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Aborto - artigo

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O ABORTO E SUAS VERTENTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 
Maria Carolina Alves[1: Discente do Curso de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Camilo Castelo Branco – Campus Fernandópolis.]
Prof. Dr. André, de Paula Viana[2: Docente do Curso de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Camilo Castelo Branco – Campus Fernandópolis.]
RESUMO
Antes de tecer qualquer comentário a respeito da previsão legal do aborto é preciso entender o que este representa para a saúde pública brasileira, vez que estudos apontam o aborto como a quinta causa de morte materna no Brasil, a cada dois dias uma mulher morre vítima de aborto no Brasil, elevando esses dados a nível mundial a Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma que aproximadamente 20 milhões de abortos realizados anualmente de forma arriscada em todo mundo, causando a morte de milhares de mulheres, principalmente em países mais carentes e com legislações restritivas ao aborto. Diante de tal importância o trabalho objetivou discorrer sobre a previsão legal do aborto na legislação brasileira e as possíveis mudanças no Código Penal Brasileiro.
Palavras-chave: aborto, legalização, saúde pública.
ABSTRACT 
Before weaving any comment about the legal abortion is expected to understand what this represents for the Brazilian public health, since studies show abortion as the fifth leading cause of maternal death in Brazil, every two days a woman dies of abortion in Brazil, bringing these data worldwide to the world Health Organization (wHO) says that approximately 20 million abortions performed annually in risky way around the world, causing the deaths of thousands of women, especially in poorer countries and restrictive legislation on abortion. Faced with such important work aimed to discuss legal abortion provision in the Brazilian legislation and possible changes in the Brazilian Penal Code.
Keywords: abortion, legalization, public health.
INTRODUÇÃO
Os dados relativos ao aborto no Brasil, são desesperadores e revelam que a ilegalidade do mesmo causa inúmeras consequências negativas a saúde pública do país pois atinge um número elevado de mulheres.
“O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que “o aborto é uma questão de saúde pública”. Enfrentar com seriedade esse fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas.”. (Aborto e Saúde Pública no Brasil – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009, fls. 14 e 15). 
Em uma pesquisa realizada pela Revista Época, verificou-se que uma em cada sete mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos já fez aborto, somando um total de mais de 5 milhões, transferindo para porcentagem tem-se um do total de 15% da população em idade reprodutiva, a pesquisa revelou também que não há um padrão especifico que caracterize essas mulheres, qualquer uma pode realizar o aborto, independente de classe social, religião ou cultura. 
A Pesquisa Nacional do Aborto foi feita em janeiro deste ano pelo Ibope e elaborada pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, a Anis (que defende a legalização do aborto), em parceria com a UnB. A pergunta respondida foi "Você já fez aborto?". Como aborto é crime no Brasil, alguns cuidados foram tomados para garantir sigilo às entrevistadas. As respostas, confidenciais, eram depositadas numa urna e questionários com dados sociais e demográficos preenchidos por entrevistadoras mulheres. Foi com a garantia do anonimato que as mulheres confessaram o que ninguém até agora tinha conseguido medir com tamanha precisão. A sondagem envolveu 2.002 mulheres e descobriu que mais da metade das que abortaram (55%) ficaram internadas em decorrência de complicações. Isso sugere aos pesquisadores um problema de saúde pública, uma vez que a internação supõe complicações médicas (REVISTA ÉPOCA, uma em cada sete já abortou, maio de 2010). 
Toda essa discussão que gira em torno do aborto, não é recente, desde os tempos mais remotos e nas mais variadas culturas a sua liberação ou repressão penal é motivo de divergências.
2. REVISÃO DE LITERATURA 
O passo fundamental para entender o aborto está vinculado a questão cultural e religiosa, não há como falar em aborto sem vincular essas duas vertentes, ou seja, para quase todas as religiões o aborto é crime, pois retira-se uma vida, sendo assim trata-se de uma conduta inadequada, e para muitos é necessário punir com rigor, para outros nem tanto sendo apenas uma infração de pequeno potencial ofensivo, em nossa sociedade, é considerado crime, existe tipificação, punição e salvo algumas exceções, mas o que temos também é uma boa parcela da sociedade cogitando mudanças. 
	2.1. Conceituando o aborto como crime 
Para a nossa legislação o aborto é classificado como crime contra a vida, vida essa protegida pelo Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, em sua parte especial, mas especificamente nos artigos 124 ao 128.
