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Processo de Individuação e Crise da Meia-idade

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PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO E CRISE DA MEIA-IDADE
José Alberto G. Santos
 
 
A todos aqueles que caminharam
ao meu lado e que me ajudaram
direta ou indiretamente para eu entrar
na faculdade e conseguir permanecer nela
por 5 anos, meu muito obrigado.
À Carl Jung, sem o qual
eu, enquanto (futuro) psicólogo,
não existiria.
 
 
O caminho não é sem perigo.
Tudo de bom é caro e o desenvolvimento da personalidade é
um dos mais caros de todas as coisas.
Carl Jung
 
 
 
ÍNDICE
 
INTRODUÇÃO
PSICOLOGIA ANALÍTICA
CARL GUSTAV JUNG
FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
INDIVIDUAÇÃO E RELIGIOSIDADE
META DO PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
TAREFAS A SEREM REALIZADAS NO PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
PRIMEIRA TAREFA
SEGUNDA TAREFA
TERCEIRA TAREFA
QUARTA TAREFA
QUINTA TAREFA
CRISE DA MEIA-IDADE
EQUAÇÃO A
EQUAÇÃO B
A CRISE DA MEIA-IDADE E SUA SUPERAÇÃO ATRAVÉS DO PROCESSO DE
INDIVIDUAÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO I: GLOSSÁRIO DE TERMOS JUNGUIANOS
 
