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O ensino e o desenvolvimento da criança de zero a três anos

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O ensino e o desenvolvimento da criança de zero a três anos
 Lígia Márcia Martins�
O trabalho pedagógico dirigido às crianças de zero a três anos indiscutivelmente encerra grandes desafios. Nenhum outro segmento educacional parece-nos tão representativo da “pedagogia da espera” quanto o que se destina às crianças dessa faixa etária, ou seja, da idéia segundo a qual pouco há que se fazer até que elas cresçam!
Essa idéia, lamentavelmente, tem atravessado os tempos e conformado modelos de atendimento em creches (em especial, públicas) que avançam pouco além da garantia aos cuidados básicos de alimentação, higiene, segurança, etc...
Não obstante a hegemonia desta tendência, nossa experiência profissional junto a diretores e professores de instituições dessa natureza; conhecedores do papel insubstituível que tem uma educação de qualidade em todas as etapas da vida dos indivíduos; tem revelado um outro anseio: como superar as práticas cotidianas espontaneístas na direção da organização de ações educativas mediadoras das formas pelas quais a criança se relaciona com seu entorno físico e social, tendo em vista explorar as suas máximas possibilidades de desenvolvimento.
Este texto não se arvora essa resposta em sua completude, mas pretende contribuir para a assunção dessa tarefa. Para tanto, teceremos num primeiro momento algumas considerações sobre conteúdos de ensino nas creches para, na seqüência e em relação a eles, discorrer sobre o desenvolvimento da criança de zero a três anos.
 
1  Algumas reflexões sobre conteúdos de ensino nas creches
 
Qualquer análise que se faça acerca de conteúdos de ensino deve considerá-los no bojo de uma questão mais ampla, isto é, das premissas do projeto político pedagógico que orientam o trabalho educativo em pauta. Isto porque os conteúdos de ensino não se encerram em si mesmos (não se trata de mera ocupação para as crianças!), mas representam mediações histórico sociais pelas quais os indivíduos ampliam suas possibilidades de controle sobre si mesmos e sobre o mundo ao desenvolverem funções psíquicas especificamente humanas.
Os conteúdos de ensino articulam-se a fundamentos filosóficos e históricos da educação, à concepção de criança e sociedade, a pressupostos teóricos acerca do desenvolvimento infantil e suas relações com a aprendizagem, expressando-se como um dos elementos da matriz pedagógica, a pressupor a seleção e organização de conteúdos, a metodologia de ensino e as diretrizes de avaliação.
O texto que ora se apresenta não tem como objetivo abordar todos esses elementos. Focaliza apenas a questão da seleção e organização dos conteúdos de ensino em relação à dinâmica do desenvolvimento da criança de zero a três anos.
Concebemos como conteúdos de ensino os conhecimentos mais elaborados e representativos das máximas conquistas dos homens, ou seja, componentes do acervo científico, tecnológico, ético, estético, etc. convertidos em saberes escolares. Advogamos o princípio segundo o qual à escola, independentemente da faixa etária que atenda, cumpre a função de transmitir esses conhecimentos, isto é, de ensinar. Portanto, como o lócus privilegiado de socialização para além das esferas cotidianas e dos limites inerentes à cultura de senso comum.
Com esta afirmativa não estamos emitindo um juízo de valor depreciativo nem da cotidianidade nem da cultura popular, mas, procurando delimitar fronteiras entre as inúmeras instituições socializatórias e a escola, que, para desempenhar o mesmo papel que outras agências educativas não teria razão de ser.
Em face destas considerações a questão que se apresenta refere-se à modalidade de conteúdos de ensino que devam orientar o trabalho pedagógico com os bebês� e com as crianças pequenas. Como concebê-los e como organizar o plano de atividades orientador da rotina nos berçários e maternais?
Consideramos que a resposta a esta indagação demanda uma reflexão acerca da natureza das ações realizadas junto aos pequenos. Trata-se de se considerar em que medida e como os conhecimentos científicos se tornam presentes no trabalho que se desenvolve junto às crianças de zero a três anos.
Para a proposição e condução de ações que superem a prática espontaneísta o professor precisa dispor de conhecimentos que interfiram de modo indireto ou direto no desenvolvimento da criança. Observe-se que tal diretividade diz respeito aos conhecimentos que medeiam a atividade docente e não à atividade propriamente dita, que sempre interferirá diretamente (positiva ou negativamente!) no referido desenvolvimento.
Aos conteúdos de interferência indireta denominamos de conteúdos de formação operacional, que compreendem os saberes interdisciplinares que devem estar sob domínio do professor e subjacentes às atividades disponibilizadas aos alunos. Incluem os saberes pedagógicos, sociológicos, psicológicos, de saúde, etc. Esses conhecimentos não serão transmitidos às crianças em seu conteúdo conceitual e nesse sentido é que promoverão, nelas, o que classificamos como aprendizagem indireta.
Ao serem disponibilizados, incidem na propulsão do desenvolvimento de novos domínios psicofísicos e sociais expressos em habilidades específicas constitutivas da criança como ser histórico social, a exemplo de: autocuidados, hábitos alimentares saudáveis, destreza psicomotora, acuidade perceptiva e sensorial,  habilidades de comunicação significada, identificação de emoções e sentimentos, vivência grupal, dentre outras. À luz desses saberes a criança desenvolve propriedades e constrói conhecimentos empíricos� na centralidade das operações e ações que executa conquistando, progressivamente, formas culturalmente elaboradas de funcionamento.
Aos conteúdos de interferência direta denominamos conteúdos de formação teórica que compreendem os domínios das várias áreas do saber científico transpostos sob a forma de saberes escolares. Permearão as atividades propostas às crianças tendo em vista sua socialização como tal, isto é, para que se efetivem como objetos de apropriação devem ser transmitidos direta e sistematizadamente em seus conteúdos conceituais e para tanto, precisam ser ensinados.
Tais conhecimentos corroboram para aquisições culturais mais elaboradas, tendo em vista a superação gradual de conhecimentos sincréticos e espontâneos em direção à apropriação teórico-prática do patrimônio intelectual da humanidade.
Os conteúdos de formação operacional interferem diretamente na constituição de novas habilidades na criança, mobilizando as funções inatas, os processos psicológicos elementares, tendo em vista a complexificação de sua estrutura e modos de funcionamento, a serem expressos sob a forma de funções culturais, de processos psicológicos superiores. Ao atuarem nesta direção instrumentalizam a criança para dominar e conhecer os objetos e fenômenos do mundo à sua volta, isto é, exercem uma influência indireta na construção de conceitos.
