Prévia do material em texto
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
1
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA.
Os historiadores da filosofia dizem que ela possui
data e local de nascimento: final do século VII e
inicio do século VI antes de Cristo, nas colônias
gregas da Ásia Menor (particularmente as que for-
mavam uma região denominada Jônia), na cidade
de Mileto. E o primeiro filosofo foi Tales de Mileto.
Além de possuir data e local de nascimento e de
possuir seu primeiro autor, a filosofia também pos-
sui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmo-
logia. A palavra cosmologia é composta de duas
outras, cosmos que significa mundo ordenado e
organizado; e logia que vem da palavra logos, que
significa pensamento racional, discurso racional,
conhecimento.
Assim, a filosofia nasce como conhecimento racio-
nal da ordem do mundo ou da Natureza, donde
cosmologia.
Muitos séculos mais tarde, o nascimento da filosofia
seria explicado de forma diversa pelos padres da
Igreja. Eles queriam mostrar que os ensinamentos
de Jesus eram elevados e perfeitos, não eram su-
perstição nem primitivos e incultos, e por isso mos-
travam que os filósofos gregos estavam filiados a
correntes de pensamento místico e oriental.
No entanto, nem todos aceitaram a tese chamada
“orientalista”. E muitos, sobretudo no século XIX da
nossa era, passaram a falar na filosofia como sendo
o “milagre grego”.
Com a palavra “milagre” queriam dizer várias coi-
sas: que a filosofia surgiu inesperada e espantosa-
mente na Grécia, sem que nada anterior a prepa-
rasse; que a filosofia grega foi um acontecimento
espontâneo, único e sem par, como é próprio de um
milagre; que os gregos foram um povo excepcional,
sem nenhum outro semelhante a eles, nem antes
nem depois deles, e por isso somente eles poderi-
am ter sido capazes de criar a filosofia, como foram
os únicos a criar as ciências de dar ás artes uma
elevação que nenhum outro povo conseguiu, nem
antes nem depois deles.
O que perguntavam os primeiros filósofos?
Por que os seres nascem e morrem? Por que os
semelhantes dão origem aos semelhantes, de uma
árvore nasce outra arvore, de um cão nasce outro
cão, de uma mulher nasce uma criança? Por que os
diferentes também parecem fazer surgir os diferen-
tes: o dia parece fazer nascer à noite, o inverno
parece fazer surgir à primavera, um objeto escuro
clareia com o passar do tempo, um objeto claro
escurece com o passar do tempo?
Por que tudo muda? A criança se torna adulta,
amadurece, envelhece e desaparece.
A paisagem, cheia de flores na primavera, vai per-
dendo o verde e as cores no outono, até ressecar-
se e retorcer-se no inverno. Por que a doença inva-
de os corpos, rouba-lhes a cor, a força? Por que o
alimento que antes me agradava, agora, que estou
doente, me causa repugnância? Por que o som da
musica que antes me embalava, agora que estou
doente, parece um ruído insuportável?
OS SOFISTAS.
Os sofistas foram reputados como grandes mestres,
eram procurados por jovens bem-nascidos, dispos-
tos a pagar muito dinheiro para aprender o que os
filósofos tinham a lhes ensinar. O jovem buscava
junto ao sofista a areté, qualidade indispensável
para se tornar um cidadão bem-sucedido.
No regime democrático que vigorava em Atenas, o
exercício da função política dependia do bom uso
da palavra. E os sofistas foram mestres na arte de
bem falar.
Os sofistas negam a existência da verdade, ou pelo
menos a possibilidade de acesso a ela. Para os
sofistas, o que existe são opiniões: boas e más,
melhores e piores, mas jamais falsas e verdadeiras.
Na formulação clássica de Protágoras, “o homem é
a medida de todas as coisas”.
Sócrates desenvolveu um método de pesquisa,
chamado dialética, que procedia por questões e
respostas.
Sócrates é, para Platão, o único verdadeiro educa-
dor, capaz de levar à areté.
Platão estabelece oposições entre Sócrates e os
sofistas:
a) sofista cobra pra ensinar, Sócrates não;
b) sofista “sabe tudo”. Sócrates diz nada saber;
c) sofista faz retórica, Sócrates faz dialética;
d) O sofista refuta para ganhar a disputa verbal,
Sócrates refuta para purificar a alma de sua igno-
rância.
Resumo: Os sofistas.
O período clássico da história da Grécia Antiga,
séculos Va. C. ao IV a.C. Foi nesse período, que
viveram: os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles.
Esse período é caracterizado pelo auge da cultura
grega, o desenvolvimento da pólis grega, pela con-
solidação da democracia grega e pelo fato da Ate-
nas ter se tornado o principal centro político, eco-
nômico, artístico e filosófico, do mundo helênico.
Esse período é marcado pelo início da fase antropo-
lógica, ou seja, uma reflexão filosófica voltada às
questões humanas, seus precursores foram os so-
fistas.
Entre os sofistas, destacam-se: Protágoras, Híppias,
Górgias, Isócrates, etc.
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
2
Os sofistas foram sábios que atuavam como profes-
sores de filosofia. Ensinavam, a um preço estipula-
do, a arte da política, garantindo o sucesso dos
jovens na vida política. Eles ensinavam a arte da
retórica.
Os escritos dos sofistas se perderam no tempo, os
conhecemos a partir de comentários de Platão, que
nos deixa uma visão estereotipada e negativa dos
sofistas, denominados de charlatães, pois conven-
cem os ignorantes de um saber que, na verdade
não possuem. Mas é importante notar que esta é a
visão de Platão sobre os sofistas, a qual por muito
tempo predominou entre os filósofos, mas que, na
atualidade, tem sido questionada por outros filóso-
fos.
Para Platão, os sofistas não eram filósofos. Apesar
disso, eles deixaram importantes contribuições à
filosofia. Foram os primeiros a fazer uma distinção
entre a physis (ordem natural) e o nomos (ordem
humana).
Afirmavam não haver uma verdade absoluta, diziam
que o que existia eram opiniões. Protágoras, ao
afirmar que “o homem é a medida de todas as coi-
sas”, pretendia dizer com isso que cada homem
seria a medida de sua própria verdade.
Eram considerados como portadores de polimatia,
ou seja, se posicionavam sobre qualquer assunto.
Organizaram um currículo: gramática, retórica, dia-
lética, aritmética, geometria, astronomia e música.
Tudo com o objetivo de tornar o conhecimento
acessível e didático para os seus alunos. Em suma,
nos dias atuais, vem mudando a maneira como a
história da filosofia compreende os sofistas. Antes,
execrados. Hoje, valorizados.
QUESTÕES SOBRE SÓCRATES E OS SOFISTAS
A) QUEM FOI SÓCRATES? QUAL SUA OPINIÃO
SOBRE OS SOFISTAS? QUAIS SUAS IDÉIAS
FUNDAMENTAIS?
É relativamente pouco o que sabemos sobre Sócra-
tes, o homem. Nascido em 470 a.C., foi executado
em 399 a.C., quando Atenas perdeu a Guerra do
Peloponeso contra Esparta.
Sócrates ensinou que o sistema filosófico é o valor
do conhecimento humano. Antes de Sócrates ques-
tionava-se a natureza, depois de Sócrates, questio-
na-se o homem. O valor do conhecimento humano
(Humanismo).
“CONHEÇA-TE A TI MESMO”, frase escrita no por-
tal do templo de Apolo; cuja frase era a recomenda-
ção básica feita por Sócrates a seus discípulos.
Sócrates percebeu que a sabedoria começa pelo
reconhecimento da própria ignorância: “SÓ SEI
QUE NADA SEI”; é, para Sócrates, o princípio da
sabedoria.
O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se ao dos
Sofistas, embora não vendesse seus ensinamentos.
Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar
as contradições afirmadas, os novos problemas que
surgiam a cada resposta. Seu objetivo inicial era
demolir, nos discípulos, o orgulho, a ignorância e a
presunção do saber.
Usava dois métodos: IRONIA e MAIÊUTICA.
MAIÊUTICA: Dava alternativas,perguntas e respos-
tas, ajudava a buscar a verdade. O nome Maiêutica
foi uma homenagem a sua mãe que era parteira.
Ele dava luz às idéias.
IRONIA: A ironia socrática tinha um caráter purifica-
dor na medida em que levava os discípulos a con-
fessarem suas próprias contradições e ignorâncias,
onde antes só julgavam possuir certezas e clarivi-
dências, perguntas e respostas, destruía o falso
saber. Os discípulos, libertos do orgulho e da pre-
tensão de que tudo sabiam, podiam iniciar o cami-
nho da reconstrução das próprias idéias. Com isso,
Sócrates acreditava num só Deus (Monoteísmo); a
época era de Politeísmo. Por vários motivos ele foi
perseguido. Foi condenado à morte em 399 a.c. por
não aceitar mudar suas idéias (tomou Cicuta, um
tipo de bebida que o carrasco deu-lhe para beber).
Para Sócrates o homem deveria conhecer a si
mesmo, chegar à virtude através do conhecer a si
mesmo. È a sabedoria que nos dá a virtude.
Ao trabalhar com Os Sofistas, Sócrates observa
e questiona:
a) Os Sofistas buscam o sucesso e ensinam as
pessoas como conseguí-lo; Sócrates busca a ver-
dade e incita seus discípulos a descobri-la.
b) Os Sofistas é necessário fazer carreiras, Sócra-
tes quer chegar à verdade, desapegando dos praze-
res e dos bens materiais.
c) Os Sofistas gabam-se de saberem tudo e fazer
tudo; Sócrates tem a convicção de que ninguém
pode ser mestre dos outros.
d) Para os Sofistas, aprender é coisa passiva e fací-
lima, afirmam isso e tudo por um preço módico.
