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DESDOBRAM DA TEORIA PSICANALIT-np1

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DESDOBRAM DA TEORIA PSICANALIT –np1
MÓDULO 1 - MELANIE KLEIN - VIDA E OBRA
DESDOBRAMENTOS DA TEORIA PSICANALÍTICA
Desdobramentos e expansões da psicanálise:- a Psicanálise na Inglaterra, França e Estados Unidos.
Diferentes matrizes clínicas e suas consequências para a teorização psicanalítica.
Panorama geral da vida e obra de Melanie Klein. Contexto cultural, histórico e político.
A psicanálise de crianças. A técnica do brincar.
Édipo precoce e formação do superego. Conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte (amor e ódio).
A psicanálise pós-freudiana tem em Melanie Klein (1882-1960) um de seus principais representantes, sendo seu pensamento, suas ideias e as inovações que trouxe para o campo da teoria e da clinica psicanalíticas só comparáveis ao ensino de Jacques Lacan e, por isto tendo repercussão mundial. Apesar de manter-se respeitosa quanto a anterioridade histórica representada pelo pensamento freudiano, promoveu transformações importantes - e algumas radicais - na teoria em questão, criando a psicanálise de crianças e instaurando o que viria a se chamar análise didática, fazendo dela, como disse Roudinesco (1998), “uma chefe de escola”.
Seu interesse pela psicanálise começou com a leitura do texto de Freud, Sobre os sonhos (1901), dando início em sua análise pessoal com Sandor Ferenczi, que será quem a levará para apresentar, em 1919, um trabalho sobre a análise de uma criança de cinco anos que era, na verdade, a análise empreendida por ela de seu próprio filho. 
Karl Abraham será seu segundo analista, tendo iniciado sua análise com ele em 1924  e, além disto, as ideias de Abraham lhe inspiraram no desenvolvimento de suas próprias perspectivas sobre  a organização do desenvolvimento sexual, começando a questionar, principalmente, alguns aspectos do complexo de Édipo.
Sua compreensão do psiquismo humano, assim como a construção de sua teoria baseou-se na observação das crianças e principalmente destas na interação com os brinquedos. Destas observações iniciam-se suas contribuições à compreensão das causas dos distúrbios emocionais mais severos. Suas convicções conduzem a uma nova escola psicanalítica que enfatiza a influência do intrapsíquico do bebê na sua relação com o mundo externo; destaca a importância do que ocorre durante o primeiro ano de vida do bebê humano, como vivências determinantes de nossa personalidade.  
Tornou-se um expoente teórico das relações de objeto e uma pioneira na análise infantil. Entre suas principais contribuições podemos destacar a ênfase nas primeiras relações de objeto; a existência de um ego rudimentar (contrariando a ideia freudiana); a noção de fantasia inconsciente e o uso de defesas primitivas operando já desde o nascimento; a presença de um sadismo e agressividade constitucionais; o reconhecimento de um superego arcaico cuja manifestação acontece desde muito cedo no desenvolvimento psíquico da criança; o uso do brinquedo como um meio de acesso ao psiquismo da criança e cuja para a interpretação; sua técnica psicanalítica de lidar com as forças intrapsíquicas por meio da interpretação precoce de impulsos inconscientes. 
Para Klein, os estágios iniciais do complexo de Édipo começam durante a posição depressiva. Ela parte da ideia de que a criança tem um conhecimento inato dos genitais de ambos os sexos e que fantasias orais e genitais influenciam desde o nascimento no uso qualitativo de mecanismos de projeção e introjeção que constituem o mundo interno e sua relação com o “objeto” externo - mãe. A constatação que o bebê realiza no decorrer da posição depressiva, a unificação do objeto (objeto bom e objeto mau são o mesmo), o faz temer fantasiosamente sua perda e o risco da retaliação, como respostas aos ataques dirigidos ao seio mau. 
Ainda em Viena, na década de 20, confrontou-se diretamente com Anna Freud, o debate era em torno do que deveria ser a psicanálise de crianças aparecendo sob duas posições: uma forma nova e aperfeiçoada de pedagogia (posição defendida por Anna Freud) ou a oportunidade de uma exploração psicanalítica do funcionamento psíquico desde o nascimento (como queria Melanie Klein). O conflito estendeu-se, provocando o descontentamento de S. Freud e, desde sempre,  Melanie Klein ficou marcada como alguém que provocava paixões e repulsas à sua volta. Em 1927, com a apresentação de “Os estádios precoces do conflito edipiano” expôs explicitamente suas discordâncias com Freud sobre a data de início do complexo de Édipo, sobre seus elementos constitutivos e sobre o desenvolvimento psicossexual diferenciado dos meninos e das meninas. Já com A psicanálise de crianças (1932), expôs a estrutura de seus futuros desenvolvimentos teóricos, sobretudo o conceito de posição (posição esquizo-paranóide/posição depressiva), assim como sua concepção ampliada da pulsão de morte. 
