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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO Professor: Me. Everton Henrique Faria Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho Diretoria de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Head de Planejamento de Ensino Camilla Cocchia Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Projeto Gráfico Thayla Guimarães Designer Educacional Rossana Costa Giani Editoração Produção de Materiais Qualidade Textual Érica Fernanda Ortega DIREÇÃO Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site shutterstock.com C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; FARIA, Everton Henrique; Políticas Públicas e Diretrizes Operacionais para Educação do Campo. Everton Henrique Faria; Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. 33 p. “Pós-graduação Universo - EaD”. 1. Políticas Públicas. 2. Diretrizes Operacionais. 3. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 330 CIP - NBR 12899 - AACR/2 01 02 03 sumário 06| História da Educação Pública no Brasil 13| Políticas Públicas Educacionais no Brasil 20| Educação do Campo OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Conhecer o contexto e formação da história da educação pública no Brasil. • Entender as políticas públicas educacionais mediante os desafios da socie- dade contemporânea. • Entender a importância da educação do campo na história educacional brasileira e como ela pode colaborar para a superação dos processos de desigualdades sociais. PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • História da Educação Pública no Brasil • Políticas Públicas Educacionais no Brasil • Educação do Campo POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO INTRODUÇÃO introdução A formação de um sistema educacional no Brasil tornou-se nos últimos anos uma das políticas prioritárias para os governos, justamente pela Constituição Federal de 1988 trazer a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino como res- ponsabilidade do Estado e direito de todos. Antes mesmo de se chegar à dimensão de uma construção de um sistema de políticas públicas educacional, a educação no Brasil sofreu a inconstância de estar inserida em um contexto de dominação, elitização e clientelismo acom- panhando o cenário de formação da sociedade brasileira. Na prática, desde o início da formação da sociedade brasileira, percebemos que a educação sempre esteve voltada aos interesses dos grupos dominantes, fato que pode ser confirmado com a educação inserida pela Companhia de Jesus com práticas de homogeneização cultural e social, na qual a educação não se pautava na liberdade e desenvolvimento humano, mas na catequiza- ção da população para seguir o modelo Português vigente. Não obstante, as reformas que se sucederam no processo de implemen- tação da educação ainda se deparavam com uma sociedade escravocrata e conservadora com fortes princípios de desigualdades sociais, sendo a educa- ção uma promotora dessas desigualdades, uma vez que a mesma se constituía apenas para a elite aqui estabelecida. Neste sentido, apenas com a Proclamação da República teremos a educa- ção sendo pensada para a população em geral, o que não significa que todos teriam acesso ao banco escolar de forma igualitária. É neste cenário que neces- sitamos compreender a história da Educação no Brasil, sobretudo em como ela deixou de ser uma história de política setorial para se tornar uma das principais políticas públicas sociais na atualidade. Assim, convido você para refletirmos acerca da história do Sistema Educacional brasileiro desde o início da formação da sociedade até o reconhecimento da importância da educação como política pública de desenvolvimento para toda a população brasileira, em especial, para a população do campo. História da Educação Pública no Brasil Pós-Universo 7 O período colonial no Brasil suscita grandes reflexões acerca dos processos de desi- gualdades sociais existentes no país, bem como essas desigualdades estão atreladas a um sistema de dominação, hierarquização, de elitização da vida econômica, social, política e cultural da sociedade que aqui se estabelecia mediante uma sociedade es- cravocrata, patriarcal e aristocrática. A história da educação no Brasil tem seu início no período colonial com a chegada dos Jesuítas que se tornaram os grandes responsáveis pela implementação da edu- cação na colônia de forma a atender as necessidades econômicas que aqui existiam não tendo como princípios para o desenvolvimento a educação, o que é tratado pelos grandes especialistas como um dos principais fatores de atraso do Brasil nos dias atuais. A respeito deste período, Ribeiro (1993, p. 15) ressalta que baseado na grande propriedade e na mão de obra escrava, o período colonial brasileiro, “ contribuiu para o florescimento de uma sociedade altamente patriarcal ca- racterizada pela autoridade sem limite dos donos de terras. O estilo medieval europeu da cultura transmitida pelos jesuítas, correspondia às exigências necessárias para a sociedade que nascia, do ponto de vista da minoria domi- nante. A organização social da colônia e o conteúdo cultural se relacionavam harmonicamente. Uma sociedade latifundiária, escravocrata e aristocrática, sustentada por uma economia agrícola e rudimentar, não necessitava de pessoas letradas e nem de muitos para governar, mas sim de uma massa iletrada e submissa. Neste contexto, só mesmo uma educação humanística voltada para o espiritual poderia ser inserida, ou seja, uma cultura que acre- ditavam ser neutra. Não obstante, o autor retrata a realidade da colônia brasileira demonstrando como ela estava organizada estruturalmente, evidenciando a missão da Companhia de Jesus de catequizar a fim de conseguir adeptos à fé católica, tornar os índios mais dóceis e submissos, adaptando-os à mão de obra. Diante disso, a companhia se afastou de seu objetivo principal voltando-se para a educação das elites garantido lucros financeiros para si e a formação de futuros sacerdotes, o que não lhe era assegurado na propos- ta inicial. Deste modo, o povo ficava excluído da educação e “graças à