Os conteúdos de formação teórica por sua vez, operam indiretamente no desenvolvimento das funções psicológicas à medida que promovem a apropriação de conhecimento. Por exemplo, o ensino do conteúdo formas geométricas à uma criança não contém apenas a aprendizagem de uma propriedade matemática, pois, ele também incide sobre os processos de percepção, atenção, memória, linguagem, etc. Daí que jamais os conteúdos teóricos a serem ensinados possam ser selecionados sob a ótica simplista e pragmática circunscrita à sua utilização imediata. Tais conteúdos, atuando diretamente na elaboração de conceitos, operam indiretamente no desenvolvimento das funções afetivo-cognitivas.
A categorização apresentada cumpre uma função essencialmente organizativa do planejamento pedagógico, uma vez que na experiência escolar do aluno tais conteúdos operam articuladamente, numa relação de mútua dependência. A título de auxiliar a elaboração e o registro de um plano de ensino levando em conta a categorização em questão, apresentamos o quadro ilustrativo a seguir.
	Área do Conhecimento:
	Língua PortuguesaMatemática
	Conteúdo:
	Dicção: articulação e ritmo fonético
	Contagem oral
	Objetivo:
	Aprendizagem da linguagem oral
	Aprendizagem de quantificação
	Natureza do conteúdo:
	Formação operacional
	Formação teórica
	Procedimento:
	Após modelo pelo professor: a criança assoprará pequenas bolinhas de papel coloridas com canudinho plástico em situação lúdica
	Cantando a música pipoca�
(Exemplo de planejamento destinado a crianças de dezoito meses a dois anos)
	
Para a promoção integral dos bebês e das crianças na primeira infância as ações educativas devem contemplar os conteúdos de formação operacional e de formação teórica em consonância com os períodos de seu desenvolvimento, havendo entre elas uma relação de proporcionalidade inversa, tal como demonstra a representação gráfica subseqüente.
 primeira infância idade pré-escolar
� nascimento 3a 6a
�
Diante do exposto, afirmamos a formação acadêmica do professor condição insubstituível para a efetiva educação das crianças pequenas. Ele, com certeza, precisa ter acesso a conhecimentos referentes aos diversos domínios científicos utilizando-os como estratégias de enriquecimento de sua relação com a criança. Visando contribuir com esta formação apresentamos, na seqüência, uma caracterização geral do desenvolvimento da criança de zero a três anos.
2 A criança de zero a três anos
Antes de apresentarmos as considerações gerais sobre o desenvolvimento da criança nessa faixa etária, façamos uma breve digressão.
 A educação infantil, ao longo de toda sua história, revela-se atrelada a teorias psicológicas do desenvolvimento. Sob nossa avaliação esta parceria tem se mostrado muito menos frutífera que o necessário e que o possível. Dela tem resultado, no mais das vezes, uma imensa psicologização da educação infantil que não ultrapassa a estreita compreensão do aluno como sujeito empírico.
Compartilhamos a análise de Saviani (2004, p. 47) acerca das parcas contribuições da psicologia para a educação à medida que possibilita a apreensão do indivíduo empírico em detrimento do indivíduo concreto�. Essa primazia dispensada ao indivíduo empírico encontra respaldo em teorias psicológicas que naturalizam o desenvolvimento humano e que, ao penetrarem no campo educacional, sustentam as usuais posturas contemplativas ao seu transcurso e a responsabilização do indivíduo, no caso a criança, pelas vicissitudes que se apresentam em sua formação.
O destaque aqui conferido ao processo de desenvolvimento infantil não é reiterativo do velho e habitual estudo desse processo a partir do qual cumpre ao professor saber quando acontece o quê. Pelo contrário, visa afirmar a sua natureza histórica social e especialmente, a decisiva influência que o ensino sistematizado pelo professor exerce sobre ele.
Conforme assinalado por Vigotski� e seguidores, o desenvolvimento dos seres humanos demanda inter-relações, por meio das quais cada homem aprende a sê-lo apropriando-se das conquistas produzidas pelas gerações precedentes. Aos seres humanos não basta os atributos que dispõe no ato de seu nascimento, como os demais animais. As características biológicas presentes neste ato são meramente preparatórias para a sua interação com o mundo social, da qual tudo o mais dependerá, quer no próprio plano biológico, quer no plano psicológico e social.
Sabidamente, se lançarmos ao mundo qualquer filhote animal; por exemplo, um gato, as alternativas existentes serão: ou ele morre ou ele vira gato, ou seja, permanece representante de sua espécie. Diferentemente, a história mostra que crianças desprovidas de condições histórico-sociais de desenvolvimento que sobreviveram não se tornaram seres representativos da espécie humana, ou seja, não se humanizaram.
Nisso reside a centralidade social do desenvolvimento, tese nuclear da psicologia histórico cultural. Inexiste formação humana que possa prescindir de apropriações dos produtos da cultura e esta relação de dependência do ser às condições de sua existência é representativa da explicação conferida por Vigotski (1984) à formação de todas as particularidades dos indivíduos.
Para esse autor é graças à interiorização que os processos interpessoais, mediadores da relação da criança com seu entorno social, transmutam-se em processos intrapessoais. Sendo assim, as características, os conteúdos simbólicos, os domínios e habilidades próprios a alguém não se estruturam nele a partir de si mesmo.
Em suma, desenvolvimento se produz por meio de aprendizagens e esse é o pressuposto vigotskiano segundo o qual o bom ensino, presente em processos interpessoais, deve se antecipar ao desenvolvimento para poder conduzí-lo. Portanto não há que se esperar desenvolvimento para que se ensine; há que se ensinar para que haja desenvolvimento.
Tecidas estas considerações e visando subsidiar a seleção e organização de conteúdos de formação operacional e teórica, passemos à análise das propriedades gerais do desenvolvimento da criança de zero a três anos, dado que organizamos em dois momentos: um primeiro versando sobre o desenvolvimento da criança em seu primeiro ano de vida e, na seqüência, de seu final até o terceiro ano.
2.1 A criança em seu primeiro ano de vida
 Visando a organização da temática ora apresentada, discorreremos primeiramente acerca da dinâmica geral do desenvolvimento do bebê para, subseqüentemente, destacar seus marcos referenciais mais decisivos.
