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23. MASTITE: A DOENÇA E SUA TRANSMISSÃO

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Instituto Babcock para Pesquisa 
e Desenvolvimento da Pecuária 
Leiteira Internacional
University of Wisconsin-Madison
Essenciais em 
Gado de Leite
89
23) MASTITE: A DOENÇA E SUA TRANSMISSÃO
Michel A. Wattiaux
Babcock Institute
O QUE É MASTITE?
Mastite, ou inflamação da glândula
mamária, é a doença mais comum e mais
cara do gado leiteiro na maior parte do
mundo todo. Apesar de estresse e
ferimentos físicos também causarem
inflamação da glândula, infecção por
bactérias i n v a s iv a s e outros
microorganismos (fungo, levedura e
possivelmente vírus) é a principal causa de
mastite.
Mastite clínica e subclínica
Na mastite clínica, o quarto infectado
geralmente torna-se inchado, em alguns
casos dolorido ao toque, e o leite está
visualmente alterado pela presença de
grumos, coágulos, ou alteração da cor do
soro e às vezes sangue. Em casos severos
(mastite aguda), a vaca mostra sinais de
reação generalizada: febre, pulso rápido,
perda de apetite e brusco declínio na
produção de leite.
Ao contrário da mastite clínica, a mastite
subclínica é branda e mais difícil de ser
detectada. A vaca se apresenta sadia, o
úbere não mostra nenhum sinal de
inflamação e o leite parece normal.
Entretanto, microorganismos e células
brancas do sangue (células somáticas) que
são defesas para infecção, são encontradas
em número elevado no leite.
As perdas de leite e financeira devido à
mastite clínica são facilmente observadas
—produção de leite cai drasticamente e
leite de vacas tratadas com antibióticos tem
que ser descartado por três ou quatro dias.
Apesar disso, muito mais leite é perdido
devido à mastite subclínica porque:
• A grande maioria de casos de mastite
são subclínicos (em média, para cada
caso clínico, existem 20 a 40 casos
subclínicos);
• A redução na produção de leite devido
à mastite subclínica tende a persistir
por períodos longos e portanto
subestima a produção de vacas
infectadas.
O controle da mastite subclínica é mais
importante do que simplismente o
tratamento de casos clínicos porque:
• As vacas que têm mastite subclínica
são reservatórios de organismos que
levam à infecção de outras vacas;
• A maioria dos casos clínicos começam
como subclínicos; portanto,
controlando a mastite subclínica é a
melhor forma de reduzir casos
clínicos.
O impacto da mastite vai com o leite além
dos portões da fazenda. Mudanças na
composição do leite (redução em cálcio,
fósforo, proteína e gordura, e aumento em
sódio e cloro) reduzem sua qualidade.
Além disso, o antibiótico usado para tratar
mastite é uma preocupação importante
para a indústria e para a saúde pública. A
presença de resíduo de antibiótico no leite
interfere com o processo de manufaturação
de muitos produtos lácteos (queijo e outros
produtos fermentáve i s ) . S a b ores
indesejáveis reduzem o valor dos produtos
lácteos e a presença de níveis baixos de
antibióticos pode causar problemas de
saúde nos consumidores.
Essenciais em Gado de Leite—Lactação e Ordenha
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DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA
I n f e c ç õ e s come ç a m quando
microorganismos penetram no canal do teto
e multiplicam-se na glândula mamária.
Invasão do teto
O teto é a primeira linha de defesa contra
a penetração de bactéria no úbere.
Normalmente, o músculo do esfíncter fecha
de forma apertada o canal do teto quando a
vaca não está sendo ordenhada.