 
INTRODUÇÃO
Diante das atuais transformações sociais, profundas em suas exigências para com uma nova
humanidade que anseia por vir, torna-se cada vez mais imperioso que psicoterapeutas do mundo
todo ampliem sua visão de homem. E essa amplificação passa necessariamente por um outro
entendimento funcional de humanidade, que pede igualmente outro paradigma científico, ao qual
a Psicologia Analítica se propôs desde o início de seu surgimento.
A despeito de tudo o que foi escrito ou dito, faz quase 60 anos que a obra de Carl Gustav Jung
permanece ainda uma ilustre desconhecida do público brasileiro. Esse público, muitas vezes,
baseia-se em fragmentos de informações que, via de regra, não revelam o todo dessa Psicologia
Profunda, perpetuando erros e equívocos conceituais. Estando o homem atual vivendo uma crise
de identidade onde não há mais a certeza de quem é ou para onde está indo; estando o mundo
atual em franca ebulição não garantindo mais a estabilidade que existia há décadas atrás, a
Psicologia Junguiana apresenta-se como um instrumento que se propõe responder questões que
outros enfoques ainda não foram capazes de esclarecer por inteiro.
Com a transição do século XIX para o século XX, tanto a Psicanálise quanto a Psicologia
Junguiana trouxeram para o mundo a necessidade de um novo paradigma de ciência. Percebeu-se
que o cientificismo moderno impedia uma compreensão ampla de conceitos que não estavam sob
sua tutela, sendo necessário o surgimento de uma nova visão sobre o ser humano e seu modo de
existir no mundo. A partir do pressuposto da existência de um inconsciente, a Psicanálise e a
Psicologia Junguiana trouxeram essa nova epistemologia que ampliou sobremodo a ciência do
século XX. Para essa nova compreensão da mente humana, ficava impossível caminhar de
acordo com a antiga ciência, trazendo assim o conceito de inconsciente, um novo modo de se
compreender o ser humano (NASSER, 2010).
Dentro da Psicologia Analítica, também chamada de Psicologia Profunda ou Psicologia
Junguiana, desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, o Processo de Individuação é
um conceito fundamental. Esse processo só é possível de ocorrer numa pessoa comum por volta
dos 35 ou 40 anos de idade. Desse modo, estudar a crise da meia-idade e o Processo de
Individuação passa a ser algo natural para a Psicologia Analítica. Muitos dos pacientes de Jung
eram pessoas bem-sucedidas em suas vidas, mas mesmo tendo atingido a plenitude, passavam a
sentir um vazio existencial. Jung então percebeu que esse vazio surgia da incapacidade humana
de compreender as exigências do inconsciente e colocá-las em relação direta com as demandas
da mente consciente. No momento em que o indivíduo conseguia fazer isso, ele estava tomando
consciência e fomentando seu Processo de Individuação (MOTTA & PAULA, 2005).
Para a Psicologia Analítica a estrutura psíquica possui características de criatividade, uma
criatividade que muitas vezes surge da necessidade interna de expressar a experiência em sí. Essa
necessidade de criação pode ser compreendida como um complexo autônomo, que necessita de
ser dada a vazão. A criação se dá, muitas vezes, através da inspiração. De onde vem a
inspiração? De fora? Não, mas sim do inconsciente, sendo ele o regulador das ações humanas. O
espírito humano é naturalmente criativo, precisa criar, viver experiências novas (BARCELLOS,
2004).
Podemos compreender o Processo de Individuação como um evento independente de realização
do todo individual, vivenciada como um completar-se psicológico. Nessa realização do Si-
Mesmo, há a conjunção do consciente e do inconsciente. O Processo de Individuação objetiva
nos colocar em conexão com o Arquétipo do Eu. Esse Eu enquanto inteireza e capacitado para a
autotrancendência. Esse Eu pode ser representado, imageticamente, pelas imagens arquetípicas
do Sábio, Ancião ou ainda, do Eremita (JEFFREY, 2018).
Durante a meia-idade o ser humano busca valorizar-se mais. Durante essa fase, que pode ocorrer
a partir dos 40 anos de idade crises podem surgir. Nesse momento é possível começar a valorizar
o modo de se empregar o tempo pessoal, pois há a consciência da finitude da vida. A
culminância será pela busca da estabilidade pessoal (CARMO et al., 2004).
Motta & Paula (2005, p. 20) sugerem que a crise da meia-idade pode surgir em “decorrência da
falta de consciência da necessidade de dar vazão ao desenvolvimento psíquico em busca da
integração ou totalidade”. Afirmam também que após a conquista de alguns êxitos preconizados
pela vida social o ser humano pode começar a se questionar se não há mais nada para se almejar.
Os referidos autores sugerem que a paz e a harmonia interiores só são alcançados se eles se
voltarem para seu inconsciente, sondando suas escolhas e as reavaliando.
Com relação à crise da meia-idade, esse termo foi criado em 1965 pelo psicanalista canadense
Elliot Jaques. Serve para assinalar um período de profunda transformação na vida humana a
partir da segunda metade da vida (SCARDUA, 2011).
A pesquisa de Elliot, denominada A morte e a crise da meia-idade, publicada em 1965, envolveu
o estudo do hábito criativo de 310 artistas famosos, observando que a partir dos 30 anos de idade
a produção criativa dos mesmos tendia a diminuir. Elliot descobriu que alguns desses artistas
entravam em depressão, enquanto outros cometiam suicídio e observou o mesmo padrão em seus
pacientes clínicos (ELLIOT, 1965 apud SUDDAH, 2017).
Justifica-se o estudo do tema escolhido em virtude de sua atualidade. Cada vez mais o homem
moderno está sentindo necessidade de autoconhecimento e nessa busca acaba encontrando um
vazio existencial por não saber como empreender essa renovação. O aumento populacional e o
avanço tecnológico têm por consequência o aumento da competitividade, levando o homem de
meia-idade a não ter garantias ou certezas quanto à estabilidade profissional no futuro. Esse tipo
de incerteza pode gerar estados de espírito difíceis de serem processados pela mente que até
então estava acostumada a trabalhar dentro de um determinado padrão que, atualmente, muda
constantemente.
Além disso, traumas e/ou lacunas ocorridas na primeira infância podem emergir do inconsciente
diante de situações de gravidade emocional, eventos inesperados como separação, morte de entes
queridos, perda de emprego ou doenças. As incertezas do futuro somadas a possíveis problemas
de saúde como diabetes, pressão alta ou outros são fatores que podem promover, evidenciar ou
desencadear a crise da meia-idade.
Compreende-se o Processo de Individuação como mais uma tarefa que o ser humano precisa
realizar a partir da meia-idade. Sendo assim, o sentimento de crise ou mesmo o vazio existencial
exist para uma humanidade que não foi informada a respeito do que ainda pode realizar. Desse
modo, esse processo pode ser uma ferramenta que psicólogos de orientação junguiana podem vir
a usar com alguns de seus pacientes clínicos,um instrumento valioso, revelando potenciais
humanos ainda desconhecidos.
Este estudo objetiva verificar se o Processo de Individuação pode auxiliar na superação da Crise
da meia-idade. É uma pesquisa literária não se propõe a respostas definitivas, visto que o ser
humano está em constante transformação, mas sim, promover uma reflexão sobre o tema e suas
possibilidades futuras.
PSICOLOGIA ANALÍTICA
Atualmente percebemos que o que torna difícil a compreensão dos escritos junguianos é
justamente a enorme erudição de seu autor. Sua obra é extensa e complexa, o que dificulta o
entendimento para aquele que está iniciando seus estudos na Psicologia Analítica (BATISTA,
2014). A visão de Jung a respeito do ser humano é teleológica e prospectiva. A teleologia busca
a compreensão das aspirações do indivíduo e Jung busca pensar o sujeito em seu desenvolvimeto
futuro (AMORIM, 2004).
Barbosa & Barbosa (2016), corroboram com a idéia de a erudição de Jung dificultar a
compreensão da Psicologia Analítica. Segundo os autores, a obra de Jung é uma obra complexa,
pois ele não se preocupou em criar um método de estudos. Além de seus conceitos tornarem-se
um desafio para os iniciantes na Psicologia Analítica, igualmente é difícil o manejo desse
conhecimento no âmbito acadêmico.
Para Jung, que denominou sua teoria de Psicologia Analítica, a estrutura psíquica do ser humano
é composta por diversas instâncias que se relacionam mutuamente, sendo a consciência a única
parte conhecida via experiência direta. A consciência opera através de quatro funções básicas:
pensamento, sentimento, sensação e intuição. E elas são expressadas através de atitudes que
podem ser ou extrovertida ou introvertida (NASSER, 2010). Em 1921 Carl Jung lançou um livro
que é considerado fundamental em sua obra: Tipos Psicológicos, em que ele vai explorar
profundamente as quatro funções bem como as atitudes mentais frente a elas.
Para a Psicologia Analítica quando são vivenciadas experiências emocionais muito significativas
a tendência é reprimí-las. Estas emoções formam estruturas que influenciam a psique durante
toda a vida. A essas estruturas Jung denominou-as de Complexos (TAFFORELLI, 2018).
Jung buscou entender quais partes compunham a estrutura da personalidade; de que forma essas
partes se relacionavam entre sí e com o mundo externo. De onde vinha a energia que ativava a
personalidade e como ocorria a destribruição dessa energia. Ainda, de onde vem a
personalidade? Quais mudanças podem ocorrer na personalidade ao longo do tempo? Por se
ocupar dessas e de outras questões é que a teoria de Jung é considerada uma teoria compreensiva
da personalidade. Ainda, a partir desse entendimento, Jung concluiu que a meta última da
Psicologia Analítica é a psicossíntese do individuo (HALL & NORDBY, 1993).
Com o passar do tempo e a partir de estudos, Jung formulou que o melhor termo que poderia
expressar o todo da personalidade é Self. É o Self a região central da personalidade humana e que
mantém coesas as outras instâncias que existem no consciente e no inconsciente. O Self é
responsável por criar e manter a unidade, o equilíbrio e a estabilidade da personalidade e da
psiquê (HALL, LINDZEY & CAMBELL, 2008).
Psiquê é uma palavra de origem latina que designa “alma”, porém, ao longo do tempo passou a
significar mente – a mente humana. A psiquê humana é a instância que abrange o todo, fazem
parte dela todos os pensamentos, sentimentos, as ações e tudo aquilo que é consciente e
inconsciente. “O conceito de psique sustenta a ideia primordial de Jung de que uma pessoa, em
primeiro lugar, é um todo” (HALL & NORDBY, 1993, p. 25).
CARL GUSTAV JUNG
A importância de verificar, mesmo que brevemente, a vida de Jung reside no fato de sua obra e
sua vida pessoal se intercalarem. Isto ocorre por que sua vida é compreendida, hoje, como um
exemplo de um Processo de Individuação que o levou a auto realização (AMORIM, 2004).
Carl Gustav Jung nasceu em Kesswyl, Suíça, em 26 de julho de 1875. A partir de 1895 começa a
estudar medicina na Universidade da Basiléia, estudos esses que vão se estender até o ano de
1900. Nesse mesmo ano ele lê A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud, e sente-se atraído
pelas idéias do médico vienense. Foi também em 1900 que ele conhece o ilustre médico Eugen
Bleuler, chefe do Hospital Psiquiátrico Burgölzli, em Zurique e consegue tornar-se seu
assistente, se especializando em psiquiatria. É nesse hospital que ele vai montar um laboratório
experimental onde começa a fazer pesquisas com associações de palavras. A partir de 1905 ele
torna-se professor de Psiquiatria na faculdade de Medicina da Universidade de Zurique, atividade
essa que irá manter até 1913. Após isso abdica do cargo para poder dedicar-se a estudos pessoais
e viagens que iria empreender por toda sua vida. A partir de 1906 passa a trocar correspondência
com Sigmund Freud, a quem vem a conhecer pessoalmente em 1907, iniciando aí uma intensa
relação pessoal e profissional (HALL & NORDBY, 1993).
A partir de 1912 a relação de Jung e Freud já está bastante desgatada, sendo definitivamente
encerrada em 1913 com uma carta deste último. Nessa correspondência Freud afirma que “meu
único laço emocional com você há bastante tempo já é apenas um frágil fio, sinta-se totalmente
livre e poupe-me de seus pretensos sinais de amizade” (HALL, LINDZEY & CAMBELL, 2008,
p. 85).
Após um período de introspecção e paralisação criativa, surgida do rompimento com Freud, Jung
passa a se preparar para uma nova fase em sua vida intelectual. A partir de 1920 ele começa a
viajar a outros países e continentes para buscar conhecimento em experiências diretas. Realiza
viagens para a África do Norte, nos EUA visita o povoado dos índios Pueblo. Depois visita o
Quênia e a Uganda, viaja para a Índia, além de Ravena, Roma e outras localidades da Europa.
Isso o leva a ampliar sua compreensão através do conhecimento cruzado entre antropologia,
religião, e cultura. Verificou a existência de elementos comuns em culturas isoladas umas das