Companhia de Jesus, o Brasil permaneceu, por muito tempo, com uma educação voltada para a formação da elite dirigente” (RIBEIRO, 1993, p. 15/16). Pós-Universo 8 Com a relação à missão dos jesuítas, Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 41) eviden- ciam que a companhia tratava de dominar através da fé os instintos selvagens dos donos de terra que se rebelavam contra os novos proprietários. Uma vez que, “ sua tarefa educativa era basicamente aculturar e converter ‘ignorantes’ e ‘in- gênuos’, como os nativos, e criar uma atmosfera civilizada e religiosa para os degredados e aventureiros que para aqui viessem. Isso constituía uma em- preitada que exigia muita criatividade no que diz respeito aos métodos de ação, considerada a heterogeneidade da clientela que tinham diante de si. A primeira escola brasileira foi criada em 1549, na cidade de Salvador pelo Padre Manoel da Nóbrega da Companhia de Jesus. O primeiro professor a lecionar nessa escola foi o Irmão Vicente Rodrigues, de apenas 21 anos, con- siderado o primeiro professor nos moldes europeus e durante mais de 50 anos dedicou-seao ensino e a propagação da fé religiosa. Os Jesuítas tra- balharam por duzentos e dez anos incansavelmente em diversas partes do Brasil, até serem expulsos, em 1759, pelo Marquês de Pombal. Para saber mais, conheça a obra da autora Maria Luisa dos Santos Ribeiro: História da Educação Brasileira: a organização escolar. Fonte: adaptado de Ribeiro (1998). saiba mais Sendo uma colônia de exploração, o único objetivo dos portugueses nesse período “era exclusivamente explorar e usufruir de toda a riqueza deste País, mas sem se preocupar com a estruturação econômica, política e educacional do povo que residia no Brasil” (PIANA, 2009, p. 59). Podemos observar que a estrutura social do Brasil-Colônia foi organizada à base de relações predominantemente de submis- são. Isto é, “ de submissão externa em relação à metrópole, submissão interna da maioria negra ou mestiça (escrava ou semi-escrava) pela minoria ‘branca’ (colonizado- res). Submissão interna refletindo-se não só nas relações de trabalho como também nas relações familiares (RIBEIRO, 1998, p. 37). Pós-Universo 9 Contudo, o modelo educacional jesuíta chegou ao fim ao passo que Marques de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo) é nomeado primeiro-ministro com o ob- jetivo de recuperar a economia, o poder real e a cultura lusitana. Concomitantemente, o ministro iniciou uma campanha contra a Companhia de Jesus, alegando que ela se tornou um empecilho na conservação dos poderes econômico e político por estabelecer um sistema de enriquecimento e a orientação de sua clientela para o serviço da Ordem distanciando-se dos interesses do Império. Em outras palavras, a Companhia se tornou um poder paralelo ao do Império dentro da colônia brasileira ambicionando poder e riqueza. Deste modo, Marques de Pombal junto ao rei D. José I, determinou, pelo Alvará Régio de 3 de setembro e da Carta Régia de 4 de outubro de 1759, a expulsão da Companhia de todos os domínios portugueses, tendo seus bens inventariados e in- corporados ao tesouro público da coroa. Com a expulsão dos jesuítas, a história da educação brasileira teve um novo início conhecido como Reforma Pombalina que pouco contribuiu para o desenvol- vimento da educação, já que suas ações estavam pautadas no massacre cultural dos povos indígenas, proibindo as línguas nativas e as substituindo pelo português. Para alcançar seus objetivos o primeiro-ministro criou as escolas de Ler e escrever. Entre as principais características do modelo educacional estabelecido por Pombal estão: • Escolas específicas para homens e mulheres (separação de gêneros). • Controle e uniformização do ensino tendo como responsável o Estado. • Aulas Régias ou Avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica com professor único para cada disciplina. • Autonomia das aulas Régias ou Avulsas sem articulação entre as disciplinas. No entanto, o modelo proposto estava fadado ao total fracasso e despertava na po- pulação um forte descontentamento, visto que havia uma grande diferença entre o projeto pombalino e o dos jesuítas. Mediante a isso, Portugal na tentativa de resolver os problemas e reclamações apontadas criou, em 1772, o Subsídio Literário, que con- sistia em um imposto especial para financiar o ensino cobrado sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente. Mesmo com a cobrança destes impostos pouco mudou e os problemas educacionais persistiram até a chegada da corte portugue- sa no Rio de Janeiro em 1808. Pós-Universo 10 A chegada da corte portuguesa trouxe mudanças substanciais para a organiza- ção administrativa da colônia, que logo foi transformada em Reino Unido a Portugal. Segundo Piana (2009), a chegada de D. João VI resultou na necessidade de formação de novos quadros técnicos e administrativos para atender à demanda dos serviços criados, modificando-se, assim, a política educacional que o governo português adotava em relação ao Brasil. Como principais transformações, foram inauguradas diversas instituições educativas e culturais; surgiram os primeiros cursos superiores de Direito, Medicina, Engenharia; fundaram-se escolas técnicas e academias; foram criados os cursos de Economia, Agricultura, Botânica, Química Industrial, Geologia e Mineralogia entre outros. Entretanto, “cabe ressaltar que a maioria dos cursos eram rudimentares em sua organização, pois focava somente a profissionalização (FREITAG, 1980, p. 48 apud PIANA, 2009, p. 61), Ou seja, os cursos superiores nasciam no Brasil como um modelo de instituto isolado de natureza profissionalizante que visava atender essencialmen- te os filhos da aristocracia, que não podiam ir estudar na Europa devido o bloqueio estabelecido pela esquadra napoleônica (SOUZA, p. 11, 1991 apud COSTA; RAUBER, 2009, p. 245). Ribeiro (1993, p. 17), ao tratar deste período, retoma as transformações trazidas por D. João VI, mas salienta que as alterações realizadas no âmbito da educação não se estendiam à população em geral que continuou analfabeta e sem acessos as ins- tituições educacionais. Em