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“Os gêneros são coleções 
percebidas de enunciados. 
Os enunciados são delimitados, 
têm começo e fim, ocupam lugar 
definido no tempo e no espaço e 
são percebidos como portadores 
de algum sentido.”
— Charles Bazerman. Série Bate-Papo Acadêmico. v.1 
Gêneros Textuais. Recife, 2011. Disponível para acesso 
em: http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/volumes
Editora univErsitária uFPE & PiPa ComuniCação
Recife - 2015
Angela Paiva Dionisio 
Larissa de Pinho Cavalcanti
Organização
Gêneros
Charles Bazerman, 10 anos de incentivo à pesquisa no BRASIL
NA LINGUÍSTICA NA LIteratura
 
O trabalho Gêneros na Linguística e 
na Literatura. Charles Bazerman: 10 
anos de incentivo à pesquisa no Brasil 
organizado por angela Paiva dionisio 
e editado pela Editora universitária 
da uFPE e pela Pipa Comunicação foi 
licenciado com uma Licença Creative 
Commons - Atribuição-NãoComercial-
SemDerivados 3.0 Não Adaptada. Com 
base no trabalho disponível em
http://www.nigufpe.com.br.
Podem estar disponíveis autorizações 
adicionais ao âmbito desta licença em 
http://www.nigufpe.com.br.
imagem Da capa
Picture of Dr. Charles Bazerman taken in 
Santa Barbara in June of 2008. Fotografi a de 
Paul Rogers. Domínio público. Disponível 
em: https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_
Bazerman#/media/File:Chuck1.jpg.
capa e proJeto gráFico
Karla Vidal (Pipa Comunicação)
DiagramaçÃo
Karla Vidal (Pipa Comunicação)
Augusto Noronha (Pipa Comunicação)
reVisÃo
Nadiana Lima
promoçÃo
Núcleo de Investigações Sobre Gêneros 
Textuais - NIG/UFPE
Catalogação na publicação (CIP)
D592
Dionisio, Angela Paiva; Cavalcanti, Larissa de Pinho
 Gêneros na linguística e na literatura: Charles Bazerman, 10 anos de incentivo à 
pesquisa no Brasil / Angela Paiva Dionisio; Larissa de Pinho Cavalcanti [orgs.]. - Recife: 
Editora Universitária UFPE e Pipa Comunicação, 2015.
 340p. : Il., Fig., quadros.
 Inclui bibliografi a. 1ª ed.
 ISBN 978-85-415-0670-0
1. Linguística. 2. Literatura. 3. Gêneros textuais. 4. Ensino.
I. Título.
410 CDD
81 CDU
c.pc:08/15ajns
COmissãO EDitORial PiPa COmUNiCaÇãO
Editores executivos: 
Augusto Noronha e Karla Vidal 
Conselho Editorial: 
Alex Sandro Gomes; Angela Paiva Dionisio; Carmi Ferraz 
Santos; Cláudio Clécio Vidal Eufrausino; Cláudio Pedrosa; 
Clecio dos Santos Bunzen Júnior; Leila Ribeiro; Leonardo 
Pinheiro Mozdzenski; Pedro Francisco Guedes do Nascimento; 
Regina Lúcia Péret Dell’Isola; Ubirajara de Lucena Pereira; 
Wagner Rodrigues Silva; Washington Ribeiro.
COmissãO EDitORial EDUFPE
Presidente: Lourival Holanda
titulares:
Alberto Galvão de Moura Filho, Allene Carvalho Lage, Anjolina 
Grisi de Oliveira, Dilma Tavares Luciano, Eliane Maria Monteiro 
da Fonte, Emanuel Souto da Mota Silveira, Flávio Henrique 
Albert Brayner, Luciana Grassano de Gouvêa Melo, Otacílio 
Antunes de Santana, Rosa Maria Cortês de Lima, Sonia Souza 
Melo Cavalcanti de Albuquerque.
suplentes:
Charles Ulises de Montreuil Carmona, Edigleide Maria 
Figueiroa Barretto, Ester Calland de Souza Rosa, Felipe 
Pimentel Lopes de Melo, Gorki Mariano, Luiz Gonçalves de 
Freitas, Madalena de Fátima Pekala Zacarra, Mário de Faria 
Carvalho, Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva, Silvia 
Helena Lima Schwanborn, Tereza Cristina Tarragô Souza 
Rodrigues.