Na concepção do saudoso doutrinador Julio Fabrini Mirabete (2008, p. 62),
Pode-se se dizer que aborto, “é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da podendo advir está interrupção espontaneamente, quando, por exemplo, a gestante possui problemas de saúde, acidentalmente como quando sofre uma queda, e provocado, que é aquele querido por alguém, e por tanto este, recebe a tutela do direito Penal.
A primeira divergência na tipificação do aborto reside no produto da concepção, pois é parte da morte desse produto que vai determinar se houve ou não aborto, avaliando em tempos atuais e de acordo com a nova doutrina civil, a vida já inicia-se com a fecundação do óvulo, mas caracteriza-se o aborto a morte do ovo, ou seja, três semanas após a gestação, ou a morte do embrião que é de três semanas a três meses, ou do feto que é após três meses, em síntese o período abortivo compreende das três primeiras semanas da gestação adiante e o crime se configura mesmo que o produto não tenha sido expelido.
É importante frisar, o crime de aborto só é configurado havendo vida intrauterina, o produto acondicionado a mãe, não se fala em aborto pós-parto e por ser considerado crime contra vida, praticada de forma dolosa, o responsável será processado e julgado em procedimento especial via Tribunal do Júri. 
1.2) Objetividade Jurídica.
Tutela-se com o crime de aborto a vida intrauterina, ou seja, aquela que permanece dentro do ventre da mãe e que se insurge desde a fecundação do óvulo. No caso do aborto provocado por terceiros, sem o consentimento da gestante, tutela-se também a integridade corporal da mesma.
1.3) Sujeitos do Crime.
Enquanto sujeito ativo tem-se, no art. 124 do CP um crime próprio, pois só a gestante poderá praticá-lo, quanto aos demais tipos previstos nos art. 125 e 126, os mesmos poderão ser perpetrados por qualquer pessoa.
Já no que tange ao sujeito passivo, estes seriam o produto da concepção, a gestante e também o Estado.
1.4) Elementos Objetivos.
O objeto material do crime de aborto é o produto da fecundação. Algumas doutrinas têm apontado o início da vida com a fecundação, entretanto, outras, a trazem com a implantação do óvulo no útero materno, período mais conhecido como nidação. Sobre está temática, nos explica Mirabete que, tendo em vista ser permitido no Brasil, a venda de DIU e anticoncepcionais, cujo objetivo é acelerara a passagem do ovo pela trompa, de maneira que atinja o útero sem condições de implanta-se, ou mesmo de, transformar o endométrio para criar nele condições infaustas à implantação do óvulo, cogente concluir que, a doutrina que aponta o inicio da vida com a fecundação, é mais plausível a realidade fática brasileira, caso contrário, todos aqueles que se valem dos métodos anticonceptivos descritos acima, responderiam por crime ( 2008,p. 63).
Ainda quanto ao objeto material do aborto, mister se faz algumas pontuações pertinentes a tal matéria, entre elas, que as manobras abortivas para a cessação da vida intrauterina poderão ocorrer por diversas formas, como por exemplo, a utilização de meios físicos, químicos, orgânicos e psíquicos, todavia, se estes meios forem incapazes de consumar o efeito abortivo, haverá crime impossível.
Urge esclarecer que, para configuração do crime de aborto, é necessário a prova do estado de gravidez, bem como de vida do feto, sem os quais é impossível especular o cometimento deste crime.
1.5) Elemento Subjetivo.
Trata-se o aborto de um crime doloso, podendo ocorrer na modalidade de dolo direto, quando o agente quer o resultado, ou eventual, quando assume o risco de produzi-lo. Este tipo penal não prevê expressamente a modalidade culposa, destarte, aquele que por culpa causar o aborto, responderá por Lesão corporal culposa e sendo a própria genitora, a conduta não será punível.
1.6) Consumação e Tentativa.
Consuma-se o delito com a morte do feto, sendo desnecessária sua expulsão. Enquanto crime material, admite-se no aborto a figura da tentativa, deste modo, se o agente iniciando as manobras abortivas não atinge o resultado pretendido por circunstâncias alheias a sua vontade, haverá tentativa.
2) MODALIDADES DE ABORTO:
2.1) Autoaborto e aborto consentido.