Em Londres, onde Melanie já estava desde 1926, com a chegada dos analistas vienenses e berlinenses que fugiam do nazismo - inclusive a família Freud - as hostilidades irromperam e na década de 40 começou o período das Grandes Controvérsias, cujos autores eram essencialmente mulheres, umas reunidas em torno de Melanie Klein e outras em torno de Anna Freud. Em 1946, um Lady’s agreement resultou na institucionalização de uma divisão da Sociedade entre kleinianos, annafreudianos e Independentes (Winnicott).
Em 1955, no Congresso de Genebra, M. Klein apresentou sua comunicação intitulada “Um estudo sobre a inveja e a gratidão”, na qual desenvolvia o conceito de inveja, que articulava com uma extensão da pulsão de morte, à qual dava um fundamento constitucional. Assim, retoma o início de suas propostas aliadas às de Karl Abraham., mas dá início também a uma nova polêmica que gerou seu rompimento com outro grande expoente da psicanálise inglesa, D. W. Winnicott.
Assim, as propostas kleinianas constituem-se como um sistema de pensamento que modificou inteiramente a doutrina e a clinica freudianas, criando novos conceitos e instaurando uma prática da análise, da qual decorreu um tipo de formação didática diferente da prática freudiana clássica. 
Melanie Klein e seus sucessores tiveram o grande mérito de integrar à psicanálise não só o tratamento de crianças, como o tratamento das psicoses; quanto aos aspectos teóricos mais relevantes para uma introdução a este tema, é fundamental destacar as mudanças que sua perspectiva promoveu quanto ao complexo de Édipo, à relação arcaica mãe/bebê e o lugar do pai, cujas evidências encontrou na elucidação do ódio primitivo (inveja) que seria próprio dos primórdios da relação de objeto e, quanto à estrutura da psicose, fará entender-se pela conceituação das posições esquizo-paranóide e posição depressiva. Assim os kleinianos inscreveram a loucura no âmago da subjetividade humana.
Este interesse em relação à psicose e às relações arcaicas com a mãe foi passo fundamental na possibilidade de identificação do que há de recalcado já na criança - o bebê. Com isso propôs-se, ao mesmo tempo, uma teorização rica e complexa sobre a subjetividade humana, inscrevendo a loucura no seu centro e oferecendo um enquadre aos tratamentos especificamente infantis.
MÓDULO 2 - VIDA EMOCIONAL E MUNDO INTERNO.
DESDOBRAMENTOS DA TEORIA PSICANALÍTICA
 
Vida emocional e mundo interno.
Objeto bom/objeto mau - relação de objeto.
Agressividade e destrutividade. 
As modificações propostas por M. Klein na teoria psicanalítica inauguraram uma nova perspectiva vida emocional e do mundo internos. Relacionaremos, a seguir, alguns dos elementos que formam determinantes em seu pensamento.
Melanie Klein amplia profundamente a ideia de mundo interno, para a autora há duas fontes de ansiedade no começo da vida: uma interna - constitucional - e outra externa – ambiente.
Para ela, ao contrário de Freud, o ser humano ao nascer já é dotado de um ego primitivo e rudimentar que passa a estabelecer contato com o mundo externo em simultaneidade com as experiências e vivências corporais. O mundo interno para Klein, é um espaço “virtual” em que se inserem objetos,
pulsões, instintos, funções e relações.
A relação inicial que se estabelece com a mãe, bem como todas as vivências com os elementos de convivência no mundo concreto confluem com as vivências corporais proprioceptivas e passam a incorporar imagens internas que formarão o mundo interno do bebê kleiniano.
Estas imagens internalizadas ou imagos constituem-se tanto das figuras reais, quanto imagens introjetadas, deformadas fantasiosamente, por meio do processo contínuo de múltiplas projeções e introjeções, formando os "objetos internos", que apesar de serem introjetadas a partir das figuras reais, não correspondem a estas. Esse mundo interno é vivenciado pelo bebê como “real”, tanto quanto o mundo externo, constituindo-se como determinante de nossa maneira de viver e nos relacionar.