suas palavras: “ Com a presença de D. João VI no Brasil durante mais de uma década, ve- rificaram-se mudanças no quadro das instituições educacionais da época, com a criação do ensino superior não-teológico: Academia Real da Marinha, Academia Real Militar, os cursos médico-cirúrgicos, a presença da Missão Cultural Francesa, a criação do Jardim Botânico, do Museu Real, da Biblioteca Pública e da Imprensa Régia. Relevantes por serem os primeiros centros de educação e cultura do Brasil, não deixam de revelar as intenções aristocráti- cas de D. João, pois o ensino primário foi esquecido e a população em geral continuou iletrada e sem acesso aos grandes centros do saber. Foi, deste modo, em 1822 com a Proclamação da Independência que muitas coisas começaram a mudar, sobretudo com a necessidade de se organizar um governo in- dependente, capaz de gerir o recém-formado Estado brasileiro. Pós-Universo 11 A Constituição outorgada em 1824 em seu artigo 179, XXXII e XXXIII, contempla- va a gratuidade do ensino primário a todos os cidadãos, bem como a instituição de Colégios e Universidades com o propósito de ensinar Ciências, Letras e Artes. Entretanto, os recursos humanos e de infraestrutura eram insuficientes para o estabelecimento de um sistema educacional. Frente a isso, não havia, nesse momento, a atribuição de competências específicas às províncias para sua efetivação, ou seja, sua realização, prefe- rencialmente, ficaria sob a responsabilidade da família e da Igreja (TEIXEIRA, 2008, p.149). Devido à forte necessidade e urgência de pessoal capacitado para preencher os quadros administrativos do país que há pouco se libertara politicamente, o governo monárquico estabeleceu como foco principal de suas ações educacionais o ensino superior. O Estado recém-formado desconsiderava os problemas educacionais, fato que pode ser observado pela promulgação da Lei de 15 de outubro de 1827, que teve vigência até 1946 como a única lei geral para o ensino elementar. A lei, de acordo com Ribeiro (1998), determinava a criação de escolas de primei- ras letras e instituía o ensino primário para o sexo feminino em todas as cidades, vilas ou povoados mais populosos visando a criação de uma rede escolar no Brasil, trazen- do determinações sobre a formação e a contratação de professores. No ano de 1834, o governo monárquico descentralizou a responsabilidade educa- cional em todo território brasileiro por meio de um Ato Institucional nº 6, incorporado à Constituição, que trazia como diretrizes, entre outras coisas, a descentralização da educação de segundo grau. O Ato, conforme artigo 10, § 2º, determinava que caberia às províncias o direito de legislar e controlaro ensino primário e médio e ao poder central a exclusividade de promover e regulamentar o ensino superior. Sobre a des- centralização da responsabilidade educacional, Ribeiro (1993, p. 17) afirma que “ a preferência dos estudantes por Direito e as duas escolas existentes, uma em São Paulo e outra em Recife, fizeram com que o currículo do nível médio se submetesse ao currículo destas faculdades. O conteúdo do ensino médio era humanístico, reflexo da aversão da sociedade ao ensino profissionalizan- te. Numa ordem social escravocrata, isto se justifica, baseando-se no fato de a mão de obra ser muito rudimentar. A falta de recursos e o falho sistema de arrecadação tributária com fins educacionais, impossibilitaram as provín- cias de cumprirem o papel que lhes fora dado: o de regular e promover o ensino primário e médio. O total abandono destes níveis educacionais abriu caminho para que particulares assumissem o nível médio, o que contribuiu ainda mais para a alta seletividade e o elitismo educacional. Pós-Universo 12 Neste sentido, a criação do Colégio Pedro II tornou-se um dos marcos no setor educacional durante o período de 1834 a 1889, pois tinha o papel de servir como padrão de ensino. Ao longo desse processo (1860-1890), a iniciativa particular no sistema educacional cresceu em oposição à situação de total abandono pelo Estado (PIANA, 2009, p. 61). Outra característica do ensino secundário no século XIX dizia respeito à educação estar voltada totalmente para o preparo dos alunos para o in- gresso na escola superior mediante a forte pressão exercida pela classe dominante que desejava que seus filhos fossem reconhecidos rapidamente como “os homens cultos do país”. Na educação média, a arte de falar bem era mais importante do que a criatividade do indivíduo (RIBEIRO, 1993, p. 17). Não obstante, sobre a educação básica,Teixeira (2008, p. 20) esclarece que: “ em relação ao ensino fundamental e ao secundário, convém esclarecer que não foi dada a eles ênfase idêntica à que vinham merecendo em outros países. No secundário, não havia um currículo próprio, e a escolha das ma- térias ministradas era feita aleatoriamente em cada estabelecimento, bem como não existia a exigência do término de um curso para o início de outro. Contribuiu para essa estrutura precária a falta de recursos, que resultava da tributação ineficiente e que se traduziu no pequeno número de estabeleci- mentos e na baixa remuneração dos professores. Assim, o sistema educacional inserido pela monarquia constitucional pouco alterou o sistema de desigualdades estabelecidos no cenário educacional brasileiro, uma vez que a sociedade escravocrata vigente ainda mantinha mais de 60% da popula- ção brasileira fora dos bancos da educação primária. Isto é, a sociedade elitista por meio de seu governo centralizador não demonstrava preocupações substanciais com o desenvolvimento da educação pública no Brasil, já que a educação por si só se tornou um princípio de dominação e exclusão social. Pós-Universo 13 Políticas Públicas Educacionais no Brasil Pós-Universo 14 Como vimos anteriormente, o sistema educacional iniciado pela Companhia de Jesus e alterado pelas Reformas Pombalinas trouxe poucas mudanças sociais ao longo dos quase trezentos anos que esteve sendo praticado nas terras brasileiras, estabelecen- do uma educação elitista para os que aqui viviam. A chegada da corte portuguesa simbolizou um suspiro em prol de transformações