A invasão do teto geralmente ocorre
durante a ordenha. Organismos presentes
no leite ou na ponta do teto são
introduzidos no canal do teto e na cisterna
quando ocorre admissão indesejada de ar
na unidade de ordenha (deslizamento ou
remoção das teteiras antes de fechar o
vácuo). Depois da ordenha, o canal do teto
permanece dilatado por uma a duas horas;
entretanto, o canal de um teto machucado
permanence parcialmente aberto para
sempre. Organismos do ambiente (fezes,
material da cama, etc.) ou aqueles
encontrados na pele machucada da ponta
do teto podem facilmente invadir um canal
aberto ou parcialmente aberto.
Estabelecimento de infecção e
inflamação da área afetada
Algumas bactérias podem entrar no úbere
fixando-se e colonizando novos tecidos;
outras podem mover-se pela corrente do
leite produzida pelo movimento da vaca. A
bactéria primeiramente danifica o tecido
que envolve os ductos coletores maiores de
leite. A bactéria pode encontrar leucócitos
(células brancas do sangue) presentes
naturalmente em pequeno número no leite.
Essas células são a segunda linha de defesa
porque elas podem englobar e destruir
bactérias. Entretanto, durante esse processo,
os leucócitos liberam substâncias que
causam o movimento de leucócitos
adicionais do sangue para o leite.
Se as bactérias não são totalmente
destruídas, elas continuam a se multiplicar
e começam a invadir os ductos menores e as
áreas alveolares (Figura 1A). Células
secretoras de leite danificadas pelas toxinas
e outras substâncias irritantes liberam
substâncias que levam ao aumento da
permeabilidade dos tecidos sanguíneos
(Figura 1B). Leucócitos adicionais movem
para o lugar da infecção. Eles entram no
Figura 1: Desenvolvimento de mastite e a defesa da vaca contra infecção.
23—Mastite: A Doença e Sua Transmissão
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tecido alveolar em
grandes números, se
infiltrando pelas células
secretoras de leite
danificadas (Figura 1C).
Fluídos, minerais e
fatores de coagulação
também penetram na
área afetada. Coágulos
de leite podem fechar os
ductos e isolar as regiões
infectadas.
Destruição do tecido
alveolar
À s vezes os
microorganismos são
eliminados rapidamente
e a infecção é resolvida.
Nesse caso, os ductos
obstruídos são abertos e a composição e
produção retornam ao normal em alguns
dias. Entretanto, a medida que a infecção
persiste e os ductos permanecem
obstruídos, o leite preso faz com que as
células secretórias revertam para um estado
de descanso (não produção) e o alvéolo
começa a encolher (Figura 1D). Substâncias
liberadas pelos leucócitos levam à completa
destruição das estruturas alveolares, que
são substituídas por tecido conjuntivo e
cicatricial (Figura 1E e F). A destruição do
tecido secretório de leite é, de fato, a
terceira linha de defesa para trazer a
infecção sob controle.
Portanto, a medida que a doença
progride, o número de células somáticas no
leite torna-se elevado e associado com uma
(permanente) redução da produção de leite.
TRANSMISSÃO DE VÁRIOS TIPOS DE
ORGANISMOS DE MASTITE
Na tentativa de controlar tipos diferentes
de infecção, é importante considerar a fonte
e os métodos de transmissão da doença.
Organismos que causam mastite vivem em
ambientes diferentes (fezes, material da
cama, pele, etc.). Em geral, a limpeza da
vaca e das instalações, assim como boas
práticas de manejo—especialmente na
ordenha—são métodos eficazes de
controlar a transmissão de mastite.
Streptococcus agalactiae
Streptococcus agalactia e é a causa mais
comum de infeções subclínicas mas
raramente causa doença severa (mastite
aguda). Esse organismo vive no úbere da
vaca e sobrevive somente por um período
curto de tempo fora da glândula mamária.
Ele é transmitido principalmente durante a
ordenha através da máquina de ordenha,
contaminando as mãos dos ordenhadores, e
o material (toalha) usada para lavar o úbere
(Figura 2). Este organismo também pode
infectar o úbere de uma novilha se uma
bezerra que foi alimentada com leite
contaminado mamar nela. A infecção pode
permanecer indefinidamente na glândula
mamária da novilha. Streptococcus agalactiae
pode ser erradicado de um rebanho através
de tratamento apropriado combinado com
boas práticas de ordenha. Entretanto, pode
ser facilmente espalhado novamente no
rebanho após compra de um animal
infectado.
