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Thomas Robert Malthus e a Escola Clássica

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HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO I
Aulas 12 e 13
3.	A ESCOLA CLÁSSICA
3.4 Thomas Robert Malthus
 
3.4.1 Introdução 
Thomas Robert Malthus, economista e clérigo inglês (1766-1834), um dos principais nomes da escola clássica. Filho de um culto proprietário de terras, amigo de Hume e Rousseau, formou-se em Cambridge e tornou-se pastor anglicano em 1797. No ano seguinte era publicada sua mais célebre obra, An Essay on the Principle of Population (Ensaio sobre o Princípio da População), na qual concluiu que a produção de alimentos crescia em progressão aritmética, enquanto a população tenderia a aumentar em progressão geométrica, o que acarretaria pobreza e fome generalizadas.
Para Malthus, quando a desproporção chegar a extremos, as pestes, epidemias e mesmo as guerras encarregam-se de reequilibrar (temporariamente) a situação. A única forma de evitar essas catástrofes seria negar toda e qualquer assistência às populações pobres e aconselhar-lhes a abstinência sexual, com o fim de diminuir a natalidade. Os assalariados deveriam ter consciência de que, “com o número de trabalhadores crescendo acima da proporção do aumento da oferta de trabalho no mercado, o preço do trabalho tendia a cair, ao mesmo tempo que o preço dos alimentos tenderia a elevar-se”.
A tese de Malthus foi contestada, entre outros, por Fourier e Marx, por ignorar a estrutura social da economia e as possibilidades criadas pela tecnologia agrícola. Entretanto, “reciclada” para o terreno da evolução e das populações de insetos e outras espécies animais, ela forneceu a chave decisiva para a teoria da seleção natural de Darwin e Wallace. David Ricardo e outros economistas clássicos incorporaram o “princípio da população” às suas teorias, supondo que a oferta da força de trabalho era inexaurível, sendo limitada apenas pelo “fundo de salários”. Paralelamente, Malthus aplicava suas próprias teorias ao estudo da renda no livro An Inquiry into the Natures and Progress of Rent, 1815 (Investigação sobre a Natureza e o Progresso da Renda). Sua concepção da renda diferencial da terra era semelhante à de Ricardo, através da aplicação da Lei dos Rendimentos Decrescentes, que admitia que o proprietário rural ocupava áreas menos férteis à medida que a população aumentava.
Nos escritos subseqüentes, as concepções do Ensaio sobre o Princípio da População foram o ponto de partida para análises mais abrangentes de questões econômicas e sociais, tratadas em livros, panfletos e artigos. Surgiram assim The Poor Law, 1817 (A Lei dos Pobres); Principles of Political Economy Considered with a View to their Pratical Application, 1820 (Princípios de Economia Política Considerados com Vista à sua Aplicação Prática); e Definitions of Political Economy, 1827 (Definições de Economia Política).
Uma das polêmicas mais célebres do período foi travada entre Ricardo e Malthus a respeito da chamada Lei de Say, segundo a qual a produção criava seu próprio consumo. Malthus argumentou que um aumento da poupança (vista como investimento) diminuiria o consumo e aumentaria a oferta de bens por meio do aumento do investimento. E tentou demonstrar que o nível de atividade numa economia de mercado dependia da demanda efetiva, uma idéia que mais tarde seria retomada por J. M. Keynes.
Teoria sobre a população
Malthus, tal como Smith, era um teórico. Sua contribuição à Escola Clássica foi considerável e os seus Principles of Political Economy (1820) continham o essencial da doutrina inglesa. Esta obra não teve durante muito tempo o sucesso merecido. Hoje, o estudo dos Princípios foi retomado e permitiu conhecer-se não somente o interesse que apresenta o pensamento econômico de Malthus, como também sua originalidade dentro da doutrina clássica.
É da revolução keynesiana que data a redescoberta desses Princípios. Mostra ela, sobretudo, que entre os clássicos somente Malthus não aceitou a lei das saídas de Say (Lei de Say). A esta lei que estabelecia o equilíbrio do ajustamento automático da oferta e da procura (a moeda só tinha função de troca, portanto a busca era pela mercadoria e não o entesouramento da moeda), dos produtos e dos rendimentos, dos fluxos reais e dos fluxo monetários, do emprego e da população. Malthus opõe a ela o princípio da “procura efetiva” (demanda efetiva), isto é, de uma procura feita por aqueles que têm a vontade e os meios de se comportarem como compradores de produtos e de serviços. Enquanto para Say, seguido pelos economistas clássicos, era o produtor que desencadeava a atividade econômica, conduzindo a oferta à procura e criando seus próprios mercados, para Malthus era, o contrário, o consumidor com sua vontade efetiva de comprar que suscitava a produção.
Keynes retomou e desenvolveu essa noção de procura efetiva e, ultrapassando Malthus, opôs os mecanismos dos equilíbrios parciais ao princípio do equilíbrio geral dos clássicos. Neste ponto, como em muitos outros, o pensamento de Malthus era mais exato do que o de Say, mas este último, ao acentuar a importância determinante da produção, estava em harmonia com as esperanças que nasciam com a Revolução Industrial. Malthus, ao contrário, ao mostrar logicamente que a poupança, diminuindo a procura efetiva, podia ser causa de desequilíbrio e de crises de superprodução, colocava assim em dúvida as virtudes dessa poupança, virtudes que pareciam incontestáveis para seus contemporâneos.
Os clássicos preferiram, portanto, Say a Malthus, o que foi de se lamentar para a orientação do pensamento econômico daquela época. Seria justo igualmente observar que o interesse dedicado aos Princípios de Malthus foi em grande parte eclipsado pelo sucesso que suscitara o “Ensaio sobre a População”. Esse interesse, aliás, continuou a se manifestar até os nossos dias. O Ensaio foi a origem e permanece o centro da reflexão demográfica moderna.
