construir o embasamento necessário para as escolhas que, diariamente, deverá realizar! Este material tem como função servir de guia e de companhia na jornada que você irá empreender daqui para frente: recorra a ele sempre que puder. Esperamos que você continue determinado na busca de seus sonhos e na realização do seu projeto de vida! 113 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Terminamos com um texto de um escritor, educador, psicanalista e poeta Rubem Alves, que foi extraído do jornal Correio Popular, de Campinas/SP. Um texto sensível, provocativo e inspirador! Até a próxima! A pipoca A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas. Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico‑me a algo que poderia ter o nome de “culinária literária”. Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora‑pro‑nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos. Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético‑filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento. As comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu. A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafóricaentre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como àqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei‑me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem. Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas. Lembrei‑me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé... 114 Unidade III A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem àquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e colocá‑las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra‑dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas! E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra‑dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra 115 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante. Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. “Morre e transforma‑te!” — dizia Goethe. Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou‑se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem. Por exemplo: em Minas “piruá” é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: “Fiquei piruá!” Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar a sua vida perdê‑la‑á”. A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira... “Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu”. Fonte: Alves (1999). 116 Unidade III Resumo Outro princípio importante no desenvolvimento do sujeito é a questão de que muito do que outros teóricos diziam sobre os avanços, sempre para frente no sujeito, no caso de Wallon, não corresponde à realidade. Wallon diz que estamos propensos a avanços e retrocessos no desenvolvimento, o que nos coloca em uma ida e vinda constante no trânsito das fases estabelecidas, mostrando, de tempos em tempos, alguns retrocessos. Diz ainda que estes são importantes para estabelecer um reequilíbrio que permite a construção de bases mais sólidas e reais. Os conjuntos funcionais, conceito bastante explorado na teoria walloniana, são assim definidos por ele como conjunto funcional motor, responsável pela movimentação corporal, pelas posturas, pela expressão do conjunto afetivo (pois o corpo mostra aquilo que se sente), pelos movimentos involuntários e pela manipulação dos objetos e da interação com o mundo; conjunto funcional cognitivo, responsável pela racionalidade, aquilo que nos permite reconhecer, separar mentalmente, distinguir, selecionar, decidir e organizar; conjunto funcional afetivo, predisposição em ser afetado por fatores internos ou externos, influenciados pelas três sensibilidades, interoceptiva, proprioceptiva e exteroceptiva. A emoção é primária, mais orgânica e temporária e, por isso, mais intensa. Entretanto, quando sofre a influência do cognitivo, ela reduz sua intensidade e muda de forma, sendo vista como um sentimento, com base na influência racional de uma emoção. E com um controle fortemente armado pelo aspecto cognitivo, somos capazes de disfarçar nossas emoções, aprisioná‑las para, em outro momento, darmos vazão ao que queremos. Isso seria o que Wallon chama de paixão. Aprender, nessa visão teórica, é superar as situações iniciais e confusas, que são chamadas de sincretismo. Superar o sincretismo é diferenciar, como quando se começa a conhecer melhor o objeto de conhecimento e, por isso, se aprende. As fases de desenvolvimento que Wallon traçou não devem ser vistas como fixadas nas idades sugeridas, pois como dependem da interação do orgânico com o social, podem fugir dessa classificação, se tiverem
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