Prefácio
Previsões, Desafios, 
Agradecimentos
AngelA Dionisio (UFPe)
Previsões...
... este deve ser apenas o primeiro livro do autor
... outros deverão seguir em língua portuguesa
... as ideias e as posições defendidas nestes seis en-
saios (...) são frutíferas e deverão incrementar entre 
nós a investigação de caráter sócio-histórico sobre 
gêneros, além de motivar novas perspectivas para o 
trabalho com gêneros em sala de aula.
Tais previsões foram feitas, no início de 2005, 
por Luiz Antônio Marcuschi sobre Charles Ba-
zerman, quando da publicação do livro Gêne-
ros Textuais, Tipificação e Interação1, no Brasil. 
Constatar a realização de previsões pode insti-
gar nossa curiosidade, aguçar nossa imagina-
ção... Como não havia dúvidas de que as intui-
1. Bazerman, C. Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. São Paulo: Cor-
tez, 2005.
Prefácio
8
ções marcuschianas foram realizadas, tentei quantificá-las. Confesso 
que acreditei firmemente que os recursos tecnológicos me ajudariam; 
ledo engano (ou não sou tão letrada assim...). Contar os livros seria 
possível, como autor individual são cinco, mas e os capítulos de li-
vros? e em Portugal? e os livros organizados com autores brasileiros 
e estrangeiros, resultados dos SIGET, não seriam um prolongamento 
do que fora previsto das ações bazermanianas em solo brasileiro? E 
as palestras e os cursos ministrados ao longo destes 10 anos que cons-
tituem verdadeiros livros orais? Como poderia eu ter a pretensão de 
quantificar? A minha ingenuidade ficou mais acentuada quando lem-
brei do próprio Bazerman, alertando que “ao construir um texto, o 
escritor torna visível aos leitores alguns elementos que entraram ali, 
representados de modos genericamente apropriados e colocados com 
outros elementos visíveis”2. Quais artefatos externos eu traria para 
comprovação? A indicação pela Revista Nova Escola do livro Gênero, 
Agência e Escrita3, como leitura fundamental para o professor? Men-
cionar reedições, número de exemplares? Buscar no banco de dados 
da CAPes as teses e dissertações motivadas pelos trabalhos do Prof. 
Bazerman? Quantificar os acessos da entrevista com a Profa. Carolyn 
Miller, disponibilizada pelo NIG? Não parecia fazer sentido. Ecoava 
em minha memória uma fala de Bazerman que alertava:
“É difícil ler nossos textos pensando se eles farão sentido para 
outros leitores que não nós mesmos. Afinal, fizeram sentido 
para nós, que os escrevemos e, portanto, olhar para o texto 
de novo pode evocar apenas a significação que já temos em 
nossa cabeça.”4 
2. Bazerman, C. Escrita, Gênero e Interação Social. São Paulo: Cortez, 2007, p.80
3. Bazerman, C. Gênero, Agência e Escrita. São Paulo: Cortez, 2006.
4. Bazerman, C. Retórica da Ação Letrada. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
9
Angela Paiva Dionisio
Já havia iniciado várias versões para este prefácio, mas quando 
relia, elas não faziam sentindo nem para mim! Desisti de todas. E 
agora, Angela? Gêneros na Lingüística & na Literatura - Charles Ba-
zerman: 10 anos de incentivo à pesquisa no Brasil está pronto, os au-
tores aguardam a publicação, os tradutores esperavam pelo livro de-
dicado ao Bazerman... E agora, Angela? Instaurou-se o caos. O livro 
pronto, mas eu não conseguia escrever o prefácio. Materializava-se 
a tensão entre a produção e a recepção de textos preconizada por 
Bazerman. Como minimizar os riscos de interpretação e me fazer 
inteligível para assegurar que as previsões de Marcuschi não preci-
savam ser mensuradas? Como dizer a Charles Bazerman que este 
livro é um artefato para agradecermos o seu engajamento no Brasil 
nestes 10 anos? Especialmente, como dizer a Bazerman que este pri-
meiro livro com algumas das palestras proferidas em seminários do 
nig (núcleo de investigação sobre gêneros Textuais –UFPe) mani-
festa o carinho, o respeito e o reconhecimento dos niguianos pelo 
seu apoio e incentivo? Como dizer que o próprio nig-UFPe nasceu 
de suas inspirações? Pareceu impossível... concordei imediatamente 
que “depois de cinco milênios de escrita – em que o letramento se 
entrelaçou com quase todas as atividades humanas, (...) os recursos 
e as tarefas de escrita são assustadores.”5
no entanto, também sabia que o “escritor precisa aprender a ver 
claramente através da ansiedade para reunir a confiança e a coragem 
de escrever o que precisa ser escrito”.6 Compreendi que a melhor ma-
neira de agradecer a você, Bazerman, não é dizendo “obrigado”. É onosso agir profissional que deve demonstrar isto! Agradecer a você 
é continuar fazendo o que você nos ensinou em sua primeira entre-
vista em março de 2005, em Recife: “a maior motivação e a forma 
5. Bazerman, C. Uma teoria da ação letrada. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
6. Bazerman, C. Uma teoria da ação letrada. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
Prefácio
10
Prefácio
10
mais efetiva de ensinar é despertar cada estudante para o sentido 
de viver no mundo. Através do estudo de textos, podemos ajudar o 
aluno a compreender o mundo, assim como seu papel nesse mundo. 
estudar textos socialmente relevantes é estudar a sociedade. Assim, 
os alunos desenvolvem habilidades linguísticas e sociais que os aju-
darão a atuar signifi cativamente na conquista de seus interesses e 
necessidades.”7 
Finalizo, recorrendo a Caetano Veloso, dizendo, Bazerman, que 
os seus 
... livros (...) em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
É o que pode lançar mundos no mundo (...)
https://www.youtube.com/watch?v=AkPozzLSrsM
Assim como Caetano Veloso, consideramos que “os livros são 
objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil, domá-
-los, cultivá-los em aquários”. nós, seus amigos, reunidos neste livro, 
decidimos que poderíamos “simplesmente escrever um”. Pra você, 
Charles Bazerman, Chuck!
7. Entrevista ao Jornal do Commercio, 1 de março de 2005, caderno C, 
Entrevista com Charles Bazerman, “A palavra é a chave de tudo”, Recife.
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Angela Paiva Dionisio
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Angela Paiva Dionisio
 PARTE 1 - LinguísTicA
15 Apresentando - O tecer de fios para a rede dos 
 estudos sobre Gêneros
 Clecio Bunzen (UPFe)
23 Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
 Carolyn Miller (nCsU/UsA)
63 Equívocos no discurso sobre gêneros
 Benedito Gomes Bezerra (UPe/UniCAP)
81 Linguística dos Gêneros e Textualidade
 François Rastier (CnRs, PARis/FRA)
97 Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir 
 de velhos gêneros
 Amy Devitt (KU/UsA) & Heather Bastian (Css/UsA)
123 Memórias Literárias: reflexões sobre práticas 
 de escrita
 Beth Marcuschi (UFPe)
159 Gêneros e a construção do discurso ambiental de 
 campanha de Conscientização 
 Maria Clara Catanho Cavalcanti (iFPe)
177 A relativa estabilidade dos textos de divulgação 
 científica: um caso de hibridismo 
 Regina l. Péret Dell’isola (UFMg)
SUMÁRIO
PARTE 2 - LiTERATuRA 
203 Apresentando - O arquipélago dos gêneros: 
 uma viagem intelectual
 Peron Rios (Colégio de Aplicação/UPFe)
217 Um giro através da noção de gênero em literatura
 lourival Holanda (UFPe)
233 Literatura e Teatro: a palavra no palco
 Darío sánchez (UFPe)
245 Os dois Teodoros: mutações do gótico de Horace 
 Walpole e E.T.A. Hoffmann
 André de sena (UFPe)
265 Sagas Fantásticas e o Novo Perfil de Leitor
 Fabiane Burlamaque (UPF) & Pedro Barth (UPF)
285 Poesia, Oralidade e Ensino
 Hélder Pinheiro (UFCg)
303 Literatura dos anos iniciais ao ensino superior: 
 contribuições do gênero entrevista à pesquisa e à 
 formação docente 
 Maria Amélia Dalvi (UFes)
15
APRESENTANDO 
O tECER DE FiOs PaRa a REDE DOs 
EsTudos sobRE gênERos
CleCio BUnzen (UFPe)
Nós não podemos dominar a móvel rede do sentido 
nem alisar o líquido tapete das analogias 
Cada palavra é uma abertura para o insondável 
antes de ser uma relação horizontal com as outras palavras 
(...)