Sócrates defendia que a opinião é individual, mas a
sabedoria é universal. A questão da felicidade e
honestidade está na prática do agir. As riquezas não
interessam aos homens.
A doutrina socrática identifica o sábio e o homem
virtuoso. Derivam daí diversas conseqüências para
a educação, como: o conhecimento tem por fim
tornar possível a vida moral; o processo para adqui-
rir o saber é o diálogo; nenhum conhecimento pode
ser dogmaticamente, mas como condição para de-
senvolver a capacidade de pensar; toda a educação
é essencialmente ativa, e por ser auto-educação
leva ao conhecimento de si mesmo; a análise radi-
cal do conteúdo das discussões, retirado do cotidia-
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
3
no, leva ao questionamento do modo de vida de
cada um e, em última instância, da própria cidade.
B) QUEM FORAM OS SOFISTAS?
Etimologicamente, o termo sofista significa sábio,
entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sen-
tido de impostor, devido, sobretudo, às críticas de
Platão.
Os sofistas eram professores viajantes que, por
determinado preço, vendiam ensinamentos práticos
de filosofia. Levando em consideração os interesses
dos alunos, davam aulas de eloqüência e sagacida-
de mental, ou seja, tinham fácil oratória e eram as-
tuciosos. Ensinavam conhecimentos úteis para o
sucesso dos negócios públicos e privados.
As lições sofísticas tinham como objetivo o desen-
volvimento do poder de argumentação, da habilida-
de de discursos primorosos, porém, vazios de con-
teúdo. Eles transmitiam todo um jogo de palavras,
raciocínios e concepções que seria utilizado na arte
de convencer as pessoas, driblando as teses dos
adversários.
O momento histórico vivido pela civilização grega
favoreceu o desenvolvimento desse tipo de ativida-
de praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas
políticas e intenso conflito de opiniões nas assem-
bléias democráticas. Por isso, os cidadãos mais
ambiciosos sentiam a necessidade de aprender a
arte de argumentar em público para, manipulando
as assembléias, fazerem prevalecer seus interesses
individuais e de classe.
Entre os sofistas, destacamos Protágoras e Gór-
gias, que pareciam mais preocupados com a distin-
ção entre natureza e convenção, de uma forma
geral. Por essa razão, tinham como um de seus
principais objetivos depreciar o estudo da natureza
e, desta maneira, toda a linha filosófica existente até
essa época.
Protágoras alegou que o homem é a medida de
todas as coisas, tanto das coisas que são o que são
como das coisas que não são, o que não são. Isto
significa que tudo é como parece ao homem – não
apenas aos homens em geral, mas a cada indivíduo
em particular. Esta tese, leva a um relativismo total,
sem possibilidade alguma de verdade absoluta.
Górgias foi ainda, mais radicalmente oposto à natu-
reza e a seu estudo. Escreveu um livro no qual for-
mulou uma tripla alegação: 1) nada há; 2) mesmo
que houvesse alguma coisa, não poderíamos co-
nhecê-la; e 3) mesmo que pudéssemos conhecê-la
não poderíamos comunicá-la aos demais. Podería-
mos descrever isto como um argumento mediante
“retirada estratégica”:
caso a posição mais radical não seja julgada con-
vincente, volta-se para outra, menos radical. Mas
até mesmo esta última elimina a possibilidade de
estudo da natureza.
Górgias ensinava retórica, enquanto que Pródico,
especializava-se em linguagem e gramática em
geral, ao passo que Hípias ensinava o treinamento
da memória. Todas estas aquisições eram úteis em
uma sociedade que tanto dependia da capacidade
de influenciar a opinião pública na assembléia.
De qualquer modo, na opinião de Sócrates, eles
fracassaram em ensinar excelência moral ou virtu-
de. A alegação deles de ensinar arete (excelência)
não apenas, na opinião de Sócrates, induzia em
erro, mas corrompia também, porque sugeria que
podiam produzir excelência moral, ao passo que
nada faziam neste particular.
DIFERENÇAS ENTRE SÓCRATES E OS SOFIS-
TAS:
- O sofista é um professor ambulante. Sócrates é
alguém ligado aos destinos de sua cidade;
- O sofista cobra para ensinar. Sócrates vive sua
vida e essa confunde-se com a vida filosófica: “
Filosofar não é profissão, é atividade do homem
livre”
- O sofista “sabe tudo” e transmite um saber pronto,
sem crítica (que Platão identifica com uma mercado-
ria, que o sofista exibe e vende). Sócrates diz nada
saber e, colocando-se no nível de seu interlocutor,
dirige uma aventura dialética em busca da verdade,
que está no interior de cada um.
- O sofista faz retórica (discurso de forma primorosa,
porém vazio de conteúdo). Sócrates faz dialética
(bons argumentos). Na retórica o ouvinte é levado
por uma enxurrada de palavras que, se adequada-
mente compostas, persuadem sem transmitir co-
nhecimento algum.
Na dialética, que opera por perguntas e respostas, a
pesquisa procede passo a passo e não é possível ir
adiante sem deixar esclarecido o que ficou para
trás.
- O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa
verbal. Sócrates refuta para purificar a alma de sua
ignorância.
AS PRINCIPAIS FASES DA FILOSOFIA
OS PRÉ-SOCRÁTICOS
Podemos afirmar que foi a primeira corrente de
pensamento, surgida na Grécia Antiga por volta do
século VI a.C. Os filósofos que viveram antes de
Sócrates se preocupavam muito com o Universo e
com os fenômenos da natureza.
Buscavam explicar tudo através da razão e do co-
nhecimento científico. Podemos citar, neste contex-
to, os físicos Tales de Mileto, Anaximandro e Herá-
clito. Pitágoras desenvolve seu pensamento defen-
dendo a idéia de que tudo preexiste à alma, já que
esta é imortal. Demócrito e Leucipo defendem a
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
4
formação de todas as coisas, a partir da existência
dos átomos.
PERÍODO CLÁSSICO
Os séculos V e IV a.C. na Grécia Antiga foram de
grande desenvolvimento cultural e científico. O es-
plendor de cidades como Atenas, e seu sistema
político democrático, proporcionou o terreno propí-
cio para o desenvolvimento do pensamento. É a
época dos sofistas e do grande pensador Sócrates.
Os sofistas, entre eles Górgias, Leontinose Abdera,
defendiam uma educação, cujo objetivo máximo
seria a formação de um cidadão pleno, preparado
para atuar politicamente para o crescimento da ci-
dade. Dentro desta proposta pedagógica, os jovens
deveriam ser preparados para falar bem (retórica),
pensar e manifestar suas qualidades artísticas.
Sócrates começa a pensar e refletir sobre o homem,
buscando entender o funcionamento do Universo
dentro de uma concepção científica. Para ele, a
verdade está ligada ao bem moral do ser humano.
Ele não deixou textos ou outros documentos, desta
forma, só podemos conhecer as idéias de Sócrates
através dos relatos deixados por Platão.
Platão foi discípulo de Sócrates e defendia que as
idéias formavam o foco do conhecimento intelectual.
Os pensadores teriam a função de entender o mun-
do da realidade, separando-o das aparências.
Outro grande sábio desta época foi Aristóteles que
desenvolveu os estudos de Platão e Sócrates. Foi
Aristóteles quem desenvolveu a lógica dedutiva
clássica, como forma de chegar ao conhecimento
científico. A sistematização e os métodos devem ser
desenvolvidos para se chegar ao conhecimento
pretendido, partindo sempre dos conceitos gerais
para os específicos.
PERÍODO PÓS-SOCRÁTICO
Está época vai do final do período clássico (320
a.C.) até o começo da Era Cristã, dentro de um
contexto histórico que representa o final da hege-
monia política e militar da Grécia.
Ceticismo: de acordo com os pensadores céticos, a
dúvida deve estar sempre presente, pois o ser hu-
mano não consegue conhecer nada de forma exata
e segura.
Epicurismo: os epicuristas, seguidores do pensador
Epicuro, defendiam que o bem era originário da
prática da virtude. O corpo e a alma não deveriam
sofrer para, desta forma, chegar-se ao prazer.
Estoicismo: os sábios estóicos como, por exemplo,
Marcos Aurélio e Sêneca, defendiam a razão a
qualquer preço. Os fenômenos exteriores a vida
deviam ser deixados de lado, como à emoção, o
prazer e o sofrimento.
FILOSOFIA MEDIEVAL
A Idade Média inicia-se com a desorganização da
vida política, econômica e social do Ocidente, agora
transformado num mosaico de reinos bárbaros.
Depois vieram as guerras, a fome e as grandes
epidemias. O cristianismo propaga-se por diversos
povos.
A diminuição da atividade cultural transforma o ho-
mem comum num ser dominado por crenças e su-
perstições.
O período medieval não foi, porém, a "Idade das
Trevas", como se acreditava. A filosofia clássica
sobrevive, confinada nos mosteiros religiosos.
Sob a influência da Igreja, as especulações se con-
centram em questões filosófico-teológicas, tentando
conciliar a fé e a razão. E são nesse esforço que
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino trazem à
luz reflexões fundamentais para a história do pen-
samento cristão.