Na doutrina clássica do século XIX a teoria da população de Malthus ocupou lugar preponderante: se a suprimisse, com ela viria por terra a maior parte das demais teorias dessa doutrina.
As idéias sobre a população no Ensaio de Malthus
A teoria da população teve origens bem antigas. Mas propagou-se com Malthus sob uma forma científica. No seu Essay on the Principles of Population (Ensaio sobre o Princípio da População), de 1798, lançou as bases da teoria que desenvolveu e consolidou numa segunda edição de 1803.
O problema, cuja solução Malthus buscou, se apresentou pela tríplice consideração de um fato, de um remédio e de um livro:
O fato era o empobrecimento das massas em conseqüência da exploração dos trabalhadores, ocasionada, na Inglaterra, pelo advento da Revolução Industrial;
O remédio era a “Lei dos Pobres”, cuja aplicação levava o Estado inglês a prover as necessidades de considerável parte da população;
O livro era o escrito por Godwin, em 1793: Inquiry concerning Political Justice (Investigação concernente à Justiça Política), livro esse no qual o amigo do pai de Malthus sustentava resultarem a miséria e a pobreza da má organização da sociedade – principalmente no que se referia à propriedade privada. O remédio para o mal consistia, portanto, em introduzir no Estado modificações na ordem social e econômica. Contra essa tese do primeiro socialista moderno levantou-se Malthus, contrapondo àquela obra o seu “Essay” (Ensaio).
O essencial da teoria de Malthus se resumia no seguinte: havia uma falta de concordância entre o poder de reprodução da espécie humana e a capacidade de produção dos meios de subsistência. O excedente devia desaparecer: “Um homem que nasce em um mundo já ocupado não tem direito a reclamar parcela alguma de alimento. No grande banquete da Natureza não há lugar para ele. A natureza intima-o a sair e não tarda em executar essa intimação”.
Malthus deu à sua teoria uma forma científica. Considerou, em primeiro lugar, a diferença existente entre a taxa de crescimento da população e a dos meios de subsistência, estabelecendo-a de modo preciso.“Pode-se seguramente declarar – escreveu ele – que, se não for a população contida por freio algum, irá ela dobrando de 25 em 25 anos, ou crescerá em progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16, 32, 64 ...). Pode-se afirmar, dadas as atuais condições médias da terra, que os meios de subsistência, nas mais favoráveis circunstâncias, só poderiam aumentar, no máximo, em progressão aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6 ...)”.
A idéia de aumento dos meios de subsistência subordinava-se, nessas conclusões, à de rendimento decrescente, representando um esboço da teoria do rendimento não proporcional, preponderante na doutrina inglesa, retomada e ampliada por Ricardo e Stuart Mill.
A idéia de rendimento decrescente seria a seguinte: se, em dada terra, fossem duplicadas as quantidades de trabalho e de capital (despesas de cultura, adubo, etc.), obter-se-ia, talvez, de início uma colheita dobrada; mas, ao se repetir a operação, aos se duplicarem de nova as quantidades de capital e de trabalho, já não se conseguiria obter o duplo do rendimento.
A um aumento de trabalho e de capital da ordem de 1, 2, 4, 8 ... corresponderia um rendimento apenas de ordem 1, 2, 3, 4 ... O acréscimo de rendimento se tornaria cada vez menor e, em dado momento, a despeito do progressivo acréscimo de capital e de trabalho, seria nulo.
A taxa de crescimento da população era, pelo contrário, elevada. Malthus retomou uma idéia comum em sua época, e da qual já se encontrava o eco na “Riqueza das Nações”: “Nas colônias inglesas da América Setentrional – escrevia Smith – verificou-se que o número de habitantes dobrava entre 20 e 25 anos”.
Malthus afirmava, pois, aumentar a população numa progressão geométrica enquanto os meios de subsistência cresciam segundo uma progressão aritmética. O desenvolvimento processado de acordo com essas progressões conduziria inevitavelmente à catástrofe. Ora, continuava Malthus, se a catástrofe não se produziu ainda após o aparecimento do homem na face da terra, se a espécie humana não desapareceu à míngua de alimentos, devia-se ao fato de haver sido freada a sua propagação. Duas seriam as espécies de óbices opostos ao crescimento indefinido do homem: repressivos e preventivos.
Os repressivos eram os que, no passado, atuaram de modo natural e com o máximo vigor, ou seja, aqueles cujo efeito restritivo da população se fez sentir através do aumento da mortalidade. Seriam constituídos pelas epidemias e doenças resultantes de uma alimentação insuficiente, pelas guerras que entre si travavam os povos, tendo em mira a posse dos meios de subsistência e dos fatores de produção, principalmente o solo.
O obstáculo preventivo consistia na limitação voluntária da natalidade. Este era o meio cujo emprego deveria ser, segundo Malthus, doravante, aconselhado e generalizado. O homem seria, por natureza, imprevidente. Malthus, através das observações feitas em seu tempo e das colhidas na História, mostrava ser o número de filhos, na maioria das vezes, inversamente proporcional à fortuna dos pais. Para Malthus seria de se desejar que as famílias ricas contassem numerosos membros e se limitassem as pobres a pôr no mundo apenas os filhos que pudessem sustentar.
Esclarecendo bem o pensamento de Malthus sobre este ponto, que tem sido freqüentemente mal compreendido: “o homem só devia casar-se, constituindo família, quando dispusesse de meios para o seu sustento; do contrário, devia optar, voluntariamente, pelo celibato e pela castidade.
Malthus repelia decisivamente a intervenção do Estado, principalmente, sob a forma de auxílio material prestado ao homem inapto a ganhar o suficiente para a manutenção de uma família; julgava tal intervenção inútil e mesmo perniciosa para a sociedade.