António Ramos Rosa, in As Palavras (2001, pp.17)
Utilizo-me aqui da metáfora da “rede” – um conceito bastante 
utilizado nas Ciências Humanas – no intuito de chamar atenção para 
o fato de que a publicação de uma obra faz parte de um grande sis-
tema de interação social. se não podemos “dominar a móvel rede do 
sentido” como propõe um dos versos de Rosa; torna-se sempre um 
grande desafio contemplar a capacidade dos sujeitos de articulação e 
rearticulação permanente para compor redes de significação. Pensar 
em “redes” aponta também para o fato de que pesquisadores brasi-
leiros e estrangeiros, que se envolvem com os Estudos dos Gêneros 
Textuais, têm trabalhado em “fluxos” de informação, saberes e co-
nhecimentos sobre as diferentes práticas sociais e históricas de lin-
guagem. Congressos, grupos de pesquisa, produções de coletâneas e 
reuniões sobre Teorias de gêneros normalmente implicam em trocas, 
em diálogos, em tensões, ou seja, em inúmeros “fios” interpretativos 
sobre a vida humana com as múltiplas formas de linguagem. 
16
Apresentando - O tecer de fios para a rede dos estudos sobre Gêneros
O Núcleo de Investigações sobre Gêneros Textuais (NIG) da 
Universidade Federal de Pernambuco, criado em Maio de 2010, co-
ordenado por Angela Paiva Dionisio, contribui na formação desses 
“fluxos” culturais de informação sobre gêneros com encontros pe-
riódicos, seminários, grupos de estudo, publicações, entrevistas em 
áudio e vídeo com especialistas etc. Desta forma, o nig tem cola-
borado para uma memória coletiva das Teorias de gêneros com suas 
diversas publicações (como a série Bate-Papo Acadêmico) que são 
fundamentais para a formação de pesquisadores das diversas áreas, 
professores da educação Básica, tradutores, jornalistas, psicólogos.... 
Tais redes de interação cultural – com pesquisadores nacionais e es-
trangeiros- dão origem a percursos, a movimentos contínuos entre 
diferentes teorias, conceitos, atores, agentes e contextos. 
O primeiro bloco da obra Gêneros na Linguística & na Literatu-
ra: Charles Bazerman, 10 anos de incentivo à pesquisa no Brasil é com-
posto justamente por sete artigos científicos de pesquisadores que 
contribuíram com o NIG em diferentes tempos-espaços, participan-
do de processos de interação, de construção e desconstrução sobre 
gêneros textuais e suas teorias. o resultado desta coletânea mostra 
que as fronteiras das diversas “Teorias de gêneros” não são estáticas, 
motivando inúmeras discussões e novas perspectivas de trabalho. 