O art. 124 do código penal descreve duas condutas incriminadoras em sua cabeça. A primeira delas, chamada de autoaborto, revela-se na primeira parte do tipo, com o verbo “provocar”. Aqui a gestante por sua livre e espontânea vontade, pratica o aborto em si mesma. Já a segunda conduta, é chamada de aborto consentido, e consubstancia-se no verbo “consentir”. Nesta figura delitiva, a gestante permite que outra pessoa cometa o delito efetuando manobras abortivas.
Releva-se pontuar que, em ambos os casos, o crime é considerado de mão própria, só podendo ser praticado pela gestante, admitindo-se, no entanto, participação. Neste sentido, ministra Bitencourt:
“(...) admite-se a participação como atividade acessória, quando o partícipe se limita a instigar, induzir ou auxiliar a gestante tanto a praticar o autoaborto como a consentir que lhe provoque .(...) Contudo, se o terceiro além dessa mera atividade acessória, intervindo na realização propriamente dos atos executórios, responderá não como coautor, que a natureza do crime não permite, mais como autor do delito do art. 126”.(2005, p. 432)
Nestes lindes, aquele terceiro que efetua as manobras abortivas, não responderá pelo delito do art. 124, mais sim, nas iras no art. 126 do CP.
2.2) Aborto provocado por Terceiro.
O art. 125 do código repressivo, trás a figura do aborto provocado por terceiro ou aborto sofrido. Este tipo penal possui uma maior penalidade com relação às demais figuras do aborto, haja vista a sua gravidade. Neste crime, o agente provoca o aborto na gestante sem seu consentimento, desta feita, o perigo de tal intento não atinge somente a vida intrauterina, mais também a integridade física da mãe.
De outra monta, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal, trás uma presunção do não consentimento da gestante, dada as qualidades psíquicas da mesma. Destarte, se a gestante for menor de quatorze anos, é alienada ou débil mental, ou mesmo se, o consentimento do aborto é obtido através de fraude, grave ameaça ou violência, responderá o agente pela cabeça do art. 125.
2.3) Aborto Consensual.
O aborto consensual é aquele tipificado no art. 126 do código penal, aqui, pune-se o agente que pratica as manobras abortivas com o consentimento da gestante. Nessa senda, o crime guarda estreita correlação com o previsto no art. 124, segunda parte, havendo, portanto, o chamado concurso necessário, afinal, necessita-se da participação de pelo menos duas pessoas para sua prática. Diante de tais informações, percebe-se que, haverá nesses casos, exceção a teoria monista, pois apesar de agirem em concurso, responderão a gestante e o terceiro por delitos distintos.
Importante acrescer que, o consentimento da gestante deverá permanecer até a consumação do delito, pois se a mesma desistir da empreitada criminosa nos atos executórios do “inter criminis”, o terceiro responderá pela figura do artigo 125 do código penal.
2.4) Aborto Qualificado.
Prevê a figura qualificada do art. 127 que, as penas cominadas nos artigos 125 e 126 serão aumentadas em um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, e duplicada, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevier à morte.
Extrai-se, portanto, que o resultado mais gravoso não era pretendido pelo agente causador, mais que advêm de uma consequência das suas ações, portanto, refere o art. 127 a um crime preterdoloso.
Vale ressaltar que, se o agente quer esses resultados mais gravosos e consegue atingi-los, responderá por lesão corporal ou homicídio em concurso com o delito de aborto, independente da morte do feto.
Não responderá pela figura qualificada a gestante, até por que será uma das vítimas. De igual sorte, para Mirabete, o participe, se lhe for imputado o crime previsto no art. 124, não responderá pela qualificadora, pois não participou dos atos executórios do delito, razão pela qual seria uma solução forçosa o emprego desta prejudicial (2008, p. 68-69).
2.5) Aborto Necessário.
Como prova de que nenhum direito é absoluto, prevê o art. 128 do código penal, duas concessões legais a prática do aborto, a primeira delas prevista no inciso I conhecida como aborto necessário ou terapêutico, e a segunda no inciso II, denominada como aborto sentimental, ético ou humanitário.
Neste tópico tratar-se-á apenas do aborto necessário, que pode ser entendido como aquele praticado pelo médico como o único meio de salvar a vida da gestante.