O bebê após o nascimento vive um conjunto ansiedades de aniquilamento, decorrentes de vivências e sensações perturbadoras do mundo pós-natal, muito diferente daquilo que vivera antes do nascimento. Tais experiências aliadas à diminuta capacidade para compreender a realidade, passam a ser sentidas como ameçadoras, impelindo-o a recorrer às fantasias onipotentes como forma de defender-se de sentimentos e vivências não satisfatórias, bem como a ansiedade e agressividade projetada.  Tais vivências forçam este bebê a recorrer maciçamente ao uso dos mecanismos de defesa negação, cisão, projeção e introjeção para poder suportar esta realidade, percebida de forma fragmentada e cindida em bom e mau.
Os mecanismos de defesa – introjeçao e projeção – são responsáveis pela constituição do aparelho psíquico e objetos internos, têm uma função reguladora de prazer-desprazer no aparelho. Enquanto a introjeçao insere no aparelho psíquico as experiências boas formando um registro dinâmico que constitui o bom objeto, que ajuda a criança a tolerar estados transitórios de frustração, a projeção expele as ansiedades provindas das fantasias inconscientes e inatas (phantasias) decorrentes das próprias tendências vorazes, originadas da realidade pulsional e vivenciadas das frustrações do mundo real (CINTRA e FIGUEIREDO, 2004).
A fantasia em Klein é originária ao ser humano, a criança já nasce com a capacidade de fantasiar; estas fantasias expressam impulsos e reações instintivas. Para Klein, as fantasias são representantes psíquicas das pulsões libidinais e destrutivas inatas.
 
Na década de 30 Melanie Klein introduziu a clivagem no objeto (até então, Freud havia falado em clivagem do eu), a fim de cindi-lo em objeto bom e objeto mau (ROUDINESCO, 1998). O mundo interno seria constituído por seus objetos, agora clivados. O objeto parcial, tal como o seio, por exemplo, passa a ser pensado como um objeto clivado (dividido): num seio ideal, objeto do desejo da criança (objeto bom), e num seio persecutório, objeto de ódio e de medo, percebido como fragmentado.
Essa terminologia permitiu repensar radicalmente o campo da realidade psíquica e mostrar a que ponto o universo fantasístico infantil, povoado por angústia, terror, ódio e idealização, encontra-se não somente na psicose, na qual o sujeito não consegue ver sua mãe como um objeto total e continua a apreendê-la à maneira de uma clivagem entre o bom e o mau objetos, mas também na evolução normal, uma vez que todo sujeito, no sentido kleiniano, passa pela posição depressiva para sair do estado persecutório (paranóico) que é próprio da perda da mãe como objeto parcial.
Do ponto de vista teórico, tratava-se, assim, de explorar as bases da personalidade humana - o si mesmo (self) como imagem ou relação com outro. O objeto seria: incorporado, introjetado, projetado; persecutório ou, ao contrário, gratificante. Esta perspectiva, ao oferecer uma nova concepção dos primórdios da vida psíquica, permite que se instaure uma esperança no tratamento das afecções que, até então, mostravam-se imunes ao tratamento psicanalítico, fazendo também ressonâncias no âmbito educacional, posto que, este mundo fantasístico que é encontrado na loucura, afinal, data dos primórdios das relações do sujeito com o outro, da constituição de sua personalidade e base de suas relações futuras, portanto, não estaria fora da condição humana, mas lhe é inerente.
Isto representou uma mudança na terminologia fundamental: ao invés de se trabalhar com a noção de fase, trata-se, a partir de então, de relação de objeto e a ênfase é colocada no papel primordial da mãe. (enquanto Freud sempre havia privilegiado o pai).
Para Klein (1937) a agressividade é inata na criança, sendo o principal motivo da ambivalência em relação ao objeto; o primeiro objeto de amor e ódio neste momento precoce do desenvolvimento é o seio materno, ainda que neste momento seja percebido de forma fragmentada, para posteriormente ser ampliado ao corpo da mãe. Esta relação objetal inicial será alvo dos impulsos de vida e dos de morte, numa constante interação entre os impulsos libidinais e destrutivos, que estarão dependentes das oscilações entre gratificações/satisfações - frustrações/privações.
Assim como Freud, Klein entendia o instinto agressivo como extensão do instinto de morte e a libido uma extensão do instinto de vida. Para a autora o instinto de morte tem um importante papel expresso após o nascimento sob a forma de sadismo oral, que por necessitar ser projetado para fora, abre espaço às fantasias inconscientes destrutivas dirigidas ao seio mau, tomado aí como destrutivo e ameaçador.