FILOSOFIA MODERNA
Pode a razão conhecer Deus? Atravessando tortuo-
sos caminhos, o pensamento medieval não foi con-
clusivo. A escolástica chegou ao seu limite. A desa-
gregação da cristandade com a reforma protestante
e o renascimento cultural trouxe novas questões. A
burguesia entra em cena e caracteriza a mentalida-
de moderna.
De modo geral, associam-se ao renascimento mu-
danças de ênfase nos seguintes valores: antropo-
centrismo, racionalismo e individualismo.
René Descartes é considerado um dos pais da filo-
sofia moderna. Aplicando a dúvida metódica, che-
gou a celebre conclusão: "Penso, logo existo".
Seu método da dúvida crítica abalou profundamente
o edifício do conhecimento filosófico de sua época.
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
O conhecimento amplia-se e faz surgir um novo
objeto de estudo, o próprio homem. Cada época
abrange uma corrente de pensamento, juntamente
com seus respectivos conceitos e pensadores. En-
tre os filósofos idealistas estão Descartes, Kant e
Hegel.
Já na tradição racionalista pós-cartesiana temos
Pascal, Spinoza, Guilherme de Occam e Leibniz. No
palco inicial do empirismo moderno os principais
representantes são: Francis bacon, Locke, Berkeley
e Hume. Dentro da filosofia política destacam-se os
seguintes filósofos: Aristóteles, Thomas Hobbes,
Jean-Jacques Rousseau, Engels, Maquiavel, Voltai-
re, Fichte, dentre outros.
Já no positivismo temos Augusto Comte. O repre-
sentante da crítica ao positivismo é Bérgson. Dentro
da filosofia das Ciências ou Epistemologia temos
como representante Bachelard. A concepção de
materialismo tem como representante Karl Marx.
Nas primeiras décadas do século XX, o mundo es-
tava em crise. A filosofia também. Diversos pensa-
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
5
dores passam a questionar o sentido da vida huma-
na. Surge, assim, a tendência existencialista.
SEUS PRINCIPAIS INSPIRADORES:
Kierkegaard, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Camus
e Sartre. O inconsciente representa papel funda-
mental na filosofia de Schopenhauer. Sob esse as-
pecto antecipou-se alguns dos conceitos mais im-
portantes da psicanálise fundada por Sigmund
Freud.
No pensamento pós-moderno temos influências
marcantes, tais como: Michel Foucault, Gilles De-
leuze, Habermas, Richard Rorty, Adorno, Marcuse,
dentre outros.
FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA:
Relatório sobre os filósofos pré-socráticos, ou seja,
que antecederam Sócrates, filósofo que aperfeiçoou
a arte de filosofar.
Segue adiante a história dos filósofos pré-
socráticos, citando nomes dos principais filósofos,
data de nascimento, falecimento, e teorias.
PERÍODO PRÉ-SOCRÁTICO (SÉC. VII-V A.C.)
Período Naturalista pré-socrático, em que o interes-
se filosófico é voltado para o mundo da natureza.
O primeiro período do pensamento grego toma a
denominação substancial de período naturalista,
porque a nascente especulação dos filósofos é ins-
tintivamente voltada para o mundo exterior, julgan-
do-se encontrar aí também o princípio unitário de
todas as coisas; e toma, outrossim, a denominação
cronológica de período pré-socrático, porque prece-
de Sócrates e os sofistas, que marcam uma mudan-
ça e um desenvolvimento e, por conseguinte, o co-
meço de um novo período na história do pensamen-
to grego. Esse primeiro período tem início no alvor
do VI século a.C., e termina dois séculos depois,
mais ou menos, nos fins do século V.
Surge e floresce fora da Grécia propriamente dita,
nas prósperas colônias gregas da Ásia Menor, do
Egeu (Jônia) e da Itália meridional, da Sicília, favo-
recido sem dúvida na sua obra crítica e especulativa
pelas liberdades democráticas e pelo bem-estar
econômico.
Os filósofos deste período preocuparam-se quase
exclusivamente com os problemas cosmológicos.
Estudar o mundo exterior nos elementos que o
constituem, na sua origem e nas contínuas mudan-
ças a que está sujeito, é a grande questão que dá a
este período seu caráter de unidade.
Pelo modo de a encarar e resolver, classificam-se
os filósofos que nele floresceram em quatro escolas:
Escola Jônica; Escola Itálica; Escola Eleática; Esco-
la Atomística.
OS FILÓSOFOS
TALES DE MILETO (624-548 A.C.) "ÁGUA"
Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o
fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo
grego. Tales não deixou nada escrito, mas sabemos
que ele ensinava ser a água a substância única de
todas as coisas. A terra era concebida como um
disco boiando sobre a água, no oceano.
Cultivou também as matemáticas e a astronomia,
predizendo, pela primeira vez, entre os gregos, os
eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia,
fez estudos sobre solstícios a fim de elaborar um
calendário, e examinou o movimento dos astros
para orientar a navegação.
Provavelmente nada escreveu. Por isso, do seu
pensamento só restam interpretações formuladas
por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia
básica: a de que tudose origina da água. Segundo
Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá
origem à terra; ao se aquecer transforma-se em
vapor e ar, que retornam como chuva quando no-
vamente esfriados.
Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio,
mar, terra) nascem as diversas formas de vida, ve-
getal e animal. A cosmologia de Tales pode ser
resumida nas seguintes proposições: A terra flutua
sobre a água; A água é a causa material de todas
as coisas. Todas as coisas estão cheias de deuses.
O imã possui vida, pois atrai o ferro.
ANAXIMANDRO DE MILETO (611-547 A.C.)
"ÁPEIRON"
Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, as-
trônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e
autor de um tratado Da Natureza, põe como princí-
pio universal uma substância indefinida, o ápeiron
(ilimitado), isto é, quantitativamente infinita e qualita-
tivamente indeterminada.
Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e
imortalidade, por um processo de separação ou
"segregação" derivam os diferentes corpos. Supõe
também a geração espontânea dos seres vivos e a
transformação dos peixes em homens. Anaximan-
dro imagina a terra como um disco suspenso no ar.
Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e
disto resulta uma série de pares opostos - água e
fogo, frio e calor, etc. - que constituem o mundo.
O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa
diretamente em nenhum elemento palpável da natu-
reza. Com essa concepção, Anaximandro prosse-
gue na mesma via de Tales, porém dando um passo
a mais na direção da independência do "princípio"
em relação às coisas particulares. Para ele, o prin-
cípio da "physis" (natureza) é o ápeiron (ilimitado).
Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa
do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso
do gnômon (relógio de sol) e a medição das distân-
cias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude
(é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a
visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
6
de uma lei universal presidindo o processo cósmico
total.
Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de
um terremoto. Anaximandro julga que o elemento
primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e
em movimento perpétuo.
Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) "Ar“
Segundo Anaxímenes, a arkhé (comando) que co-
manda o mundo é o ar, um elemento não tão abs-
trato como o ápeiron, nem palpável demais como a
água. Tudo provém do ar, através de seus movi-
mentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar
rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada
vez mais condensadas do ar. As diversas coisas
que existem, mesmo apresentando qualidades dife-
rentes entre si, reduzem-se a variações quantitati-
vas (mais raro, mais denso) desse único elemento.
Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade
com o elemento primitivo gerador dos seres, os
antigos jônios professavam o hilozoísmo e o pante-
ísmo naturalista. Dedicou-se especialmente à mete-
orologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe
sua luz do Sol. Anaxímenes julga que o elemento
primordial das coisas é o ar.
HERÁCLITO DE ÉFESO
Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de
família que ainda conservava prerrogativas reais
(descendentes do fundador da cidade). Seu caráter
altivo, misantrópico e melancólico ficou proverbial
em toda a Antigüidade. Desprezava a plebe. Recu-
sou-se sempre a intervir na política.
Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra
os filósofos de seu tempo e até contra a religião.
Sem ter sido mestre, Heráclito escreveu um livro
Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas
de forma tão concisa que recebeu o cognome de
Skoteinós, o Obscuro.
Floresceu em 504-500 a.C. - Heráclito é por muitos
considerados o mais eminente pensador pré-
socrático, por formular com vigor o problema da
unidade permanente do ser diante da pluralidade e
mutabilidade das coisas particulares e transitórias.
Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa
(o Lógos), regedora de todos os acontecimentos
particulares e fundamento da harmonia universal,
harmonia feita de tensões, "como a do arco e da
lira".
Suas filosofias eram:
A. Dialética exterior, um raciocinar de cá para lá e
não a alma da coisa dissolvendo-se a si mesma;
B. Dialética imanente do objeto, situando-se, porém,
na contemplação do sujeito;
C. Objetividade de Heráclito, isto é, compreender a
própria dialética como princípio.
PITÁGORAS DE SAMOS
Pitágoras, o fundador da escola pitagórica, nasceu
em Samos pelos anos 571-70 a.C. Em 532-31 foi
para a Itália, na Magna Grécia, e fundou em Croto-
na, colônia grega, uma associação científico-ético-
política, que foi o centro de irradiação da escola e
encontrou partidários entre os gregos da Itália meri-
dional e da Sicília.
Pitágoras aspirava - e também conseguiu - a fazer
com que a educação ética da escola se ampliasse e
se tornasse reforma política; isto, porém, levantou
oposições contra ele e foi constrangido a deixar
Crotona, mudando-se para Metaponto, aí morrendo
provavelmente em 497-96 a.C.
