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2904 ELETROQUÍMICA INDUSTRIAL: UMA NOVA ABORDAGEM DE ENSINO Fernando B. Mainier, Universidade Federal Fluminense (UFF) RESUMO A eletroquímica é uma ciência com grande espectro e aplicações na maioria dos segmentos industriais. Essas aplicações contemplam sensores, controladores, sistemas de análise, corrosão e proteção anticorrosiva, tecnologias de superfície, geração de energia, obtenção eletrolítica de metais, materiais e substâncias químicas, reciclagem e tratamento de efluentes. O presente trabalho consiste na tentativa de associar e integrar duas ciências, a Eletroquímica Industrial e a Educação, no sentido de desenvolver uma nova abordagem técnico-científica que venha contemplar as idéias geradas e as experiências adquiridas no ensino e na pesquisa dos processos industriais eletroquímicos. Objetivou-se a criação de uma disciplina, a Eletroquímica Industrial, vetor de ensino, baseada na formação histórica dos princípios eletroquímicos, na amplitude e na aplicação dos diversos produtos da indústria eletroquímica e também nos experimentos laboratoriais. Além disso, o processo de construção do conhecimento na eletroquímica industrial converge na formação da consciência técnica crítica em eletroquímica, na elaboração de tecnologias limpas e consequentemente na preservação ambiental. Finalmente, conclui-se que a eletroquímica será a técnica do próximo milênio tanto na produção de metais, produtos inorgânicos e orgânicos quanto no tratamento de efluentes industriais. 1. HISTÓRICO Se fosse possível voltar ao passado, no final do século XVIII e início do século XIX, para entrevistar os precursores da eletroquímica, e, se possível, fotografar seus experimentos e seus laboratórios, provavelmente seria uma avaliação clarificada e in situ de como o conhecimento desta técnica se propagou. Os levantamentos históricos e as biografias dos homens de ciência daquela época revelam que foi um período bastante fértil, principalmente na Europa, para o desenvolvimento das ciências e das técnicas (Heilbron, 1979). Nomes de cientistas como Biot, Ampère, Fresnel, Oersted, Laplace, Lavosier, dentre outros, atestam e reforçam que eram intensas as pesquisas, abrangendo a Matemática, a Ótica (luz), a Eletricidade, o Magnetismo e os fundamentos da Química. No final do século XVIII, em 1786, Galvani (Roberts, 1995) realizou uma série de experiências e observações sobre as convulsões ocorridas nas pernas dissecadas de rãs, suspensas por um gancho de latão sobre um chapa de ferro e submetidas a uma descarga de uma máquina eletrostática. Concluiu, na ocasião, que o fenômeno observado era originário de uma nova forma de eletricidade, denominada de “eletricidade animal”. Em 1793, Volta (Roberts, 1995) rebate esta teoria e mostra que tal fato deixava de acontecer quando os dois ganchos metálicos, o de ferro e o de latão, eram retirados da perna da rã. Embora, ainda, acreditasse que os músculos e nervos da rã funcionassem como um eletroscópio de alta sensibilidade, capaz de detectar uma fraca corrente elétrica. A Eletroquímica, objeto deste estudo, é fruto destas interações científicas. Talvez tenha nascido no dia 20 de março de 1800, quando Alessandro Volta demostrou, na presença de Sir Joseph Banks, presidente da Royal Society, em Londres, que um empilhamento de discos de prata e de zinco, dispostos na forma de uma coluna e separados por cartões embebidos em água salgada, gerava espontaneamente eletricidade, sem necessidade de nenhuma máquina eletrostática (figura 1). 