M. Klein, assim como Freud, propõe compreender o social a partir do individual e, lançando luz sobre as perturbações da infância, assevera que a lógica da vida psíquica, desde os seus primórdios, é emocional. Desde o nascimento, o bebê sente uma ansiedade de natureza persecutória e um desconforto é sentido como resultado de forças hostis sobre ele. A mãe equivale inicialmente ao mundo externo, havendo um conhecimento inconsciente inato da existência da mãe pelo bebê, que será base para as relações futuras.
Bons e maus objetos povoam tanto o mundo interno quanto estão no centro da teoria kleiniana, que se constitui a partir da análise das fantasias mais arcaicas e é a dualidade das pulsões de vida e de morte que vai operar no seu caráter irredutível desde a origem da existência do indivíduo, assim como está no princípio do jogo dos bons e maus objetos. 
No início da vida o sadismo está no seu apogeu, pois a balança entre libido e destrutividade pende mais para o lado desta última. Na medida em que as duas espécies de pulsões estão presentes desde a origem e são dirigidas para um mesmo objeto real (o seio), podemos falar de ambivalência. Mas a ambivalência, ansiógena para a criança, é de início posta em xeque pelo mecanismo de clivagem do objeto e dos afetos que lhe dizem respeito.
Klein menciona, esporadicamente, a existência de sentimentos invejosos ligados à voracidade, são fantasias de roubar, esvaziar e destruir o corpo da mãe; nestes se inclui a inveja como um elemento muito importante no desenvolvimento precoce. Klein ainda estabelece diferenças entre inveja ciúme e voracidade, como pulsões que interferem na introjeção do objeto bom. 
       A inveja é um sentimento de ódio voltado a uma pessoa que possui uma qualidade desejada;
       O ciúme existe em uma relação triangular, é quando se deseja possuir a pessoa amada e eliminar o rival;
       A voracidade quer extrair tudo de bom que o objeto possui.
 O caráter fantasístico dos objetos não deve perder de vista que eles são tratados como se oferecessem uma consistência real (no sentido em que Freud fala de realidade psíquica). Segundo a teoria kleiniana, os objetos estão contidos no interior da mãe; ela define a sua introjeção e a sua projeção como operações que incidem sobre objetos dos quais as qualidades - boas ou más. - são indissociáveis. Mais ainda, o objeto, bom ou mau, é fantasisticamente dotado de poderes semelhantes aos de uma pessoa (maus seio perseguidor, bom seio tranquilizador, ataque ao corpo materno pelos maus objetos, luta entre os bons e os maus objetos dentro do corpo, etc). O sujeito se
construirá  pela maneira como se relaciona com seus objetos parciais.
O seio é o primeiro objeto clivado. Todos os objetos parciais sofrem clivagem análoga (pênis, fezes, filho, etc). Assim também os objetos totais, quando a criança é capaz de apreender. 
Estas relações de objeto, marcadas pela pulsão de morte desde sempre, terão na agressividade e na destrutividade elementos fundantes do mundo interno. O sadismo oral  seria a manifestação desta pulsão, origem da agressividade. Isto é equivalente a dizer que desde tenra idade o ser humano sofre angústias e desilusões, tem ansiedades e defesas inatas, que, se não podem ser verbalizadas, não significa que não existam. Os objetos internos e as fantasias inconscientes compõem o mundo interno e o objeto externo seria uma externalização desta dinâmica psíquica (e não propriamente um objeto da realidade externa).
 
MÓDULO 3 - O INCONSCIENTE KLEINIANO
DESDOBRAMENTOS DA TEORIA PSICANALÍTICA
O inconsciente kleiniano: fantasia, projeção, introjeção, identificação projetiva.
Posição esquizo-paranóide;  posição depressiva; reparação; a inveja.
Para M. Klein a relação arcaica com a mãe, em detrimento da sexualidade e do pólo paterno, são os elementos cruciais na constituição do psiquismo e nas possibilidades de relações saudáveis. 
A fantasia inconsciente, precoce, onipresente e dinâmica, influencia todas as percepções e relações da criança com o objeto. Esta concepção de fantasia determinará uma mudança: ao invés da ênfase nas fases do desenvolvimento libidinal, será postulada uma constituição do psiquismo a partir do desenvolvimento de relações de objeto. Em suas observações de crianças pequenas, Klein reconhece que as relações com o objeto, tanto os objetos da realidade como, especialmente, os objetos da fantasia, existem até onde é possível discernir nos começos da vida de uma criança; e, além disso, que a relação primitiva com o objeto parcial - seio/corpo da mãe e pênis do pai - desempenhou um papel muito importante na estrutura dos objetos internos da criança, em seu superego e em sua  vida de fantasia.