A única ajuda eficaz por parte do Estado seria a dada no sentido de incrementar a disponibilidade dos meios de subsistência. Enquanto constante se mantivesse a quantidade dos gêneros de primeira necessidade, impossível seria dar mais a um sem reduzir a quota a ser distribuída a outro. Era justamente – dizia ele – o que fazia o Estado com a Lei dos Pobres. Liberal, combate, nesse campo, qualquer interferência que não fosse a do interesse privado do indivíduo em questão.
Como julgar tal teoria? Esse julgamento, se limitará ao plano estritamente econômico, deixando de lado as conseqüências sociais e políticas da teoria, implacavelmente injustas para as classes pobres e profundamente desumanas. Feita esta reserva, cumpre salientar, antes do mais, conter ela certa dose de verdade. Há, na idéia de desproporção do crescimento da população em relação aos meios de subsistência, uma noção, em princípio, assaz justa: a população obedece, na sua expansão, a uma lei fisiológica que permite supor a possibilidade de um crescimento indefinido. Mas, em contraposição, a observação indica que, na realidade, a lei de crescimento da espécie humana não é geral, nem contínua, nem geométrica.
Todavia, se bem não seja a teoria de Malthus falsa, em tese, ela o é em suas aplicações. Na prática verifica-se, atualmente, dar-se o crescimento dos meios de subsistência de modo mais rápido que o da população. 
A limitação voluntária do número de filhos, adotada por muitos povos civilizados modernos, não é, sem dúvida, estranha a esse resultado. A principal causa deste reside, entretanto, nos progressos da ciência agrícola que reduziu, numa larga escala, os efeitos da lei do rendimento decrescente. Os processos de cultura, as obras públicas, os adubos, a melhoria do rendimento em virtude da seleção de sementes e das espécies, a expansão dos meios de transporte, etc., constituem outras tantas causas a impedir o aparecimento de um rendimento decrescente.
Mas, o que haveria de errado na teoria malthusiana seria, precisamente, a sua idéia fundamental, a saber: acarretar o aumento da população, necessariamente, uma redução da riqueza “per capita”. Em outros termos, Malthus ligava sua teoria da população não somente à lei do rendimento não proporcional, mas também à lei do fundo de salário, segundo a qual existiria uma parte fixa da riqueza de cada nação destinada ao pagamento dos salários. Nessas condições, se o número dos assalariados aumentasse, a quota de cada um deles decresceria necessariamente. Essa lei, uma vez generalizada, levou certos autores – e entre eles Malthus – à crença de variarem, necessariamente, a curva da riqueza “per capita” e a do número de habitantes, em sentido inverso.
Era uma idéia fundamental falsa que de novo vai se encontrar difundida entre inúmeros economistas, sociólogos e filósofos do século XIX, como, por exemplo, em Sismondi e na maior parte dos socialistas. A observação dos fatos, à luz da estatística, indica que, pelo contrário, o aumento da população serve de estímulo à produção; fornece-lhe não só mão-de-obra, mas também consumidores.
Graças a uma população numerosa, a concentração da produção pode ser levada ao máximo, com redução do preço de custo: crescendo, assim, o consumo e, em conseqüência, também a produção. Daí aumentar a procura da mão-de-obra e, concomitantemente, elevarem-se a taxa de salários e a dos outros elementos da repartição. A riqueza “per capita” cresceria paralelamente com o enriquecimento geral da nação.
Esse foi um fenômeno que escapou a Malthus e cujo desconhecimento levou-o a cometer, em sua Teoria, um grande engano. Mas nem por isso menos considerável foi a influência por esta exercida. No terreno econômico e, principalmente, no quadro da Escola Clássica seria imensa e duradoura a influência por ela exercida. Passou a fazer parte integrante da ciência clássica, a cujas teorias principais imprimiu, daí por diante, o seu cunho: a) inspirou e serviu de justificativa à teoria do “fundo de salário”; b) serviu de axioma da renda fundiária, de Ricardo; e c) estaria subjacente em toda a obra de Stuart Mill.
É bem verdade que, ultrapassando os limites da Escola Clássica, serviu de base à concepção socialista de luta de classes e, transpondo as lindes das doutrinas econômicas, foi inspirarDarwin na elaboração de sua célebre teoria da luta pela vida e da seleção das espécies.
Em resumo, exerceu Malthus, através da sua Teoria da População, profunda influência sobre a orientação científica da Escola Clássica, que antes dele foi, com Smith, liberal e otimista, e se tornou – com ele e depois dele – pessimista, embora permanecesse liberal.
As conseqüências doutrinais do Ensaio foram muito importantes. Para os liberais da Escola Clássica inglesa, a lei de Malthus, nas suas grandes linhas e conseqüências sociais, foi aceita.
Entretanto, certas atenuações ao pessimismo antipopulacionista do Ensaio apareceram, de início, por parte do próprio Malthus, e, depois, na obra de Stuart Mill e nas dos neoclássicos.
A evolução de Malthus foi progressiva e se observou à medida que novas edições de seu “Ensaio” iam sendo publicadas:
1 – Relativamente cedo Malthus mostrou que a evolução da miséria, conseqüência da expansão demográfica, não era necessariamente contínua, mas poderia sofrer paradas, períodos de repouso, pelo fato de que quando os salários baixassem, os empreendedores poderiam aproveitar tais fases para empregar maior número de trabalhadores, o que poderia provocar – apesar da “lei dos rendimentos decrescentes” – o aumento das subsistências e a melhoria temporária do nível de vida. As variações dos salários em torno do mínimo vital seriam, nessas condições, cíclicas e apresentariam períodos favoráveis aos trabalhadores.