2905 Este fato histórico causou uma grande reviravolta científica na época, marcando o início do conhecimento das “pilhas”, que, hoje, já fazem parte da vida cotidiana do homem, seja na lanterna, no rádio portátil, no relógio de pulso ou num marca-passo, junto ao seu coração. Um depoimento bastante interessante, datado de dezembro de 1899, é do cientista Augusto Righi, que, ao discursar sobre a pilha de Volta, na abertura do Primeiro Congresso Nacional de Eletricidade da Itália, dizia: ... este fato não aconteceu por acaso, foi fruto de uma série de longas pesquisas, perspicácia, experimentos engenhosos e inteligentes, inspirados e baseados em sucessivas deduções lógicas. Graças à pilha, a eletricidade teve acesso, quase que exclusivamente devido ao objeto desta pesquisa, tornando-se uma fonte de energia potente, fecunda e universal. Através deste conhecimento a ciência oferece uma energia multiforme, capaz de ou destinada a produzir mutações profundas na civilização humana, podendo ser comparada ao poder que o homem obteve do fogo nas eras pré-históricas (CCS, 1997). Todos os depoimentos pesquisados na literatura vêm apenas corroborar a importância da descoberta feita por Alessandro Volta, pois, sem sua participação direta, como experimentador, a sociedade, provavelmente, não teria desfrutado o desenvolvimento científico e tecnológico que ocorreu e continua ocorrendo no mundo moderno. Se tal fato não acontecesse, talvez o desenvolvimento industrial da Eletroquímica tomasse outro rumo ou ficasse à espera de 10 anos ! 20 anos! ou 100 anos! O conhecimento da geração de corrente elétrica, através de um empilhamento de discos de zinco e de prata, separados por papelão embebido em água salgada, se espalhou no meio científico, criando condições, diretas e indiretas, para o desenvolvimento de outras linhas de pesquisa na área da Eletroquímica. Rapidamente, este conhecimento se disseminou na corrente científica, pois, logo dois meses depois, em maio de 1800, Nicholson e Carlisle já faziam a decomposição da água, em oxigênio e hidrogênio, por meio da corrente elétrica, utilizando a pilha de Volta. Ainda na vigência do século XIX, vale destacar as importantes contribuições que se sucederam com os trabalhos de pesquisa e com o desenvolvimento de técnicas eletroquímicas realizados por Humphry Davy (Goliski, 1992; Knight, 1993) e por Michael Faraday (Tynday, 1894; Williams, 1965). Os trabalhos laboratoriais realizados por Humphry Davy, através da utilização de possantes pilhas, possibilitou a descoberta e a obtenção de elementos como sódio, potássio, magnésio, bário, estrôncio, cálcio e cloro. Uma avaliação crítica das publicações originais de Davy mostram, principalmente através dos esquemas e dos desenhos dos equipamentos de laboratório, uma certa criatividade, engenhosidade e critérios na confecção dos experimentos, que em nada devem aos experimentos do nosso século. Em 1813, Michael Faraday aos 22 anos foi trabalhar como auxiliar no laboratório da Royal Society e, a partir de 1825, já exercia o cargo de Diretor da Royal Society, substituindo Hamphry Davy, que passou a Presidente. Sua contribuição à Eletroquímica foi fundamental, pois definiu quantitativamente as relações entre a massa de um elemento e a Fig. 1– Pilha desenvolvida por Alessandro Volta 2906 carga elétrica, passada através de um eletrólito, por meio de duas leis fundamentais, conhecidas como Leis de Faraday. No campo do magnetismo, fez duas importantes descobertas; uma foi determinar a existência do diamagnetismo e a outra, a identificação da influência do magnetismo no poder rotatório dos planos de luz, polarizada em função de certos tipos de vidros.Em 1832, Faraday publicava que, por meio de experimentos laboratoriais, tinha conseguido converter o magnetismo em eletricidade. O experimento consistia em passar uma corrente através de uma bobina de fios, que gerando um campo magnético, que induzia uma corrente elétrica numa segunda bobina. Logo a seguir, em 1834, Faraday publicou os estudos quantitativos, referentes à relação entre a quantidade de eletricidade que passa numa solução condutora e a quantidade de substância transformada em cada um dos condutores utilizados. Suas