 
2.1.1 Dinâmica geral do desenvolvimento da criança no primeiro ano de vida
Ao nascer, a criança se encontra diante de novas condições de vida que são absolutamente diferentes das condições de desenvolvimento intra-uterino. Para o enfrentamento desta nova condição dispõe, fundamentalmente, de sua atividade nervosa superior e dos cuidados que recebe das pessoas que estão ao seu redor, iniciando assim, sua embrionária forma de ser social. Referindo-se à essencialidade social da existência do bebê, Vygotski (1996) considera
(...) a relação da criança com a realidade circundante é social desde o princípio. Deste ponto de vista podemos definir o bebê como um ser maximamente social. Toda relação da criança com o mundo exterior, inclusive a mais simples, é a relação refratada por meio da relação com outra pessoa. A vida do bebê está organizada de tal modo que em todas as situações se faz presente de maneira visível ou invisível outra pessoa. (p. 285)
Com esta consideração procuramos desmistificar que nos dias ou meses iniciais de vida o bebê possa ser considerado um ser meramente biológico, a quem bastará a satisfação das necessidades vitais desta mesma ordem (biológica). Não obstante iniciar a vida sobre uma base reflexa, muito rapidamente os reflexos incondicionados cedem lugar aos reflexos condicionados e esses, às aprendizagens sociais.
Ao término dos quarenta e cinco dias após o nascimento (período que caracteriza o recém-nascido), já se evidenciam mudanças significativas na dinâmica de funcionamento do bebê, ou seja, maior diferenciação entre o sono e a vigília, menor avidez e maior regularidade alimentar, diminuição dos movimentos reflexos arcaicos resultantes do desenvolvimento filogenético, etc. 
Inicia-se um novo período, no qual o mundo exterior desponta como objeto de seu interesse. Portanto, todo trabalho com bebê deve levar em conta este fato e ampliar as possibilidades de apresentação da realidade externa enriquecendo seu estado de vigília. Por exemplo, proporcionar-lhe acesso a diferentes espaços físicos, mostrar-lhe objetos, falar com ele, etc. Enfim, o adulto deve estar com ele apresentando-lhe o mundo.
Entre o quarto e quinto mês já se verificam os primeiros movimentos e sons precisos da criança, dando mostras da superação de respostas reflexas a estímulos e da busca ativa a estímulos ocupacionais, aos quais começa a responder espontaneamente.As reações sociais à presença do adulto e de outras crianças evidenciam-se, criando as possibilidades para o surgimento de um importante procedimento de ensino: a imitação.
Na transição entre o quinto e o sexto mês verificam-se as primeiras formas imitativas de movimentos e sons que auxiliarão o surgimento de formas de comportamento mais complexas. Portanto, compete ao educador explorar as múltiplas possibilidades imitativas fornecendo os modelos (gestuais e sonoros) característicos das ações que envolvem a criança (por exemplo: abrir a boca na hora da alimentação; dirigir a mão até objetos; emitir sons repetidos etc). É na base desse processo que, por volta do décimo mês, os movimentos e sons aleatórios cedem lugar a formas de comportamento e comunicação sociais.
Referindo-se à dinâmica geral do desenvolvimento do bebê no primeiro ano, Vygotski (1996, p. 287) assinala três períodos. O primeiro, próprio ao recém nascido, denomina período de passividade, representado pela transição entre a vida intra-uterina e a vida social e ainda substancialmente marcado por condicionantes biológicos.
O segundo, período de interesse receptivo, no qual o mundo e ele próprio despontam como objetos de seu interesse. O terceiro, período de interesse ativo; momento de grande viragem qualitativa; é representado essencialmente pela manipulação de objetos em relação com sua significação social, (por exemplo, levar um pente à cabeça); pela busca de autonomia locomotora e pela utilização embrionária de formas sociais de comunicação.
Reiteramos que as demandas próprias a todos esses períodos se realizam por completo por meio dos adultos que lhe cuidam e por isso, já nos primeiros meses de vida a criança externaliza reações de orientação até os mesmos. Tais reações, que se iniciam por volta do terceiro mês, constituem o chamado complexo de animação (Smirnov e outros, 1960, p. 505) pelo qual ela reage de forma emocionalmente positiva à presença do cuidador (fixa o olhar, agita o corpo estendendo os braços e encolhendo as pernas, esboça sorriso, etc.). 
A existência do bebê sendo maximamente social e profundamente emocional corroboram para a denominação da atividade principal deste período como atividade de comunicação emocional direta adulto/criança (Elkonin, 1987, p.122), da qual dependerão as mudanças mais decisivas de seu transcurso.
Diante desta caracterização geral do desenvolvimento do bebê, passemos à identificação de seus marcos referenciais mais decisivos com respeito aos processos sensorial, perceptivo-motor, atencional, mnêmico, lingüístico e afetivo.
2.1.2 Marcos referenciais do desenvolvimento do bebê
Durante o primeiro ano de vida ocorre um aperfeiçoamento progressivo da atividade do córtex cerebral; conforme exposto no capítulo 1 desta coletânea; que se faz acompanhado pelo estabelecimento de relações mais complexas entre a criança e o meio que a rodeia.
Nos momentos iniciais de vida inexiste uma diferenciação específica entre as funções psíquicas (sensação, percepção, atenção, memória, etc). Tais processos operam imbricados uns nos outros e apenas sob condições de educação, isto é, por exposição e aprendizagem à estímulos externos, conquistam um funcionamento mais complexo e autônomo. Portanto, o planejamento de ações que visem esta estimulação é premissa básica para o trabalho educativo de bebês.
Não obstante a relativa incompletude que caracteriza o início da vida humana, o recém-nascido dispõe de um aparato sensorial que lhe permite sentir a maior parte dos cheiros, distinguir entre os sabores doce, salgado e amargo, além de excelente acuidade tátil e auditiva (o bebê é ótimo ouvinte e muitas vezes, pouco se fala com ele!). Diferentemente, o sentido da visão revela-se pouco desenvolvido, mas aprimora-se a passos largos nos primeiros meses de vida.
A existência de uma estreita unidade entre os processos sensorial e motor confere ao bebê uma característica bem precisa, qual seja, um nexo ininterrupto entre percepção e comportamento.
Segundo Vygotski (1996, p. 297) a percepção e a ação constituem, em princípio, um processo único no qual a ação é uma continuidade da percepção e vice-versa. Este processo unitário se institui como expressão dos impulsos emocionais, das necessidades experienciadas pela criança, do que se conclui que também os processos sensório-motores vinculam-se aos processos afetivos. Cabe alertar, portanto, que a existência (ou inexistência) da destreza desses processos carrega consigo a qualidade das relações criança/mundo que são mediadas pelos adultos que lhe cuidam.
Como a totalidade das ações de um recém-nascido, suas habilidades motoras são limitadas aos reflexos, constituindo-se respostas involuntárias à estimulação. Contando com esses reflexos simples o bebê principia sua vida, entretanto, muito rapidamente começa a demonstrar controle voluntário sobre os movimentos de várias partes do corpo.