2 – A propósito da evolução do lucro, Malthus se opôs a Ricardo e mostrou – servindo-se da noção de “procura efetiva” – que a baixa do lucro não era tendencial, mas resultava do confronto entre a oferta e a procura efetiva. Admitindo altas provisórias do nível de vida, ele foi levado a admitir aumentos da procura efetiva. O lucro evoluiria, então, de modo cíclico e sua baixa seria retardada pelo aumento da população à medida que ela acarretasse um aumento da procura efetiva.
3 – Malthus distinguiu, finalmente, dois estados estacionários. Um “real”, do qual se sairia graças ao progresso técnico; era o caso de países economicamente atrasados. O outro, “virtual”, que a longo prazo era inelutável, mas cuja chegada poderia ser adiada. Adiamento possível pela extensão dos mercados graças ao livre-câmbio; pelo desenvolvimento do comércio interno; por processos que aumentassem a fertilidade das terras ou ainda por processos econômicos de utilização da mão-de-obra.
Na realidade, Malthus, no fim de sua vida, atenuou sensivelmente suas conclusões pessimistas: ele adquiriu confiança no progresso técnico que se afirmou com o desenvolvimento da Revolução Industrial. Ele adquiriu confiança, igualmente, na eficácia dos obstáculos preventivos dos quais ele próprio fora propagador e cujos efeitos sobre a natalidade já se faziam sentir na Europa.
Teoria da renda da terra
Como Smith, Malthus achava que a quantidade de trabalho contida num produto era a melhor medida do valor. Também aceitava a teoria do valor baseada no custo da produção. O preço natural era a soma dos salários, aluguéis e lucros, quando cada um destes custos permitia que seus benefícios recebessem a taxa de retorno “normal” sobre seu trabalho, sua terra e seu capital. Sua discussão da teoria do valor baseada no custo da produção diferia, porém, da de Smith, de duas maneiras muito importantes. Em primeiro lugar, diversamente de Smith, que via o trabalho como o único custo absolutamente necessário da produção, Malthus argumentava que os salários, os aluguéis, e os lucros eram, todos, igualmente necessários. Em segundo lugar, não achava que as forças de mercado da oferta e procura deslocariam obrigatoriamente o preço de mercado em direção ao preço natural.
Do ponto de vista da produção, pode-se abstrair, das instituições sociais específicas, por meio de que o excedente econômico é apropriado, quer dizer, as formas de relação de propriedade dominantes em determinada economia. Quando se faz isso, a produção é vista como uma conseqüência, no tempo, de tarefas voltadas para a transformação de recursos naturais em produtos úteis. Isto acontece em qualquer modo de produção. Foi partindo deste ponto de vista que Smith afirmou que o trabalho era o único custo de produção socialmente necessário e que, antes da apropriação privada da terra e do capital, o trabalho recebia tudo o que produzia.
Do ponto de vista da troca, exposto por Malthus, a propriedade era considerada “natural” e inevitável. A produção era vista como uma troca de insumos produtivos. Cada classe tinha um insumo diferente, mas igualmente necessário. Nos “Princípios”, assim como em seu “Ensaio”, Malthus gostava de referir-se a uma “loteria”, em que a alguns só cabia, por acaso, a propriedade de seu próprio trabalho, ao passo que a outros cabia a propriedade do capital e da terra. O princípio fundamental da propriedade era – segundo Malthus – o mesmo nos três casos (quer dizer, porque os trabalhadores não eram propriedade dos outros nem eram escravos, tinham a mesma posição sócio-econômica ou jurídica que os donos dos meios de produção). Dizia ele que “não se pode deduzir que o trabalhador ou lavrador que, na loteria da vida humana, não atenha tirado um prêmio da terra, seja alvo de qualquer injustiça, por ser obrigado a dar algo em troca de uso de algo que pertence a outro”.
Toda classe só possuía um tipo de mercadoria, e cada uma delas tinha que ser remunerada para dar permissão para o uso de sua mercadoria na produção. “Portanto, não é correto” – insistia Malthus – “identificar, como fez Adam Smith, os lucros do capital como uma dedução do produto do trabalho”. Além do mais, “referindo-se aos proprietários de terras, a linguagem de Adam Smith é, mais uma vez, censurável. Pinta-os, bastante hostilmente, como pessoas que gostam de colher o que não semearam”. Todos os três componentes do preço natural tinham a mesma base na propriedade:
Os donos da terra ... se comportam, no que diz respeito à sua propriedade, exatamente da mesma forma que os donos do trabalho e do capital, e alugam ou trocam o que têm pelo valor que quem está procurando o que eles têm está disposto a pagar.
A ... remuneração que ... forma o preço normal de qualquer mercadoria trocável pode ser considerada como resultante de três partes; a que paga os salários dos trabalhadores empregados em sua produção; a que paga os lucros do capital, inclusive os adiantamentos feitos aos trabalhadores, com os quais a produção foi facilitada; a que paga o arrendamento da terra ou a remuneração pela capacidade produtiva vinculada à terra possuída pelo proprietário; o preço de cada uma destas partes componentes é determinado exatamente pelas mesmas causas que determinam o preço como um todo.
Como a produção não poderia ocorrer sem recursos naturais, os produtos do trabalho passado e do trabalho presente, e como os donos de cada um destes fatores, simplesmente, tinham conseguido seu tipo de propriedade “na loteria da vida humana”, cada classe tinha o mesmo direito a uma remuneração que representasse sua contribuição para o processo de produção. Deste ponto de vista da troca, que mais tarde viria a dominar a economia neoclássica, a contribuição distintamente humana para a produção era ter propriedade – não uma atividade produtiva, mas uma relação legal. Além do mais, só possuir a própria força de trabalho não era, em princípio, diferente de possuir os meios de produção.