experiências consistiam em passar uma corrente elétrica por determinado tempo numa cuba eletrolítica. Observou neste experimento que havia produção de certa quantidadede substância, proporcional à quantidade de eletricidade passada. A partir destas observações, começaram-se a desenvolver conceitos para o estabelecimento das leis fundamentais que regem a Eletroquímica É importante assinalar que as leis desenvolvidas por Faraday sobre a eletroquímica precederam a descoberta dos elétrons (1897), e conseqüentemente, a teoria atomística de Bohr. Entretanto, ele, como cientista, “sentia” que havia um fluxo, ainda desconhecido, que migrava do anodo para o catodo, produzindo as reações na cuba eletrolítica. Outro fato que merece destaque são as familiares baterias de chumbo-ácido, utilizadas nos veículos automotores inventadas por Planté, em 1859. Este acumulador de energia consistia em duas placas de chumbo, como eletrodos, imersas em solução de ácido sulfúrico a 28%, em massa e densidade igual a 1,2. A grande vantagem destas células é a reversibilidade, ou seja, elas podiam ser regeneradas por meio da passagem de uma corrente elétrica exterior. Segundo Rieger (1994), somente em 1868 é que foi criada a primeira pilha seca, semelhante às pilhas atuais, denominada, na época, de pilha de Leclanché. Era constituída de um eletrodo de zinco e um de grafite, envolvidos por dióxido de manganês (MnO2) e colocados num meio poroso, juntamente com uma solução a 20% de cloreto de amônio (NH4Cl). O zinco constitui o pólo negativo e o grafite, o pólo positivo, fornecendo, assim, uma diferença de potencial de 1,3 a 1,5 volts. A atual teoria sobre o potencial de eletrodo equacionando todo o conhecimento anterior das relações da eletroquímica, foi formulada por Nernst, em 1889, ao supor que todo elemento é capaz de formar um eletrodo ativo, dissolvendo-se parcialmente, quando o mesmo é introduzido em uma solução eletrolítica ou em água pura. Isto significa que a energia livre do metal, no estado metálico é superior à energia livre do metal no estado iônico, na solução. Neste caso, existe a tendência termodinâmica da passagem de íons do metal para a solução. Esta transferência de íons faz com que a placa de metal adquira carga negativa, devido à permanência de elétrons nela, e a solução adquire carga positiva, devido aos novos íons na solução. Esta dupla camada existente na interface metal-solução, produz um campo elétrico perpendicular à interface, dificultando a passagem de mais íons positivos para a solução, fazendo com que a corrente elétrica seja reduzida rapidamente a zero, alcançando-se, assim, o estado de equilíbrio. Esta diferença de potencial foi denominada potencial de eletrodo. O valor deste potencial depende do material que constitui o eletrodo e das condições do eletrólito (concentração, temperatura , pressão). Com o passar dos anos, a Eletroquímica desenvolvida por Volta, desde 1800, tem se solidificado em teorias mais precisas, sendo atualmente classificada como um segmento da Físico-Química e, desta forma, penetra cada vez mais em outras ciências que fazem interfaces com a química, encontrando aplicações nos segmentos da Bioquímica, da 2907 Medicina e da Engenharia, conforme mostram os nichos tecnológicos apresentados a seguir. 2. NICHOS TECNOLÓGICOS O grande progresso da Eletroquímica, direcionada à tecnologia e denominada de Eletroquímica Industrial, tem proporcionado uma série de desenvolvimentos, atingindo vários segmentos e aplicações industriais, tais como baterias, novos tipos de pilhas, células de combustíveis, revestimentos metálicos, refino eletrolítico de novos metais, eletrossínteses de produtos orgânicos, sensores, monitores, controladores, analisadores, técnicas de proteção anticorrosivas, tecnologias de superfícies, geração de energia, etc. A Eletroquímica, como ciência, cria o conhecimento e a tecnologia