no âmbito educacional ao estabelecer mudanças no cenário econômico, político, social. No entanto, o que percebemos durante a maioria do século XIX foi o estabe- lecimento de uma educação pautada no patrimonialismo excludente, na erudição de uma elite intelectual que colocava às margens da sociedade a maioria da popu- lação que não possuía posses, amargava a miserabilidade e se submetia aos mandos da monarquia e dos grandes proprietários que mantinham um regime escravocrata. Nesta direção, os três modelos educacionais adotados até o final do século XIX pouco contribuíram para o desenvolvimento social do Brasil e estabeleceram um cenário segregacionista em que tivemos o extermínio cultural quase completo dos povos indígenas, a manutenção da escravatura e a exclusão de todos aqueles que não possuíam posses. Mediante a isso, a educação brasileira amargou a reprodução do modelo educacional lusitano que se inspirava na prática da educação europeia e desconsiderava as características locais e regionais que o recém-Estado exigia. As consequências foi o fracasso e as heranças de uma política educacional que apre- senta problemas até os dias atuais. Frente a isso, ao se tornar República em 1889, o Brasil iniciava um novo ciclo em sua estruturação como Estado, com uma nova organização política e administrativa que se colocava sob a égide de uma democracia representativa em que o Estado se organizaria a partir de então como uma República Federativa. A Proclamação da República simbolizava a ideia de uma ampliação do papel do Estado na oferta de serviços públicos à população brasileira, a qual trazia a dimensão na necessidade da inserção da população escravista recém-libertada e os cuidados com aqueles que sempre amargaram o descaso com suas situações de vulnerabili- dades sociais na agenda pública dos governos federais e estaduais. Contudo, a nova organização do sistema político do Estado resultou em mudan- ças no sistema educacional brasileiro? De acordo com Piana (2009, p. 62), mesmo com a Proclamação da República pouco se alterou no cenário educacional brasileiro até a década de 1930. A falta de uma formu- lação de política educacional para a expansão do ensino foi lenta e irregular, quase não alterou o cenário, pois “houve somente investimento e expansão no ensino superior, Pós-Universo 15 por meio da criação de muitas escolas para a formação de profissionais liberais, em atenção aos interesses de uma classe dominante para a permanência no poder”. Teixeira (1969, p. 295 apud TEIXEIRA, 2008, p.154), ao tratar do sistema educacio- nal no início do período republicano ressalta que “ com efeito, apesar de uma pregação, a que não faltou eloqüência e brilho, a República não logrou ampliar consideravelmente as oportunidades educativas. A situação, após a Primeira Guerra Mundial, apresentava-se deficiente quanto ao ensino primário e, em relação ao ensino médio, com a dualidade dos sistemas educacionais, poucas oportunidades oferecia para a ascensão social. O sistema era adequado à estagnação social necessária à manutenção dos privilégios. A Constituição de 1891 determinou a laicização do Estado e descentralizou a res- ponsabilidade da política de educação. Caberia à União a incumbência de gerir o ensino superior, e aos Estados o ensino primário e secundário embora ambos pudes- sem criar e manter instituições de ensino superior e secundário. No ano de 1984, foi criado o Ministério da Educação e da Instrução Pública que logo foi extinto e a edu- cação passou a ser de responsabilidade do Ministério da Justiça. O direito à educação foi disciplinado nos artigos 35 e 72 da Constituição de 1891. Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: 1º) velar na guarda da Constituição e das leis e providenciar sobre as ne- cessidades de caráter federal; 2º) animar no País o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal. Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade,à segu- rança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. Fonte: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. atenção Pós-Universo 16 O que podemos perceber é que as primeiras décadas da República pouco altera- ram o cenário da educação. Foram criadas novas escolas primárias e secundárias, no entanto, em quantidade insuficiente para superar os problemas oriundos do período monárquico, que também deixou como legado ao governo republicano o interes- se de continuar investindo na expansão do ensino superior, “por meio da criação de muitas escolas para a formação de profissionais liberais, em atenção aos interesses de uma classe dominante para a permanência no poder” (PIANA, 2009, p.62). O cenário da educação pública teve seu princípio de mudança significativa após a Segunda Guerra Mundial com o aparecimento de novos intelectuais e com medidas que traziam um cenário propício de mudança para a educação republicana. No entanto, essas mudanças puderem ser percebidas ao longo da década de 1930 e 1940, especialmente, no governo de Vargas. Entre as mudanças mais importantes para a educação podemos citar: • Criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública em 1930. • Conferências Nacionais de Educação. • Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. • Início de uma democratização no ensino. • Introdução do ensino primário gratuito e obrigatório e o ensino religioso facultativo. • Introdução do ensino profissionalizante e a obrigatoriedade para as indús- trias e sindicatos da criação de escolas na esfera de sua especialidade para os filhos de operários ou associados. • Foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Neste sentido, vale a pena perceber que a partir da década de 1930, segundo Pinto (1986, p. 62 apud PIANA, 2009, p. 65), “ no campo educacional brasileiro surgiram mudanças consideráveis, pois teve início um período em que se desenhou uma certa democratização no ensino, principalmente, em virtude de alguns fatores, entre eles, a discus- são em torno da “escola ativa” de Dewey, tendo como seguidores no Brasil, Pós-Universo 17 Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Francisco Campos. Todos foram