Segundo o pitagorismo, a essência, o princípio es-
sencial de que são compostas todas as coisas, é o
número, ou seja, as relações matemáticas. Os pita-
góricos, não distinguindo ainda bem forma, lei e
matéria, substância das coisas, consideraram o
número como sendo a união de um e outro elemen-
to.
Da racional concepção de que tudo é regulado se-
gundo relações numéricas, passa-se à visão fantás-
tica de que o número seja a essência das coisas.
A doutrina e a vida de Pitágoras, desde os tempos
da antiguidade, jaz envolta num véu de mistério.
A força mística do grande filósofo e reformador reli-
gioso, há 2.600 anos vem, poderosamente, influindo
no pensamento Ocidental. Dentre as religiões de
mistérios, de caráter iniciático, a doutrina pitagórica
foi a que mais se difundiu na antiguidade.
Não consideramos apenas lenda o que se escreveu
sobre essa vida maravilhosa, porque há, nessas
descrições, sem dúvida, muito de histórico do que é
fruto da imaginação e da cooperação ficcional dos
que se dedicaram a descrever a vida do famoso
filósofo de Samos.
O fato de negar-se, peremptoriamente, a historici-
dade de Pitágoras (como alguns o fazem), por não
se ter às mãos documentação bastante, não impede
que seja o pitagorismo uma realidade empolgante
na história da filosofia, cuja influência atravessa os
séculos até nossos dias.
ZENÃO DE ELÉIA
Zenão floresceu cerca de 464/461 a.C. Nasceu em
Eléia (Itália). Ao contrário de Heráclito, interveio na
política, dando leis à sua pátria. Tendo conspirado
contra a tirania e o tirano (Nearco?), acabou preso,
torturado e, por não revelar o nome dos comparsas,
perdeu a vida.
Escreveu várias obras em prosa: Discussões, Con-
tra os Físicos, Sobre a Natureza, Explicação Crítica
de Empédocles. - Considerado criador da dialética
(entendida como argumentação combativa ou erísti-
ca), Zenão erigiu-se em defensor de seu mestre,
Parmênides, contra as críticas dos adversários,
principalmente os pitagóricos.
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
7
Defendeu o ser uno, contínuo e indivisível de Par-
mênides contra o ser múltiplo, descontínuo e divisí-
vel dos pitagóricos.
A característica de Zenão é a dialética. Ele é o mes-
tre da Escola Eleática; nela seu puro pensamento
torna-se o movimento do conceito em si mesmo, a
alma pura da ciência - é o iniciador da dialética.
Demócrito de Abdera
De sua vida sabemos poucas coisas seguras, mas
muitas lendas. Viagens extraordinárias, a ruína ma-
terial, as honras que recebeude seus concidadãos,
sua solidão, seu grande poder de trabalho. Uma
tradição tardia afirma que ele ria de tudo...
Demócrito e Leucipo partem do eleatismo. Mas o
ponto de partida de Demócrito é acreditar na reali-
dade do movimento porque o pensamento é um
movimento. Esse é seu ponto de ataque: o movi-
mento existe porque eu penso e o pensamento tem
realidade.
Mas se há movimento deve haver um espaço vazio,
o que equivale a dizer que o não-ser é tão real
quanto o ser. Se o espaço é absolutamente pleno,
não pode haver movimento.
São características de seu pensamento:
Gosto pela ciência. Aitíai. Viagens.
Clareza. Aversão ao bizarro.
Simplicidade do método.
Arrojo poético (poesia do atomismo).
Sentimento de um progresso poderoso.
Fé absoluta em seu sistema.
O Mal excluído de seu sistema.
Paz de espírito, resultado do estudo cientifico. Pitá-
goras.
Inquietações míticas: racionalismo.
Inquietações morais: ascetismo.
Inquietações políticas: quietismo.
Inquietações conjugais: adoção de filhos.
Referências bibliográficas:
• ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria
Helena Pires.Temas de Filosofia. SãoPaulo: Ed.
Moderna, 1992;
• CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. SãoPaulo:
Ed. Ática, 1995;
• COTRIM, Gilberto.Fundamentos da Filosofia – Ser,
Saber e Fazer. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
Platão: "A República" e o método dialético.
Todo mundo conhece o adjetivo platônico. Sabemos
que ele tem relação com o filósofo grego Platão.
Mas sabemos também, consultando um dicionário,
que platônico significa "alheio a interesses ou gozos
materiais" (daí a expressão "amor platônico", ou
amor casto).
Para entender melhor a origem dessa expressão,
precisamos conhecer um pouco o pensamento de
um dos filósofos mais importantes de todos os tem-
pos.
Platão não deixou uma obra filosófica sistemática,
organizada de forma lógica e abstrata.
As obras de Platão foram escritas em forma de diá-
logo, em que diferentes personagens discutem
acerca de um determinado tema. Aliás, o diálogo
não é apenas a forma como o filósofo se expressa,
mas também o cerne de seu método filosófico de
descoberta da verdade. Para Platão, o conhecimen-
to é resultado do convívio entre homens que discu-
tem de forma livre e cordial.
Sócrates, o mestre.
Os diálogos de Platão estão organizados em torno
da figura central de seu mestre - Sócrates. Escritos
em linguagem clara e envolvente, conquistam de
imediato o leitor. Isso não quer dizer que a compre-
ensão do pensamento platônico seja simples. Platão
é um filósofo rico e complexo, e suas ideias até hoje
desafiam os pesquisadores.
Platão viveu na Grécia do período clássico. Nasceu
em 427 a.C., em Atenas, numa família de origem
aristocrática e recebeu uma educação refinada,
reservada àqueles destinados a participar da vida
política de Atenas. Platão tinha em torno de vinte
anos (e o mestre, 63) quando conheceu o filósofo
Sócrates e tornou-se seu discípulo.
A partir desse encontro, Platão passou a assistir a
suas discussões e tornou-se seu seguidor.
Quando o mestre foi levado ao tribunal, em 399
a.C., e condenado à morte bebendo cicuta (acusado
de corromper a juventude), Platão estava presente e
registrou seus últimos ensinamentos na obra hoje
conhecida como "Apologia de Sócrates".
Praticamente tudo que sabemos a respeito de Só-
crates vem dos escritos de Platão.
Os diálogos de Platão.
Depois da morte de Sócrates, Platão desiludiu-se
com a democracia e deixou Atenas. Realizou diver-
sas viagens pela Grécia, pelo Egito e pela Itália.
Entre 399 a.C. e 387 a.C., criou vários de seus fa-
mosos diálogos em que Sócrates aparece como
personagem central, como "Críton", "Laques", "Lí-
sias", "Górgias" e "Protágoras".
A seguir, Platão alternou longas temporadas em
Atenas com a realização de três grandes viagens à
Sicília, onde realizou diversas tentativas de colocar
em prática suas teorias políticas. Em Atenas, Platão
fundou, por volta de 386 a.C., a famosa Academia,
onde lecionou durante quarenta anos. O filósofo
morreu em 347 a.C., aos 80 anos, deixando como
discípulo o filósofo Aristóteles.
A República.
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
8
Uma das principais obras platônicas é "A Repúbli-
ca", em que o filósofo discute o conceito de justiça.
"A República" é uma obra extensa, dividida em dez
livros, em que Platão não faz uma análise de um
sistema político concreto, nem o exame de formas
reais de organização da sociedade.
Pelo contrário, a obra de Platão discute o que seria
um estado ideal.
Em "A República", temos um grupo de amigos: Só-
crates, dois irmãos de Platão - Glauco e Adimanto -
e vários outros personagens, que serão provocados
pelo mestre. O diálogo vai tratar de assuntos relaci-
onados à organização da sociedade e à natureza da
política.
Na República ideal concebida por Platão, o governo
deve estar nas mãos dos filósofos, que são aqueles
mais próximos da verdade, da ideia do bem e da
justiça.
A investigação platônica utiliza o método dialético
(palavra que tem na origem a noção de "diálogo").
Esse procedimento consiste em apreender a relida-
de através de posições contraditórias, até que uma
delas é finalmente entendida como verdadeira e a
outra como falsa. A dialética platônica é um proces-
so indutivo, que vai da parte para o todo.
O mito da caverna.
No livro 7 de "A República" também aparece formu-
lada a teoria das ideias. Trata-se de uma alegoria
famosa, que ficou conhecida como mito da caverna.
Segundo o texto de Platão, o conhecimento do
mundo sensível (o mundo que podemos conhecer
através dos órgãos dos sentidos) é inferior à con-
templação da verdade.
Os homens, porém, tendo vivido sempre numa ca-
verna, acorrentados, acreditam que as sombras que
veem projetadas na parede sejam a verdade. Mas
só é possível conhecer a verdade além de nossos
preconceitos e crenças. Só o filósofo se liberta e vê
a realidade à luz do sol.
John Locke e o empirismo britânico: Todo conheci-
mento provém da experiência
Uma das questões mais antigas que a filosofia tenta
responder é "Qual a fonte do conhecimento huma-
no?".
Como podemos saber se Deus existe, que dois
mais dois são quatro ou que o céu é azul? Será que
já nascemos com algumas informações a respeito
do mundo?
A moderna biologia genética nos diz apenas que
possuímos uma história, inscrita em nossos genes,
que irão determinar algumas predisposições para
desenvolvermos certas doenças hereditárias, ten-
dências sexuais e comportamentais ou mesmo o
gosto por sorvete de chocolate.
Mas aquilo que somos depende de uma combina-
ção de fatores genéticos com o ambiente em que
fomos criados. Seríamos, portanto, o resultado das
escolhas que fizemos segundo as imposições de
nosso patrimônio genético e das oportunidades que
temos na vida.