O desenvolvimento motor é altamente representativo dos saltos qualitativos que se processam no entrelaçamento dos fatores biológicos (maturacionais orgânicos) e da estimulação social. Sob condições típicas de educação podem ser esperados os seguintes marcos nesse desenvolvimento: sustentação da cabeça aos dois meses de idade; rolar o corpo entre o segundo e o terceiro mês; sentar com apoio aos três meses; sentar sozinho entre o quinto/sexto meses; engatinhar entre o sexto/sétimo mês; ficar em pé com apoio aos seis meses; caminhar com apoio aos nove meses e ficar em pé sozinho, aos onze meses (Huffman e outros, 2003, p. 321).
O destaque da própria mão como objeto de observação tem uma importância extraordinária para o desenvolvimento do bebê. Ao começar a acompanhar visualmente os movimentos de suas mãos (em torno de quatro meses) e a seguir apalpar, descobre os objetos em suas possibilidades de apreensão, o que instiga a conquista de novos domínios motores (dirigir-se até objetos) tendo em vista a manipulação dos mesmos.
Portanto, a proposição de ações que incentivem a observação dirigida de objetos e a atuação com eles é imprescindível neste momento. Caberá à ele (adulto), por meio da comunicação verbal com a criança, dar a conhecer os objetos que a rodeiam, denominando-os, considerando seus significados e usos sociais, suas propriedades físicas mais evidentes (tamanho, cor, textura, forma, etc). Este é o início do caminho pelo qual a criança aprenderá a discriminar, analisar e diferenciar os objetos e fenômenos em suas propriedades mais importantes.
Esta mediação diretiva desempenhada pelo adulto é determinante também, do exercício da atenção do bebê que, sendo involuntária e muito inconstante, dependerá da natureza dos estímulos apresentados. A possibilidade de manejar as coisas amplia seu círculo de atenção, permitindo o treino de focalização e fixação a uma vasta gama de estímulos visuais, auditivos, táteis, etc.
O desenvolvimento da memória acompanha o desenvolvimento do bebê desde seu nascimento e sua expressão mais primitiva é o reconhecimento das pessoas e objetos que o rodeiam. Os registros mnêmicos que se efetivam neste período não são facilmente reconhecíveis, o que induz errôneas avaliações sobre a sua capacidade de memorização e conseqüentemente, de aprendizagem.
Entretanto, à medida que se efetivam os domínios da linguagem verbal esses registros se evidenciam e enriquecem, dado que pode ser verificado pelo movimento do olhar da criança na direção de um objeto ou situação expressos verbalmente (por exemplo, olhar para a porta ao ouvir “a mamãe chegou”!). Assim, a repetição como treino de memória, deve integrar as ações educativas realizadas.
Embora o bebê já disponha, desde seu nascimento, de inúmeras formas não verbais de comunicação, a exemplo das posturas corporais, expressões faciais, contato visual e sonoro dentre outros; o desenvolvimento da linguagem oral atravessa várias etapas. A primeira denominada pré-linguística, antecede o domínio da linguagem em si, caracterizando todo o primeiro ano de vida da criança. O segundo e terceiroestágios; sobre os quais discorremos em item posterior; compreendem respectivamente a etapa do domínio primário do idioma e do domínio da estrutura gramatical da linguagem (Petroski, 1980, p. 201).
Na etapa pré-linguística destacam-se três momentos: o dos ruídos, dos murmúrios e balbucios e das pseudo-palavras. Os ruídos, dentre os quais se inclui o choro reflexo, assentam-se nos reflexos da laringe, graças aos quais ocorre a emissão aleatória de sons. Entre o segundo e terceiro mês a criança começa a murmurar, isto é, produzir sons de vogais e a partir do quarto mês esses sons se fazem acompanhados de consoantes, quanto então, inicia o balbucio.
No momento das pseudo-palavras, próprio ao segundo semestre do primeiro ano, a criança inicia a emissão de sons compostos por uma ou várias sílabas acompanhadas de acentuação, entonação e articulação única. Nele ocorre uma reprodução da estrutura sonora dos fonemas sem haver, contudo, a intenção de reprodução das palavras do idioma. As pseudo-palavras não são palavras produzidas erroneamente mas emissão de sons de maior complexidade.
A importância das pseudo-palavras reside no fato que à sua base ocorre a modelagem social requerida ao estabelecimento de relações entre objetos ou fenômenos, sons e significados. É claro que todas as etapas pré-linguísticas transcorrem como bases para o desenvolvimento lingüístico ulterior, entretanto, as pseudo-palavras, por sua proximidade com as palavras do idioma, representam seus mais efetivos pré-requisitos.
Portanto, durante todo o primeiro ano o bebê pode e deve ser ensinado a falar, dado porém, que não se reduz à mera repetição e emissão de palavras mas que demanda a exposição do bebê a variadas situação de estimulação cultural tendo em vista o enriquecimento das relações entre objetos / fenômenos, sons e significações.
Deixamos, propositadamente, por último, o referente ao desenvolvimento das emoções e sobre ele Vygotski (1996) considera:
O próprio afeto, ao participar no processo do desenvolvimento psíquico como fator essencial, recorre um caminho complexo, se modifica em cada nova etapa de formação da personalidade e toma parte na estrutura da nova consciência própria da nova idade. Estas profundíssimas mudanças na natureza psíquica dos afetos se põem de manifesto em toda nova etapa. Inclusive no primeiro ano de vida o afeto experimenta um complexo desenvolvimento. Se compararmos a primeira etapa desse período com a última ficaremos surpresos com a enorme mudança que ocorre na vida afetiva do bebê (p. 299).
As emoções medeiam o desenvolvimento de todos os processos psíquicos e seu próprio desenvolvimento subjuga-se às condições para a vivência das mesmas. Apenas na relação ativa com o mundo e essencialmente mediada pelo adulto o bebê emerge de suas vivências emocionais indiferenciadas, próprias à condição de recém-nascido, dotando-as de propriedades humanas.
As primeiras reações emocionais dos recém-nascidos relacionam-se com a satisfação ou insatisfação das necessidades orgânicas. Estas reações ainda não dependem de sua experiência pessoal mas sim, do aparato reflexo que dispõe ao nascer. Entretanto, já no transcurso do segundo mês de vida entram em cena novas reações que ultrapassam os limites dessas necessidades.
Tais reações advirão das relações do bebê com o entorno físico e social, passando a conter tonalidades emocionais resultantes de sua própria vivência do e no mundo. Aparece então, a necessidade de relacionar-se com as pessoas que a rodeiam e o interesse pelos objetos que se fazem presentes.