A justificativa de Malthus dos lucros como um retorno sobre uma contribuição produtiva dos capitalistas era simples. Os operários podiam produzir mais quando tinham instrumentos e máquinas do que quando não os tinham. Isto aumentava a produtividade e ocorria porque os capitalistas permitiam que seus instrumentos e suas máquinas fossem usados. Portanto, Smith estava errado, e os capitalistas, realmente, contribuíam para a produção. Malthus desconsiderou inteiramente o argumento de Smith de que os instrumentos e as máquinas eram, simplesmente, a representação, no presente, de trabalho passado.
Em suadefesa do aluguel dos proprietários de terras como algo que também constituía remuneração pela sua contribuição para a produção, Malthus preocupou-se em refutar a noção – bastante difundida, na época – de que o aluguel era o retorno de um monopólio ou uma forma de renda auferida sem se ter trabalhado. Já em 1815, ele tinha publicado um panfleto intitulado An Inquiry into the Nature and Causes of Rent, and the Principles by Which It Is Regulated. Neste panfleto, Malthus elaborou uma teoria da renda muito parecida com uma teoria que estava sendo, ao mesmo tempo, elaborada por David Ricardo (e outros), e que depois passou a ser associada basicamente a Ricardo.
Malthus igualava a renda de um monopólio à renda de restrições artificialmente criadas pela oferta. Insistia que “a renda é o resultado natural de uma qualidade inteiramente inestimável do solo que Deus concedeu ao Homem – a qualidade de poder manter mais pessoas do que as que são necessárias para nele trabalhar”. Mas nem todos os solos ofereciam a mesma dádiva. “Tinha que haver uma diversidade de solos e de situações em todos os países...”. “Nem toda terra – argumentava ele – podia ser a mais fértil”. A renda existia por causa das diferenças de fertilidade do solo.
Quando a população de um país era pequena, sua necessidade de alimentos podia ser satisfeita pelo cultivo apenas das terras mais férteis. Mas, com a acumulação de capital e o crescimento da população, seria preciso cultivar terras cada vez menos férteis. Com terras inferiores, o lucro e os custos dos salários para a produção de determinada quantidade de produtos agrícolas aumentariam. Portanto, para tornar lucrativa a agricultura nas terras inferiores, os preços agrícolas teriam que subir o suficiente para cobrir estes custos mais elevados. Mas o custos de produção de uma dada quantidade de produtos agrícolas na terra mais fértil continuariam mais baixos. Seguia-se que o aumento dos preços dos produtos agrícolas daria um maior excedente de preço sobre os custos de produção para os produtos cultivados em terra mais fértil. Esse excedente, criado pelas diferenças de fertilidade da terra, é que era a base da renda. Assim, a renda não era o retorno de uma limitação artificial da oferta; era devida às diferenças das dádivas da natureza ao Homem. Mais uma vez, Malthus questionava os direitos de propriedade, mas achava bastante correto considerar um dom da natureza as contribuições pessoais que os proprietários de terra davam à produção.
Além da renda baseada em diferenças de fertilidade natural do solo, Malthus argumentava que algumas diferenças de fertilidade eram devidas às melhorias do solo feitas pelo proprietário. A renda também tinha um valor social especial – o que não acontecia com os lucros. A maior produção de alimentos permitia que uma população maior subsistisse, criando, assim, sua própria procura, pois estas outras pessoas teriam que comer. A maior produção industrial não criava qualquer procura adicional. Segundo sua teoria da superprodução ou das depressões, esta procura criada era um benefício social importante da agricultura.
Discutindo as causas econômicas das rendas elevadas, Malthus concluiu que os lucros elevados, a prosperidade econômica e o crescimento populacional eram, de modo geral, as forças que levavam à maior produção agrícola. Esta teoria, obrigatoriamente, que exigir o cultivo de terras cada vez menos férteis, aumentando, com isso, a rendas. Portanto, as rendas elevadas eram tanto uma conseqüência, quanto o melhor indicador de prosperidade econômica e social geral.
As rendas são a recompensa da bravura e da sabedoria presentes, bem como da força e da capacidade passadas. Todo dia se compram terras com o fruto da capacidade de realização e do talento. Elas permitem o grande prêmio, o otium cum dignitate, a qualquer tipo de esforço louvável, e, no progresso da sociedade, existem ótimas razões para se acreditar que, à medida que as terras vão ficando mais valiosas com o aumento do capital e da população e com o aperfeiçoamento da agricultura, os benefícios por elas oferecidos poderão ser divididos por um número muito maior de pessoas.
Qualquer que seja, então, o ponto de vista adotado, a qualidade da terra que, pelas leis naturais, tem que gerar renda parece uma bênção de grande importância para a felicidade da humanidade.
Teoria da superprodução
A segunda observação de Malthus sobre a teoria dos preços de Smith foi sua insistência em que as forças da oferta e da procura do mercado não fazem, automaticamente, com que o preço de mercado se iguale ao preço natural. “O valor de uma mercadoria no lugar em que é estimado” – escreveu Malthus – “é o preço de mercado e não seu preço natural”. Quando os preços de mercado diferiam dos preços naturais, aqueles eram “determinados pelas relações extraordinárias ou acidentais da oferta e da procura”. Foi em sua análise desta relações extraordinárias e acidentais da oferta e da procura que Malthus deu sua contribuição mais importante e duradoura à teoria econômica – sua teoria da superprodução ou das depressões.