nomes renomados no Brasil e ocuparam cargos governamen- tais. E, mesmo por meio das influências estrangeiras, foi possível propiciar a discussão dentro dos parâmetros da realidade brasileira. Desta forma, o movimento iniciado trazia uma nova forma de se pensar a educação no Brasil e a Escola Ativa com seus pioneiros expressava a necessidade de um ensino público que tivesse o Estado como protagonista. Ou seja, o Estado deveria dar con- dições reais para que as transformações ocorressem. O Manifesto dos Pioneiros foi o resultado das Conferências de Educação que acreditavam em uma Escola organizada pelo Estado a partir de um plano geral de educação, e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. Escola ativa, segundo Lourenço Filho (1978, p. 158), um dos seus principais percussores, e o local onde “ aprende-se observando, pesquisando, perguntando, trabalhando, construin- do, pensando e resolvendo situações problemáticas apresentadas, quer em relação a um ambiente de coisas, de objetos e ações práticas, quer em situa- ções de sentido social e moral, reais ou simbólicos. Ou seja, de acordo com o autor, o novo modelo de escola deveria estar inserido no âmbito global de forma que a prática pedagógica devesse levar em consideração a autoeducação e a aprendizagem, no qual o sujeito estava inserido em um proces- so ativo. Dermeval Saviani (1985) nos atenta para as consequências deste novo modelo educacional que, de acordo com ele, foi basicamente organizado para grupos de elite da sociedade, estendeu-se para a rede de educadores e acabou gerando con- sequências negativas para a educação. Em suas palavras: “ a “Escola Nova” organizou-se basicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamen- te difundido, penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpre assinalar que tais conseqüências foram mais Pós-Universo 18 negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da disci- plina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento. Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a qualidade do ensino destina- do às elites. (SAVIANI, 1985, p. 14). Mesmo com tais consequências o movimento em prol dos ideários da Escola Nova suscitou um debate em torno das políticas educacionais em todos os setores da so- ciedade. E foi ao final da Segunda Guerra Mundial em 1945, especificamente, com a Constituição de 1946, que ocorreram novas reformas a partir de um longo período de reivindicações oportunizando deste modo um movimento em prol da escola pública, universal e gratuita, “que repercutiu diretamente no Congresso Nacional e culminou com a promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. As discussões em torno dessa Lei contribuíram para conscientizar o poder político sobre os problemas educacionais” (PIANA, 2009, p.65). A Lei n° 4.024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) se tornou a principal conquista da política da educação até então, já que ela se voltava dire- tamente para a base curricular dos três graus de ensino: o primário, o médio e o superior sob a responsabilidade do Estado, que, no entanto, viria a sofrer várias alte- rações posteriormente. Uma das principais mudanças que puderam ser verificadas na legislação edu- cacional ocorreu na mesma década, quando a nova Constituição Federal de 1967 possibilitou a abertura do ensino para a iniciativa privada e a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que tornou obrigatório investimentos apenas aos municípios, o que foi alterado pela Emenda Constitucional nº 24, em 1983, que es- tendeu essa obrigatoriedade à União, estados e Distrito Federal. O que se percebeu nos anos seguintes, especificamente no Período da Ditadura Militar, foi que ocorreu um aumento significativo do número de matrículas na edu- cação básica, contudo, esse aumento não foi acompanhado de qualidade, pois sem se preocupar com a qualidade do ensino que se estava oferecendo, o Estado, reali- zou poucos investimentos em recursos e na formação docente. Pós-Universo 19 Neste sentido, o período de redemocratização do país na década de 1980 sina- lizava para a necessidade de se pensar um sistema educacional que atendesse as reais necessidades da educação brasileira, sobretudo onde o Estado colocava em sua agenda governamental a educação pública como prioridade para o processo de de- senvolvimento do país. Desta forma, a Constituição Federal de 1988 resultou no estabelecimento da obri- gatoriedade do ensino de qualidade e em consonância com dignidade da pessoa humana, que podem ser vistos nos artigos 205 a 209. Isso não significa que as polí- ticas educacionais passaram a ter lugar de destaque nas agendas governamentais e muitos debates foram travados até a aprovação da Lei 9.934/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB). Nesta direção, a nova LDB significou um expressivo avanço para as políticas públi- cas educacionais no Brasil, entretanto, ainda temtentado romper com várias barreiras para a sua efetivação, tais como a busca pela melhoria da qualidade educacional; a formação e aperfeiçoamento dos docentes; a autonomia universitária e a universa- lização do ensino fundamental entre outros. Deste modo, a “ Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Brasileira de 1996 é a primeira lei geral da educação promulgada desde 1961 e tem ampla repercussão sobre o sistema escolar. O governo assume a definição da política educa- cional como tarefa de sua competência, descentralizando sua execução para Estado e municípios. O controle do sistema escolar passa a ser exer- cido por meio de uma política de avaliação para todos os níveis de ensino (PIANA, 2009, p. 67). Assim, as heranças deixadas pela companhia aos brasileiros persistem até os dias atuais, visto que ainda presenciamos muitas práticas realizadas na época colonial, tais como uma política da exclusão pautada na submissão e no cumprimento das ordens dos grupos dominantes e na reprodução de modelos educacionais que des- consideram as realidades locais e regionais do Brasil. Pós-Universo 20 Educação do Campo Pós-Universo 21 Ao tratarmos da Educação do Campo, necessitamos ter como