Como é sabido, durante a gravidez, pode ser que ocorram algumas complicações na gestação que porão em risco a vida do feto e também de sua mãe, considerando-se esta, como gravidez de risco. Aqui a um conflito entre princípios jurídicos condizentes a vida, tanto da mulher como do feto, portanto, aplicando-se regras da hermenêutica jurídica como a técnica de ponderação, opta-se por óbvio pela vida da mãe em detrimento do menor, tendo em vista que a probabilidade de vida da gestante é maior do que a do feto.
O aborto necessário segundo a doutrina, é uma espécie de excludente da ilicitude para o médico que pratica o delito como a única forma de salvar a vida da gestante, caracterizando assim o Estado de necessidade (art.23, I, CP). Vele ressaltar que, não é necessário que o perigo de vida seja atual ou iminente, obtendo-se a certeza de que o decorrer da gravidez causará a morte da gestante, há permissibilidade do aborto.
O art. 128 do CP, trás a figura do médico com o legitimado para fazer o aborto necessário, todavia, consoante os ensinamentos de Bitencourt, aqueles que auxiliam o médico nessa empreitada, tais como enfermeiras, auxiliares, que poderiam se enquadrar como partícipes, não poderão ser punidos, pois, aplica-se a teoria da “acessoriedade limitada da participação”, a qual, exige-se que a conduta principal seja típica e antijurídica (2005, 439).
Não obstante, aquele que não é médico e nem o auxilia no aborto necessário, observando que a gestante encontra-se em perigo atual e iminente a sua vida em detrimento da gestação, cometendo o aborto necessário, poderá alegar como tese de defesa o estado de necessidade.
2.6) Aborto sentimental, ético ou humanitário.
Previsto no inciso II do art. 128, é também permitido o aborto, quando a gravidez é decorrente de Estupro. Nesta modalidade abortiva, conhecida como sentimental, o médico que a pratica estará acobertado pela excludente da ilicitude do Estado de necessidade (art. 23, inc. I) ou pela excludente da culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa.
Tal norma permissiva, é justificada pela dor psíquica e moral que a gestantesofreu no estupro, não sendo possível exigir da mesma os cuidados de um filho resultante de algo tão indesejado e violento.
Para que pratique o aborto, o médico não necessita da sentença condenatória do autor do crime, ou mesmo, de autorização judicial. Existindo provas precisas sobre a ocorrência do estupro, tais como laudo pericial, atestados, declarações de testemunhas, poderá praticar o aborto. Lembrando-se que, se mantido em erro quanto à ocorrência do estupro, não responderá o médico por crime, pois “terá em seu favor o erro de proibição (eximente putativa) afastando sua culpabilidade. A gestante falaz, nessa conjuncutura, responde, como autora mediata, pelo crime do art. 124, in fine, do CP” (PEDROSO, 2008, p. 271).
2.7) Aborto eugenésico ou eugênico.
O aborto eugenésico é aquele executado em detrimento de suspeita de que o feto nascerá com anomalias graves. Esta modalidade abortiva, aparentemente não se encaixa nos tipos permissivos descritos no art. 128 do CP. Muito embora, nos últimos tempos, tem-se aceitado o aborto quando constatado ser eugênico.
Por diversos motivos, tais como heranças hereditárias, má formação congênita do feto, ingestão de substâncias abortivas, pode-se afetar a saúde do feto, fazendo com que o mesmo venha a nascer com graves deformações ou anomalias, tornando-se inviável a vida intrauterina.
Conforme brevemente pontuado, em casos assim, muitas mães tem ingressado em juízo requerendo a permissão judicial para a retirada de seu filho, o que diversas vezes tem sido deferido.
Sobre este tema, abria-se grande discussão quanto à permissibilidade do aborto no caso da anencefalia. A referida doença é caracterizada por uma má formação do cérebro, assim, aquele que a possui, na maioria das vezes falece dentro do ventre de sua mãe e caso nasça, permanece com poucas horas de vida.
Nessa toada, a anencefalia é uma doença que ainda não possui cura, portanto, a permanência da vida intrauterina é ineficaz, pois de uma forma ou de outra, a criança morrerá. Não havendo, portanto, para alguns, motivos para mentê-las.
Outras consequências advindas da anencefalia, são os abalos físicos e psíquicos que a genitora poderá sofrer. Há casos em que a gestação será tranquila, no entanto, outros com grandes complicações para saúde da mulher. Além disso, existem consequências quanto aos abalos psíquicos que a gestante sofre por saber que carrega em seu ventre alguém que não terá vida.