outras, o que o levou a, mais tarde, desenvolver o conceito de Inconsciente Coletivo (JUNG &
JAFFÉ, 2015).
Carl Jung faleceu aos 85 anos em 6 de junho de 1961, em sua casa à beira do lago de Zurique.
Foi homenageado ainda em vida, já na velhice. Em sua última noite bebeu uma taça de seu
melhor vinho. Na noite de seu falecimento uma intensa tempestade caiu sobre a cidade. Deixou
três livros para serem publicados após sua morte: Memórias, sonhos, reflexões, sua autobiografia
escrita com o auxílio de sua secretária Aniela Jaffé; O livro vermelho que ficou escrevendo
durante 16 anos e deu ordens expressas para que fosse publicado apenas após sua morte
(BOECHAT, 2014), e O homem e seus símbolos, um conjunto de 6 artigos científicos, sendo o
primeiro de sua autoria e os outros quatro de discípulos seus que ele havia selecionado
previamente (HYDE & McGUINNESS, 2012).
FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO
Muito se fala a respeito da obra junguiana, no entanto, poucas pessoas se preocupam em ir em
busca de seus fundamentos epistemológicos. Inicialmente não havia a intenção de escrever sobre
epistemologia nesse trabalho. No entanto, no decorrer da escrita, percebeu-se que ele ficaria
incompleto caso não se buscasse lançar alguma luz sobre as influências que Jung recebeu ao
longo de sua vida. O intento, com este capítulo, é encontrar alguma referência da origem de suas
idéias, quais pensadores o influenciaram.
São escassas as obras literárias que buscam sistematizar a Psicologia Junguiana e isto, por sua
vez, dificulta sua entrada no meio acadêmico. Segundo alguns dos autores consultados, o livro
Jung e a construção da Psicologia Moderna – O Sonho de uma Ciência, de Sonu Shamdasani
(2011), é o que melhor se dedicou a esta empreitada.
Segundo Penna (2004), a obra de Carl Jung é uma obra inédita no mundo. Seus pressupostos
levaram as pessoas a pensar em termos de ontologiae epistemologia de um jeito novo. Segundo
o autor, pode-se mesmo compreender que Jung obrigou o mundo da ciência a se deparar com um
novo paradigma científico.
Por ter sido desenvolvida para a aplicação clínica, e por seu embasamento ser visto erroneamente
como não cientifico, a Psicologia Junguiana teve uma defasagem no meio acadêmico. Além
disso, sua metodologia de trabalho exige uma postura criativa, o que não é muito apreciado em
diversos meios científicos. Ainda, precisamos entender que a metodologia junguiana é algo
novo, que busca novos preceitos para atuar, sendo assim, sua epistemologia está inserida na pós-
modernidade, onde em seu construtivismo o sentido prevalece (BARBOSA & BARBOSA,
2016).
A obra de Jung é carregada de conceitos novos os quais ele foi maturando ao longo dos anos de
estudo, até criar uma síntese de idéias que foram ganhando corpo em conceitos que trouxeram
inovação para a psicologia (HENRIQUES, 2015). E é na obra junguiana que temos o sentido
mais profundo da palavra conceito, quando lemos em Minayo (2009, p. 19) que conceitos são
“vocábulos ou expressões carregados de sentido”. E Jung precisou construir novos conceitos ou
mesmo acrescentar em alguns que já existiam novos sentidos.
De acordo com a Psicologia Analítica, o mundo ordinário não pode ser percebido senão a partir
do psiquismo. Desse modo, mesmo o saber científico formal surge a partir de elementos que são
alimentados pela realidade inconsciente. Conclui-se disso que não se pode pensar a não ser a
partir de um mundo interno único. Assim, teorias que foram formuladas numa época podem
tornar-se obstáculos epistemológicos ao desenvolvimento do progresso da mente, pois acabam
tornando-se hábitos intelectuais. Desse modo, toda a objetividade da ciência convencional acaba
passando pelo conhecimento do espírito humano, que é a construção de elementos conscientes e
inconscientes. Sobre estes últimos, somos ignorantes. Desse modo, pode a ciência oficial exigir
ser vista como detentora de padrões racionais se ela é fruto dos devaneios irracionais que brotam
do inconsciente? (BACHELARD, 1942 apud CASTLEÃO-LAWLESS, 2005).
Outro fator relevante para descobrirmos a epistemologia dos conceitos junguianos é
compreender que sua obra divide-se em duas grandes partes: a primeira, que pode ser chamada
de Psicologia Analítica, e a segunda, que pode ser compreendida em Psicologia Complexa. A
primeira, formulada até por volta do início dos anos 30, diz respeito às técnicas que Jung
desenvolveu para uso na clínica. Já a ideia de Psicologia Complexa surge no final da segunda
metade da década de 1930, e refere-se a estudos psicológicos mais amplos que vão além do mero
uso clínico, vão além da própria psicologia convencional (HENRIQUES, 2015).
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
Antes de entrarmos no tema do Processo de Individuação propriamante dito, é de especial
interesse verificar que em suas Cartas (Vols. I, II e III), publicadas no Brasil pela editora
Pensamento, Jung dedica 43 delas para falar exclusivamente sobre Individuação ou Processo de
Individuação. Outro fato interessante é notar que grande quantidade desses escritos é destinado a
pastores e sacordetos religiosos, revelando a estreita ligação entre esse processo e a religiosidade
(VERGUEIRO, 2008).
A maioria das metáforas religiosas servem para demonstrar que a mente consciente deve apenas
submerter-se aos desígnios do inconsciente para que a Indivuação ocorra; não adianta ficar
pensando em “o que devo fazer para me individualizar?” A melhor definição para isso é o
permitir, permitir que o todo interno – Self – demonstre o que deseja de nós em determinados
momentos (FRANZ, 2008).
Em um olhar mais atento, percebe-se o viés científico que Jung deixou claro em sua obra. Ao
invés de acharmos que a religiosidade pode ser um dos caminhos para a realização do Si-mesmo,
para a totalidade do Eu, em suas cartas voltadas para os religiosos, Jung revela seu entendimento
a respeito das religiões. Sua visão e escritos sugere que ele via a simbologia por trás dos ritos
religiosos como símbolos detentores de pistas para o início ou o fomentar do Processo de
Individuação. Jung entende os eventos religiosos e as manifestações místicas, como
manifestações do psiquismo humano tentando levar o ego a integrar-se ao Self.
Um dos primeiros passos para realizar o auto-aperfeiçoamento é tomar consciência dos
problemas pessoais, além disso, é necessário superar a ignorância a respeito da própria realidade
e compreender as necessidades do Self. Desse modo, o principal foco de trabalho do terapeuta
junguiano é auxiliar para que o Processo de Individuação, cujo controle não está nas mãos do
sujeito, ocorra do modo mais natural possível (ACADEMY OF IDEAS, 2017).
O Processo de Individuação pode ser visto como um evento independente de realização do todo
individual, vivenciada como um completar-se psicológico. Nesse processo, também chamado de
realização do Si-Mesmo, há a conjunção do consciente e do inconsciente. É o que esclarece
Jeffrey (2018), quando fala que o Processo de Individuação objetiva colocar o sujeito em
conexão com o arquétipo do Eu – Eu enquanto inteireza e a capacidade de autotranscendência.
Esse Eu, segundo o autor, pode ser representado, imageticamente, pelas figuras representativas
do Sábio, ou Ancião ou ainda do Eremita.
Outras fontes de informação corroboram com essa idéia. O Processo de Individuação também
pode ser entendido, segundo o Journal Psyque (2015, p. 3) “como a realização da auto realização
através de um processo de integração do consciente com o inconsciente.” E, conforme Petridis
(2008), para que ocorra o Processo de Individuação é necessário, antes, que ocorra um processo
de diferenciação. Segundo o mesmo autor, precisamos perceber as partes, cada uma delas,
compreender as funções psicológicas da mente, acessar cada uma delas para as assimilar com a
mente consciente.
O Processo de Individuação foi o modo que Jung encontrou para explicar o desenvolvimento
pessoal considerado o ideal para o ser humano. Ele é um evento que ocorre em todos os seres
vivos, levando-os a desenvolver todo o pontencial presente em seu íntimo. A consequência final
será criar a totalidade entre o consciente e o inconsciente (JEFFREY, 2018). Para isso, é
necessário que o indivíduo tome consciência de sua atuação no mundo, somente assim ele ficará
livre de determinadas exigências instintuais. O objetivo final disso é permitir ao sujeito que
consiga atuar no mundo usando plenamente sua criatividade, sendo um ser espontâneo e não
preso às determinantes externas à sua vontade (HENRIQUES, 2015).
Por mais diferentes que aparentemente sejam as pessoas, por mais que elas estejam afastadas
umas das outras por causa das características expressas pela mente consciente, do ponto de vista
do inconsciente elas são semelhantes. Uma das coisas que impressiona os psicoterapeutas
iniciantes é a semelhança que existe entre as imagens do inconsciente manifestadas pelos seus
primeiros pacientes, independente de sua multiplicidade. Uma real diferenciação de uma pessoa
para outra só ocorre de fato com o Processo de Individuação (JUNG, 2013).
Mesmo sendo, ao menos no início, em grande parte um evento inconsciente, o Processo de
Individuação só passa a ter um real significado para a persona a partir do momento que a mente
consciente toma ciência dele, compreende que ele está ocorrendo. É perfeitamente possível para
a mente consciente participar de seu próprio Processo de Individuação, de modo ativo. Porém,
sempre lembrando que é o Self quem decide os rumos da vida consciente e toma a decisão final
para a realidade do indivíduo durante o processo (FRANZ, 2008). Assim também devemos
cuidar para que nossas decisões não sejam unilaterais, sob o risco de reprimirmos a Sombra, algo
impeditivo de ocorrer o Processo de Individuação (JEFFREY, 2018).
O Processo de Individuação pode fazer o ego vivenciar um tipo de choquede realidade. Nesse
momento o ego começa a perceber que existem outras forças que o influenciam e é a partir desse
momento que o papel da persona começa a ser posto em cheque. Ainda, que a partir desse dar-se
conta é que começa uma real relação entre a mente consciente e a mente inconsciente, passando a
se comunicar uma com a outra através de símbolos (MOURÃO, 2016).
Self é a estrutura primeva que dá origem (cria) e ordem (organiza) ao ego, estabiliza a
personalidade e busca a relação com o mundo externo. Nesse sentido, o Self possui um papel
fundamental no Processo de Individuação, pois é ele quem mantém organizado o ego para que
ele, o Self, possa se manifestar através dele, o ego. Quando o Self se manifesta para o ego
através de imagens arquetípicas ou sincronismos, por exemplo, isso pode indicar que o ego está
necessitando ser estabilizado para facilitar a manifestação do Self. As relações ego-Self/Self-ego
são recíprocas e constantes, pois mesmo o Self não precisando da existência do ego, utiliza-se
dele e o mantém “funcional” enquanto dele precisar para se manifestar no mundo externo. Se o
ego encontra-se desorganizado, por exemplo, o Self pode se manifestar para ele na forma de
símbolos que promovam sua reorganização (GOLFETO, 1989).
Para as grandes massas alguns símbolos religiosos bastam para lhe causar algum tipo de
satisfação comum. Mas para um pequeno número de pessoas, estes símbolos coletivos já não são
significativos. E isso pode ocorrer tanto de modo isolado como com pequenos grupos (JUNG,
2008).
O ser humano só se percebe enquanto ego enquanto que o Si-mesmo só se percebe como
totalidade, desse modo, o Processo de Individuação é um evento especial, podendo ser
assemelhado a uma imagem divina. A título de metáfora podemos usar uma linguagem religiosa
e mesmo metafísica: quando a pessoa se individualiza, ela assemelha-se a alguém que recebeu a
encarnação divina. Isto é resultado da auto-atualização, pois esse é o objetivo do Processo de
Individuação, por isso que existe a evolução psicológica no homem. O Processo de Individuação
leva o ser humano a entregar-se a uma expressão mais ampla de sua consciência, livre de
vontades, livre de diversos condicionamentos. O Si-mesmo penetra em sua consciência, podendo
vivenciar a experiência com sofrimento ou alegria, isso dependerá do tipo de vida que o sujeito
vivenciou (JUNG, 1979).
Por isso nada haverá a objetar [...] a tarefa da Individuação e do reconhecimento da totalidade
ou integralidade, que a natureza nos impôs, como obrigatória. Se o indivíduo efetuar isto de
maneira consciente e intencional, evitará todas as consequências desagradáveis que decorrem
de uma Individuação reprimida; isto é, se assumir de livre e espontânea vontade a inteireza, não
será obrigado a sentir na carne que ela se realiza dentro dele contra sua vontade, ou seja, de
forma negativa. Isto significa que se alguém está disposto a descer a um poço fundo, o melhor é
entregar-se a esta tarefa adotando todas as medidas de precaução necessárias, do que arriscar-
se a cair de costas pelo buraco abaixo (JUNG, 1998, p. 66).
 