 Analisando este percurso Vygotski (19996, p. 299) destaca duas modalidades de interesse: no primeiro semestre do primeiro ano os afetos se expressam como um interesse receptivo pelo mundo exterior, transformando-se durante o segundo semestre em interesse ativo pelo entorno. Na base dessas mudanças ocorre, ao término do primeiro ano, aquilo que este autor nomina como crise do primeiro ano, isto é, um intenso desenvolvimento da vida afetiva caracterizado pelo aparecimento embrionário da vontade própria.
Portanto, caberá ao processo educativo oportunizar à criança situações favoráveis à criação de interesses sociais. É exatamente no processo no qual se trabalha o desenvolvimento de sua motricidade, percepção, atenção, memória, linguagem, etc, que o adulto entrará em contato com seus afetos, reconhecendo-os e conferindo-lhes direção.
Apenas pela participação ativa do adulto em sua vida o bebê poderá não apenas sobreviver, mas, alçar a conquista da consciência de si e do mundo que o cerca. O germe desta conquista é o marco mais decisivo do término do primeiro ano, quando se constitui na criança aquilo que Vygotski (1996, p. 306) denominou como proto-nosotros, isto é, consciência embrionária do si mesmo, advinda da recente diferenciação, pela criança, entre si mesma e o que a cerca. .
2.2 A criança em seu segundo e terceiro anos de vida
 Da mesma forma que em relação ao desenvolvimento do bebê, apresentaremos em dois sub-itens as questões referentes à dinâmica geral do desenvolvimento da criança em seu segundo e terceiro anos de vida, bem como os marcos referenciais mais decisivos em relação aos processos sensorial, perceptivo-motor, atencional, mnêmico, lingüístico e afetivo, inserindo agora, o processo de pensamento. 
2.2.1 Dinâmica geral do desenvolvimento na primeira infância
	Vigotski (1996), em análise da transição entre o término do primeiro ano e o que denomina como infância precoce�, que compreende do primeiro ao terceiro anos de vida, aponta que a maior característica desse momento pode ser representada pela unidade dialética do ser e não ser, cerne da já referida crise do primeiro ano. Considera nessa unidade as formas de expressão de três processos, quais sejam, motor, linguagem e afetos, apresentando-a da seguinte forma:
A criança em sua infância precoce já anda: fazendo-o mal e com esforço, mas andar é a forma principal de seu movimento no espaço (...); {referindo-se à linguagem, L. M.}... Nos deparamos de novo com um processo no qual não podemos determinar se a criança é falante ou não, quando a criança fala e não fala (...); {e referindo-se aos afetos e vontade, L. M.}... aparecem os primeiros atos de protesto, de oposição, de contraposição aos demais (...). Na idade crítica essas reações se manifestam com grande intensidade e agudeza principalmente em casos de uma educação incorreta (...) (p. 319).
	Na seqüência, o autor destaca que as aquisições do primeiro ano ampliam imensamente as possibilidades de ação da criança em seu contexto físico e social, dado que exige novas formas de mediações educativas por parte do adulto.
	A nova condição de atuação e desenvolvimento da criança na primeira infância acarreta transformações essenciais em duas direções: no âmbito das relações da criança com a realidade externa objetiva e no âmbito das relações com as pessoas. O entrelaçamento das ações desses âmbitos que é absolutamente mediado pelo desenvolvimento da linguagem, representa, para Vigotski, a questão central desta etapa do desenvolvimento infantil.
	O comportamento da criança nesta etapa adquire uma característica bastante específica, qual seja: determina-se inteiramente pela situação presente. As ações da criança se estruturam em unidade com as condições sob as quais ocorrem, e em função delas, se aproxima, manipula, experimenta ou se esquiva e rejeita aquilo que se lhe é apresentado. Assim sendo:
Eis aqui a dependência da criança apenas da situação presente. A criança na infância precoce, diferentemente de idades posteriores, não acrescenta à dada situação conhecimentos prévios sobre outras coisas, não se sente atraída por nada que esteja atrás dos bastidores da situação (...) Devido a isso fica evidente o grande papel que desempenham as próprias coisas, os objetos concretos postos na situação (Vigotski, 1996, p. 342).
	Dessa condicionabilidade concreta dos comportamentos à situação resultam as (re)descobertas dos objetospor parte da criança que, paulatinamente, vão deixando de ser meros estímulos sensoriais e se convertendo em meios para a satisfação de necessidades, ou, em instrumentos. Nesse sentido é que Elkonim (1987, p. 122) caracteriza como atividade principal deste período a atividade objetal manipulatória.
	Em constante contato com os adultos e sob sua direção a criança amplia sobremaneira sua atuação no mundo. Se no transcurso do primeiro ano o outro (pessoas) ocupava o primeiro plano de suas percepções e os objetos um segundo plano, agora, gradativamente esta situação se inverte. Este momento representa grande oportunidade para que se ensine à criança maneiras corretas de se atuar com objetos.
Na etapa inicial de aprendizagem das ações com objetos, própria ao início do segundo ano de vida, as ações manipulatórias executadas pela criança marcam uma transição entre o objetivo de exploração das propriedades sensoriais dos objetos (típica do primeiro ano de vida) e o objetivo de descoberta de suas funções sociais, isto é, para que e sob quais circunstâncias são utilizados. Por isso, nesta etapa, elas tendem a reproduzir muito fielmente os atos que lhes são ensinados pelo adulto, utilizando estritamente os mesmos objetos nas mesmas situações em que recebeu o modelo, ou seja, a criança ainda não generaliza ações objetais. Importa-lhe, fundamentalmente, a funcionalidade do objeto, dado que culmina numa característica bastante sutil de suas ações: para que servem os objetos se sobrepõe totalmente às maneiras pelas quais são utilizados (o para que prevalece sobre o como).
Um mesmo objeto não pode representar distintas coisas nem as ações com eles podem depender das circunstâncias. Isso diferencia radicalmente a natureza das brincadeiras não fictícias, típicas da primeira infância, do jogo simbólico, próprio à idade pré-escolar (três a seis anos), não obstante as primeiras serem preparatórias para os segundos.
Detivemo-nos até este momento à relação criança-objeto. Entretanto, a mesma não ocorre num “vazio social”, isto é, todo esse processo recebe, incessantemente, as influências das relações da criança com outras pessoas, em especial, dos adultos, dos quais ainda é absolutamente dependente. É o adulto que lhe confere o objeto ou o retira, que o nomina e significa, enfim, que promove a conversão das coisas em instrumentos, em objetivações humanas.
	Em análise da unidade criança-objeto social - criança-adulto social e referindo-se à atividade objetal manipulatória como aquela que encerra as possibilidades mais efetivas de desenvolvimento na primeira infância, Elkonim (1987) afirma:
Claro que o domínio dessas ações é impossível sem a participação dos adultos que as mostram às crianças, as realizam junto com elas. O adulto atua apenas como parte, ainda que a mais importante da situação das ações objetais. (p. 116).