Na teoria de relação de objeto de M. Klein, há uma ampliação do conceito de objeto. Ainda, e sempre referida ao seu trabalho com crianças, descobriu que, em fantasia, o bebê introjeta objetos tais como o seio da mãe, o pênis do pai e outras partes dos corpos parentais. Estes objetos serão internalizados, mas não são réplicas exatas dos objetos externos reais, são sempre coloridos pela fantasia e as projeções da criança. Eles são divididos em objetos ideais e persecutórios, como o seio bom e o seio mau e podem, também serem mais ou menos integrados. As introjeções podem ser de objetos parciais e dos pais como pessoas inteiras, em qualquer caso, a fantasia estará presente, distorcendo a percepção, marcando-a singularmente, mas à medida que a relação da criança com a realidade se aperfeiçoa, há uma tendência no sentido de permitir uma relação mais realista com seus objetos.
A criança pode identificar-se ou sentir-se em relação com seus objetos. Em sua primeiras obras, Klein chamou “superego” a todos os objetos internos com os quais a criança não estava identificada. Mais tarde, percebendo a complexidade da relação com os objetos internos, falou mais frequentemente de objetos internos, seu caráter e suas funções, reservando o termo “superego” somente para o aspecto punitivo dos objetos. 
Para M. Klein há uma ligação entre divisão e relações com objetos parciais e as relações com o objeto parcial; a divisão, a projeção, a introjeção e a ansiedade persecutória pertencem à mesma classe e constituem os primeiros mecanismos de defesa.  
Desta forma, M. Klein desenvolve o conceito de posições considerando que o psiquismo funciona de acordo com as características da posição, o que supõe: certa angústia; certa defesa e, consequentemente, certo tipo de relação de objeto. Na constituição do sujeito psíquico, a autora descreve duas posições: posição esquizo-paranóide e posição depressiva, que determinarão o tipo de funcionamento e forma de estabelecer relações.
 Posição esquizo-paranóide
Define-se por relações com o  objeto parcial, dominada pela ansiedade persecutória e por mecanismos esquizóides, termos que designam e enfatizam a coexistência da divisão e da ansiedade persecutória. Desde os primórdios da vida do bebê existe ego suficiente para experienciar ansiedade e usar um mecanismo de defesa, trata-se de um ego primitivo que projeta a pulsão de morte e esta projeção origina uma fantasia de objeto mau. Para este ego primitivo, a ação da pulsão de morte origina o medo de aniquilamento e esse medo básico é que leva à projeção defensiva da pulsão de morte.
A fim de evitar o aniquilamento, o ego precoce lança mão de uma ação defensiva chamada deflexão e expulsa por projeção os objetos maus originários do instinto de morte, que compõem o psiquismo humano. Assim, por ordem da pulsão de vida, o ego divide-se e projeta no exterior a pulsão de morte, mas ao mesmo tempo, a pulsão de vida é parcialmente projetada a fim de criar um objeto ideal. Assim, do caos emerge uma organização primitiva. O ego divide-se numa parte libidinal e outra destrutiva, e relaciona-se com um objeto analogamente dividido.
Neste ponto, o ego introjeta e se identifica com seu objeto ideal, mantendo, assim, em xeque, os perseguidores, que também contém os impulsos destrutivos projetados (enquanto o objeto ideal é sentido como inteiro e intacto, o objeto mau está usualmente fragmentado).
O aumento da divisão entre o objeto ideal e o objeto mau é resultado do medo e da ansiedade dele decorrente de que o os perseguidores destruam seja o eu, seja os objetos bons; os mecanismos responsáveis por este aumento na divisão são os esquizóides e a idealização excessiva é uma consequência inevitável, assim como a negação onipotente. A fantasia subjacente nesse mecanismo é a de aniquilamento onipotente dos perseguidores.
Com isto, M. Klein apresentou um novo mecanismo: a identificação projetiva, que constitui um desdobramento da projeção primitiva. Na identificação projetiva, não é apenas o impulso, mas as partes do eu (por exemplo, a boca e o pênis do bebê) e produtos corporais (por exemplo, sua urina e fezes) que se projetam, em fantasia, no objeto. As finalidades da identificação projetiva podem ser: livrar-se de parte indesejável do próprio eu, posse e esvaziamento do objeto, controle do objeto, etc. Um dos resultados é a identificação do objeto com a parte projetada do eu (daí o termo identificação projetiva). No entanto, este mecanismo envolve partes do eu que são sentidas como más, e também aquelas sentidas como boas, estas últimas podem ser projetadas a fim de evitar a separação, a fim de idealizar o objeto, e também para evitar o conflito interno; quando o interior é sentido como se estivesse repleto de maldade, as partes boas do eu podem ser projetadas num seio ideal, dadas ao objeto para fiquem a salvo, levando à excessiva idealização do objeto e à desvalorização do eu. Se a identificação projetiva é o mecanismo dominante, amar significa projetar partes boas do eu no objeto e, portanto, o eu esvazia-se e sente-se esvaziado.
