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Antijuridicidade e Antinormatividade no Direito Penal

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Antijuridicidade
Parte 1
Bettiol: “Direito penal sem tutela de valor é instrumento de arbítrio”.
Se o Direito Penal precisa de um valor para a sua legitimação, é fundamental a noção de antijuridicidade para a estruturação da Dogmática Penal.
Antolisei: “A antijuridicidade é a essência própria do delito”.
Welzel, o criador do finalismo, formulou a estrutura do delito dividida em três elementos: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Para Welzel, um sob a continuação do outro conduziria a um alto grau de racionalidade e segurança jurídica porque o elemento antecedente seria antecedente do elemento subsequente.
Mas se a estrutura do crime é tripartite, porque alguns entendem que a ANTIJURIDICIDADE é o elemento mais importante? Porque a legitimidade do direito penal se dá pela tutela de valores e a antijuridicidade expressa a tutela de valores. Além da antijuridicidade formal – a não existência de uma ação típica acobertada por uma causa de justificação –, existe uma matéria em estreita conexão com o bem jurídico; esta matéria é a antijuridicidade material – expressa no injusto como antinormatividade.
A antijuridicidade é, no fundo, uma teoria criada em função das causas de justificação, uma teoria do que é conforme o Direito (Maurach).
Antijuridicidade → dois eixos: de valor (bem jurídico) e das causas de exclusão de ilicitude.
“A antijuridicidade é um juízo de valor negativo ou desvalor que qualifica o fato como contrário ao Direito, dando à conduta o caráter de não querida pelo ordenamento jurídico”. → esta definição é significativa porque há a noção de ordenamento jurídico jungida à noção de antijuridicidade; distingue-se ainda a noção de antinormatividade da noção de antijuridicidade.
O ordenamento tem normas proibitivas, que proíbem comportamentos (tipos penais), tem também normas permissivas, que determinam a realização de condutas, inclusive típicas, autorizando-as.
A ideia de ordenamento permite que não haja contradição entre condutas autorizadas por um ramo do direito, de um lado, tipos penais que, sob a ameaça de uma sanção, proíbem um comportamento, de outro.
Exemplo: crimes de concorrência desleal; é proibida a prática de concentração de uma parcela significativa do mercado pelas empresas, porém, em alguns casos, a concentração de mercado é dita pelo Estado como boa pela economia, sendo autorizada por um órgão estatal regulador (CADE). Quando isso acontece, não pode haver crime de concorrência desleal porque a concentração de mercado foi autorizada. A conduta que, embora se adequando ao tipo, não realiza a antijuridicidade, não contraria o ordenamento jurídico por conta de uma autorização administrativa. Portanto, não viola o direito, mesmo a conduta sendo típica; não há desvalor.
Portanto, a antijuridicidade está formulada em referência ao ordenamento jurídico. Quando uma conduta, embora proibida por um tipo penal, está autorizada por outra norma do ordenamento, não há desvalor sobre a conduta; a conduta, nesse caso, é vista como jurídica. A exclusão da antijuridicidade faz com que o desvalor de contrariedade ao Direito não exista.
Haverá a violação ao bem jurídico, mas essa violação não viola a ideia de ordenamento jurídico.
Exemplo da legítima defesa: há um acobertamento, pelo próprio ordenamento, de uma conduta, moderada, justificada, proporcional, com os meios necessários, em reação a uma agressão injusta a um bem jurídico contraposto. A reação à agressão injusta não é tida como contrária ao ordenamento jurídico, portanto o desvalor de contrariedade ao Direito não se afirmará, embora um bem jurídico tenha sido violado.
A antijuridicidade é uma ideia construída em função do conceito de ordenamento jurídico.
Por sua vez, a ideia de antinormatividade é construída em função do conceito de bem jurídico.