	Essa dinâmica criança-objeto / criança-adulto constitutiva da atividade objetal manipulatória tanto se assenta nas conquistas advindas do desenvolvimento da linguagem quanto é, nesse período, a principal via desse mesmo desenvolvimento. Portanto, a proposição de atividade educativas enriquecedoras da atividade objetal manipulatória deve priorizar, na primeira metade do segundo ano, ações facilitadoras da compreensão, pela criança, da linguagem dos adultos.
	Ainda que a verbalização própria restrinja-se a poucas palavras; que ocupam inclusive o lugar de orações inteiras; sob condições de estimulação a compreensão das mesmas pela criança pode ser bastante ampla. Neste sentido, é fundamental a associação entre palavras e objetos (ou imagens), a exposição da criança a um vocabulário rico e acima de tudo, que o adulto dirija-se à criança sempre, com a máxima clareza, no que se inclui uma dicção correta.
	A partir da segunda metade do segundo ano e ao longo de todo o terceiro; além da continuidade compreensiva; as ações educativas devem incentivar maximamente a aquisição, pela criança, da verbalização própria.
	Este percurso deve privilegiar, num primeiro momento, o nome das pessoas (no que se inclui o da própria criança) e dos objetos e na seqüência, das ações; de modo que ao término do segundo ano a criança compreenda a linguagem presente em seu entorno e verbalize orações compostas por duas ou três palavras.
	Enfim, durante todo o segundo e terceiro anos de vida a atividade objetal manipulatória acompanhada de intenso desenvolvimento da linguagem é o esteio sobre o qual se desenvolvem todos os processos psíquicos da criança.
2.2.2 Marcos referenciais do desenvolvimento na primeira infância
	Conforme demonstrado anteriormente, as aquisições do primeiro ano mudam essencialmente as relações da criança com o meio. A relativa autonomia recém conquistada, ampliando as possibilidades de atuação com as pessoas e com os objetos, inclusive pela mediação da linguagem, conferem-lhe amplas possibilidades para a complexificação de suas ações.
	A descoberta do espaço locomotor, a liberação dos membros superiores propiciada pela postura ereta ao caminhar (dado que ocorre entre o décimo terceiro / décimo quarto mês) se fazem acompanhados do desenvolvimento de inúmeras habilidades. Mas para que essas aquisições se efetivem é fundamental a construção social de capacidades psicomotoras pois elas desempenham um papel diretivo nessa evolução.
	Exemplificando o papel dessa construção social, saibamos que entre os índios Zinanteco do sul do México o desenvolvimento motor rápido é desestimulado. Espera-se que os bebês não caminhem antes de aprender a evitar as fogueiras para o preparo dos alimentos e os teares, dado que poderia por em risco sua sobrevivência. Por outro lado, as crianças africanas sentam-se, ficam em pé e andam de uma a vários meses mais cedo do que crianças norte-americanas pois são ativamente treinadas para tanto (Huffman e outros, 2003, p. 322).
	Portanto, apesar da aparente naturalidade do desenvolvimento motor ele é, tanto quanto os demais processos, condicionado pelas condições sociais de desenvolvimento da crinça. O acesso e a manipulação de objetos sociais devem assim, operar a serviço dos mais diversos domínios psicomotores, a começar por aqueles requeridos à sua correta utilização.
	A estreita unidade entre as funções motoras e as funções sensoriais é característica marcante da primeira infância. Em todo esse período a percepção encontra-se unida à ação, sendo praticamente impossível inferí-las em separado. Em seus trabalhos Vigotski considerou que o desenvolvimento da percepção é, na primeira infância, a base sobre a qual se consolida o desenvolvimento das demais funções, considerando-na predominante nas crianças pequenas.
(...) as funções mais importantes, as mais necessárias a princípio, as que servem de fundamento a outras, se desenvolvem antes. Não deve surpreender, portanto, que o desenvolvimento das funções psíquicas da criança comece pelo desenvolvimento da percepção (...) as funções, como as partes do corpo, não se desenvolvem de maneira proporcional e uniforme, cada idade tem sua função predominante (Vygotski, 1996, p. 345).
	Considerando-na central, o autor destaca duas particularidades na percepção da criança pequena. A primeira refere-se ao seu caráter apaixonado, isto é, à predominância afetiva da percepção. Nesta idade, a percepção não representa uma relação reflexa primária com os estímulos circundantes mas sim, uma relação por meio do afeto. A segunda, que mantém íntima relação com a primeira, diz respeito ao fato de que ela se encontra em condições sumamente propícias de desenvolvimento.
	A qualidade do conteúdo da percepção infantil resulta das experiências educativas às quais é exposta. Neste período, tais experiências devem contemplar a percepção de espaço, forma, tamanho, propriedades (cor, textura, volume, etc) e, em especial, o treino de observação. Para tanto, é muito importante que as ações constitutivas destas experiências estejam inseridas em atividades práticas com finalidades claramente definidas para a criança.No bojo do tratamento dispensado à percepção incluem-se, também, os processos de atenção e memória. Conforme assinalado em relação ao bebê, em princípio, a atenção é um processo involuntário e subjugado às propriedades dos estímulos externos. Porém, ao longo do segundo ano, graças à possibilidade de andar e, não somente manipular objetos mas também, executar ações simples por meio deles, a atenção da criança começa a deslocar-se dos estímulos em si (cor, brilho, sons, novidade, etc) na direção das operações constitutivas das ações humanas.
	Embora ainda bastante inconstante, a atenção da criança nesse momento já possui um tempo de fixação maior, visivelmente presente na execução de tarefas simples que lhes sejam solicitadas. Assim, as habilidades para focalização e fixação de estímulos atencionais formam-se sob decisiva influência dos adultos. Ao término do segundo ano e ao longo do terceiro ocorre a formação embrionária da atenção voluntária, porém, ainda sob interferência sistemática do adulto nas ações que realiza, isto é, o adulto dirige sua atenção.
	Desta forma, a educação da atenção na primeira infância deve incluir solicitações à criança de execução de pequenas tarefas relacionadas aos cuidados pessoais de higiene, à organização de objetos no espaço, aos procedimentos implícitos na utilização de distintos objetos e sobretudo, explorar maximamente os recursos da literatura infantil e das artes cênicas.