INDIVIDUAÇÃO E RELIGIOSIDADE
Religião na visão de Jung é um símbolo que demonstra a possibilidade psíquica de religar
diversas partes da consciência que estão desconectadas especialmente após a primeira infância. A
religação dessas partes seria um fator fundamental para promover o Processo de Individuação
(VERGUEIRO, 2008).
Essas partes que precisam ser religadas são, na verdade, estruturas do psiquismo que encontram-
se fragmentadas. Religar umas às outras é algo que pode ocorrer antes ou durante o Processo de
Individuação, e necessariamente esse religar deve ocorrer. Eis a analogia que Jung usa sobre as
manifestações religiosas, pois para ele elas são tentativas do Self de religar-se com o ego durante
eventos tidos equivocadamente como místicos.
 
META DO PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
Podemos entender como sendo a principal meta do Processo de Individuação a integração
psicológica do indivíduo. Em outras palavras, é a realização consciente do Arquétipo do Eu
(TAFFORELLI, 2018). No Processo de Individuação o consciente e o inconsciente se fundem
numa estrutura sem divisas, passando a operar em torno do Self (GRINBERG, 1997). Quando
esse novo centro psíquico (AMORIM, 2004), é criado, o Self torna-se o centro do psiquismo
consciente e não mais o ego (SILVEIRA, 1997).
O desenvolvimento psicológico em todas as suas fases é um processo redentor. O objetivo é redimir pela percepção consciente o
Eu oculto, oculto na identificação insconsciente com o ego (EDINGER, 1972, p. 72).
 