Nesse diapasão, muitas mães ao tomarem conhecimento da anencefalia, ingressam em juízo requerendo a retirada dos filhos. A grande problemática se dava, na permissão jurisdicional, que poderia ser favorável ou desfavorável, todavia, em alguns casos havia recursos que postergavam a eficácia da decisão judicial, tornando mais difícil e penosa a gestação da mãe.
Diante de tais circunstâncias, a arriscada permissibilidade do aborto nos casos de anencéfalos chegou ao Supremo Tribunal Federal, através da ADPF 54, sendo que no ano passado, em 2012, sobre a relatoria do ministro Marco Aurélio a nobre corte entendeu que não viola os art.´s 124, 125 e 126 do código penal, o aborto de anencéfalos, nesse sentido, vejamos a importante jurisprudência:
“ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
Decisão:
Após o voto do Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator), que julgava procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128,
incisos I e II, todos do Código Penal, no que foi acompanhado pelos Senhores Ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia, e o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, que julgava improcedente o pedido, o julgamento foi suspenso.
Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso e, pelo Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Plenário, 11.04.2012.
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os...” (Supremo Tribunal Federal, acesso em: 10 de jul. de 2013).
A decisão do Supremo Tribunal Federal, trouxe uma faculdade e não uma obrigação para a prática do aborto as mães que possuem em seu ventre um anencéfalo, assim, além de estar em consonância com a lei, o aborto, poderá ser feitos em clínicas especializadas ou mesmo no Sistema único de saúde, representando grande solução a uma problemática que a tempos atordoava milhares de pais.
3) DESCRIIMINILIZAÇÃO DO CRIME DE ABORTO E OUTRAS IMPLICÂNCIAS:
Nos últimos tempos, o crime de aborto vem sendo observado com certa parcimônia diante das transformações sociais vividas na sociedade brasileira.
Alguns clamores populares modernos, vêm advogando a tese de descriminalização do aborto. Tal desiderato se justifica, por diversos motivos, entre eles, a gravidez indesejável, precoce, pressões familiares, sociais, falta de apoio do parceiro, e por pensarem, segundo PEDROSO que o feto na verdade é apenas uma parte da mulher, um anexo ocasional, que pode ser perfeitamente retirado a mercê da vontade de sua genitora (2008, p. 276).
Noutro giro, existem aqueles que objetam tais pensamentos, alegando que a descriminalização do aborto, nunca poderia ser aplicável no Brasil. Tais pensamentos, tem como baluarte a proteção da vida, independente se intra ou extrauterina. Os prosélitos dessa doutrina defendem a proteção da vida por diversas razões, entre elas, as concepções religiosas e sociais, que contribuem para formação cívica dos seres humanos.
Ao contrário dos que adotam a descriminalização do aborto, para Fragoso, os defensores da vida, entendem que esta, apesar de estar arraigada no ventre de sua mãe, são perfeitamente distinguíveis conforme da lei da Biologia(2008, p. 275), e, portanto, tem seu próprio direito a nascerem, mesmo que contra a vontade de seus genitores.
Enfim, não é de hoje que esse impasse vem sendo travado, e não será agora que terminará. Todavia, analisando o tema sob a ótica constitucional, observa-se que apesar da proteção contra o aborto já estar previsto no código repressivo de 1940, a carta magna de 1988 estendeu seu manto protetor a vida em seu art. 5º, a tratando como um direito e garantia fundamental, que não poderá ser suprimido por nenhuma lei infraconstitucional ou projeto de emenda à constituição. Nesta senda, a nosso ver, o aborto, por ser uma forma de supressão a vida, enquanto vigente a atual Constituição federal, sempre será reprimido pelo Direito.
De outra monta, outra grande problemática que se insurge ao aborto, é que este pode ser caracterizado como um crime solitário, podendo ser praticado em qualquer ambiente. Isto vem contribuindo para o alarmante crescimento das chamadas clínicas abortivas clandestinas, que atuam sorrateiramente burlando a lei, no auxilio das gestantes para as praticas abortivas.
A grande questão atinente às referidas clinicas, além de sua ilicitude, é que na maioria das vezes, não contam com o asseio e aparelhagem necessáriospara elaboração das manobras abortivas, assim, tem crescido o número de mortes e de lesões corporais de gestantes que procuram tais clinicas.