Embora o ponto de vista da produção tenha permitido a Smith e Ricardo chegarem a uma compreensão muito mais sofisticada da natureza da mais-valia do que a de Malthus, talvez o ponto de vista da troca, de Malthus, tenha sido uma fator que o levou a investigar de modo mais completo e sofisticado o processo de circulação da moeda e das mercadorias. Malthus sabia que, para que o valor natural de todas as mercadorias produzidas fosse realizado através da troca monetária, teria que haver uma procura monetária “efetiva” total destas mercadorias, igual, em valor, ao valor natural das mercadorias. Como os custos que compunham o valor natural de todas as mercadorias também representavam as rendas das três classes da sociedade, seguia-se que, em qualquer período, os custos totais que formavam o valor natural agregado de todas as mercadorias produzidas teriam que ser iguais à renda agregada recebida pelas três classes, no mesmo período. Portanto, a condição necessária para a procura efetiva ser igual ao valor de todas as mercadorias produzidas era que as três classes em conjunto estivessem dispostas a gastar, e pudessem gastar toda a sua renda coletiva nas mercadorias produzidas em cada período.
Existiam duas maneira pelas quais se poderia gastar a renda. A primeira era comprar mercadorias para consumo. A segunda era comprar mercadorias que seriam acumuladas como capital. Os economistas clássicos (e quase todos os economistas, até hoje) definiam poupança como a renda que sobra após a dedução dos gastos para o consumo. Seguia-se, então, que, para toda a renda ser gasta, os gastos com mercadorias a serem acumuladas como capital teriam que ser iguais à renda poupada. (Os economistas modernos definem como investimento a compra de mercadorias produzidas no período, com o fito de acumulação de capital. Por isso, a condição necessária para a oferta agregada ser igual à procura agregada é que o investimento seja igual à poupança).
Adam Smith tinha conhecimento desta condição necessária para a circulação regular e contínua da moeda e das mercadorias, mas supunha que ninguém pouparia, a não ser que quisesse guardar para o futuro. Com esta poupança, uma pessoa acumularia capital que lhe renderia a poupança inicial mais um lucro ou a o emprestaria a um capitalistas em troca de uma parcela de seus lucros, paga como juros. Em ambos os casos, a pessoa receberia mais, no futuro, do que se tivesse deixado o dinheiro parado. Smith concluiu, então, o seguinte:
Tudo o que uma pessoa poupa de sua renda soma ao seu capital, empregando-o por conta própria, contratando mais operários produtivos ou permitindo que outra pessoa o faça, emprestando-lhe dinheiro a juros, quer dizer, em troca de uma participação em seus lucros ...
O que é poupado, por ano, é tão consumido quanto o que é gasto por ano e, também, quase que ao mesmo tempo, mas é consumido por outras pessoas.
Por isso, Smith e quase todos os outroseconomistas clássicos argumentavam que o capitalismo nunca passaria pela dificuldade de uma procura agregada insuficiente de todas as mercadorias produzidas e destinadas à venda. O sistema capitalista realmente teve e continua tendo estes problemas.
Desde o início, sempre que as forças de oferta e procura do mercado são as responsáveis pela determinação da produção das mercadorias e da alocação de recursos, isto resulta em crises econômicas que se repetem ou em depressões. Nas depressões, os empresários têm sempre problema de achar compradores para suas mercadorias, a capacidade de produção fica ociosa, o desemprego é muito pior do que o habitual e o aumento da pobreza e do sofrimento social é resultado inevitável.
Na Inglaterra, em fins de 1818, houve uma queda acentuada dos preços dos produtos agrícolas, acompanhada de uma depressão geral em 1819. A depressão provocara muito desemprego, o ressurgimento da militância trabalhista e a inquietação social generalizada. Em agosto daquele ano, milhares de trabalhadores faziam passeatas nas ruas de Manchester. O Governo inglês pediu o auxílio das Forças Armadas e os manifestantes foram brutalmente reprimidos. Dez manifestantes foram mortos e centenas deles ficaram gravemente feridos, que veio a ficar conhecido como o Massacre de Peterloo. Isto aconteceu apenas um ano antes da publicação da primeira edição dos Princípios, de Malthus. Ele tinha aguda consciência de que as depressões não só podiam acontecer, como, de fato, aconteciam, numa economia capitalista; também estava bastante ciente do perigo revolucionário potencial dessas sublevações dos trabalhadores. Seu objetivo mais importante, ao escrever os Princípios, foi promover o entendimento destas crises ou superproduções e propor políticas para minorá-las. É claro que estas políticas eram sempre coerentes com sua crença de que “o interesse de nenhuma outra classe, no Estado, estava tão íntima e necessariamente ligado à sua riqueza, prosperidade e poder do que o interesse do proprietário de terras”.
Para Malthus, parecia óbvio que a causa de uma superprodução geral de mercadorias era a insuficiência periódica da procura efetiva. Para entender a fonte e o remédio desta falta de procura, ele analisou o padrão de gastos de cada uma das três classes. Os trabalhadores gastavam toda a sua renda em sua subsistência. Os capitalistas eram levados pela paixão de acumular capital e não tinham tempo ou inclinação para gastar grande parte de seus lucros em consumo ou em serviços pessoais. Concluiu ele que
este consumo não é compatível com os hábitos reais dos capitalistas em geral. O grande objetivo de sua vida é fazer fortuna, tanto porque é seu dever guardar um pouco para a família, como porque eles não podem gastar um renda com tanto conforto para si próprios, porque são obrigados a ficar no trabalho sete ou oito horas por dia.
Os proprietários de terras, porém, eram cavalheiros do ócio. Como tinham a garantia de uma renda contínua de suas terras, gastavam toda ela em ambientes confortáveis, com criados, e promovendo a arte, as universidades e outras instituições culturais. Gastavam sempre toda sua renda em bens de consumo ou em “serviços pessoais” e, neste processo, promoviam “todas as manifestações mais nobres do gênio humano, todas as emoções mais finas e delicadas da alma”.