TAREFAS A SEREM REALIZADAS NO PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
 
Primeira tarefa
Confronto com o arquétipo da Sombra. Essa tarefa é imposta pelo Sí-mesmo, é o primeiro pré-
requisito para que ocorra a Individuação, enxergar e admitir a existência da Sombra (FRANZ,
1984). A Sombra precisa ser reconhecida no primeiro estágio do Processo de Individuação.
Quanto mais o sujeito se esforça para ser bom, conforme a cristandade o ensinou que devería ser,
mais ele alimenta a própria Sombra. E quanto mais ele ignorar os aspectos sombrios de sí mesmo
mais força dará a eles, chegando mesmo num momento em que a Sombra pode vir à tona e exigir
dele toda sua atenção (VERGUEIRO, 2008).
Quando um paciente sai de seu estado de inconsciência defronta-se imediatamente com sua
Sombra e deve decidir-se pelo bem, caso contrário estará perdido. O primeiro passo na tarefa
da Individuação consiste em diferenciar entre ele e a Sombra. Neste estágio o bem é a meta da
Individuação e a figura de Cristo representa o símbolo do si-mesmo (JUNG, 2002, p. 131).
Segunda tarefa
Despojar-se da persona e saber que ela não é o Si-Mesmo. Isto também significa confrontrar ou a
Ânima (nos homens) ou o Ânimus (nas mulheres). O masculino busca autonomia e liberdade
enquanto o feminino deseja a comunhão com o outro e a construção de relacionamentos
É um procedimento muito doloroso arrancar esses véus, mas cada passo em frente no
desenvolvimento psicológico significa apenas isso, o arrancar de um novo véu. Somos como
cebolas com muitas peles, e temos que nos descascar de novo e de novo para chegar ao núcleo
real (JUNG, 1997/DOUGLAS, 1997 [Ed], p. 54 ).
Terceira tarefa
Saber ter os momentos de solidão, pois são neles que se pode perceber os conteúdos necessários
a serem trabalhados. A Psicologia Analítica também chama esse momento de vivenciar o
Arquétipo do Sábio, momento em que adquirimos a sabedoria inata vinda diretamente do
inconsciente coletivo. Essa imagem arquetípica também pode ser chamada de Maná
(TOFFARELLI, 2018).
Quarta tarefa
Ampliar a relação com as pessoas, diminuindo as distâncias, não de modo unilateral, para não ser
violento com a privacidade delas. Jung lembra que sem o relacionamento com os outros o
Processo de Individuação é quase impossível (MOURÃO, 2016).
Quinta tarefa
Quando a imagem de Deus (imago Dei) se presentifica para o ego, ela o remete ao Processo de
Individuação. Ou seja, quando ocorre uma experiência da consciência com o Si-mesmo, essa
percepção da Imago Dei pode surgir também através de visões de mandalas, que aparecem
espontaneamente durante os sonhos (JUNG, 2002). Isso é um sinal da aproximação do Self.
Permitir que isso ocorra, sem fazer força ou pôr empecilhos, é um modo de auxiliar que o
Processo de Individuação ocorra de modo mais suave, assim, a quinta tarefa seria desenhar,
esculpir, criar, ou seja, ter uma produção artística. A produção lúdica e artística é capaz de liberar
grandes quantidades de energia psíquica.
 