Infelizmente o Estado, vem perdendo seu poder punitivo quanto ao crime de aborto, não por sua desídia, mais pela facilidade encontrada nos processos abortivos. Como esposado, o aborto é um crime solitário, o que inviabiliza sua descoberta e futuras investigações estatais, dificultando assim, o pertinente oferecimento da ação penal.
Crime de aborto versus estatuto do nascituro
Nesta quarta-feira (10/07) ocorreu nas ruas do centro de São Paulo uma manifestação contra o "Estatuto do Nascituro", projeto de lei 478/2007 que está em tramitação no Congresso Nacional. Já aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação e aguardando designação do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o Estatuto provocou a indignação de movimentos sociais ligados à defesa dos direitos humanos, como nos afirmou Dulce Xavier, socióloga e militante da ONG Entre Nós.
Segundo ela, o Projeto de Lei 478/2007 representa um gravíssimo retrocesso na legislação brasileira, visto que "a interrupção da gravidez no caso de estupro ou de risco à saúde da mulher é um direito garantido desde 1940". Além disso, Dulce considera que o Estatuto fere princípios fundamentais da Constituição brasileira, pois "solapa a laicidade do Estado, desconsidera a mulher como portadora de direitos sobre si mesma e atenta contra a liberdade de expressão, criminalizando as pessoas que defendem a legalização do aborto."
As reivindicações daqueles e daquelas que saíram às ruas exigindo mais autonomia de escolha sobre o próprio corpo não podem ser tratadas apenas em um pequeno artigo, pois seria leviano tentar abordar tantos anseios e concepções de liberdade em tão pouco espaço. Deixo isso para outras ocasiões. No entanto, com o exame do Estatuto do Nascituro é diferente: argumentos já presentes no senso comum dão conta de jogá-lo por terra, não pela natureza de suas questões, mas sim pela sordidez de suas respostas.
A verdadeira motivação desta crítica é que hoje no Brasil algumas leis que versam sobre nossos corpos estão sendo elaboradas por uma bancada de congressistas com a visão deturpada pela fé e a vontade de aparecer na mídia sensacionalista a qualquer custo. Se não nos mantivermos combativos e nos silenciarmos diante de tais absurdos, podemos pagar um preço muito alto.
O termo nascituro vem do latim e, de acordo com o dicionário Houaiss, significa "aquele que vai nascer". O PL 478/2007 classifica como nascituro qualquer óvulo humano fecundado por um espermatozóide, mesmo que o processo tenha sido realizado in vitro e não tenha sido inseminado. Diversas vezes, "bebê", "ser humano" e "embrião" são igualados ao nascituro, sem qualquer tipo de argumentação que sustente tal afirmação.
A proibição do aborto em caso de estupro e a "bolsa-estupro"
O Estatuto do Nascituro pretende a proibição do aborto em caso de estupro. Se o PL for aprovado, a mulher estuprada que viesse a engravidar seria submetida à tripla humilhação de (1) ter sido agredida sexualmente, (2) ser coagida pelo Estado a carregar no ventre as lembranças de ato tão nefasto, e (3) conviver com o agressor, que seria obrigado a pagar pensão à criança.
Nesse ponto, nos deparamos com uma questão complexa: muitos podem considerar o nascituro um ser humano que deve ter seus direitos garantidos. Outros podem afirmar que de humano ele nada tem. Mas a questão que realmente importa aqui é: a mulher é detentora de direitos, entre os quais escolher se o fruto de uma agressão sexual que está se desenvolvendo dentro dela deve ou não continuar a ser gerado. Por que um nascituro, uma entidade controversa no que diz respeito a seus direitos, possuiria prevalência de direitos em relação à mulher, cidadã já constituída e que pode escolher?
O surto de Zika ressuscitou o debate sobre uma amenização da lei anti-aborto, mas o caso de Eritânia enfatiza a divisão profunda entre os ativistas e as autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU), que clamam pela alteração, e os pobres brasileiros, que são os mais afetados pelo Zika mas tendem a ser contrários à interrupção da gestação.
Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/economia/mais-afetados-pelo-zika-pobres-resistem-mudancas-em-lei-sobre-aborto-18646620.html#ixzz43jV2PmcM

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