Cada uma das três classes procurava gastar toda a sua renda, mas os capitalistas procuravam gastar todos os seus lucros na compra de novo capital. Malthus achava que o problema era que, com o progresso do capitalismo, havia uma tendência para os capitalistas receberem muita renda. Eles não podiam investir em capital, com lucro, todo o dinheiro que poupavam. “Quase todos os mercadores e industriais poupam nas épocas de prosperidade – escreveu Malthus – muito mais depressa do que seria possível aumentar o capital nacional para acompanhar o valor do produto”.
A pergunta importante a que Malthus tinha que responder era: por que os capitalistas não podiam – conforme sugeria Smith – empregar sempre mais operários e auferir mais lucros, à medida que fossem aumentando seu capital no ritmo que pudessem? Malthus deu duas repostas a esta pergunta. Ou o novo capital incorporaria a mesma tecnologia que o antigo ou incorporaria inovações técnicas que tornariam os operários mais produtivos. Em ambos os casos, ele achava que surgiriam problemas.
Numa época de prosperidade, se os lucros fossem investidos em novo capital que incorporasse a mesma tecnologia que o capital antigo, qualquer quantidade de capital novo empregaria o mesmo número de operários que a mesma quantidade de capital antigo. Isto exigiria – para haver um número suficiente de operários – que a mão-de-obra aumentasse no mesmo ritmo que o capital. O problema era que, com o advento da prosperidade, o capital começaria a crescer imediatamente. Malthus, porém, insistia em que era “óbvio ... que, pela própria natureza da população e pelo tempo necessário para trabalhadores adultos entrarem no mercado, um súbito aumento de capital e de produto não poderia conseguir uma oferta proporcional de trabalho em menos de dezesseis ou dezoito anos”. Por isso, quanto este novo capital ultrapassava a oferta de trabalho, duas coisas podiam acontecer. Primeira: algum capital não encontraria trabalho para empregar e, por isso, ficaria ocioso. Segunda: haveria uma escassez temporário de trabalho. “Se o mercado fosse relativamente carente de trabalho” – escreveu Malthus – “os proprietário de terras e os capitalistas seriam obrigados a dar maior quantidade do produto a cada operário”. Nesse caso, “os salários ... continuariam sempre aumentando ... enquanto o capital continuasse aumentando”. Em ambos os casos, os capitalistas prefeririam guardar sua renda sob a forma de moeda improdutiva a continuar reduzindo os lucros sobre o capital já empregado com a acumulação de mais capital. Assim, os capitalistas deixariam de gastar toda a sua renda e haveria uma insuficiência de procura efetiva.
Estes desequilíbrios da circulação da moeda e das mercadorias, sem dúvida alguma, ocorrem, e Malthus deu um importante contribuição para se entender a economia, ao analisar seus efeitos. A análise, porém, parece contradizer sua teoria da população, embora seja verdade que, se a taxa de acumulação de capital “aumentasse subitamente”, a quantidade de trabalhadores adultos não poderia aumentar de repente. O que não está claro – diante de sua teoria da população – é por que sempre deveria haver um aumento repentino de capital que exigisse um súbito aumento da população? Independentemente da taxa de lucro e da conseqüente taxa de acumulação, uma vez que elas era historicamente estabelecidas, seria de se esperar que a taxa de crescimento da população se ajustasse à taxa de acumulação. Assim, se o capital fosse acumulado a um taxa anual de 10%, o crescimento de 10% da população, em um ano, ofereceria os trabalhadores necessários para os 10% de crescimento de capital que ocorreria em 16 anos. Analogamente, se aquela taxa se mantivesse durante um certo tempo, o aumento da população ocorrido há 16 anos teria sido suficiente para satisfazer a procura atual de trabalho. A dificuldade, desse modo, não estaria na teoria da superprodução de Malthus, mas em usa teoria da população.
O segundo tipo de acumulação possível envolvia mudanças tecnológicas que aumentassem a produtividade do trabalho. Este novo capital poupador de mão-de-obra atuaria como substituto do trabalho. Poder-se-ia obter a mesma quantidade de produtos com mais capital e menos trabalho. Mas o deslocamento dos operários diminuiria a procura. Portanto,
se a substituição de trabalho por capital fixo fosse feita muito mais depressa do que o tempo necessário para se encontrar um mercado suficiente para a oferta mais abundante, propiciada por este capital fixo, e para os novos produtos dos trabalhadores que tivessem perdido o emprego, haveria, em toda parte, uma queda da procura de trabalho e aflições para as classes operárias da sociedade.
Então,em ambos os casos, a causa final da superprodução devia-se aos lucros excessivos, que levavam a uma taxa insustentável de acumulação de capital. A única resposta para este problema, na opinião de Malthus, era adotar políticas que alterassem a distribuição da renda, deixando os capitalistas com menos lucros e alguma outra classe com mais renda para ser gasta em consumo. A relação entre a teoria da superprodução de Malthus e a controvérsia que cercava as leis dos cereais torna-se, agora, evidente. Segundo as próprias palavras de Malthus, “não se deveria continuar produzindo com lucro além do que seria consumido. Neste caso, não há dúvida de que os proprietários de terras têm uma posição de destaque”.
Os proprietários de terras não consumiriam todo o excesso de produção. Malthus achava que eles contratariam muitos criados e outros trabalhadores improdutivos ou prestadores de “serviços pessoais”, que gastariam suas rendas comprando as mercadorias produzidas no setor industrial. Assim, a solução apontada por Malthus implicava a criação de um exército de trabalhadores improdutivos como criados dos proprietários de terras. Eles consumiriam a riqueza material sem produzi-la e, com isso, eliminariam o problema da insuficiência da procura agregada.