	A complexificação dos processos motor, perceptivo e atencional propiciam mudanças qualitativas na capacidade de memorização da criança. O marco mais decisivo dessa evolução na primeira infância refere-se à ampliação do tempo para o reconhecimento e recordação. Segundo Smirnov e outros (19860):
(...) no início {refererindo-se ao primeiro ano de vida, L. M.} o tempo máximo que pode haver entre a primeira percepção e a segunda para que esta seja reconhecida como igual à primeira é muito pequeno, se reduz a dias. Aos dois anos aumenta até semanas, ao terceiro ano até meses (...). A recordação de pessoas e objetos ausentes aparece depois que é possível reconhecê-los (...). De uma maneira progressiva o período latente de recordação aumenta. No segundo ano de vida se limita a alguns dias, no terceiro, a algumas semanas (...) (p. 227).
	O aumento das possibilidades para reconhecimentos e recordações fornece novos conteúdos mnêmicos que são, também, substancialmente influenciados pelas aquisições da linguagem. Quanto maior a compreensão da linguagem dos adultos e os domínios da fala própria, mais completa e determinada será a capacidade de memorização da criança, uma vez que o signo verbal é um importante recurso nesse processo.
	Durante a primeira infância a memória é involuntária e sem um fim determinado. Ou seja, a criança não evoca seus conteúdos por um ato volitivo e nem memoriza com o objetivo de recordar posteriormente. Fixa na memória aquilo que tem significação num dado momento, que se relaciona com a satisfação de suas necessidades ou interesses e sobretudo, aquilo que possui um forte conteúdo emocional.
	A conversão, ainda que futura, da memória involuntária em memória voluntária não ocorre na ausência de condições educativas que tenham esta finalidade ao longo de todo percurso de desenvolvimento da criança, uma vez que as experiências de associação, a repetição e o treino são os requisitos primários para esta aquisição.
	O grau de desenvolvimento alcançado pelas funções perceptivo-motoras, atencional e mnêmica, aliado às aquisições da linguagem, promove mudanças radicais no pensamento da criança, que neste período corresponde à sua atividade prática, ou seja, nessa fase pensar é agir!
	Assim, é precisamente por meio da atividade objetal manipulatória que a criança inicia a formação das operações racionais constitutivas do pensamento, e isso, na concretude de suas ações práticas. No início da primeira infância predomina o exercício-analítico sintético sobre a base dos objetos reais (desagrega suas partes, procura uni-las e explorá-las por todos os sentidos, etc).
	Essas experiências corroboram para a elaboração das primeiras comparações e generalizações pois propiciam a descoberta e o estabelecimento de relações e conexões correspondentes a dados objetos e fenômenos reais. Para tanto, a mediação do adulto fornecendo modelos concretos de análise / síntese, comparação e generalização, acompanhados de sua representação verbal, são requisitos indispensáveis para tais elaborações.
	Ao término do terceiro ano, a criança, graças às apropriações promovidas pelos adultos, já conquistou os domínios elementares sobre tais operações (análise / síntese, comparação e generalização) ainda que as mesmas encontrem-se estreitamente ligadas às fontes sensoriais das quais procedem e lhes servem de apoio. Sobre esse realismo infantil, Vygotski (1996) afirma:
(...) poderíamos dizer que a criança dessa idade carece de toda imaginação, quer dizer, que nem em sua mente nem em sua imaginação pode figurar-se uma situação distinta daquela que se lhe apresenta diretamente. Se analisarmos a relação da criança com a realidade exterior veremos que é um ser realista em alto grau, que se diferencia da criança de maior idade por sua dependência da situação, por estar plenamente sujeita ao poder das coisas que tem diante de si naquele momento (p. 346).
	Esta análise é reiterativa da inexistência de ficção nas atividades, inclusive lúdicas, próprias às crianças pequenas, bem como evidencia os equívocos presentes em teorias que postulam uma alta capacidade imaginativa nelas. A imaginação pressupõe um distanciamento mental provisório da realidade, do qual resultam idéias, representações imagens, ações, etc que independem das condições concretas imediatamente existentes, mas que a elas retornam possibilitando sua transformação.
	A imaginação, como o pensamento, é uma função psicológica superior. Dela resulta a possibilidade de criação de novas imagens sensoriais na consciência por meio da transformação mental de impressões recebidas da realidade. Os anos iniciais de vida são preparatórios para a imaginação, no rigoroso significado desse processo. O uso ampliado que as crianças pequenas fazem da fantasia não é resultado de uma eventual “capacidade imaginativa natural e superior”, outrossim, resultam do conhecimento ainda limitado que têm da realidade e das leis objetivas que regem o mundo. 
	Consideramos não demais apontar que tanto para o desenvolvimento do pensamento quanto da imaginação o papel da linguagem é determinante e diante desta observação, retomemos a exposição acerca de seu desenvolvimento. Conforme apresentamos em item anterior desse texto, à etapa pré-linguística seguem-se as etapas do domínio primário do idioma, característico do segundo ano de vida; e do domínio da estrutura gramatical da linguagem, presente a partir do início do terceiro ano.
	O transcurso do segundo ano é acentuadamente marcado por inúmeras aquisições, dentre elas, destaca-se o domínio do idioma. O uso das palavras, que na etapa anterior designavam praticamente um único objeto, complexificam-se muito. Sob sistemática influência dos adultos, a criança avança em direção aos domínios da linguagem não apenas ampliando o vocabulário que decodifica e as palavras que pronuncia.
	O salto qualitativo mais importante e que se inicia nesta etapa reside na representação da imagem sensorial do mundo construída pela criança, sob a forma de palavras. Elas passam a ter, além da função comunicativa, o status de signos, que são os recursos essenciais do pensamento. Por isso, quando a criança adquire os domínios do idioma não está apenas adquirindo o meio básico de comunicação social mas também, enriquecendo sua atividade cognitiva.
É devido a esse enriquecimento que avança em direção ao domínio da estrutura gramatical da linguagem. Nesta etapa se faz presente a construção de orações, em princípio composta por poucas palavras e sem conectores entre si, mas que já se colocam a serviço da expressão do pensamento da criança.Porém, para que a criança adquira o referido domínio não lhe basta, meramente, o contato social com a linguagem. É imprescindível a sua exposição a ações educativas que lhe favoreçam a compreensão e o uso da linguagem em seus aspectos fonéticos, léxicos e gramaticais. Que objetivem a correta articulação dos sons constitutivos das palavras (dicção), que impulsionem a formação de um amplo vocabulário; que ensinem a ordenação e a articulação das palavras nas orações. As aquisições que devem ter início nesta etapa são importantes requisitos para a futura aprendizagem da leitura e escrita.