Cada um dos capítulos objetiva problematizar inquietações teóricas 
e metodológicas de facetas que compõem esse mosaico em rede que 
é as teorias dos gêneros textuais.
o primeiro capítulo – Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que 
sim?- de autoria de Carolyn Miller (nCsU) – faz uma tessitura ins-
tigante com diferentes campos do conhecimento (Filosofia, Física, 
Biologia, Retórica, linguística, literatura, estudos midiáticos) para 
chamar atenção para o fato de que os gêneros, na opinião da auto-
ra, “são formas particularmente úteis de se pensar a mudança cul-
17
Clecio Bunzen (UPFE)
tural através do tempo”. situada no campo dos estudos Retóricos 
de gêneros, a perspectiva transdisciplinar adotada na reflexão de 
Miller, com especial diálogo com os modelos gerais da evolução do 
campo da Biologia (a seleção natural de Darwin, por exemplo), traz 
questões importantes, tais como: como os gêneros mudam? o que 
permanece? Os gêneros evoluem? Se hibridizam? Se transformam? 
Destaco aqui três problemáticas que são centrais no texto: (i) como 
as Teorias de gêneros lidam e refletem sobre as formas de nomeá-
-los, categorizá-los e hierarquizá-los?; (ii) quais critérios têm sido 
utilizados quando identificamos algo como gênero? (iii) como os 
estudos retóricos de gêneros podem nos auxiliar a pensar nas “forças 
de estabilização e adaptação” dos gêneros? Essas questões (e tantas 
outras!!) constituem a rede intertextual do capítulo que, ao dialogar 
com a teoria evolucionária no campo das Ciências Biológicas e Hu-
manas, abrem espaço para reflexões sobre taxonomia e teleologia e 
suas implicações nas Teorias de gêneros. 
O segundo capítulo, intitulado Equívocos no discurso sobre gê-
neros, de Benedito gomes Bezerra (UPe/UniCAP),retoma (em cer-
to sentido) a discussão de Miller sobre as classificações e definições 
dos gêneros. Outros fios são tecidos na direção de compreendermos 
como as teorias de gêneros circulam e são apropriadas em artigos 
científicos, anais de congresso, revistas, sites educacionais etc. De 
maneira bastante didática e com exemplos concretos, Bezerra apon-
ta algumas “confusões” ou “equívocos” entre “gênero e texto”, “gê-
nero e suporte”, “gênero e domínio discursivo”, “gênero e forma/es-
trutura” e “gênero e tipo textual”. sua análise revela um conjunto de 
apropriações que podem ser compreendidas como exemplos do que 
Rafael (2001) chamou de “efeito de sobreposição” entre terminolo-
gias e noções teóricas, uma vez que os sujeitos ao mobilizarem dife-
rentes categorias (gênero e tipo textual, por exemplo) colocam “lado 
18
Apresentando - O tecer de fios para a rede dos estudos sobre Gêneros
a lado termos advindos de fontes diferentes (...), mas que geram uma 
contradição teórica ou não equivalência de sentido entre os termos” 
(RAFAel, 2001, p.165). os equívocos discutidos por Bezerra demons-
tram um movimento de redução dos conceitos e sinalizam “modos 
de apropriação” das Teorias de gêneros pelos sujeitos. sua reflexão 
provoca pesquisadores, formadores de professores e agentes respon-
sáveis por políticas públicas a refletirem sobre aspectos epistemo-
lógicos que são deixados em “segundo plano” no imediatismo das 
formas de produção de conhecimento na escola ou na universidade. 
Linguística dos Gêneros e Textualidade é o terceiro capítulo do 
bloco. escrito por François Rastier (CnRs, Paris), as provocações so-
bre “gêneros”, “discurso” e “tipologia dos textos” polemizam aberta-
mente (BAKTHin, 1981) com algumas reflexões filosóficas e literárias. 