Staphylococcus aureus
Staphylococcus aureus vive dentro ou fora
do úbere, na pele do teto, e causa muitos
casos de mastite clínica e subclínica. Ele
geralmente é transmitidoda mesma forma
que o Streptococcus agalactiae (Figura 2). A
infecção geralmente induz a formação de
tecido cicatricial, que resulta em focos de
Figura 2: As principais rotas de transmissão bacteriana.
Essenciais em Gado de Leite—Lactação e Ordenha
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infecção isolados (abcessos) no úbere que
são muito difíceis de serem alcançados
pelos antibióticos. Alguns abcessos podem
se romper e depois disseminar a infecção
para outras partes da glândula.
Streptococcus uberis e Streptococcus
dysgalactiae
Esses organismos são encontrados na
cama (especialmente cama com material
orgânico: serragem, palha, etc.), em água
parada e no solo. Eles também podem ser
encontrados na pele da vaca (teto e barriga)
e nos órgãos reprodutivos. Esses dois
organismos são geralmente transferidos do
ambiente para o teto entre as ordenhas, mas
algumas transferências também podem
ocorrer durante a ordenha. Esses
organismos não podem ser eliminados de
um rebanho porque eles fazem parte do
ambiente normal. A taxa de infecção dessas
bactérias tende a aumentar quando as
condições são favoráveis ao seu
crescimento—por exemplo, durante os
meses úmidos e chuvosos do ano.
Streptococcus uber i s e S treptococcus
dysgalactiae também são responsáveis pela
maioria da mastite que ocorre tanto no
início como no final do período seco. Além
dessas duas espécies de bactéria, existem
muitos outros streptococci (Strep. bovis,
Strep fecalis) que podem causar mastite.
Coliformes
Os coliformes são bactérias que
normalmente habitam o solo e os intestinos
das vacas. Elas se acumulam e se
multiplicam no esterco e na cama. Coli-
formes podem causar mastite apenas se
partículas contaminadas do ambiente
entrarem em contato com o úbere. Ao
contrário das bactér ias descritas
anteriormente, o coliforme não se adere aos
ductos e alvéolo no úbere, ao invés disso,
eles se multiplicam rapidamente no leite e
produzem toxinas que são absorvidas na
corrente sanguínea. Como resultado,
infecções por coliformes levam à mastite
aguda. A temperatura corpórea da vaca
pode aumentar acima de 40oC e o quarto
infectado ficará inchado e sensível ao toque.
Os mecanismos de defesa da vaca podem
eliminar a bactéria do úbere mas as toxinas
permanecem e a vaca pode morrer. Vacas
livres de outras bactérias causadoras de
mastite (S t reptococcus agalactiae e
Staphylococcus aureus) parecem ser mais
susceptíveis à bactéria coliforme.
Tabela 1: Fontes (do mais prevalente para o menos) e métodos de transmissão das bactérias
mais comuns causadoras de mastite.
Tipo de bactéria
Porcentagem
de infecções Fonte principal
Principais métodos de
transmissão
Streptococcus agalactiae >40% Úbere infectado Quarto para quarto; vaca
à vaca durante ordenha1
Staphylococcus aureus 30–40% Úbere infectado,
maciez do teto
Quarto para quarto, vaca
à vaca durante ordenha1
Streptococci ambientais2 5–10 Cama, esterco Ambiente para vaca
Coliformes3 <1% Esterco Ambiente para vaca
1 Veja Figura 2 para mais detalhes.
2 Streptococcus uberis e Streptococcus dysgalactiae.
3 Escherichia coli, Enterobacteri aerogenes, Klebsillia pneumoniae.