aplicada, desenvolve e gera um produto que, na maioria das vezes, traz benefícios à sociedade, mas, por outro lado, estes meios de produção e o produto final descartado acabam criando impactos ambientais. Mas também, como ciência, tem o poder de criar o conhecimento na área da despoluição, por meio do desenvolvimento de processos eficientes de remoção de contaminantes em efluentes industriais. Desta forma, estas aplicações podem ser classificadas em diretas e indiretas. A aplicação direta pressupõe um processo que utiliza, especificamente, os princípios eletroquímicos, sejam espontâneos ou não-espontâneos. As aplicações indiretas referem-se aos processos que ocorrem sem uma imposição específica do potencial eletroquímico, embora existam áreas cinzentas difíceis de serem classificadas. Atualmente, a Eletroquímica Industrial não mais se restringe à obtenção eletrolítica do alumínio, do cobre ou do zinco, nem à fabricação do cloro e da soda cáustica e nem à produção de hidrogênio e de oxigênio, por meio da eletrólise da água; ela tem-se projetado na linha das tecnologias limpas (clean technology), atuando na síntese de novos produtos orgânicos, na reciclagem e no tratamento de efluentes industriais. Os processos e os produtos gerados através da tecnologia eletroquímica representam, atualmente, nos Estados Unidos, uma grande fatia do mercado americano, com cerca de 35 bilhões de dólares. A matriz eletroquímica (quadro 1) visa classificar e estabelecer os domínios de algumas das aplicações tecnológicas da atualidade em função dos seus mercados (quadros 2 e 3). Quadro 3.1 – Matriz de aplicação tecnológica da eletroquímica Domínio Tecnológico Aplicação Industrial Eletrossíntese Produtos inorgânicos e orgânicos ; Metais e ligas; Semicondutores; Polímeros condutores de ele- tricidade Armazenamento e conversão de energia Células de combustíveis; Baterias e células solares Sensores e monitoramentos eletro- químicos Eletrodos seletivos para identificação de íons ; Sensores biomédicos; Polarografia; Detecção eletroquímica; Medidores de pH, condutividade, oxirredução. Tratamento de metais e de mate- riais metálicos Eletrodeposição e deposição sem corrente elétrica Polimento eletrolítico e decapagem eletroquímica Pintura eletroforética; Anodização Proteção anticorrosiva Revestimentos metálicos; Proteção catódica Tratamento de efluentes e reutili- zação industrial Remoção de íons metálicos. produtos orgânicos e inorgânicos; Purificação de água e eletrodiálise; Geração in situ de substâncias oxidantes; Trata- mentos de gases industriais; Eletrofloculação 2908 Quadro 2 - Distribuição do mercado associado, às tecnologias eletroquímicas Processos/produtos Mercado (bilhões de dólares) Eletrossíntese de metais e produtos químicos 13,0 Semicondutores (processos e processamento) 1,0 Baterias e pilhas 4,0 Eletrodeposição de metais e ligas 10,0 Tecnologia e técnicas anticorrosivas 1,8 Sensores Aplicação na saúde e afins Aplicações no lar/automóvel Aplicações industriais 1,8 1,9 1,5 Membranas 0,5 Quadro 3 - Mercado de metais e de produtos químicos, obtidos a partir da eletrossíntese Metais e produtos químicos Mercado (bilhões de dólares) Alumínio 4,0 Cloro/soda cáustica 5,7 Cobre 2,2 Magnésio 0,3 Zinco 0,3 Outros 0,5 3. A DISCIPLINA ELETROQUÍMICA INDUSTRIAL NOS CURSOS UNIVERSITÁRIOS: UMA VISÃO CRÍTICA Tomando por base o início do século XIX até os dias de hoje, verifica-se que a Eletroquímica imprime uma atuação marcante nos diversos setores da sociedade, seja através da disseminação de pilhas e de baterias, seja na obtenção de metais, como o alumínio, ou, modernamente nos tratamentos de despejos industriais visando, a preservação do meio ambiente. O domínio tecnológico apresentado anteriormente no quadro 1, demonstra o grande poder de difusão que esta tecnologia tem deixado, através de suas marcas e raízes, nas diversas partes do mundo e até na