CRISE DA MEIA-IDADE
De acordo com Scardua (2011), o termo crise da meia-idade foi criado em 1965 pelo psicanalista
canadense Elliot Jaques. Esse termo serve para assinalar um período de profunda transformação
no ser humano a partir da segunda metade da vida. Suddah (2017) lembra que a pesquisa de
Elliot Jaques, denominada A mortee a crise da meia-idade, publicada em 1965, envolveu o
estudo do hábito criativo de 310 artistas famosos, observando que a partir dos 30 anos de idade a
produção criativa dos mesmos tendia a diminuir. Elliot descobriu que alguns desses artistas
entravam em depressão, enquanto outros cometiam suicídio; o autor observou o mesmo padrão
em seus pacientes clínicos.
É importante atentar para o fato de que as categorias de idade são construções sócio-históricas e
sociais. Não é descartado o momento biológico que o indivíduo vivencia, porém, é importante
compreender como cada ciclo de vida é vivenciado simbolicamente ao longo da existência. Em
termos sociais, em virtude do capital gerar a vida da maioria das pessoas, estamos imersos numa
sociedade adultocêntrica, na qual a criança que ainda não produz e o velho que já não produz são
considerados de menor importância (ANTUNES & SILVA, 2013).
A crise da meia-idade é passível de ocorrer a partir dos 40 anos de idade, podendo se estender até
depois dos 60 anos. Nesse momento o sujeito pode desejar começar a valorizar o modo de
empregar o tempo pessoal, pois há a consciência da finitude da vida. A culminância será pela
busca da estabilidade pessoal e a busca por valorizar-se mais (CARMO et al, 2004).
Nessa fase também há a percepção do fim da juventude e o momento em que a velhice começa a
se aproximar. É um período em que pode ocorrer algum tipo de abalo emocional e a diminuição
da felicidade, podendo evidenciar alguns conflitos familiares. Por outro lado, é importante a
aceitação das novas oportunidades que o avanço da idade pode proporcionar e valorizar o
amadurecimento e os novos conhecimentos que a vida trás (BURIASCO, 2014).
Já outras pessoas conseguem alcançar grandes realizações nessa fase de vida. Além dos novos
desafios, podem surgir também novos comprometimentos e uma nova fase emocional. Existem,
ainda, alterações no modo de se viver e, em alguns casos, ansiedade pela possibilidade de se
tornarem dependentes financeiramente de outras pessoas, em especial dos filhos. Por isso,
também, que pode haver uma busca maior pela manutenção da saúde. De qualquer forma, é
notável o aumento da ansiedade em relação a sí mesmo e ao futuro, dando vazão a essa angústia
ou em novos trabalhos adquiridos ou mesmo no lazer (FERREIRA, 2008).
Motta & Paula (2005, p. 20) sugerem que a crise da meia-idade pode surgir em “decorrência da
falta de consciência da necessidade de dar vazão ao desenvolvimento psíquico em busca da
integração ou totalidade.” Afirmam também que após a conquista de alguns êxitos preconizados
pela vida social o ser humano pode começar a se questionar se não há mais nada para almejar. Os
referidos autores sugerem que a paz e a harmonia interiores só são alcançados quando se volta
para o inconsciente, sondando suas escolhas e as reavaliando.
A meia-idade possui características que lhe são próprias, e com isso observam-se algumas
mudanças físicas, cognitivas e sociais inerentes ao amadurecimento, tais como: mudanças na
aparência, no funcionamento sensor, psicomotor, sexual, reprodutiva e nos sentidos; a
sabedoria, a criatividade e capacidade de resolução de problemas práticos estão acentuadas
nesta fase, pois o nível de compreensão e o vocabulário tendem a estar mais desenvolvidos; no
funcionamento sexual e reprodutivo há o declínio da capacidade reprodutiva afetando homens e
mulheres de diferentes maneiras; a busca do sentido da vida assume importância fundamental;
tendência ao fortalecimento das amizades, na qual se busca apoio emocional e orientações
práticas, sucesso na carreira e ganhos. (CARMO et al, 2004, p. 1).
Porém, mesmo com a meia-idade gerando profundos questionamentos no ser, existe uma parcela
de pessoas que se sente motivada para lidar com as dificuldades da vida. Esta postura pessoal
que alguns trazem consigo gera aquilo que é chamado de auto-aceitação e a busca pelo
crescimento pessoal, seja na fase que for. Estas pessoas, mesmo durante a crise da meia-idade,
apresentam comportamento gerativo, como se algo as levasse a sempre buscar pelo melhor em si
mesmas. Isso pode ocorrer em virtude de as pessoas apresentarem empatia e sociabilidade
pessoais, fatores fundamentais para estimular a manutenção psicossocial. Por fim, esses
elementos acabam por gerar o autoconhecimento, fator imprescindível para criar o
fortalecimento psíquico interno de uma pessoa (QUEROZ & NERI, 2005).
No entanto, temos de levar em conta o relativismo dos fatos apresentados. Por exemplo, em 1999
a Fundação MacArthur dos EUA realizou um estudo atestando que menos de 10% da população
americana tinha crises relacionadas à sua idade. As crises seriam mais em decorrência de
experiências de vida e não da fase cronológica em sí. Claro, esta pesquisa refere-se a um público
que vive num país de estabilidade cultural e econômica evidentes, o que mantém a relatividade
dos resultados. Ainda, influências socioculturais também são levadas em conta para se verificar
possíveis crises. Por exemplo, não existem evidências de que comunidades indígenas sofram
crises da meia-idade, pois seus valores sociais são diferentes daqueles considerados em
sociedades urbanas (SCARDUA, 2011).
Essa idéia também é corroborada por Savaglia (2010), quando sugere que nem todos os homens
passam pela crise da meia-idade. Muitos podem continuar operando no ideal de pai e de mãe.
Porém, aos que entram na crise, segundo o mesmo autor, vivenciam uma alteração de estruturas
importantes na vida. Isso leva o sujeito a lidar de um modo mais sábio com as experiências
psíquicas que surgem pelo caminho.
A despeito disso, a felicidade é uma busca constante e ela é também a responsável pela
produtividade social e a manutenção da saúde de uma pessoa. Deste modo, as políticas públicas
de saúde levam cada vez mais em conta a promoção de conceitos como os de qualidade de vida.
Alguns países conduzem pesquisas com o objetivo de que políticas públicas possam levar em
consideração o bem-estar geral de seu país, como atualmente é levado em conta o PIB e a
inflação (SUDDAH, 2017).
Jung descreve que essa fase pode ser classificada como um sacríficio onde um modo psicológico
já conhecido de existir dá lugar um novo modo mais significativo que leva o sujeito rumo à sua
completude. Ainda, a crise também pode ser iniciada quando o indivíduo começa a atuar de
modo mais universal na vida, saindo do individual e indo para uma existência mais abrangente.
Essa visão de mundo mais abrangente é passível de surgir na metade da vida humana,
coincidindo com o período em que surge a crise da meia-idade (SAVAGLIA, 2010).
Conhecida pejorativamente como “idade do lobo”, esta crise seria mais uma peça no processo
descrito pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung como metanóia (palavra grega que significa
mudança) o que se dá a partir da confrontação do indivíduo com o “envelhecer” e, por
conseguinte, com a idéia de ser finito (SAVAGLIA, 2010, p. 7).
Existe um movimento interno para o encontro consigo mesmo na crise da meia-idade. Jung
também chamou isso de a Jornada do Herói, quando o indivíduo sente uma necessidade de fazer
algo diferente para si mesmo. Essa necessidade passa a ser mais forte no universo interno por
volta dos 35 a 50 anos de idade. Diversas questões começam a ser levantadas nessa fase de vida.
A mais importante, talvez, sejam questões relacionadas ao sentido da vida (BREHONY, 1999).
O pior é que essa não é uma questão que nos coloquemos ociosamente, por simples curiosidade.
Ela brota do âmago de nós mesmos, como um eco que se faz ouvir emanando das profundezas
do ser. Geralmente ela vem acompanhada por sentimentos difusos e indefinidos, como
insatisfação, sensação de vazio e falta de sentido, tédio e, em casos mais graves, depressão. Da
resposta que o sujeito der a toda essa situação caótica em que se vê metido, dependerá a
segunda metade da sua vida (BREHONY, 1999, p. 45).
Também é possível questionara real origem da crise da meia-idade. Ao cruzarmos saberes
diferentes, podemos teorizar que essa crise poderia ter seu germe plantado já na criança que, por
diversos fatores, é dissociada de sua essência logo na primeira infância. Via de regra os seres
humanos, quando crianças, são tratados em relações Eu-isso, quando deveriam ser tratadas numa
relação Eu-Tu (BUBER, 2010).
Nessa relação Eu-isso, a essência da criança lhe é turvada quando ela passa a receber limites. O
problema não reside no fato de a criança receber esses limites, de modo algum, mas sim no modo
como eles são transmitidos. O limite, quando transmitido de modo unilateral e repressivo afasta a
criança de seu potencial criativo, levando a uma espécie de separação de seu ego das percepções
do Self. Nessa dissociação, a criança poderá gerar um adulto submetido a diversos complexos
(JUNG, 2000), sem muita autonomia e predisposto a crises e sintomas desencadeados pela vida
em sociedade. Por outro lado, uma criança não reprimida, que foi educada respeitando-se a
relação Eu-Tu (BUBER, 2010), poderia iniciar seu Processo de Individuação, quando na fase
adulta, sem precisar necessariamente vivenciar a crise da meia-idade. Seria um processo mais
confortável e natural.
Caso, na família e na escola, as relações construídas com a criança fossem relações Eu-Tu, o
início do Processo de Individuação poderia ser mais uma tarefa a ser cumprida pelo ser humano
sem a necessidade de passar por uma crise. Ou seja, sendo o Processo de Individuação algo
natural no ser humano, ele ocorreria de modo espontâneo e sem causar desordens subjetivas ou
objetivas no indivíduo (BUBER, 2010; JUNG, 2013).
A relação com o Tu é imediata. Entre o Eu e Tu não se interpõe nenhum jogo de conceitos,
nenhum esquema, nenhuma fantasia; e a própria memória se transforma no momento em que
passa dos detalhes à totalidade. Entre Eu e Tu não há fim algum, nenhuma avidez ou
antecipação; e a própria aspiração se transforma no momento em que passa do sonho à
realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os meios são abolidos,
acontece o encontro (BUBER, 2010, p. 57).
A partir do que foi visto até aqui e, levando-se em consideração a fala dos autores acima citados,
podemos desenvolver duas equações que demonstram dois modos possíveis de o Processo de
Individuação ocorrer, a partir do que foi vivenciado por um sujeito na primeira infância:
Equação A
CRI . (Eu-isso) = AD . CMI . (PI) = Individuação = X?
Onde: uma criança (CRI) numa relação Eu-isso (Eu-isso) poderá gerar um adulto (AD) que
necessariamente vivenciará a crise da meia-idade (CMI) que viverá o Processo de Individução
(PI). Esse adulto possui questões de infância mal resolvidas. O Processo de Individuação
ocorrerá de fato? E, caso ocorra, que sujeito surgirá disso? Esse é o fator (X) desconhecido.
Equação B
CRI . (Eu-Tu) = AD . PI = Ego + Self = Totalidade Psíquica
Onde: uma criança (CRI) numa relação Eu-Tu (Eu-Tu) poderá gerar um adulto sem complexos
significativos, o que poderá levá-lo a vivencar de modo direto (sem necessidade de crises) o
Processo de Individução de modo mais dinâmico e sem sofrimento. O produto final será um ser
integrado com seu próprio Self (Ego + Self = Totalidade).
A CRISE DA MEIA-IDADE E A SUPERAÇÃO ATRAVÉS DO PROCESSO DE
INDIVIDUAÇÃO
A meia-idade pode levar ao entendimento de que nesse período vive-se de modo mais específico,
heterogênio e complexo. No entanto, devemos levar em consideração que existem diversos
modos de se vivenciar a meia-idade. A partir disso, surgirão conceitos como adulto padrão e
adulto inacabado (ANTUNES & SILVA, 2013).
Se por um lado a Psicanálise, por certo tempo, pregava que pessoas muito velhas não eram
passíveis de análise, Jung, a partir da Psicologia Analítica, estava interessado nesses pacientes.
Ele estava voltado para pessoas mais velhas e seus processos de individuação, pessoas que
demonstrassem robustes psíquica, capazes de suportar conflitos e emoções desencontradas. Isto
tinha um porquê: somente aquele capaz de organizar os opostos em seu mundo interno
conseguria achar uma solução simbólica para eles, realizando o Processo de Individuação
(MOTTA & PAULA, 2005).
Podemos considerar a compreensão do Processo de Individuação como um auxiliar para