A única maneira de garantir uma procura efetiva suficiente era, então, através de algum mecanismo de redistribuição, como as leis dos cereais, que permitisse aos proprietários de terras receberem mais renda e, com isso – por meio de seus próprios gastos e dos gastos de seus criados – contribuírem mais para a procura agregada, sem contribuir para aumentar mais ainda a produção. Uma vez mais o bem-estar econômico de toda a sociedade dependia da promoção dos interesses dos proprietários de terras. Para dar uma base mais sólida ainda ao seu argumento – depois de ter mostrado que os proprietários de terras eram econômica e culturalmente indispensáveis para a Inglaterra – Malthus argumentou que seu poder político no Parlamento também favorecia toda a sociedade:
É uma verdade histórica, que não pode ser discutida em ocasião alguma, que a origem e a subseqüente preservação e aperfeiçoamento de nossa atual constituição, bem como das liberdades e privilégios de que vêm há tanto tempo gozando os ingleses, devem-se, principalmente, a uma aristocracia da terra.
Resta uma última pergunta: “como é que Malthus combatia uma redistribuição que aumentasse os salários a fim de aumentar a procura agregada? Lendo seu Ensaio sobre o Princípio da População, se poderia supor que ele teria argumentado que isto não traria benefício social algum, pois os aumentos da quantidade de trabalhadores, simplesmente, fariam com que eles voltassem ao nível de subsistência. Mas, como se viu, em sua teoria de superprodução, Malthus abandonou sua teoria da população, pelo menos a curto prazo. Ou, novamente, com base no Ensaio, se poderia supor que ele argumentasse que o aumento dos salários “faria com que todos se julgassem relativamente ricos”, levando, com isso, a “uma grande e imediata limitação à indústria produtiva”. Embora os Princípios tivessem alguns indícios deste último argumento, o ataque principal de Malthus ao aumento dos salários estava no seguinte trecho:
É, na verdade, importantíssimo observar que nenhum poder aquisitivo das classes trabalhadoras pode ... por si só estimular o emprego de capital. Ninguém empregará capital meramente para atender à procura dos que trabalham para ele. A menos que os trabalhadores produzam um excedente em relação ao que consomem ... é óbvio que seu capital não seria empregado em sua manutenção ... Aumentando muito o custo de produção, um grande aumento de consumo das classes operárias diminuirá, sem dúvida alguma, os lucros e enfraquecerá ou destruirá o motivo de acumulação.
Este trecho é interessante porque ilustra uma questão abordada num polígrafo anterior deste: quando um pensador importante e poderoso comete um erro aparentemente óbvio de lógica, isto quase sempre é um exemplo de até que ponto sua orientação social ou sua lealdade de classe – e não a lógica pura – determina suas conclusões. Como as categorias de renda de classe eram idênticas para os três componentes do custo de produção, qualquer medida política, como, por exemplo, as leis dos cereais, que resultasse num aumento da renda da terra ou dos salários, teria o efeito de diminuir os lucros. As objeções que Malthus supunha – corretamente – que os capitalistas fariam a qualquer reforma que reduzisse os lucros, aumentando os salários, eram idênticas às objeções que eles teriam contra as reformas que reduzissem os lucros, aumentando a renda da terra.
David Ricardo, o principal porta-voz intelectual da classe capitalista daquela época, entendeu imediata e claramente o erro da conclusão de Malthus. Escreveu o seguinte:
Um grupo de trabalhadores improdutivos é tão necessário e útil para a produção futura quanto um incêndio que destrua, nos depósitos do fabricante, as mercadorias que teriam sido, de outra forma, consumidas por aqueles trabalhadores improdutivos ... Que vantagem teria eu se outro homem que nada me dá em troca consumisse minhas mercadorias? Como é que este consumo me permite auferir lucros? ... Os capitalistas, para poderem continuar com seus hábitos de poupança, diz o Sr. Malthus, “têm que consumir mais ou produzir menos” ... As mercadorias consumidas por trabalhadores improdutivos lhes são dadas, e não vendidas em troca de algo ... Retirar 100 peças de roupa de uma fábrica e com elas vestir soldados e marinheiros aumentará os lucros do fabricante? Estimulá-lo a produzir? Sim, da mesma forma que um incêndio ... Se a doutrina do Sr. Malthus fosse verdadeira, o que seria mais aconselhável do que aumentar o exército e duplicar os ordenados dos funcionários públicos?
Quem estava certo no debate entre Malthus e Ricardo? Ambos estavam, em parte, certos, mas ambos se esqueceram da verdade parcial do argumento do outro. O capitalismo realmente tende a provocar desequilíbrios na circulação da moeda e das mercadorias. Estes desequilíbrios manifestam-se, quase sempre, como crises em que a procura agregada é insuficiente para comprar todas as mercadorias que foram produzidas. Nesta situação, é do interesse dos capitalistas – considerados coletivamente como classe – achar alguma fonte de aumento da procura. Todavia, cada capitalista, considerado individualmente, percebe que seus próprios custos de produção não afetam diretamente, de modo significativo, a procura do seu produto. Mas seus custos afetam significativamente seus lucros. Portanto, ele tem uma forte motivação para manter seus custos de produção o mais baixo possível. Mas os custos de produção dos capitalistas, considerados coletivamente, geram as rendas que são usadas para comprar seus produtos. Portanto, seria ideal que cada capitalista, considerado individualmente, mantivesse seus custos o mais baixo possível, enquanto os outros capitalistas estivessem pagando salários e rendas da terra elevados, gerando, assim, uma grande procura dos produtos daquele capitalista.
Existe, em suma, uma contradição entre as necessidade de qualquer capitalista, considerado individualmente, e as necessidades de todos os capitalistas, considerados coletivamente. Malthus e Ricardo tinham consciência clara de um dos lados desse dilema, mas cada um deles procurou resolver o problema ignorando ou negando o outro lado.

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