conquista espacial. No entanto, como disciplina difusora de conhecimento, ainda é timidamente apresentada ou, então, é praticamente alijada e ignorada do processo de ensino- aprendizagem do curso fundamental ao universitário.Para se ter uma visão da importância e do relacionamento da eletroquímica no contexto do conhecimento, toma-se por base o cotidiano, buscando-se, sem necessidade de aprofundamentos e entrevistas, o comportamento e as observações de um personagem da sociedade, com status social definido, frente à eletroquímica, que, direta ou indiretamente, faz parte do seu dia-a-dia no trajeto casa-trabalho-casa. Ao acordar, ouve o som estridente do despertador ou da música do rádio, lembrando que ambos são alimentados por pilhas, mas, na sua inocência não é capaz de supor que a pilha descartável, também denominada de “pilha seca”, foi desenvolvida por Leclanché, em 1880. Além disto, não tem a dimensão de que, atualmente, a produção destas pilhas descartáveis é da ordem de 12 bilhões por ano. No café da manhã, o papel aluminizado, que envolve o biscoito, e a janela com esquadrias de alumínio refletem, neste século, a presença da Eletroquímica na grande produção deste metal. No entanto, esta realidade só ocorreu devido ao processo eletroquímico, que transformou o custo do alumínio de 1.500 dólares por quilo em 1846 para alguns centavos de dólares em 1999. Ao dar partida no automóvel, ele jamais se lembraria de Planté, o homem de ciência que desenvolveu, em 1859, as baterias de chumbo-ácido sulfúrico. A grandeza desta 2909 invenção só pode ser avaliada pela determinação do número de veículos que circulam neste planeta nestes quase 100 anos. No escritório, ao seu redor, ele vê o cromado da cadeira, o cadmiado da fechadura da porta e a bateria de níquel-cádmio do telefone celular, entretanto, desconhece completamente que o computador à sua frente possui inúmeras peças revestidas eletroliticamente, que lhe conferem propriedades de tecnologia de ponta. Ao chegar em casa, este personagem igual a tantos outros na sociedade, percebe ao refletir e ao questionar naquele momento, o seu desconhecimento da ação da Eletroquímica na série de inventos que lhe tem proporcionado bem-estar. Levando-o a pensar que sem a difusão do conhecimento da Eletroquímica na sociedade, torna-se difícil o entendimento destas ações. Por outro lado, o nascimento da consciência crítica começa a tomar forma na necessidade de avaliar criticamente como age a tecnologia eletroquímica, ao ser questionada sobre as vantagens e as desvantagens que esta técnica traz ao homem e ao meio ambiente. Nas incursões feitas no meio universitário, fundamentalmente nos centros tecnológicos, constatou-se que o cenário descrito para o homem comum não é muito diferente do encontrado nos alunos e em alguns professores, principalmente nos questionamentos dirigidos ao domínio tecnológico e ao meio ambiente. Observou-se o desconhecimento generalizado desde os fatos históricos mais importantes aos processos de fabricação e aos produtos oriundos destes processos. Com base nos pressupostos da razão do conhecimento científico e tecnológico, é inadmissível que seja permitido aos tecnólogos e aos gerentes de tecnologias o desconhecimento das técnicas e dos resíduos que tais processos possam causar ao sistema ambiental. Da mesma forma que a Eletroquímica Industrial pode ser usada para descontaminar certas contaminações ambientais, ela, como tecnologia, tem gerado e continua gerando resíduos ou produtos que, indiretamente, causam problemas ambientais, como é o caso das células de mercúrio para produção de soda-cloro, a produção de alumínio, a produção eletrolítica de zinco e de cádmio, entre outras. Por outro lado, o poderio da sociedade industrial, segundo Toffler (1992), avança vertiginosamente e impõe suas diretrizes nas transações comerciais e industriais, obrigando o