pano de fundo todo o histórico pelo qual as políticas educacionais passaram nestes últimos séculos no Brasil, uma vez que a Educação do Campo tem sido uma das responsáveis na atua- lidade por um movimento em que as políticas educacionais passam a ser tratadas a partir da realidade do sujeito. Esse movimento que visa aproximar a educação das realidades dos diferentes povos, indígenas, quilombolas, camponeses entre outros, tem como dimensão prin- cipal o reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo possuem direito de uma educação diferenciada de forma que as políticas educacionais rompem com os vieses organizativos territoriais (geográficos) e passem a compreender as necessida- des culturais, os direitos sociais e a formação integral desses indivíduos. O contexto histórico da formação da Educação do Campo não se expressa pelo atendimento das necessidades da população rural, mas ao atendimento dos interes- ses mercantis do governo brasileiro. A este respeito, Maia (1982, p. 27) ressalta que o interesse nas primeiras décadas do século XX, os debates sobre a educação rural “revelam a grave situação de instabilidade social do país na medida em que con- seguiu até reunir na mesma campanha grupos de interesses opostos: o agrário e o industrial”. A junção destes grupos, de acordo com a autora, tinha como atenuan- te conter a migração da população do campo para a cidade fixando, deste modo, o homem no campo. Isto é, a pretensão era uma escola integrada às condições locais regionalistas, com o foco voltado a promover a fixação do homem ao campo. Esse movimento ficou conhecido como Ruralismo Pedagógico, que de acordo com seus defensores, o campo era percebido pela sociedade como um lugar de atraso e ignorância e caberia então à escola do campo a função de proporcionar à população rural o desenvolvimento, tirando da miséria econômica e intelectual. Cabe pontuar que o Ruralismo Pedagógico pautava-se nos ideais do capitalismo nacio- nalista. Mesmo frente a essa forte corrente, ao se chegar na década de 20 o que se percebeu foi a “extrema precariedade de funcionamento das escolas rurais, como con- sequência do autoritarismo que se fortaleceu com a “política dos governadores” e o desinteresse por parte das oligarquias rurais em difundir o ensino” (MAIA, 1982. p. 28). Não obstante, na década de 30 expressou um avanço para a Educação do Campo, especialmente com a criação da Sociedade Brasileira de Educação Rural no ano de 1937. O objetivo da instituição expressava-se pela expansão do ensino e da preser- vação da arte e folclore rurais, trazendo para o debate a importância da educação do Pós-Universo 22 campo como um canal de difusão ideológica. “Era preciso alfabetizar, mas sem des- cuidar dos princípios de disciplina e civismo” (MAIA, 1982. p. 28). A dimensão estrutural da Educação do Campo continua em evidência e, ao final da Segunda Guerra Mundial, foi criada a Comissão Brasileira de Educação das Populações Rurais (CBAR). Leite (2002, p. 32) ao tratar da CBAR ressalta que o objeti- vo principal da comissão era “ a implantação de projetos educacionais na zona rural e o desenvolvimento das comunidades campestres, mediante a implantação de centros de trei- namento (para professores especializados que repassariam as informações técnicas aos rurícolas), a realização de semanas ruralistas (debates, seminários, encontros, dia de campo) e também a criação e a implantação dos chama- dos clubes agrícolas e dos conselhos comunitários rurais. Louzada (2008, p. 4) retrata os avanços da educação do campo mediante a coor- denação da CBAR, bem como as políticas oriundas dos trabalhos da comissão. De acordo com a autora: “ A “educação rural” brasileira tomou um grande impulso. Várias e diferentes iniciativas foram tomadas para a divulgação e informação, tais como: cursos rápidos e práticos, imprensa, rádio, cinema, edições de publicações instrutivas, semanas ruralistas, clubes agrícolas, centros de treinamento. Consequentemente surgem, nas décadas de 1940 e 1950, diferentes programas oficiais de educa- ção e extensão rural que pretendem atingir as bases populares para atender às necessidades culturais, produtivas e industriais do país. Na perspectiva de Leite (2002), a história da Educação do Campo no Brasil é pautada no assistencialismo governamental, pois o Estado encarava o camponês como carente, subnutrido, pobre e ignorante. No início da segunda metade do século XX, década de 1950, foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural e o Serviço Social Rural, os quais tinham por objetivo a formação de técnicos responsáveis pelo desenvol- vimento de projetos de educação de base e programas de melhoria de vida. No entanto, tais medidas desconsideravam a origem dos problemas e a realidade vivida no campo. O foco se dava nas Missões Rurais, um programa realizado por meio do apoio financeiro dos Estados Unidos e do Brasil que colocaram à disposição da CBAR Pós-Universo 23 um grupo de especialistas em educação e extensão rural, que previa entre outras ações o treinamento de brasileiros na América do Norte. O resultado das ações foi a implementação de uma educação para a população rural que não condizia com suas necessidades e realidades. Desta forma, em âmbito nacional, “ o período do final dos anos 1950 e início dos anos 1960 é especialmente rico em debates e lutas políticos e educacionais, especialmente voltados para a educação popular e de adultos, motivados pela sociedade civil organizada em Sindicatos e Associações de Trabalhadores (...) Com o golpe de 1964, e os sucessivos governos militares, a participação da sociedade civil na discussão e organização em torno de problemas nacionais foi interrompida e reprimida, com extinção de movimentos sociais rurais e iniciativas individuais e coleti- vas (LOUZADA, 2008, p. 6). A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 4.024/61) determinou como responsabilidade dos municípios a Educação do Campo, ficando esta inerte, já que a prioridade desenvolvimentista dos governos militares estava no plano eco- nômico e os poucos investimentos nas políticas educacionais eram