ressignificar a crise da meia-idade pelos próprios fundamentos da Psicologia Analítica. Quando
discorre sobre o tratamento clínico de seus pacientes, Jung sugere que o fator decisivo para se
conseguir auxiliar um paciente é o conhecimento de sua história de vida pessoal. Ele nos lembra
que o diagnóstico é útil, dá um norte para começarmos a compreender a doença do paciente, mas
apenas parte dela. Conhecer a vida do paciente, seus sofrimentos emocionais, suas vontades e
desejos é fundamental para que o terapeuta consiga auxiliar no processo de cura. Esse é o grande
diferencial da Psicologia Analítica, e um de seus fundamentos enquanto instrumento de cura da
alma humana (STEVENS, 2012).
O Processo de Individuação é um evento último para o sujeito e que precisa de circunstâncias
específicas para ocorrer na mente consciente. Podemos supor que ele seja um primeiro passo de
um longo caminho na busca pela própria evolução, uma evolução que deve ser trilhada pela
humanidade do futuro (JUNG, 2000). E ele ocorre durante a meia-idade por que é nessa época da
vida que a psique realiza esforços no intuito de mudar o centro da personalidade, tentando levar
esse centro pra um meio-termo entre o inconsciente e o consciente (AMORIM, 2004).
[...] observo cada vez mais que se confunde o Processo de Individuação com o processo de
tornar-se consciente, e que o ego é, conseqüentemente, identificado com o Self, o que
naturalmente acarreta uma irremediável confusão entre os conceitos, pois com isto a
Individuação se transforma em mero egocentrismo e auto-erotismo. Ora, o Self compreende
infinitamente muito mais do que apenas o ego, como no-lo mostra o simbolismo desde épocas
imemoriais: significa tanto o Self dos outros, ou os próprios outros, quanto o ego. A
individuação não exclui o mundo; pelo contrário, o engloba (JUNG, 2000, p. 83).
A crise da meia-idade pode ser superada através do Processo de Individuação em virtude das
mudanças que a Psicologia proporciona na mente consciente. O Processo e Individuação faz a
consciência tomar conhecimento de conteúdos inconscientes, levando a mente a desenvolver-se.
Quando os elementos inconscientes são assimilados pelo ego, a transformação se opera. O
grande problema é conseguir descrever em palavras o modo como é essa transformação. As
mudanças são drásticas e podem mesmo criar sérias perturbações psicopatológicas. As
descrições mais próximas desses eventos estão no campo da psicopatologia, onde podem ocorrer
desde dissociações, passando por expressões esquizofrênicas e, em alguns casos, dissolução do
ego. No caminho inverso teremos a possibilidade de integrações patologócias, onde podem
ocorrer expressões descontroladas de conteúdos do inconsciente ou da consciência (JUNG,
2000).
As facilidades que o Estado e a vida em grupo proporciona também é responsável por tirar das
pessoas tudo aquilo que torna a vida melhor. A vida em grupo cria um ser humano dependente,
impedindo as pessoas a olharem para si mesmas, por mais doloroso que seja. Todos falam das
vantagens da vida em grupo, no entanto, se recusam a falar das desvantagens, pois se assim
fosse, teriam, necessariamente, de dedicar-se à questão da própria Individuação (JUNG, 2013).
O adulto médio, a partir de suas crises, “de repente viu que o que antes significava para ele
progresso e satisfação não passa de engodo, restos de ilusão infantil”. Ele já não tem mais as
promessas que o tempo adiante poderia lhe dar. Essa crise é originária do problema da
harmonização dos opostos, algo do qual os jovens ainda estão longe de se deparar. Esse adulto só
pode sentir desencanto e inveja dos que ficam para trás, pois a perspectivada velhice só pode lhe
proporcionar o fim de suas próprias ilusões (JUNG, 2012, p. 72, § 90).
Eventos traumáticos podem exigir da pessoa que ela realize profundas mudanças em sí que
podem envolver desde a carreira, como a aparência e o relacionamento com outras pessoas
(MAIS BASES, 2013). A superação da crise da meia-idade pode ser iniciada quando o sujeito
entende quem ele é e busca por expressar essa essência que agora ele conhece. Ou seja, é
necessário olhar direto para o inconsciente, pois somente a própria essência de uma pessoa é
capaz de curá-la de uma crise desse porte (ALMEIDA, 2014).
Esses fatores que facilitam a superação da crise da meia-idade são muito semelhantes aos fatores
encontrados como características do Processo de Individuação. Tanto a crise da meia-idade
quanto o Processo de Invididuação podem ser entedidos como um um único e mesmo evento,
sendo apenas compreendidos de modos diferentes, de acordo com visões específicas. No entanto,
por percebermos isso, podemos usar o Processo de Individuação como uma ferramenta tanto para
tratar as crises que um cliente possa trazer para o consultório quanto, em paralelo, para auxiliá-lo
a encontrar sua totalidade psíquica.
Segundo Shamdasani (2011) se a pessoa que está na crise da meia-idade permitir que o Processo
de Individuação ocorra, poderá deixar de lado um tipo de pensamento unilateral e fará com que
seu complemento inconsciente se iguale. O referido autor lembra que para Jung o pensamento
unilateral é a principal característica da mente neurótica, que ainda está privada de sua
completude. Assim, é a partir do Processo de Individuação que se consegue atingir a objetividade
psíquica, mesmo que seja durante eventos de crises na meia-idade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia de uma crise de meia-idade foi bem aceita de quando de seu surgimento nos anos 60 do
século XX. Ao longo das décadas seguintes, porém alguns estudos tem colocado em xeque tal
conceito, sugerindo a que crise da meia-idade não está necessariamente vinculada à idade, mas
sim a eventos pessoais.
No entanto não podemos negar que uma parcela significativa da população ocidental está
passando por essa crise. Especialmente quando percebe o declínio das capacidades e
oportunidades que a juventude lhe proporcionava.
Fica em aberto algumas questões vistas ao longo deste estudo. A crise da meia-idade ocorre em
comunidades indígenas e em tribos de aborígenes? As populações com alto grau de práticas
religiosas e/ou espirituais, como as da Índia e de algumas regiões da África, passam pela crise da
meia-idade? Seria o Self o desencadeador da crise? O que deseja o Self ao fazer um ego viver a
crise da meia-idade? Para quê ela ocorre? Qual a finalidade de um indivíduo tonar-se um ser
Individualizado?
Segundo a Psicologia Junguiana a crise da meia-idade pode ser superada se o sujeito optar olhar
para os seus potenciais realizadores que são essencialmente subjetivos. Ao longo deste estudo
isso fica claro na fala tanto de Jung quanto de autores que vieram depois dele.
A ideia sempre é a mesma: entregar-se às exigências do Self para que ele conduza o Processo de
Individuação. Somente o Self tem capacidade de conduzir de modo seguro seu processo de
tomada de consciência. Porém, esse processo ainda é percebido como uma crise, mas que em
essência é um sinal (e não um sintoma) de evolução da consciência.
Se formos colocar em palavras a relação do Processo de Individuação com a crise da meia-idade,
teremos a seguinte teoria: o Self, instância (talvez) autoconsciente e (talvez) independente do
ego/persona, leva o ego a vivenciar uma espécie de crise para que ele, o Self, possa se manifestar
nesta realidade de modo mais completo. A isso Jung chamou de completude – tornar-se um ser
completo ou integral.
O Self precisa do ego para, através dele, o ego, manifestar-se e ter as experiências que a
realidade da 3º dimensão podem lhe proporcionar. No entanto, um ego estabilizado, estagnado,
não permite uma manifestação plena do Self nesta realidade. Desse modo, cabe ao Self iniciar o
Processo de Individuação do ego, que, para nossos conceitos, é um processo entendido como
uma crise. Levando os conceitos e estudos de Carl Jung às últimas consequências, não é uma
crise, mas sim um processo de evolução gigantesco da consciência humana que, muitas vezes, é
impedido de acontecer por sentimentos de medo, insegurança além da educação para promover o
impedimento de eventos internos que não são compreendidos.
Nesse estudo, alguns autores lembraram que o Processo de Individuação não é um caminho
seguro ou que ofereça garantias, pois permitir que ele ocorra pode levar o individuo a,
necessariamente, afastar-se do conforto da vida quotidiana. É um caminho que pode, até mesmo,
criar algumas possíveis identificações exageradas com alguns arquétipos, o que pode levar o
sujeito a desorganizar-se de algum modo. O contexto de vida individual deve ser bem estudado e
debatido antes de se tocar no tema Individuação com um cliente na clínica junguiana, lembrando
que o objetivo do terapeuta junguiano é auxiliar que esse processo ocorra do modo mais saudável
e natural possível.
O processo também pode tornar-se indesevável porque ele implica necessariamente em deixar de
lado todas as ilusões que foram construídas ao longo da vida. Implica, ainda, em fazer com que o
ego dê lugar à verdadeira essência do Eu, dê lugar ao Si-mesmo e isso aciona, muitas vezes, o
medo interno de deixar de existir. Isso é mais uma característica da crise da meia-idade que está
gerando seus sintomas.
Medo de deixar de existir e algumas alterações psicossomáticas podem ser sinais (e não
sintomas) de um Self comunicando ao ego que ele precisa apenas permitir que ocorra a aderência
das outras partes da psiquê que, por muito tempo, ficaram inconscientes. O medos vão existir
sempre, pois somos treinados para sentir isso todas as vezes que o inconsciente tenta se
comunicar com o consciente. É um modo de impedir que o ser humano comum se abra para os
potenciais desconhecidos de seu Self.
Naturalmente que esses medos são infundados, pois uma vez iniciado o Processo de
Individuação, o que se consegue é uma ampliação da manifestação do Si-mesmo no dia-a-dia. É
por causa desse medo, do desconhecido criador que há dentro do ser humano, que desconhece o
seu inconsciente e o que há nele, que tantas pessoas recusam e impedem, sem o saber, o encontro
com o próprio Self. Por isso que tão poucas pessoas se Individualizam. E também é por isso, por
fim, que a atual humanidade ainda não conseguiu encontrar o Cristo interno.
Foi este arquétipo que respondeu à "mensagem" de cada alma, de modo que o Rabi Jesus
concreto foi assimilado, num brevíssimo espaço de tempo, pelo arquétipo constelado. Cristo
realizou, portanto, a idéia do Si-mesmo. Como nunca podemos discernir empiricamente em que
consiste um símbolo do Si-mesmo, nem o que é uma imagem de Deus, estas duas idéias
aparecem sempre misturadas, apesar das tentativas no sentido de diferenciá-las; p. ex., o Si-
mesmo, enquanto sinônimo do Cristo interior, joanino ou paulino, e o Cristo enquanto Deus
(consubstancial ao Pai) ou o Atman, enquanto etapa do Si-mesmo individual e essencial do
cosmos, ou o Tao, enquanto estágio individual e processo correto dos acontecimentos
universais. Psicologicamente, a esfera do "divino" começa imediatamente do outro lado da
consciência, onde o homem se acha entregue ao risco da instância natural. Ele designa os
símbolos da totalidade que daí provém com diversos nomes, conforme as épocas e os lugares
(JUNG, 1979, p. 24, § 231).
[...] a individuação é um "mysterium coniunctionis" [mistério de unificação], dado que o si-
mesmo é percebido como uma união nupcial de duas metades antagônicas e representado como
uma totalidade composta, nos mandalas que se manifestam espontaneamente (JUNG, 1998, p.
72, § 115).
Como a individuação significa uma tarefa heróica outrágica, isto é, uma missão dificílima, ela
implica o sofrimento, a paixão do ego, ou seja, do homem empírico, do homem comum, atual,
quando entregue a um domínio mais amplo e despojado de sua própria vontade, que se julga
livre de qualquer coação. Ele é como que violentado pelo Si-mesmo. Em face disto, a paixão
analógica do Cristo significa que Deus sofre com a injustiça do mundo, com as trevas que
envolvem o homem. O sofrimento do homem e o sofrimento de Deus formam uma
complementaridade, da qual resulta um efeito compensador: graças ao símbolo, o homem pode
conhecer o verdadeiro sentido de seu sofrimento: ele sabe que está a caminho de realizar sua
totalidade, mediante a seu ego é introduzido na esfera do "divino" como conseqüência da
integração do inconsciente na consciência. Ele toma então parte no "sofrimento de Deus", cuja
origem é a "Encarnação", isto é, aquele acontecimento que do lado humano corresponde à
Individuação (JUNG, 1979, p. 25, § 233).
 