Mesmo assim, a ciência contemporânea ainda não
responde às perguntas a respeito de como conhe-
cemos as coisas e como podemos estar seguros de
possuir um entendimento verdadeiro. Filósofos co-
mo Platão (428/27-347 a.C.), Santo Agostinho(354-
430), e Descartes (1596-1650) acreditavam
na doutrina das ideias inatas,
ou inatismo, que sustenta que o homem nasce com
determinadas crenças verdadeiras.
Segundo eles, a alma humana teria uma espécie de
repositório de informações conferidas por Deus, e
isso validaria as certezas sobre as coisas do mun-
do.
Platão, no diálogo Fédon, diz que conhecer é recor-
dar-se daquilo que nossas almas imortais, que habi-
tavam o Mundo das Ideias, já sabiam, mas que ao
nascer nos esquecemos.
Contra essa doutrina, John Locke (1632-1704), um
dos mais importantes filósofos ingleses modernos,
escreveu um livro chamado Ensaio Acercado En-
tendimento Humano (1690), que inaugurou a escola
chamada Empirismo Britânico. Na época, Locke foi
muito influenciado pela ciência moderna, baseada
em observações.
Tábula rasa.
Para Locke, o princípio do inatismo, além de não
provar nada, é completamente desnecessário para
uma teoria do conhecimento. Se realmente nossas
almas imortais compartilhassem um mesmo estoque
de informações, por que todos não teríamos as
mesmas concepções científicas de mundo, por
exemplo? Por que os europeus desenvolveram a
ciência, enquanto índios que habitavam as Améri-
cas, não?
Segundo Locke, Deus nos conferiu apenas as fa-
culdades para que pudéssemos adquirir conheci-
mento, dentro de certos limites. Contrariando o ina-
tismo, ele afirma que, ao nascermos, somos como
uma folha em branco - "tábula rasa", diziam os em-
piristas - que é escrita na medida em que vivemos e
temos experiência de mundo:
"Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos,
um papel em branco, desprovida de todos os carac-
teres, sem quaisquer ideias; como ela é suprida? De
onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e
que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com
uma variedade quase infinita? De onde apreende
todos os materiais da razão e do conhecimento?
A isso respondo, numa palavra, da experiência.
Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e
dela deriva fundamentalmente o próprio conheci-
mento." (1978, I, II, ii).
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
9
Basicamente é isso que o empirismo sustenta: con-
trapondo-se ao racionalismo, que privilegia a razão
como fonte segura do conhecimento, esta escola
enfatiza o papel da experiência. Junto com Locke,
fazem parte do empirismo britânico os filóso-
fosGeorge Berkeley (1685-1753), David Hu-
me (1711-1776) e John Stuart Mill (1806-1873).
Mas isso não quer dizer que, para Locke, a razão
não tem nenhuma função no processo cognitivo e
que apenas aprendemos por meio das sensações.
Seria um absurdo dizer isso, porque equivaleria a
dizer que um matemático, para saber que um triân-
gulo possui três lados, teria que encontrar um triân-
gulo andando de metrô ou vagando pelo bosque.
Limites do conhecimento nas ideias.
O que Locke diz é que somente a experiência nos
fornece as ideias que habitam nossos pensamentos.
Em outras palavras, que o conhecimento tem um
início externo, fora do homem.
Ideias, segundo o filósofo inglês, são os objetos do
conhecimento, isto é, a matéria da qual o conheci-
mento é formado.
Elas são percebidas pelos sentidos, mas é o enten-
dimento que confere o, por assim dizer, acabamento
final.
Todo conhecimento, portanto, está fundamentado
na experiência, que nos fornece as ideias que cons-
tituem tudo aquilo que podemos saber sobre o
mundo. As fontes dessas ideias, diz Locke, são
duas:
Sensação, ou sentido externo: é a percepção de
objetos sensíveis e particulares, como o gosto de
uma maçã, a sensação de uma xícara quente de
café, o som da voz de nossa mãe ou a visão de um
pôr do sol.
Reflexão ou sentido interno: é a percepção da ope-
ração de nossas mentes com as ideias já ali deposi-
tadas pela sensação, derivando as dúvidas, cren-
ças, vontades e o conhecimento propriamente dito.
É somente com o segundo estágio, da reflexão, que
atingimos o entendimento das coisas; mas, sem as
janelas abertas para a luz vinda da experiência,
nossa mente permanece como um quarto escuro.
Os limites do que podemos conhecer, desse modo,
são as ideias. Não podemos ir além delas.
Locke ainda divide as ideias em:
Simples: são as que nos chegam misturadas num
objeto, mas que podem ser separadas pelos dife-
rentes sentidos pelos quais as recebemos: a textura
lisa, o aroma perfumado, o gosto doce, a consistên-
cia firme e a cor vermelha são ideias simples que
podemos distinguir da maçã.
Complexas: quando nossa mente é preenchida des-
sas ideias simples, podemos formar, combinando-
as, ideias complexas, como, por exemplo, homem,
beleza, maçã ou universo.
Boa parte do Ensaio Acerca do Entendimento Hu-
mano é dedicado ao exame dessas ideias simples e
complexas que são a base de todo entendimento, o
que permite a Locke propor resoluções para impor-
tantes problemas filosóficos envolvendo conceitos
como espaço, tempo, infinidade, substância, Deus,
liberdade e poder.
Graus de conhecimento Em resumo, diz Locke:
"Conhecimento consiste na percepção do acordo ou
desacordo de duas ideias. Parece-me, pois, que o
conhecimento nada mais é do que a percepção da
conexão e acordo, ou desacordo e rejeição, de
quaisquer de nossas ideais." (1978, IV, I, ii).
Por exemplo, quando sabemos que branco não é
preto, ao perceber que ambas as ideias ("branco" e
"preto") estão em desacordo; ou que os três ângulos
de um triângulo são iguais a dois retos, ao perceber
a igualdade entre eles.
Em relação à clareza e certeza dessas afirma-
ções, Locke classifica os graus de conhecimen-
to em três:
Intuitivo: é aquele em que a mente percebe o acor-
do ou desacordo entre duas ideias imediatamente,
sem a necessidade de outras ideias.
Por exemplo, quando percebo que o branco não é
preto, o quadrado não é triângulo ou 1+1=2. É o tipo
mais seguro e claro de conhecimento humano.
Demonstrativo: é quando a mente necessita de idei-
as subsidiárias para perceber o acordo ou desacor-
do entre outras duas ideias - são as chama-
das provas.
Para saber, por exemplo, que três ângulos de um
triângulo são iguais a dois ângulos retos, preciso
verificar essas medidas.
Sensível: é a percepção que temos de objetos parti-
culares externos através dos sentidos. Apesar de
Locke incluir este terceiro tipo entre os graus de
conhecimento, mesmo sendo o menos claro e segu-
ro dos três anteriores, o filósofo diz que o raciocínio
que não for intuitivo ou demonstrativo é artigo
de fé ou de opinião, não conhecimento propriamen-
te dito.
Com base em sua classificação dos tipos de conhe-
cimento, Locke diz que as certezas provenientes da
matemática e a moral são indubitáveis e evidentes,
pois são alcançáveis pelo raciocínio com ideias
presentes na mente humana, enquanto as ciências
empíricas, como a física, que necessitam de uma
verificação e confronto com a realidade sensível,
não configuram verdades universais.
A teoria do conhecimento lockeana influenciou
os filósofos iluministas, Kant e os positivistas lógi-
cos, entre outros.
Bibliografia
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
10
LOCKE, John. "Ensaio Acerca do Entendimento
Humano", em Os Pensadores. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1978.
David Hume e o empirismo britânico: O argumento
cético que abalou a filosofia.
É comum termos a impressão de que a filosofia é
algo muito abstrato, distante de nossa realidade. É o
caso de algumas metafísicas construídas com base
em conceitos que carecem de qualquer significado
mais concreto.
Na história das ideias, dificilmente encontramos um
pensamento tão fatal para esse tipo de metafísica
quanto aquele que o filósofo escocês David Hu-
me (1711-1776) expôs em suas Investigações sobre
o Entendimento Humano (1748).
Os argumentos de Hume foram tão convincentes
que despertaram Kant de seu "sono dogmático" e
influenciaram algumas das principais correntes con-
temporâneas da filosofia angloamericana.
A obra Investigações sobre o Entendimento Huma-
no trata, essencialmente, da teoria do conhecimen-
to, que é aquele ramo da filosofia que busca res-
ponder questões sobre a origem e a validade de
tudo que podemos conhecer.
A este respeito, Hume era empirista, ou seja, acredi-
tava que todo conhecimento provém da experiência.Mas, diferente de Locke, para quem a mente do
homem, ao nascer, era uma "folha em branco" a ser
preenchida pela experiência sensível, Hume era
também cético a respeito de uma fundamentação
para o que aprendemos com base na experiência.
Fontes do conhecimento.
Para Hume, tudo aquilo que podemos vir a co-
nhecer tem origem em duas fontes diferentes da
percepção:
Impressões: são os dados fornecidos pelos senti-
dos. Podem ser internas, como um sentimento de
prazer ou dor, ou externas, como a visão de um
prado, o cheiro de uma flor ou a sensação tátil do
vento no rosto.
Ideias: são as impressões tais como representadas
em nossa mente, conforme delas nos lembramos ou
imaginamos. A lembrança de um dia no campo, por
exemplo.