insuficientes e desenhavam um cenário de precarização de todo o sistema educacional brasileiro. Em outras palavras, as “políticas educacionais homogeneizadoras do Ministério da Educação do governo militar reforçam a ineficiência e ineficácia dos programas de educação rural, concebidos sob a ótica da integração nacional na sociedade capita- lista de mercado” (LOUZADA, 2008,p. 6). Neste sentido, a educação ganhava um enfoque técnico instrumentalista e de ordenamento social, uma vez que o objetivo era a formação de técnicos para as ati- vidades agropecuárias. “Em meados da década de 1960, por ocasião da implantação do modelo Escola-Fazenda no ensino técnico agropecuário, os currículos oficiais foram elaborados com enfoque tecnicista para atender ao processo de industriali- zação em curso (BRASIL/MEC/SECAD, 2007, p. 11). De acordo com Calazans (1993, p. 34 apud LOUZADA, 2008, p. 8), os programas educacionais específicos para o meio rural delinearam-se nos anos 1970, a partir do II Plano Setorial de Educação, quando se estabeleceu como objetivos e diretrizes da educação rural: Pós-Universo 24 “ a) aquisição de conhecimentos que possibilite ao indivíduo e à comunidade a compreensão do meio em que vivem e os instrumentalizar para encontrar a melhor solução para as situações que impedem ou dificultam o seu de- senvolvimento; b) aquisição de conhecimentos que leve a um aumento da produtividade e, em conseqüência, a uma melhoria das condições de vida; c) participação da comunidade no desenvolvimento, na transformação ou adaptação de estruturas de natureza econômica e social, tais como: coope- rativas, escolas, programas, pelotões de saúde etc. Mediante os movimentos de resistência à ditadura militar e com forte apoio da so- ciedade civil em prol de uma educação popular na década de 1980, a educação do campo passou a figurar entre as pautas daqueles que buscavam discutir as estraté- gias para um processo de redemocratização do país. A ideia central era “reivindicar e simultaneamente construir um modelo de educação sintonizado com as particulari- dades culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos camponeses”, o objetivo, entretanto, “era o estabelecimento de um sistema público de ensino para o campo, baseado no paradigma pedagógico da educação como elemento de per- tencimento cultural” (BRASIL/MEC/SECAD, 2007, p.11/12). Entre os principais atores sociopolíticos que lutaram para uma educação no campo na década de 1980 estavam: os sindicatos de trabalhadores rurais, organizações comunitárias do campo, educadores ligados à resistência à ditadura militar, partidos políticos de esquerda, sindicatos e associações de profissionais da educação, setores da Igreja Católica identificados com a teo- logia da libertação e as organizações ligadas à reforma agrária, entre outras. Fonte: BRASIL/MEC/SECAD (2007). fatos e dados Frente a todo o contexto político-social foi promulgada a Constituição Federal de 1988 garantindo a educação como um direito de todos os cidadãos como respon- sabilidade do Estado e da sociedade civil na promoção dos direitos educacionais. Contudo, a primeira década de constituinte poucos avanços foram percebidos no âmbito educacional, pois as práticas liberais desconsideravam o histórico de exclusão, segregação e desigualdades sociais que estavam enraizados no sistema educacional Pós-Universo 25 brasileiro, o qual ficou submetido à lógica das agências fomentadoras internacionais, tais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Nesse contexto, as políticas para a Educação do Campo começaram a ser dese- nhadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, em 1996, que explicitamente, no Artigo 28, referiu-se diretamente ao processo educacional da população rural. De acordo com este artigo: “ na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendá- rio escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. Este artigo, para além do reconhecimento da importância de se pensar a educação para a população do campo, simbolizou a conquista dos diferentes movimentos que lutavam por este direito, pois a inseriu na lei de diretrizes nacionais atendendo a demanda educacional da população rural de acordo com as especificidades existen- tes no meio rural. Concomitantemente, ele elucidou um novo horizonte para aqueles que estiveram lutando por políticas públicas educacionais direcionadas ao público campesino, com programas e projetos que garantissem que a educação de qualida- de realmente chegasse para aqueles que viviam longe dos conglomerados urbanos. “ Neste particular, o legislador inova. Ao submeter o processo de adaptação à adequação, institui uma nova forma de sociabilidade no âmbito da política de atendimento escolar em nosso país. Não mais se satisfaz com a adap- tação pura e simples. Reconhece a diversidade sócio-cultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes operacio- nais para a educação rural sem, no entanto, recorrer a uma lógica exclusiva e de ruptura com um projeto global de educação para o país (BRASIL/MEC/ SECAD, 2012, p.26). Desta forma, a nova LDB sinalizava para o reconhecimento das necessidades das polí- ticas educacionais do campo, mas não esgotava a pauta e nem resolvia os problemas Pós-Universo 26 que cerceavam o cenário educacional brasileiro. Por estes motivos, a luta continua- va e os atores sociopolíticos envolvidos no processo continuaram a buscar que a Educação do Campo passasse a incorporar a agenda de prioridades governamentais. Todas as articulações existentes entre os diferentes atores políticos em torno da Educação do Campo contribuíram para a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB no. 1, de 3 de abril de 2002) pela Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação. A reso- lução define em suas diretrizes, especificamente em seu Artigo 2º - parágrafo único, que a identidade da Escola do Campo será caracterizada pela “ sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na tempo- ralidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos mo- vimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. O início do século XXI trouxe