Posição depressiva
Quando a criança começa a experienciar sua relação com o objeto de uma posição diferente, de um ponto de vista diferente em que a mãe aparece-lhe como um ser total, é para essa mãe amada total que a criança se volta para aliviar seus medos persecutórios - o bebê quer introjetá-la de modo que a mãe possa protegê-lo da perseguição interna e externa. O trabalho de elaboração pelo bebê da posição depressiva consiste em estabelecer no âmago de seu ego um objeto interno total, suficientemente bom e seguro. 
A posição depressiva pode ser equiparada a uma encruzilhada no desenvolvimento entre o ponto de fixação das psicoses e o das neuroses. Quando e se a criança não consegue se sair bem nesta tarefa de integração que a posição depressiva exige dela, fica exposta a um sofrimento de ordem paranóide ou maníaco-depressiva. 
A dor depressiva, com
a culpa e a ânsia de reparação do objeto bom, externa e internamente, mobiliza os desejos reparadores e as fantasias de restauração do bom objeto interno. A posição depressiva é o ponto em que pode advir um novo arranjo entre as forças pulsionais, em que a criança, no decorrer de seu desenvolvimento, deverá estabelecer, com segurança, no núcleo de seu ego um bom seio, mãe, pai e um casal parental criativo.
É isto o que implica o grande e árduo trabalho de elaboração da posição depressiva; a dor e as situações de perigo interno que isso envolve levam à formação de um conjunto de defesas - erigidas contra a posição depressiva e que impedem seu desenvolvimento. Este conceito habilitou-a ainda a diferenciar mais claramente entre as patologias psicótica e neurótica e pontos de fixação, assim como abriu caminho para o estudo do luto e reparação e dos processos criativos normais.
Defesas maníacas
Se na posição depressiva o bebê a partir de um ego mais integrado já consegue reter e manter o amor pelo objeto bom mesmo quando o ódio está presente, disto deriva a culpa, que o conduz a experiência depressiva em decorrência da sensação de ter destruído o objeto mau que também é bom. A fusão do objeto bom e mau significa um avanço na constituição do psiquismo, já que a experiência da depressão faz com que o bebê deseje reparar o objeto danificado, restaurando e recuperando o objeto amado e perdido, pela força de seus ataques destrutivos em que seu amor poderá reverter os efeitos de sua agressividade.
Neste momento há um aumento da percepção e da relação do bebê com a realidade externa, assim o teste de realidade vai se estabilizando e amplia sua conexão com a realidade psíquica, possibilitando ao bebê perceber suas possibilidades enquanto alguém que também se afeta por uma realidade externa sob a qual não tem todo controle.  Nos momentos iniciais da posição depressiva o bebê sente ainda a severidade e perseguição de seu superego, mas quanto mais se relaciona com o objeto total mais vão se atenuando estes aspectos ameaçadores e persecutórios superegóicos, o que aproxima a criança dos pais bons, gerando nela culpa e amor, o que contribui para o desenvolvimento do desejo de poupar seus objetos, permitindo à criança iniciar a sublimação de seus impulsos destrutivos.
O processo evolutivo organiza o ego, que vai gradativamente diminuindo o uso das projeções, substituindo-as pela repressão, dando origem à formação simbólica. A formação simbólica advém da necessidade de poupar o objeto, quando o bebê inibe uma parte de seus instintos, enquanto desloca ou substitui outros.
Quando a criança se sente incapaz de reparar o dano provocado ao objeto, sua  consciência moral lhe impõe uma carga de culpa e remorso maior do que ele é capaz de suportar e, para se defender desvaloriza o objeto danificado, tomando-o como não necessário, afim de livrar-se da culpa e/ou remorso minimizando a angústia de sua perda, negando suas relação de dependência.
As defesas maníacas são, portanto, uma forma de enfrentar os sentimentos de culpa e perda, que culminam com a posição depressiva. As principais defesas são - triunfo, controle onipotente, desprezo – formando uma tríade que se baseia na negação onipotente da realidade psíquica, decorrente de incapacidade de reparação, quando o ego ao enfrentar sentimentos de culpa e de perda sente-os como insuportáveis.