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ANEXO I: GLOSSÁRIO DE ALGUNS TERMOS JUNGUIANOS USADOS NESSE
TRABALHO
Arquétipos – Centros neuropsíquicos inatos com a capacidade de originar, controlar e mediar as
características típicas de todos os seres humanos. Imagens coletivas cuja origem está no Self,
emanam do Self.
Imagético – Que se exprime por imagens.
Imago-Dei – Imagem de Deus. conceito e doutrina teológica do judaísmo.
Inconsciente Coletivo – A herança psíquica comum a todos nós.
Individuação – Processo pelo qual uma parte do todo se torna progressivamente mais distinta e
independente, diferenciando-se do todo em uma parte cada vez mais independente, consciente e
livre.
Persona – Personalidade que o indivíduo apresente aos outros como real, mas que, na verdade, é
uma variante às vezes muito diferente da essência desse sujeito.
Self – É a totalidade da psique. Também chamado de Si-Mesmo.
Si-Mesmo – Tanto arquiteto quanto construtor da estrutura dinâmica que dá suporte a nossa
existência psíquica durante toda a vida.
Sincronicidade – Caracterizada como uma coincidência no tempo de dois ou mais eventos
causalmente desvinculados, que têm o mesmo significado ou significado semelhante.
 
Imagem de capa: Mandala de Jung no Liber Novus (Livro Vermelho).
Contato com o autor:
psi.jose.alberto@outlook.com

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