Parte 2
Antinormatividade NÃO É a mesma coisa que antijuridicidade
TIPO NÃO É sinônimo de NORMA
O tipo penal está no plano legal, mas a compreensão do tipo (o plano da lógica compreensiva da lei, segundo Zaffaroni) conduz à extração do imperativo, do comando de comportamento (“eu não devo matar porque essa conduta leva a uma pena de 6 a 20 anos”). Essa lógica compreensiva leva ao imperativo, que é a NORMA.
A norma é um imperativo extraído da definição legal. É construída com base no bem jurídico, com o fim de proteção de um determinado bem jurídico protegido. A norma está em conexão com o valor tutelado pelo tipo, ou seja, com o bem jurídico.
Distinção entre antijuridicidade e antinormatividade
Lição antiga de Welzel: distinção entre a morte de uma mosca e a morte de um homem. Matar um homem, em qualquer caso, ainda que em legítima defesa, viola o bem jurídico vida. É uma conduta sempre típica. Então, se eu disser que a morte de um homem em legítima defesa não é típica, eu estou equiparando a morte de um homem à morte de uma mosca, que não é típica.
No plano valorativo, a violação do bem jurídico tutelado está presente na dogmática, a partir do conceito de antinormatividade. A violação do imperativo, do comando de comportamento, extraído do tipo penal conduzirá necessariamente à violação do bem jurídico tutelado. Isso porque o comando de comportamento ganha legitimidade a partir da tutela de valores. Assim, sempre que um tipo penal é realizado, a relação de antinormatividade é necessária.
Antinormatividade é um conceito vinculado à realização do tipo.
A ideia de ordenamento jurídico – e não a ideia de tipo – pode, em alguns casos, autorizar a realização da conduta típica e, via de consequência, a realização da conduta antinormativa.
Antijuridicidade é um conceito vinculado às causas de justificação.
A antinormatividade é uma “chave” interpretativa para todo edifício do tipo penal. Ela está relacionada à realização do tipo, está no plano da lógica compreensiva do tipo, mas ela também guarda relação com a culpabilidade. No erro de proibição direto, há o desconhecimento de uma norma proibitiva, ou seja, da antinormatividade; desconhece-se a norma, aquilo que é comando de comportamento extraído da lógica compreensiva do tipo.
A princípio, toda conduta antinormativa será antijurídica, só não o será se estiver acobertada por uma causa de justificação. Algumas condutas antinormativas são permitidas pelo ordenamento jurídico.
Adolf Merkel: analisando as causas de justificação, traz a ideia de contradição ao direito, a ideia de que há sempre contradição, violação ao direito quando não há autorização para a realização da conduta. Quando a conduta é autorizada, ela não pode violar o direito.
Parte 3
Binding: institutos do bem jurídico, da antijuridicidade e da culpabilidade.
Dicotomia: plano da lei x plano da norma
Se existe o plano da lei penal (= plano onde estão os elementos objetivos e subjetivos que individualizam a conduta criminosa; era o próprio “crime” para Binding; daqui, depois, nasceria a ideia de tipicidade, a partir de Jiménez de Asúa), existe o plano da norma (= plano do imperativo, plano do comportamento).
Para Binding, a antijuridicidade é a violação do plano da norma, e não do plano da lei.
A norma, por sua vez, somente pode ser dirigida, enquanto imperativo, a que tem a capacidade de compreendê-la (ideia de culpabilidade).
Parte 4
Binding diz, pela lei extrai-se o comando de comportamento, extrai-se a norma. A antijuridicidade é a violação da norma supralegal, a norma extraída a partir do plano compreensivo da lei.
A norma é destinada àqueles que têm capacidade de compreendê-la.  culpabilidade. Não há norma, portanto, para o incapaz.
Para Binding, a antijuridicidade e a culpabilidade eram duas faces da mesma moeda.
Somente com von Liszt, em 1882, passou-se a distinguir e separar a antijuridicidade da culpabilidade, a partir da criação da antijuridicidade material. A antijuridicidade era o primeiro elemento da dogmática penal. Além de uma forma – que é a violação da lei –, a antijuridicidade tem uma matéria – que é a violação do bem jurídico.