Diante do exposto, esperamos ter evidenciado porque a promoção do desenvolvimento da linguagem deve ocupar lugar de grande destaque na atenção educativa dispensada à criança na primeira infância, levanto-se prioritariamente em conta, que:
A linguagem infantil não é uma atividade pessoal da criança (...) consideramos a linguagem individual como parte do diálogo, de colaboração, de comunicação. Nenhuma questão (gramática, orações de duas palavras, etc) pode se explicar fora dele. Toda palavra infantil, por primitiva que seja, é parte de um todo (...) (Vygotski, 1996, p. 356).
Assim, Vigotski considera que a gênese do desenvolvimento da linguagem infantil radica nas relações de colaboração e apropriação que a criança mantém com os adultos. Isso a conduz a novos patamares de domínios sobre si e sobre seu entorno, determinantes de importantes mudanças na estrutura de sua consciência.
Na base das aquisições advindas da atividade objetal manipulatória se processa, na primeira infância, um grande salto qualitativo em comparação à consciência do bebê. Como conseqüência do desenvolvimento das novas propriedades motoras, cognitivas, afetivas e sociais a crianças se torna mais autônoma e sua percepção, acerca do mundo e de si mesma, mais acurada. Graças a isso, caminha a passos largos na direção da evolução da consciência como proto-nossotros para a consciência como si-mesmo.
Segundo Vigotski (1996, p. 347) este é um processo que apenas se inicia na primeira infância, mas que já evidencia o término do segundo ano e o curso do terceiro ano como estágio do eu, no qual a criança se reconhece por alteridade em relação aos outros. Este momento, também identificado como personalismo infantil encerra intensas manifestações afetivo-volitivas.
Os afetos da criança, embora sempre presentes, tornam-se mais intensos e evidentes, dado que lhe confere novo posicionamento nas relações sociais. O lugar que ocupa nessas relações também se transforma e a receptividade, muitas vezes passiva, presente no primeiro ano, cede espaço para a atividade auto-afirmativa típica do término da primeira infância.
Sob condições educativas que não reconheçam tais transformações e que não interfiram coerentemente nesse processo, ocorre a nominada crise dos três anos�. Urge ao educador saber que a criança está principiando a construção de sua auto-imagem e de sua identidade pessoal e esta construção contém os elementos embrionários da futura formação de sua personalidade.
Considerações finais
Ao longo deste texto procuramos, à luz da Teoria Histórico Cultural de Vigotski, demonstrar quão decisivo é o entorno social para a formação dos atributos humanos nos indivíduos. Destacamos o quanto essa construção é tarefa de todo um processo educativo, principiando no ato de nascimento de cada pessoa.
 Colocamos em questão a atenção institucional dispensada à criança de zero a três anos nas creches, assinalando a grande complexidade presente nesse período do desenvolvimento, bem como sua essencial dependência das condições em que se processa.
Advogamos que as creches não são outra coisa senão, escolas. Como tal, demandam uma organização político pedagógica calcada em preceitos científicos sólidos, na base dos quais se evidencia a imensa responsabilidade presente no trabalho dispensado à criança pequena.
Nesta direção, elegemos o aspecto pedagógico referente à seleção e organização de conteúdos de ensino destinados à criança de zero a três anos como foco de análise, propondo a distinta natureza dos mesmos. Ou seja, propondo-os como conteúdos de formação operacional e de formação teórica, substratos para a superação da preponderância dos processos psicofísicos naturais, isto é, das funções psicológicas elementares, em direção à estruturação das funções psicológicas superiores, que representam, de fato, as marcas da humanidade em cada indivíduo particular.
A referida estruturação não é resultado de ocorrências sociais fortuitas, casuais e espontâneas. Aos seres humanos não basta a mera pertença à espécie biológica nem o contato com a sociedade pelas suas bordas. Para que se constituam como tal (seres humanos) precisam apropriar-se da vasta gama de produtos materiais e intelectuais produzida pelo trabalho dos homens ao longo da história.
No âmbito da educação escolar, a promoção desta apropriação incide no acesso à cultura que, quanto mais representativa das máximas conquistas humanas for, mais humanizante será. Tal como asseverado por Vigotski na proposição do método inverso, se pretendemos conhecer verdadeiramente as premissas que regem o desenvolvimento de qualquer fenômeno, temos que ter como parâmetro de análise a máxima expressão por ele já assumida.
Assim sendo, o critério de validação para a humanidade, no que se inclui a tarefa humanizadora da educação infantil, não pode ser o mais simples, o mínimo, outrossim, o mais complexo, o máximo!
Referências Bibliográficas:
Elkonin, D. Sobre El problema de la periodización del desarrollo psíquico en la infancia. In: Davídov, V. & Shuare, M. La psicologia evolutiva e pedagógica en la URSS. URSS: Editorial Progresso, 1987. 
Huffman, K., Vernoy, M. e Vernoy, J. Psicologia. São Paulo: Atlas, 2003.
Petrovski, A. Psicologia general: manual didáctico para los institutos de pedagogia. Moscú: Editorial Progreso, 1985.
Saviani, D. Perspectiva Marxiana do Problema Subjetividade-Intersubjetividade. In: Duarte, N. (org.) Crítica ao Fetichismo da Individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004. 
Smirnov, A.A., Leontiev, A.N., Rubinstein, S.L. & Tieplov, B.M. Psicologia. México: Editorial Gryjalbo, 1960.
Vygotsky, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 
Vygotski, L.S. Obras Escogidas.Tomo IV. Madri: Visor, 1996.
Conteúdos de formação operacional
Conteúdos de formação teórica
� Doutora em Educação, professora do curso de Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru e Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Faculdade de Ciências e Letras, UNESP/Araraquara. Integrante do Grupo de Pesquisa “Estudos Marxistas em Educação”.
� Nominaremos como bebês as crianças de zero a dezoito meses.
� O conhecimento empírico deriva diretamente da atividade sensorial prática das pessoas em relação aos objetos e fenômenos da realidade. Compreende o conhecimento construído a partir do imediato e fisicamente presente tal como captado pela percepção.
� Uma pipoca na panela, veio mais uma pra conversar, Foi um tal de poc, popoc, poc poc, popoc poc (refrão)
Duas pipocas na panela, veio mais uma pra conversar (refrão)... e assim sucessivamente até cinco. 
O professor ilustrará a verbalização dos números com os dedos da mão.
� O autor apresenta uma distinção entre indivíduo empírico e indivíduo concreto caracterizando o primeiro como imediatamente observável em suas características externas correspondentes à situação imediata; o segundo como síntese de múltiplas determinações, apreendido à luz de sua natureza histórico-social.
� Em relação à grafia do nome desse autor adotaremos a padronização brasileira (Vigotski), exceto em citações, nas quais seguiremos a disposto na fonte.
� Como sinônimo de infância precoce adotaremos a expressão primeira infância.
� Ver capítulo 3 desta coletânea, no qual este processo é abordado.

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