desenvolvimento de processos que muitas vezes estão na contramão da sociedade. Os atuais técnicos ou engenheiros não podem mais estar à deriva da Revolução Tecnológica em curso; é cada vez mais importante que este profissional seja formado na visão crítica dos processos industriais e tenha criatividade, capacidade de trabalhar em grupo, multidisciplinaridade e um posicionamento crítico dos impactos que os processos causam no meio ambiente. Vale lembrar novamente Rubio (1989), ... o que sabemos deve ser suficiente para sermos capazes de viver uma vida comprometida com a nossa história atual. O que não sabemos nos mantém abertos ao futuro, ao desconhecido, evitando-se, assim, a instalação e a acomodação com o presente (p.13). É difícil fazer previsões, entretanto, é fundamental o estabelecimento da responsabilidade diante do futuro, principalmente sobre a questão dos contaminantes e da geração de resíduos, embora tal responsabilidade esteja intrinsecamente ligada à vigilância permanente das agências ambientais, às organizações não governamentais, às repercussões ambientais e à saúde pública, tornando obrigatório o conhecimento das rotas industriais e a imposição de padrões e parâmetros críticos, pois, segundo Doménech (1994): Os resíduos estão começando a ser protagonistas indesejáveis de nossa vida diária e pode-se assegurar que continuarão sendo nos próximos anos. É conseqüência do desenfreado consumo de produtos de todo tipo que vem ocorrendo ao longo dos anos. Entretanto, em função da máxima usar e tirar, que tem impregnado os costumes da sociedade ocidental, a responsabilidade da geração de grandes 2910 quantidades de resíduos, cuja presença no ambiente põe em perigo a vida no nosso planeta ( Doménech, 1994, p.9). 4. PROPOSTA DE IMPLANTAÇÃO DA DISCIPLINA ELETROQUÍMICA INDUSTRIAL NOS CURSOS DE ENGENHARIA QUÍMICA E DE QUÍMICA INDUSTRIAL Com base nos requisitos anteriores é feita, a seguir, uma proposta de implantação do ensino da disciplina Eletroquímica Industrial nos cursos de Engenharia Química e de Química Industrial constando das seguintes partes: 4.1 Objetivos A disciplina deve alcançar os seguintes objetivos: · demonstrar a importância do conhecimento da eletroquímica desde o século XVIII; · identificar, interpretar, caracterizar e analisar os princípios, as leis e os mecanismos envolvidos nos processos eletroquímicos industriais; · avaliar criticamente as vantagens e as desvantagens dos processos eletroquímicos e seus produtos gerados; · analisar a problemática ambiental, com base nos processos eletroquímicos; · ampliar a capacidade do aluno de observar, refletir, analisar e de desenvolver o sentido de pesquisa e questionamento, com base nos experimentos eletroquímicos. 4.2 Ementa A história da Eletroquímica. Revisão dos conceitos de: reações de oxirredução, potencial eletrodo, pilhas eletroquímicas, eletrólise. Corrosão eletroquímica e eletrolítica. Proteção catódica. Revestimentos eletroquímicos e eletrolíticos. Anodização. Eletroanálise. Eletrossíntese de metais, compostos inorgânicos e orgânicos. Processos eletrolíticos nos tratamentos de despejos industriais. 4.3 Programa Unidade Descrição I Uma visão da Eletroquímica na linha do tempo; domínios tecnológicos da Eletroquímica II Revisão dos conceitos de: reações de oxirredução; estados de oxidação; balanço de reações de oxirredução; equações iônicas de redução e de oxidação; potencial de eletrodo; tabela de potenciais; processos espontâneos e não espontâneos; pilhas eletroquímicas; tipos de pilhas (eletrodos metálicos diferentes, concentração, temperatura); equação de Nernst; pilhas de Leclanché; baterias de chumbo-ácido sulfúrico, níquel-cádmio e ferro-níquel; células de combustíveis; células solares; eletrólise; leis de Faraday. III Corrosão e proteção anticorrosiva; corrosão eletroquímica: mecanismos e tipos; corrosão galvânica, dezincificação, grafítica; corrosão