Adolf Merkel: traz a ideia de contrariedade ao direito que pode ser pensada apartir das causas de justificação.
Parte 5
Exemplo hipotético de José Cerezo Mir: se um cão bravio ataca uma mulher, rasgando suas vestes e deixando-a desnuda e, assim, em uma situação de fragilidade, de violação de seu pudor, de sua dignidade sexual perante os outros. Se essa mulher pula um muro próximo para furtar roupas para se vestir. Estamos diante de uma situação antinormativa. Mas ela é também antijurídica?
Para existir uma autorização, em face do estado de necessidade, para realização de qualquer conduta antinormativa, é necessário a existência de:
Perigo atual;
Que esse perigo atual não seja provocado dolosamente pelo sujeito que age;
Que esse perigo atual seja inevitável
O que é PERIGO? É ligada à noção de probabilidade, pela experiência. Sabe-se que um determinado resultado é algo jungível a determinada situação; que tal resultado é provável.
O perigo ser presente. Se ele não for afastado, o dano será uma consequência necessária. Portanto, não cabe estado de necessidade em face de perigos futuros.
O perigo não pode ter sido provocado dolosamente pelo sujeito. O Código Penal diz que o perigo não pode ser provocado pela “vontade” do sujeito, e “vontade” é um indicativo de dolo. Seria uma analogia in mallam partem excluir da causa de justificação aquele que produz culposamente a situação de perigo.
Exemplo: um guia, numa expedição em cavernas, não toma cuidado necessário para evitar um desmoronamento e o fechamento da caverna. Por culpa, por negligência, aconteceu o desmoronamento e assim expôs o bem jurídico a perigo. No Brasil, essa exposição culposa ao perigo não exclui o estado de necessidade.
O dano advindo do conflito de bens jurídicos seja inevitável.
Adolf Merkel, baseando-se no Código Civil alemão, define o estado de necessidade: quando se sacrifica um bem de menor valor para preservar um bem de maior valor, estamos diante de algo que não é proibido pelo ordenamento jurídico. Tem-se uma menção ao Código Civil, numa espécie de exercício regular de um direito. Uma espécie de causa geral de exclusão de ilicitude.
Mas, não se trata aqui de algo baseado em uma lei, em um código. Estamos, antes disso, diante de um conflito de valores, um conflito de bens jurídicos. → seria sempre uma questão de antijuridicidade, que é um juízo de valor negativo, um juízo de desvalor.
Inicialmente, para a dogmática alemã, quando se preserva um bem jurídico de maior valor por meio do sacrifício de outro de menor valor, há estado de necessidade, que exclui a antijuridicidade. Mas, quando os bens são de igual valor (preservação de uma vida em face de outra, por exemplo), haveria exclusão da culpabilidade. 
Teoria unitária: quer o bem jurídico sacrificado seja de menor valor, quer ele seja de igual valor ao bem jurídico preservado, tem-se uma situação de estado de necessidade. Não há distinção entre tais conflitos de bens, o estado de necessidade sempre excluirá a antijuridicidade. Esta é a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro.
A legítima defesa também é uma situação de conflito de bens jurídicos, mas ela é, distintamente, uma situação derivada de uma agressão injusta, não autorizada pelo direito.
A legítima defesa seria uma espécie de estado de necessidade, que seria o gênero.
Ela pressupõe: conflito de bens jurídicos, próprios ou de terceiros; uma agressão atual ou iminente; o perigo deve ser atual; a agressão deve ser realizada de forma não autorizada pelo direito; a moderação no uso dos meios necessários.
Distinção entre as causas de justificação:
Luna: a legítima defesa e o estado de necessidade são fundamentados em face de uma situação de fato reconhecida pelo direito.
O estrito cumprimento de um dever legal e o exercício regular de um direito são fundamentados numa atuação do direito no mundo dos fatos.
Parte 6
Bettiol: ante um instinto de autoconservação, cessa qualquer ameaça de pena.