uma série de conquistas para a Educação do Campo que estão expressas nas legislações a seguir: • Parecer nº 36, de 04 de Dezembro De 2001. • Resolução CNE/CEB nº 1, de 03 de Abril de 2002. • Parecer CNE/CEB nº 1, de 02 Fevereiro de 2006. • Parecer CNE/CEB nº 3, de 18 de Fevereiro De 2008. • Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de Abril de 2008. • Lei nº 11.947, de 16 de Junho de 2009. • Decreto nº 6.755, de 29 de Janeiro de 2009. • Decreto nº 7.352, de 4 de Novembro de 2010. Como podemos perceber, a história das políticas públicas educacionais reflete os di- ferentes conflitos existentes no Brasil; sobretudo, reflete a morosidade de como ela foi se construindo na esfera das políticas públicas. Com relação à Educação do Campo, esta sempre esteve à margem do planejamento de ações que pudessem considerar a população rural em suas especificidades, uma vez que a pouco tempo passaram a estar presente na agenda de prioridades dos governos. atividades de estudo 1. A Reforma Pombalina inseriu um modelo educacional centralizador na Colônia Brasileira. A respeito das características da Reforma Pombalina, assinale a alternativa que não corresponde a uma das principais características do modelo educacional estabelecido por Marques de Pombal. a) Escolasespecíficas para homens e mulheres (separação de gêneros). b) Controle e uniformização do ensino tendo como responsável o Estado. c) Aulas Régias ou Avulsas de Latim, Grego, Filosofia e Retórica com professor único para cada disciplina. d) Articulação entre as disciplinas, sendo um professor para cada disciplina. e) Nenhuma das alternativas está correta. 2. O Movimento em prol dos ideários da Escola Nova suscitou um debate em torno das políticas educacionais em todos os setores da sociedade. E foi ao final de qual evento que ocorreram novas reformas em prol da escola pública, universal e gratuita? a) Segunda Guerra Mundial. b) Ditadura Militar. c) Estado Novo. d) Primeira Guerra Mundial. e) Nenhuma das alternativas está correta. 3. A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 4.024/61) determinou como responsabilidade dos municípios a Educação do Campo. Neste sentido, podemos afirmar que: a) a Educação do Campo obteve fortes avanços na sociedade. b) a Educação do Campo não obteve avanços ficando inerte mediante as políticas educacionais. c) a Educação do Campo passou a contar com recursos orçamentários e um plane- jamento sistematizado para a formação cidadã. d) a Educação do Campo despertou os interesses de todos os municípios brasileiros. e) Nenhuma das alternativas está correta. resumo Evidentemente que a fomentação e implementação de políticas públicas demandam a participação intensiva de todos os setores da sociedade, sobretudo em bases ideológicas que comungam de um Estado Democrático de Direito. É mediante a construção de um Estado Democrático que o sistema educacional no Brasil passou por tantas adversidades ao longo dos séculos, bem como esteve voltado aos inte- resses de uma elite dominante que expressava no Estado as suas necessidades privadas, estabelecendo processos de desigualdades sociais. Conforme o Estado vai se organizando e se estabelecendo, vamos percebendo os avanços no estabelecimento de um sistema educacional capaz de romper com a lógica segre- gacionista e de exclusão social que permeiam a educação no Brasil. Ou seja, as políticas educacionais foram utilizadas por muito tempo como um fator de dominação na socieda- de criando relações de hierarquização e injustiça entre os que aqui viviam, no entanto, ao passo que o Estado vai se fortalecendo, a sociedade vai reiterando a importância da edu- cação para o processo de desenvolvimento no país. Neste sentido, a participação da sociedade na efetivação da educação como uma política estatal foi fundamental para a consolidação desta como responsabilidade do Estado, so- bretudo na constituição de ações que pudessem romper com as práticas excludentes que aqui se estabeleceram. Desta forma, desde a formação educacional jesuíta, temos no cenário educacional brasi- leiro problemas latentes que devem ser evidenciados a fim de serem superados para que, deste modo, possamos edificar um sistema educacional capaz de gerir e lidar com a multi- culturalidade existente no território nacional, por exemplo, no estabelecimento de práticas políticas de reconhecimento das comunidades rurais, bem como em políticas educacio- nais capazes de inserir a população rural nas políticas públicas educacionais brasileiras sem desconsiderar suas características fundamentais. Assim, as políticas públicas educacionais brasileiras ainda estão em processo de fomentação e implementação, buscando romper com o centralismo de homogeneização educacional estabelecendo um modelo multicultural, no qual a educação se torna inclusiva e dinâmi- ca a partir da realidade do sujeito. material complementar As políticas públicas para a educação no Brasil contemporâneo: limites e contradições Autor: Juarez de Andrade e Lauriana Gonçalves de Paiva-Guttierrez Editora: Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF Sinopse: como o nome sugere, o livro, por meio dos diversos artigos que o compõe, busca trazer à luz da discussão o contexto histórico e políti- co que norteia a educação e problematizar para quem ela está à serviço. Quando Sinto Que Já Sei Ano: 2014 Sinopse: A obra reúne depoimentos de pais, estudantes, educadores e profissionais de diversas áreas sobre a necessidade de mudanças no modelo convencional de escola – de carteiras enfileiradas, aulas de 50 minutos e avaliações quantitativas. Na Web O Observatório da Educação tem como objetivos produzir e disseminar informações, pro- mover a pluralidade de opiniões no debate público sobre educação e subsidiar os meios de comunicação, agentes educacionais e movimentos sociais na promoção da educação como direito humano. Conheça esse site. Disponível em: http://www.observatoriodaeducacao.org.br referências BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/lim/LIM-15-10-1827.htm>. Acesso em 27 set. 2017. ______. Casa Civil. 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