Ao defender a importância de uma “linguística dos gêneros”, Rastier 
chama-nos atenção para diferentes níveis de classificação dos textos 
e suas implicações para as pesquisas de base semiótica. ele retoma 
implicitamente aspectos das Teorias de Gêneros discutidos anterior-
mente por Miller e Bezerra, apresentando para o leitor aspectos de 
suas pesquisas no campo da Linguística de Corpus, com ênfase para 
o fato de que: (i) podemos repensar a afirmação que “um texto per-
tence a um gênero”, invertendo-a para “o gênero pertence ao texto”; 
(ii) “o gênero e o texto, de certa forma, interpretam-se mutuamente” e 
(iii) “nenhum texto é escrito ‘em uma língua’ apenas, ele é escrito em 
um gênero, levando-se em conta as regras de uma língua”. Partindo 
de tais afirmações, é possível (re)pensar novos modos de compreen-
der a língua(gem) e a textualidade nas inter-relações entre discursos, 
campos genéricos e gêneros. 
Após o conjunto de temáticas elencadas por Miller, Bezerra e 
Rastier, o artigo Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de 
velhos gêneros, escrito por Amy Devitt (KU) e Heather Bastian (Css), 
19
Clecio Bunzen (UPFE)
traz uma preocupação pertinente para a pedagogia dos gêneros: o 
que sabemos sobre os conhecimentos prévios dos nossos alunos so-
bre gêneros? Apesar de a pesquisa focalizar o ensino superior no con-
texto norte-americano, as discussões sobre conhecimentos prévios 
de gêneros e a relação entre os gêneros produzidos na universidade 
em diálogo com o que os alunos dizem sobre suas experiências no 
ensino Médio sugerem uma agenda de pesquisa para os profissionais 
que atuam nas escolas e na universidade. De fato, se queremos en-
sinar algo para nossos alunos, não podemos ignorar o que já sabem, 
quais são seus saberes, conhecimentos, relações afetivas e quais “gê-
neros antecedentes” são “potenciais para futuras situações de escrita”. 
o ensino explícito dos gêneros – como acontece no Brasil e em outros 
países – pode ser “ineficaz”, segundo os autores, “se o conhecimento 
prévio não foi levado em consideração”. Por outro lado, ao se levar em 
consideração os conhecimentos prévios dos alunos sobre os gêneros, 
precisamos ter cautelas e fazer outros questionamentos, apreciando/
ponderando duas afirmações das autoras: (i) “o conhecimento prévio 
tanto auxilia quanto inibe o aprendizado de novos gêneros”, cabendo 
ao docente uma visão ampla do processo de aprendizagem e desen-
volvimento dos gêneros em contextos formais de ensino; (ii) “o co-
nhecimento prévio é transferido para novas situações prestativamen-
te”, por isso é importante “se defender dos obstáculos” que o próprio 
conhecimento prévio cria para os produtores de textos. 
Beth Marcuschi (UFPe), no artigo Memórias Literárias: reflexões 
sobre práticas de escrita, fornece-nos importantes discussões sobre as 
implicações das Teorias de gêneros e sua apropriação para o contex-
to educacional. Problematiza, assim, as complexas redes dialógicas 
entre as práticas extraescolares e a didatização dos gêneros, transfor-
mados via transposição didática (ou elaboração didática) em objetos 
de ensino-aprendizagem. Categorização dos gêneros (o que seriam 
20
Apresentando - O tecer de fios para a rede dos estudos sobre Gêneros
memórias? o que seria uma memória literária?), circulação e recepção 
em diferentes contextos (onde e como as memórias circulam? Ape-
nas na literatura?), assim com a produção na escola e fora dela, são 
aspectos trazidos pela autora ao analisar textos de alunos, produzidos 
no âmbito da olimpíada de língua Portuguesa. Preocupada em com-
preender – na mesma direção de Devitt e Bastian – como os jovens 
escritores aprendem a escrever em um contexto complexo de produ-
ção, as análises (do tema, das condições de textualidade e do gênero 
escolarizado) indicam fragilidades, potencialidades e deslocamentos 
possíveis e necessários no trabalho com gêneros na escola. 