De acordo com o filósofo, as ideias são menos vívi-
das que as impressões e, por isso, são secundárias:
"(...) todas as nossas ideias ou percepções mais
fracas são cópias de nossas impressões, ou per-
cepções mais vivas.
“Por isso, a experiência seria a base de todo conhe-
cimento, que podemos chamar de raciocínio so-
bre questões de fato. Enquanto que o segundo mo-
do dos objetos externos se apresentarem à razão é
chamado relação de ideias.
As ideias, por sua vez, se relacionam umas com as
outras de três modos:
por semelhança (uma fotografia que nos leva a ter a
ideia do fato original);
por contiguidade de tempo e lugar (o dizer algo a
respeito de um cômodo de uma casa me leva a
perguntar sobre os demais);
e por causalidade (ao nos recordarmos de uma
pessoa ferida, imediatamente pensamos também na
dor que ela deve ter sentido - o ferimento, neste
exemplo, é acausa; a dor, o efeito).
Nas relações de ideias, o conhecido obtido é cha-
mado de demonstrativo, intuitivo ou dedutivo. É o
caso da matemática e da geometria.
Examinemos dois exemplos dados por Hume. No
primeiro, temos a seguinte proposição: "O quadrado
da hipotenusa (1) é igual à soma dos quadrados dos
dois lados (2)". Ela expressa a relação entre a ideia
(1) e (2), que são, ambas, figuras geométricas.
No segundo exemplo, a afirmação "Três vezes cin-
co (1) é igual à metade de trinta (2)" resulta da rela-
ção entre números: 3 x 5 (1) e metade de 30 (2).
A partir daí podemos inferir três coisas: (a) que esse
tipo de conhecimento independe completamente de
objetos externos; (b) que é necessariamente cor-
reto, seguro; e (c) que sua prova é dada inteiramen-
te pela razão:
seria um absurdo lógico dizer o contrário daquilo
que é afirmado, como, por exemplo, que dois mais
dois é igual a cinco, não quatro.
Mas, e em se tratando de questões de fato, ou seja,
de coisas que afirmamos acerca da realidade? To-
me-se a seguinte proposição: "As rosas são verme-
lhas".
Nada me impede de pensar, e dizer, que as rosas
são brancas, ou mesmo azuis ou verdes. Não have-
rá qualquer contradição lógica, mesmo que isso não
corresponda, de fato, à rosa a qual me refiro.
Em outro exemplo, dado por Hume, dizer que "O Sol
não nascerá amanhã", não é menos absurdo, do
ponto de vista lógico, do que dizer "O Sol nascerá
amanhã". Qual deve ser, então, o fundamento do
conhecimento empírico?
Causalidade:
Segundo Hume, todo raciocínio empírico, sobre
questões de fato, se assenta sobre relações de
causa e efeito. Na proposição "A pedra esquenta
porque foi exposta aos raios solares" tenho uma
afirmação que parte de duas impressões sensíveis,
uma tátil ("a pedra esquenta") e outra visual ("ex-
posta aos raios solares").
O que une essas duas impressões é uma relação
de causalidade: a pedra esquenta (efeito) porque foi
exposta aos raios solares (causa).
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
11
Portanto, para saber qual é o fundamento do co-
nhecimento empírico, Hume precisou analisar o
fundamento dessa relação causal.
A primeira coisa que se pode dizer é que não há
aqui nenhuma base lógica, dedutiva. Se tenho uma
pedra em minha mão e a solto, espero que, como
efeito, ela caia no solo.
Mas poderia naturalmente pensar que ficasse sus-
pensa no ar ou voasse em direção ao céu. Podem
ser coisas impossíveis de acontecer, mas concebí-
veis pelo intelecto.
Isso significa que, por meio da razão, é impossível
chegar da causa (a) para o efeito (b).
São duas coisas completamente diferentes: a pedra
se soltar da minha mão (a) e cair no solo (b). Para
relacionar duas impressões sensíveis, preciso pri-
meiro tê-las, isto é, preciso ver a pedra caindo no
solo para, então, dizer com segurança que ela caiu
porque eu a soltei de minha mão.
Diz Hume: "O intelecto jamais poderá encontrar o
efeito numa suposta causa, mesmo pelo mais acu-
rado estudo e exame, porquanto o efeito difere radi-
calmente da causa, e por isso não pode de nenhum
modo ser descoberto nela (...). Uma pedra ou um
pedaço de metal erguido no ar e deixado sem ne-
nhum apoio cai imediatamente; mas quem conside-
ra esse fato a priori poderá descobrir na situação
alguma coisa que sugira a ideia de um movimento
para baixo e não para cima, ou qualquer outro mo-
vimento na pedra ou no metal?”.
Qual deve ser, então, o fundamento da causalidade
e, assim, do conhecimento empírico?
Para Hume, não há nenhum, a não ser o costume,
o hábito que temos, pelo fato de inúmeras vezes
termos visto, anteriormente, pedras caindo no solo e
o Sol nascendo a cada manhã. Esperamos que
aconteça sempre a mesma relação causal devido a
uma crença, de cunho psicológico e subjetivo. Nun-
ca podemos, portanto, ter certeza do que estamos
dizendo a cerca de questões de fato.
Metafísicas Este é, em resumo, o argumento cético
de Hume sobre a causalidade. Ele foi devastador
para a filosofia porque todas as metafísicas também
apelam para esse tipo de relação causal para expli-
car o mundo. Por exemplo:
Deus existe porque é a causa de tudo que existe
(Santo Tomás de Aquino) ou as ideias claras e dis-
tintas da razão são causas de nossos conhecimen-
tos sobre a natureza (Descartes).
Não que Hume fosse avesso à filosofia, pelo contrá-
rio. O que ele dizia é que tais sistemas filosóficos
carecem de amparo nas impressões sensíveis, são
muito abstratos e usam métodos demonstrativos da
matemática que não servem de fundamento para
questões de fato.
O que Hume queria era fazer uma espécie de "faxi-
na" na filosofia, de modo a livrá-la de suas preten-
sões e ideias estéreis. Assim, ele influenci-
ou Immanuel Kant,Auguste Comte, filósofos prag-
matistas como Charles Sanders Peirce, os empiris-
tas lógicos e a filosofia analítica, entre outras impor-
tantes correntes do pensamento contemporâneo.
Bibliografia
HUME, David. "Investigações sobre o Entendimento
Humano". São Paulo: UNESP, 2004.
Aristóteles e o papel da razão: Nada está no intelec-
to antes de ter passado pelos sentidos.
Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte
anos, Aristóteles (384-322 a.C.) diverge profunda-
mente de seu mestre em sua teoria do conhecimen-
to.
Isso pode ser atribuído, em parte, ao profundo inte-
resse de Aristóteles pela natureza (ele realizou
grandes progressos em biologia e física), sem des-
cuidar dos assuntos humanos, como a ética e a
política.
Para Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo
sensível e mundo das ideias era um artifício dispen-
sável para responder à pergunta sobre o conheci-
mento verdadeiro. Nossos pensamentos não sur-
gem do contato de nossa alma com o mundo das
ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no
intelecto sem antes ter passado pelos sentidos",
dizia o filósofo.
Isso significa que não posso ter ideia de um teiú
sem ter observado um diretamente ou por meio de
uma pesquisa científica. Sem isso, "teiú" é apenas
uma palavra vazia de significado. Igualmente vazio
ficaria nosso intelecto se não fossepreenchido pe-
las informações que os sentidos nos trazem.
Mas nossa razão não é apenas receptora de infor-
mações. Aliás, o que nos distingue como seres raci-
onais é a capacidade de conhecer. E conhecer está
ligado à capacidade de entender o que a coisa é no
que ela tem de essencial. Por exemplo, se digo que
"todos os cavalos são brancos", vou deixar de fora
um grande número de animais que poderiam ser
considerados cavalos, mas que não são brancos.
Por isso, ser branco não é algo essencial em um
cavalo, mas você nunca encontrará um cavalo que
não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.
O papel da razão.
Conhecer é perceber o que acontece sempre ou
frequentemente. As coisas que acontecem de modo
esporádico ou ao acaso, como o fato de uma pes-
soa ser baixa ou alta, ter cabelos castanhos ou es-
curos, nada disso é essencial. Aristóteles chama
essas características de acidentes.
O erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) é o
de tomar algo acidental como sendo a essência.
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
12
Através desse artifício, diziam que não se pode
determinar quem é Sócrates, porque se Sócrates é
músico, então não é filósofo, se é filósofo, então não
é músico. Ora, Sócrates pode ser várias coisas sem
que isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser
um animal racional como todos nós.
Mas como nós fazemos para conhecer a definição
de algo e separar a essência dos acidentes? Aí está
o papel da razão.
A razão abstrai, ou seja, classifica, separa e organi-
za os objetos segundo critérios. Observando os
insetos, percebo que eles são muito diferentes uns
dos outros, mas será que existe algo que todos
tenham em comum que me permita classificar uma
barata, um besouro ou um gafanhoto como insetos?
Sim, há: todos têm seis pernas. Se abstrairmos
mais um pouco, perceberemos que os insetos são
animais, como os peixes, as aves...
Ato ou potência
E poderíamos ir mais longe, separando o que é ser,
do que não é. E aqui chegamos à outra grande con-
tribuição de Aristóteles: se o ser é e o não-ser não
é, como dizia Parmênides, então como é possível o
movimento?
Segundo Aristóteles, as coisas podem estar em ato
ou em potência. Por exemplo, uma semente é uma
árvore em potência, mas não em ato. Quando ger-
mina, a semente torna-se árvore em ato. O movi-
mento é a passagem do ato à potência e da potên-
cia ao ato.