 A teoria da inveja
O domínio do ódio, da morte, da destruição e, sobretudo da agressividade primária é pensado de maneira arcaica, mais radical e mais interna ao sujeito. A inveja é o termo  que será cunhado para designar o sentimento primário e inconsciente de avidez em relação ao objeto que se quer destruir ou danificar. Ela aparece desde o nascimento e é inicialmente dirigida contra o seio da mãe. Na posição esquizo-paranóide ou na depressiva, a inveja ataca o objeto bom para fazer dele um objeto mau, assim produzindo um estado de confusão psicótica.
Klein (1957) descreve a inveja primária como uma pulsão agressiva que o bebê sente desde o começo da vida e a dirige ao seio da mãe com o desejo de danificar os aspectos bons e protetores que o objeto nutritivo oferece. A autora inclui a inveja como um elemento muito importante no desenvolvimento precoce e afirma que a inveja primária tem um resultado muito prejudicial para o desenvolvimento mental, pois arruína as capacidades e bondades do objeto; destrói a própria origem da bondade e da criatividade.
Klein ainda separa inveja da frustração, pois se a inveja é constitucional o elemento frustrante do objeto materno ou da situação ambiental não provocam a pulsão invejosa, pelo contrário, esta inveja provém do sujeito, e sua finalidade é atacar o que o objeto tem de bom e valioso, independente de ser ou não frustrado.
Assim, a autora integra a inveja à sua teoria das posições, se as pulsões invejosas forem intensas, atacam o objeto ideal, que é o que provoca o sentimento invejoso, alterando o processo de dissociação normal da posição esquizo-paranóide. Isto produz uma confusão entre o bom e o mau, desta forma o psiquismo do bebê não consegue dissociar o objeto ideal do persecutório, ficando gravemente perturbados os processos de introjeção do objeto bom, que são a base para o êxito da estabilidade mental. O excesso de inveja também pode acentuar a dissociação entre o objeto idealizado e o persecutório, o que impede sua posterior integração e elaboração da posição depressiva. As pulsões invejosas podem ser elaboradas e mitigadas se a introjeção do objeto bom for adequada, o que permite tolerar a culpa pelo dano dos objetos e da reparação.
Esta teoria fornece elementos técnicos que permitem abordar situações difíceis e destrutivas no tratamento analítico, mas também põe um limite ao excessivo otimismo terapêutico que Klein tinha tido nos primeiros períodos de sua obra.
MÓDULO 4 - CLÍNICA KLEINIANA
DESDOBRAMENTOS DA TEORIA PSICANALÍTICA
Clínica kleiniana
Transferência e contratransferência: limites da dupla analítica. 
Elaboração enquanto finalidade da análise. Limites à analisibilidade.
Análise infantil - A técnica do brinquedo.
Transferência
A fantasia não é somente a expressão de defesas mentais contra a realidade, mas também a manifestação das pulsões, assim, o ego se constitui de maneira complexa e, acima de tudo, sua constituição se dá num momento bastante precoce.
Desta forma, a transferência se origina nestes processos primitivos - de amor, ódio, agressão, culpa -  que denominam-se relações objetais. Pensando assim, a transferência vai além - ou melhor dizendo, aquém - de uma referência direta ao analista e mesmo quando se pensa como tal, ela será concebida como uma reencenação (reenactment) durante  a sessão de todas as fantasias inconscientes do paciente. Fantasias relativas às camadas mais profundas do inconsciente, às fases mais precoces do desenvolvimento, sendo considerada mais ampla. Por isto a técnica a ser utilizada deve permitir que, pelos relatos do paciente, se revelem o conteúdo inconsciente e as defesas contra as angústias despertadas na relação transferencial.
Situação total
A psicanálise kleiniana vê a transferência no processo analítico como uma situação total, ou seja, não ocorre apenas com o material produzido verbalmente na sessão, mas tem como base os conflitos e sentimentos da biografia do sujeito.
Além do material falado, os materiais não verbais e todos aspectos que o paciente mostra ao analista, permitirão que este perceba forma como funciona o mundo interno do paciente (dinâmica interna de objetos e fantasias), revelando como estabelece suas relações internas que se repetem em suas relações externas.
A transferência kleiniana será sempre dirigida ao analista que, neste caso, por ser alvo das reatualizações, utilizará da interpretação como principal elemento da técnica, revelando ao paciente o sentido latente do que aparece na sessão. Em seu trabalho analítico, revelará transferencialmente o conflito subjacente do evento manifesto na sessão, que atrelado ao conteúdo da realidade
psíquica, situa-se no âmago do mundo interno do paciente.