Tanto legítima defesa quanto estado de necessidade fundamentam-se a partir de um conflito de bens jurídicos.
O caráter diferencial da legítima defesa é a existência de uma agressão injusta, que não está presente no estado de necessidade.
A agressão injusta é uma agressão não autorizada pelo direito e somente o ser humano pode ser responsável por tal agressão. Não se incluem na noção de agressão injusta, ataques de animais selvagens, desastres naturais etc., que não dependem de uma ação humana. Somente quando o animal for instrumento da agressão de um homem, tem-se a agressão injusta.
Haverá estado de necessidade – e não legítima defesa – quando há uma agressão acobertada por uma causa de justificação (a agressão não é injusta).
Exemplo: num naufrágio, há apena uma tábua de salvação. Um sujeito agride o outro para obter a tábua, e este outro reage a essa agressão. A primeira agressão está acobertada pelo estado de necessidade (é portanto justa, autorizada pelo direito). Assim, a reação a essa primeira agressão jamais poderá ser legítima defesa, porque esta só ocorre apenas como reação a agressão injusta. Em face de estado de necessidade, cabe apenas outro estado de necessidade.
A reação a agressão injusta precisa ter a limitação pelo uso moderado dos meios necessários.
Exemplo de Zaffaroni: um paralítico está em seu quintal e vê uma criança pulando em um muro para subtrair maçãs de seu pomar. O paralítico tem uma escopeta e, como ele não tem como evitar a agressão a partir da ação de correr e interceptar a criança, ele dispara a escopeta e mata a criança. Zaffaroni diz que a ideia de uso moderado os meios necessários é indispensável para a compreensão do que é legítima defesa e da sua vinculação ao princípio da proporcionalidade.
Meios necessários: são todos os meios hábeis para evitar a agressão; qualquer meio que for apto para evitar a agressão não autorizada pelo direito.
Uso moderado: o uso dos meios necessários não pode ser feito sem qualquer critério, sem qualquer limite. Os meios devem ser utilizados com moderação. Legítima defesa não pode ser confundida com vingança. O meio necessário não pode ser utilizado quando a agressão já cessou e não pode ser utilizado para violar o bem jurídico para além do que é necessário para fazer a agressão cessar.
A moderação é um juízo de proporcionalidade.
Não podemos utilizar os meios para repelir a agressão de forma a equiparar a legítima defesa com uma vingança.
Não se põe no fiel da balança agressão e reação. Mas, quando houver evidente desproporcionalidade entre a reação defensiva e a agressão sofrida – como no exemplo de Zaffaroni – não se pode reconhecer qualquer tipo de moderação.
O excesso é exatamente a falta de moderação e ele conduz para a responsabilização em face da não observância dos requisitos da legítima defesa (excesso punível).
Atuação do direito no mundo dos fatos (exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal)
O que é permitido por um ramo do direito não pode ser proibido por outro ramo (Aníbal Bruno). Não pode haver contradição interna no ordenamento jurídico.
Distinção entre exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal
Facultas agendi: faculdade de agir → exercício regular de um direito.
Exemplo: um sujeito pode escolher praticar ou não um esporte violento (boxe, por exemplo), tem a faculdade de agir. 
Obligatio agendi: obrigatoriedade de agir → estrito cumprimento de um dever legal.
Exemplo: o carcereiro que recolhe o preso em uma cela, age cumprindo uma obrigação jurídica, inerente a sua função.
Causa supralegal de exclusão de ilicitude (Francisco de Assis Toledo)
Consentimento do ofendido: no Código Português é previsto em lei. Não há desvalor de antijuridicidade na conduta típica.
Requisitos (Manuel da Costa Andrade):
Bem jurídico disponível;
Não houver coação;
Consentimento for emitido por pessoa capaz;
Consentimento exarado antes da consumação do crime.
Advertência: se o tipo penal traz como elemento a falta do próprio consentimento, o consentimento do ofendido será então causa de exclusão da tipicidade, não da antijuridicidade.

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