Qual a causa?
Por outro lado, se as coisas mudassem completa-
mente ao acaso, não poderíamos conhecê-las. Co-
nhecer é saber qual a causa de algo. Se tenho uma
dor de estômago, mas não sei a causa, também não
posso tratar-me. Conhecendo a causa é possível
saber não só o que a coisa é, mas o que se tornará
no futuro.
Pois, se determinado efeito se segue sempre de
uma determinada causa, então podemos estabele-
cer leis e regras, tal como se opera nos vários ra-
mos da ciência.
Existem quatro tipos de causas: a causa final, a
causa eficiente, a causa formal e a causa material.
Por exemplo, se examinarmos uma estátua, o már-
more é a causa material, a causa eficiente é o es-
cultor, a causa formal é o modelo que serviu de
base para escultura e a causa final é o propósito,
que pode ser vender a obra ou enfeitar a praça.
Há uma hierarquia entre as causas, sendo a causa
final a mais importante. A ciência que estuda as
causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por
isso, a tradição costuma situar a filosofia como a
ciência mais elevada ou mãe de todas as ciências,
por ser o ramo do conhecimento que estuda as
questões mais gerais e abstratas.
Hermenêutica: A arte de interpretar o sentido da
palavra do autor.
É comum ouvirmos os jovens se queixando da falta
de compreensão dos pais e os pais, por sua vez,
dizerem que não entendem seus filhos. Se proble-
mas de compreensão surgem até mesmo entre
pessoas de uma mesma família, o que dizer de
pessoas afastadas de nós por centenas ou milhares
de anos? Como podemos ter certeza de que esta-
mos interpretando Platão ou uma passagem do
Evangelho segundo a intenção de seu autor? Tais
problemas constituem o objeto de investigação
da hermenêutica.
O termo "hermenêutica" remete ao deus grego
Hermes, o mensageiro dos deuses, aquele que traz
notícias. O hermeneuta seria aquele que tanto
transmite quanto interpreta uma mensagem, já que
não é possível separar uma coisa da outra. Por
conseguinte, hermenêutica seria a arte de interpre-
tar o sentido da palavra do autor, principalmente de
textos clássicos.
Para o filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911) a per-
gunta fundamental da hermenêutica é: "como é
possível o compreender?" Ou seja, o que me torna
capaz de compreender o que outra pessoa disse ou
"quis dizer"? No caso das ciências da natureza, a
interpretação do cientista é algo a ser anulado para
deixar os fatos falarem por si mesmos, de modo a
garantir a objetividade do conhecimento.
Nas ciências humanas, ocorre o processo inverso, é
justamente a vivência do sujeito que permite atribuir
uma significação aos acontecimentos.
Compreendendo a mim e aos outros
Cada um de nós atribui um significado às nossas
vivências construindo a nossa biografia individual,
que é o que permite que eu me reconheça quando
olho as fotos de minha infância, por exemplo.
É também a minha biografia individual que permite
que eu estabeleça uma conexão entre a vivência
individual e a existência coletiva, o que possibilita
que eu compreenda os outros da mesma forma com
que compreendo e interpreto as minhas próprias
vivências.
Por exemplo, que se estivesse no lugar de outra
pessoa em uma determinada situação teria feito isto
ou aquilo. Ao observar o modo de agir de alguém,
eu posso compreender não só o que ele está fazen-
do, mas também o sentido possível de sua ação,
isto é, o que o sujeito pretende ao realizar tal ação.
Da mesma forma, quando observo a expressão de
alguém, posso inferir se ela está triste, preocupada
etc.
Além do agir e da expressividade, a linguagem
constitui o principal meio para se compreenderem
as manifestações vitais. É através dela que as vi-
vências se exteriorizam permitindo que se tornem
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
13
comuns, constituindo nosso mundo cultural. As vi-
vências são, portanto, o que possibilita nossa com-
preensão mútua, que nem sempre está isenta de
mal-entendidos.
Validade da interpretação
Como as pessoas interpretam os eventos segundo
suas vivências, estas nem sempre correspondem as
de outras gerações ou culturas, levando aos erros
de interpretação.
O problema está, portanto, em estabelecer parâme-
tros para saber quais interpretações são válidas e
quais não são. Sem tais parâmetros, poderíamos
acabar achando que qualquer interpretação sobre
um fato social ou histórico seria igualmente válida.
Um outro complicador nessa questão é que, ao
contrário das ciências naturais em que há a possibi-
lidade de se repetir um experimento, nas ciências
humanas não há como "provar" que a interpretação
é correta. Não se pode, por exemplo, consultar os
que já estão mortos para saber se concordam com
a nossa interpretação, ou mesmo garantir que um
entrevistado esteja dizendo a verdade ao falar sobre
suas memórias ou experiências.
Um parâmetro sugerido pelo filósofo Jürgen Haber-
mas para garantir a objetividade de uma interpreta-
ção seria, além do uso de métodos reconhecidos
pela comunidade de historiadores ou cientistas so-
ciais, a justificativa do intérprete por ter escolhido
essa hipótese e não aquela, além da explicitação
dos pressupostos dos quais partiu.
"Círculo virtuoso“
Nas ciênciashumanas assim como nos diálogos
cotidianos permanece sempre aberta a possibilida-
de de demonstrar argumentativamente as razões
para se compreender algo desta ou daquela manei-
ra. Através da crítica de outros estudiosos, podemos
melhorar nossa compreensão do objeto e reconstru-
ir a teoria em um processo contínuo.
Tal processo foi denominado por Dilthey de "circulo
virtuoso" em que partimos de uma compreensão
provisória do objeto, confrontamos os dados com a
compreensão que tínhamos dele e alargamos nossa
compreensão.
Isso tudo permite que nós, seres humanos, possa-
mos compreender melhor a nossa arte, história,
cultura e sociedade e se não resolve o problema da
comunicação entre pais e filhos, ou entre povos de
diferentes culturas, pelo menos nos permite enten-
der porque isso acontece.
Filosofia: para que serve?: O conhecimento sem
finalidade utilitária.
Enquanto esperavam o próximo discurso na ágora,
a praça das feiras e das discussões, os gregos do
século 6 a.C. devem ter se perguntado: "Essa filoso-
fia que apareceu por aí. Serve para quê?“
É próprio da filosofia perguntar, questionar, buscar
explicações. Por que haveria ela de escapar à inda-
gação sobre sua própria existência? Ela, que tanto
preza a interrogação, não poderia mesmo se furtar a
seu próprio porquê.
Vinte e cinco séculos se passaram e a velha per-
gunta não cala: para que serve a filosofia? Na opini-
ão da maior parte das pessoas, no mundo utilitarista
em que vivemos, tudo tem de ter uma razão de ser
e uma finalidade. Então, a resposta ainda é neces-
sária. E ela seria: a filosofia não serve para nada!
Sem finalidade
Mas você já pensou que muitas outras coisas não
têm finalidade específica e nem por isso são desim-
portantes? A arte, por exemplo, serve para quê?
Qual a finalidade da natureza, do mundo físico? Não
é por não serem utilitárias que a arte, a natureza e
também a filosofia deixam de ter sua razão de ser.
Se você já estuda filosofia na escola, deve estar se
perguntando: "Por que estou lendo sobre filosofia,
se ela não serve para nada? Para que vai me servir
isso?" Você acaba de se questionar. Talvez tenha
arranjado uma resposta, mesmo que provisória, e
outra pergunta surgiu. É assim que se começa a
filosofar. Perguntando sobre o mundo, sobre si e o
outro.
O que sou?
O que sou? Essa é uma das primeiras perguntas
que surgem para quem quer filosofar. Quer continu-
ar? Pois saiba que vai se iniciar uma história de
perguntas sem fim. Veja como Marilena Chauí, filó-
sofa brasileira, descreve o pensamento filosófico:
"Eu imagino que a filosofia busca uma atitude preci-
sa: perguntar. E perguntar, não para encontrar ime-
diatamente respostas. Perguntar para que respostas
sejam dadas e voltar a fazer perguntas sobre as
respostas que foram dadas. É nunca abrir mão da
atitude crítica, sabendo que é uma atitude desgra-
çada, na medida em que não teremos nunca a van-
tagem de quem, em um navio, possui um mapa,
uma bússola, todos os aparelhos eletrônicos, de tal
modo que o piloto possa até mesmo dormir e o na-
vio vá sozinho para o seu destino. A ideia de assu-
mir até o fim um pensamento crítico é aceitar que
navegamos sem mapa, sem bússola, no máximo
talvez com uma estrela, e que essa estrela seja:
continuar perguntando." (in, Lorieri e Rios, 2004,
págs.29-30).
"Só sei que nada sei"
Isso lhe parece desesperador? Pense bem. Se quer
continuar no caminho da filosofia, vai precisar se
distanciar um pouco das certezas. A filosofia não lhe
trará segurança a respeito de muita coisa. Sócrates,
por exemplo, dizia: "Só sei que nada sei".
Ele punha por terra tudo o que julgava mais certo,
para então construir o seu conhecimento. Se você
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
14
for aceitar o desafio de filosofar, vai perceber que a
filosofia é assim meio fugidia, atiça nossas incerte-
zas. Ela é sedutora como as sereias que quase
encantaram Ulisses na "Odisseia".
Mas, ao contrário do que acontece nessa história, a
filosofia não põe em risco a aventura de navegar,
sem mapas nem bússolas.