eletrolítica: mecanismos. IV Proteção catódica galvânica e por corrente impressa V Eletrodeposição; revestimentos eletroquímicos; eletrodeposição de metais e ligas; deposição de metais sem auxílio de corrente elétrica; anodização; aplicação de tintas por eletroforese; avaliação de tintas à base de zinco.VI Processos eletrolíticos de produção de metais: alcalinos e alcalinos terrosos, cobre, zinco, cádmio, alumínio, prata e ouro; refino eletrolítico. VII Processos eletrolíticos de produção de produtos químicos: hidróxido de sódio, cloro, 2911 hidrogênio, oxigênio, flúor, peróxido de hidrogênio. VIII Eletroanálise; medidores de pH, oxirredução, condutividade, eletrodos seletivos para íons; polarografia; biossensores. IX Uma visão dos contaminantes no meio ambiente; tecnologias limpas e processos eletrolíticos; processos eletrolíticos de tratamentos de despejos industriais: cromato, cianeto, sulfeto; recuperação de hidrogênio e de cloro a partir de ácido clorídrico residual; geradores de cloro para tratamento de água do mar; eliminação de metais pesados (Cu, Ni, Cd, Pb); uso de proteção catódica em testes hidrostáticos com água do mar. 4.4 Experimentos Propostos Unidade Experimentos Eletroquímica funda- mental Condutividade elétrica de vários líquidos; fila de tensões eletroquímicas; pilha galvânica; pilha de concentração; pilha de Leclanché; determinação da constante de Faraday. Eletrossíntese de pro- dutos inorgânicos Obtenção de hidróxido de sódio, cloro e hidrogênio com célula de mercúrio e célula de diafragma. Eletrossíntese de pro- dutos orgânicos Obtenção de ácido diidroftálico a partir, da hidratação do ácido ftálico ; obtenção de ácido oxálico, a partir de dióxido de carbono Eletrossíntese de me- tais Produção de cobre, a partir da lixiviação ácida de concentrados oxidados de minério de cobre; refino eletrolítico de cobre a partir de cobre bruto (sucata); produção de zinco, a partir de minério de zinco. Bateria Acumulador de chumbo-ácido sulfúrico Monitoramento eletro- químico Determinação do teor de cobre em bronze; determinação da resistividade de solos. Tratamento de metais e ligas Anodização; eletrodeposição; deposição de metais sem auxílio da corrente elétrica, eletropolimento. Corrosão e proteção anticorrosiva Corrosão eletroquímica; construção de célula Cu/CuSO4 e medidas de potencial; proteção catódica com anodos galvânicos em água do mar ; proteção catódica com anodos inertes; formação de depósitos durante a proteção catódica de aço-carbono em água do mar Tratamento de efluen- tes industriais Remoção de cobre (Cu2+) em efluentes industriais; redução eletroquímica dos íons Cu2+ através de raspas de ferro (palha de aço) e alumínio; remoção eletrolítica dos íons Cu2+, Cd2+ e Pb2+ no efluente industrial; remoção de cromato em efluente; remoção de sulfetos em efluentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CCS – Centro di Cultura Scientifica “Alessandro Volta”, Villa Olmo, Itália, 1997. DOMÉNECH, X., Quimica ambiental - el impacto ambiental de los residuos. Madrid; Miraguano Ediciones, 1994, 254p. GOLINSKI, Jan, Science as public culture, Londres; Cambridge Univ. Press, Cap. 8, 1992 HEILBRON, John, Electricity in the 17th and 18th centuries, Berkeley-Los Angeles- London, 1979. KNIGHT, David Humphry Davy science and power, Londres; Dawson, 1993. RIEGER, P. H. Electrochemistry , New York: Chapman & Hall, 1994. ROBERTS, R.M., Descobertas acidentais em ciências, Campinas, SP; Papirus, 1995, 326p. RUBIO, Alfonso García, Unidade na pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs, São Paulo; Paulinas, 1989, 578p. TOFFLER, Alvin A terceira onda, Rio de Janeiro; Record, 18ª, 1992, 491p. TYNDAY, J. Faraday as a discoverer, London; Longsmans Geen Co, 1894. WILLIAMS, L. P. Michael Faraday, a biography. New York: Basic Books, 1965.
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