 
Contratransferência
Quanto à contratransferência, M. Klein não dispensou-lhe atenção, serão suas discípulas e sucessoras que abordarão o tema, pelo viés do trabalho do analista com seus próprios afetos e como manejá-los na situação analítica, será vista como um instrumento facilitador da compreensão do inconsciente do analisando, uma vez que será considerado como o conjunto de sentimentos que o analista vive e experimenta na relação com o paciente.
Elaboração
A noção de elaboração estará em M. Klein referida ao desenvolvimento mental espontâneo da criança. As organizações persecutórias e depressivas são estruturantes do psiquismo e sua oscilação indica o modo intrínseco da mente operar: transitório, fugaz, com estados mentais que se alternam, e esta é sua condição. O sujeito necessita desenvolver a percepção através do uso da intuição, necessita desenvolver a atenção e a continência para os elementos da vida mental em suas tentativas de lidar com o desconhecido, com o sofrimento.
A elaboração é articulada ao processo perceptivo e a rapidez na passagem da posição esquizo-paranóide para a posição depressiva. A mudança psíquica decorre de um ganho de qualidade perceptiva que incide no relacionamento com os objetos internos e externos. Este processo perceptivo não depende de compreensões ou raciocínios, mas de um contato íntimo, aproximando-se das angústias e das fantasias, através da intuição, para a expansão do ser. Isto aponta a possibilidade do analisando viver os elementos dispersos e desconhecidos de si, até o alcance de alguma coerência, de um sentido de verdade para si. A expansão da percepção que se acompanha a uma maior integração do ego e dos objetos pode proporcionar ao sujeito uma vivência de mais tolerância consigo mesmo e com os outros, o aumento de recursos psíquicos para a elaboração das experiências emocionais.
A reorganização interna e a coesão do ego envolvem o desenvolvimento do pensamento para além da culpabilidade e das angústias que são frequentemente acionadas. A compaixão, a esperança, a criatividade, a confiança e a relativização das situações podem estar em lugar do sofrimento e da atrofia amorosa. Isto inclui suportar a aceitação de limites e poder realizar a reparação.
 
Trabalho analítico com crianças - A técnica do brinquedo
Para Klein o setting analítico é representado como um cenário de batalhas, onde os pequenos personagens dramatizam as mais variadas situações: descargas de agressividade; ressentimentos; expressões do sadismo oral, uretral e anal; desejos e fantasias amorosas. Tais expressões são permitidas pelo analista, a criança normalmente fica sempre no papel do pai, mãe, professor e para os analistas, resta o papel da pobre criança vítima de adultos insensíveis, sádicos e cruéis.
A técnica do brinquedo foi inspirada no trabalho de Freud (1920) sobre o menino do carretel e por meio dele Klein compreende que o brincar da criança poderia representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias. Para a autora o brincar e o brinquedo são expressões simbólicas de conflitos inconscientes, revelando o mundo de fantasias e das relações objetais das crianças. As observações de Klein confirmariam as hipóteses de Freud sobre a sexualidade infantil. A técnica do jogo permitiu à Klein a compreensão acerca do desenvolvimento precoce, dos processos inconscientes, favorecendo a ampliação sobre o papel das interpretações para abordar o inconsciente. Com esta técnica Klein mantém os elementos básicos da psicanálise, pois pelo brincar e pela técnica do brinquedo se desenvolve uma linguagem que corresponde ao princípio fundamental da psicanálise: a associação livre. Da mesma forma as intervenções do analista kleiniano serão de cunho interpretativo, não só das palavras, mas também das ações e atividades nos jogos e conduta da criança.
Os brinquedos são representantes das associações livres do adulto, da intimidade e privacidade que se desenvolve entre paciente e analista, sendo que só ambos têm acesso ao seu mundo interno. Devem ser variados, pequenos e simples, oferecendo a possibilidade de projeção de fantasias e experiências e facultando ao analista acesso coerente aos processos mentais da criança.
Com relação ao processo transferencial é necessário deixar claro que não é possível ataques ao analista, tal atitude não só protege o analista, mas tem importância para o processo analítico, pois se não há contenção destes gestos podem ser despertadas intensa culpa e ansiedade persecutória, agregando dificuldades ao tratamento. Klein destaca a transferência positiva e negativa e enfatiza a importância de se trabalhá-las por meio das interpretações às fantasias subjacentes. Para inibir ataques ao corpo do analista deve-se permitir a livre expressão das fantasias agressivas, oportunizando outra forma de represá-las, sem ataques físicos, mas talvez ataques verbais contra a analista. Quanto mais precocemente se interpreta a agressividade, maior será o controle da situação; até mesmo crianças muito pequenas são capazes de compreender as interpretações caso que emergem no material.

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