Hora de filosofar
1) Sabia que, a partir de 2008, apesar de sua "insig-
nificância", a filosofia e a sociologia voltarão oficial-
mente a fazer parte do currículo de todas as escolas
públicas brasileiras?
2) "A natureza virou recurso - demos-lhe essa finali-
dade - e nunca antes ela esteve tão próxima do fim".
Os termos fim e finalidade têm o mesmo significa-
do? Explique.
3) A questão ambiental é um dos assuntos mais
urgentes, também para a filosofia. Imagine que você
está no ano de 2057 e vê que o meio ambiente foi
irreversivelmente devastado. Você irá viajar no tem-
po de volta para 2007 portando:
a) um relatório com a descrição do que viu; e
b) uma lista com dez iniciativas para que você e sua
geração possam se antecipar ao problema da de-
vastação ambiental.
c) Envie um correio eletrônico com o relatório e a
lista para três colegas. Convide-os a fazer essa
atividade. Peça que depois enviem a você o relató-
rio e a descrição que fizeram. Observe as coinci-
dências nos trabalhos de cada um.
Conhecer o mundo: Mitologia, religião, ciência, filo-
sofia, senso comum.
Há muitos modos de se conhecer o mundo, que
dependem da situação do sujeito diante do objeto
do conhecimento. Ao olhar as estrelas no céu no-
turno, um índio caiapó as enxerga a partir de um
ponto de vista bastante diferente do de um astrô-
nomo.
O caiapó vê nas estrelas as fogueiras que alguns de
seus deuses acendem no céu para tornar a noite
mais clara. O cientista vê astros que têm luz própria
e que formam uma galáxia. O índio compreende e
conhece as estrelas a partir de um ponto de vista
mitológico ou religioso. O astrônomo as compreen-
de e conhece a partir de um ponto de vista científi-
co.
A mitologia, a religião e a ciência são formas de
conhecer o mundo. São modos do conhecimento,
assim como o senso comum, a filosofia e a arte.
Todos eles são formas de conhecimento, pois cada
um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo,
explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Vamos
examinar mais de perto cada uma dessas formas de
conhecimento.
O mito e a religião
O mito proporciona um conhecimento que explica o
mundo a partir da ação de entidades - ou seja, for-
ças, energias, criaturas, personagens - que estão
além do mundo natural, que o transcendem, que
são sobrenaturais.
Veja, por exemplo, o mito através do qual os antigos
gregos explicavam a origem do mundo:
No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto
abismo insondável, como um imenso mar, denso e
profundo, onde nada podia existir.
Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de
um modo inexplicável e incompreensível, emergiram
a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda
união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito
do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta
à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um
ovo incandescente.
Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou
e se partiu em duas metades que se transformaram
no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espi-
ando-se em deslumbramento mútuo, empapuçados
de amor. Então, o Céu cobriu e fecundou a Terra,
fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habi-
tar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e
hospitaleiro.
Assim como o mito, a religião, ou melhor, as religi-
ões também apresentam uma explicação sobrenatu-
ral para o mundo. Para aderir a uma religião, é obri-
gatório crer ou ter fé nessa explicação. Além disso,
é uma parte fundamental da crença religiosa a fé
em que essa explicação sobrenatural proporciona
ao homem uma garantia de salvação, bem como
prescreve maneiras ou técnicas de obter e conser-
var essa garantia, quesão os ritos, os sacramentos
e as orações.
Antes de seguir em frente, convém esclarecer que
não vem ao caso discutir aqui a validade do conhe-
cimento religioso. Em matéria de provas objetivas,
se a religião não tem como provar a existência de
Deus, a ciência também não tem como provar a Sua
inexistência.
E, a propósito disso, vale a pena apresentar uma
outra narrativa filosófica:
Certa vez, um cosmonauta e um neurologista rus-
sos discutiam sobre religião. O neurologista era
cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes
no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi
nem Deus, nem anjos”.
“E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, res-
pondeu o neurologista, “e também nunca vi um pen-
samento”.
O mundo de Sofia, Jostein Gaardner, Cia. das Le-
tras, 1995.
A ciência
A ciência procura descobrir como a natureza "funci-
ona", considerando, principalmente, as relações de
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
15
causa e efeito. Nesse sentido, pretende buscar o
conhecimento objetivo, isto é, que se baseia nas
características do objeto, com interferência mínima
do sujeito. Veja, por exemplo, a seguinte descrição
científica:
O coração é um músculo oco, em forma de cone
achatado com a base virada para cima e a ponta
voltada para baixo, do tamanho aproximado de um
punho fechado. O músculo cardíaco é chamado de
miocárdio. Sua superfície interna é recoberta por
uma membrana delgada, o endocárdio. Sua superfí-
cie externa tem um invólucro fibro-seroso, o pericár-
dio.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998
Quando se fala em "mínima interferência do sujeito",
quer se dizer que a descrição de coração proposta
acima é válida independentemente do estudioso de
anatomia que a formulou.
A definição tradicional de ciência pressupõe que ela
seja um modo de conhecimento com absoluta ga-
rantia de validade.
A ciência moderna já não tem a pretensão ao abso-
luto, mas ao máximo grau de certeza.
Quanto à garantia de validade, ela pode consistir:
Na descrição, conforme o exemplo acima;Na de-
monstração, como no caso de um teorema matemá-
tico; Na corrigibilidade, ou seja, na possibilidade de
corrigir noções e conceitos, a partir dos avanços da
própria ciência.
Finalmente, é importante esclarecer que a aplicação
da ciência resulta na tecnologia, ou no conhecimen-
to tecnológico.
O senso comum O senso comum ou conhecimento
espontâneo é a primeira compreensão do mundo,
baseada na opinião, que não inclui nenhuma garan-
tia da própria validade.
Para alguns filósofos, o senso comum designa as
crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em
que a maioria dos homens acredita ou devem acre-
ditar.
A mais completa tradução do senso comum talvez
sejam os ditados populares. A título de exemplo, eis
alguns:
"Cada cabeça, uma sentença.""Quem desdenha
quer comprar.""Quem ri por último ri melhor.""A
pressa é a inimiga da perfeição.""Se conselho fosse
bom, não era dado de graça."
A filosofia Para Platão, a filosofia é o uso do saber
em proveito do homem.
Isso implica a posse ou aquisição de um conheci-
mento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o
mais amplo possível; e também o uso desse conhe-
cimento em benefício do homem. Essa definição,
porém, exige a uma definição de benefício, que por
sua vez exige uma definição de Bem. Para saber o
que é o Bem, entretanto, também é necessário des-
cobrir o que é a Verdade.
Alguns filósofos, definem a filosofia como a busca
do Bem, da Verdade, do Belo e de como os homens
podem conhecer essas três entidades. Portanto, a
filosofia toma para si a árdua tarefa de debater pro-
blemas ou especular sobre problemas que ainda
não estão abertos aos métodos científicos: o bem e
o mal, o belo e o feio, a ordem e a liberdade, a vida
e a morte.
Vamos a um exemplo de texto filosófico, em que um
filósofo norte-americano, John Dewey, procura refle-
tir justamente sobre o que é senso comum:
Visto que os problemas e as indagações em torno
do senso comum dizem respeito às interações entre
os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar
objetos de uso e de fruição, os símbolos emprega-
dos são determinados pela cultura corrente de um
grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se
de um sistema de caráter mais prático que intelec-
tual. Esse sistema é constituído por tradições, pro-
fissões, técnicas, interesses e instituições estabele-
cidas no grupo. As significações que o compõem
são efeito da linguagem cotidiana comum, com a
qual os membros do grupo se intercomunicam.
Lógica, VI, 6, J. DeweyTradicionalmente, a filosofia
se divide em cinco áreas:
Lógica, que estuda o método ideal de pensar e in-
vestigar;
Metafísica, que estuda a natureza do Ser (ontolo-
gia), da mente (psicologia filosófica) e das relações
entre a mente e o ser no processo do conhecimento
(epistemologia);
Ética, que estuda o Bem, o comportamento ideal
para o ser humano;
Política, que estuda a organização social do ho-
mem;
Estética, que estuda a beleza e que pode ser cha-
mada de filosofia da Arte.
Convém concluir lembrando que a ciência e o pen-
samento científico se originaram com a filosofia na
Grécia da Antiguidade. Com o passar do tempo,
certas áreas da especulação filosófica, como a ma-
temática, a física e a biologia ganharam tal especifi-
cidade que se separaram da filosofia.
A arte O conhecimento proporcionado pela arte não
nos dá o conhecimento objetivo de uma coisa qual-
quer, mas o de um modo particular de compreendê-
la, um modo que traduz a sensibilidade do artista.
Trata-se, portanto, de um conhecimento produzido
pelo sujeito e pela subjetividade.
Veja por exemplo o seguinte soneto, escrito pelo
poeta bahiano do século 17,Gregório de Matos, no
qual ele dá a sua "visão" do braço de uma imagem
do Menino Jesus que havia sido quebrada por ho-
www.cers.com.br
OAB XX EXAME DE ORDEM
Filosofia – Introdução Geral a Filosofia
Bernardo Montalvão
16
landeses protestantes, quando da invasão da cida-
de de Salvador:
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.
Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte
Em qualquer parte sempre fica todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.
Filosofia antiga: Quadro relaciona os principais filó-
sofos da Antiguidade.
PRÉ-SOCRÁTICOS
FILOSOFIA CLÁSSICA.
FILOSOFIA HELENÍSTICA