o sexto capítulo – Gêneros e a construção do discurso ambiental 
de campanha de Conscientização – escrito por Maria Clara Catanho 
Cavalcanti (iFPe), parte também dos estudos retóricos de gêneros 
para analisar campanhas publicitárias contemporâneas. os textos 
escolhidos para análise, bem como os comentários analíticos de as-
pectos linguísticos, textuais e multimodais (cores, escolha das ima-
gens e construção das cenas), dão visibilidade as formas de mobiliza-
ção e de apropriação dos conceitos de “tipificação”, “situação retórica” 
e “exigência” – exploradas também por Miller em seu artigo. o modo 
como a propaganda comercial e a propaganda institucional é produ-
zida e como seus textos circulam na contemporaneidade evidenciam 
a importância de estudos desta natureza. Como bem destaca a auto-
ra: “os gêneros emanam das relações humanas e também as realizam 
ou as concretizam”. 
nessa mesma perspectiva reflexiva sobre aspectos da Teoria de 
gêneros, o último capítulo do primeiro bloco – A relativa estabilida-
de dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo – retoma 
as relações explicitadas em vários artigos desta obra entre “texto” e 
“discurso”. Produzido por Regina l. Péret Dell’isola (UFMg), a inves-
tigação se volta para o gênero relatório de pesquisa, destacando as-
pectos do discurso acadêmico e do discurso de divulgação científica. 
21
Clecio Bunzen (UPFE)
A questão da hibridização “como um fenômeno inerente às formações 
genéricas e a intertextualidade” provoca-nos a refletir sobre as múlti-
plas facetas das esferas das atividades humanas, com destaque para a 
esfera acadêmica e da divulgação científica. sua análise detalhada do 
texto “Confirmado: o brasileiro é doido varrido” traz novamente para a 
cena da teia construída em em “gêneros na linguística & na literatu-
ra”: as formas de categorização dos gêneros, dos processos retóricos de 
sua produção, da intertextualidade (na acepção de Bazerman, 2006), 
da hibridização de práticas sociais e da tessitura híbrida e heterodis-
cursiva dos textos (na acepçãode Bakhtin, [1930-36] 2015). 
isto posto, desejo que os leitores desta obra possam inspirar-se na 
metáfora da rede para (re)construir suas réplicas responsivas em con-
versas, artigos científicos, relatórios de pesquisa, memórias, e-mails, 
árvores genealógicas, poemas... e que a leitura dos artigos possa pro-
porcionar sentimentos de (des)construção, de permanências e de pos-
síveis rupturas das nossas (in)certezas, tais como as escolhas feitas 
pela moça tecelã de Marina Colasanti. 
(...) Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu 
uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, deli-
cado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
Marina Colassanti, in A moça Tecelã. Global, 2006, p. 14.
rEFErênCias
BAKHTIN, Mikhail. Teoria do Romance I: A estilística. Tradução de Paulo Bezerra. 
São Paulo: Editora 34, 2015. 
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Ed. 
Forense-Universitária, 2002.
BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006. 
RAFAEL, Edmilson. Atualização em sala de aula de saberes linguísticos de 
formação: os efeitos da transposição didática. In: Angela Kleiman (Org.) A 
formação do professor: perspectivas da Linguística Aplicada. Campinas, São 
Paulo: Mercado de Letras, 2001. 
PaRtE 1
Linguística
23
1 
gênERos EVoLuEM?1 
dEVERíAMos diZER QuE siM?2
CARolYn R. MilleR (nCsU/UsA)3
“Sobre aqueles que pisam no mesmo rio fluem 
outra e ainda outras águas...”
 Heráclito (DK22B12)
Prólogo
Heráclito supostamente disse que tudo está em movimento, 
você não pisa duas vezes no mesmo rio. Conhecido apenas por fon-
tes secundárias e anedotas, ele supostamente sofria de melancolia e 
morreu de hidropisia decorrente de uma tentativa malsucedida de 
autotratamento em um monte de esterco. era chamado de “obscuro” 
por seus contemporâneos e de “filósofo chorão” pelos Romanos, e 
ele teria mesmo chorado, se tivesse previsto o ridículo imposto por 
seus sucessores aos seus pensamentos sobre as mudanças. Platão e 
Aristóteles o acusaram de negar a lei da não contradição, defenden-
1. Texto publicado com a permissão da Canadian Association for the Study of Language and Learning. 
Há um acordo para publicação da versão original “Genre Change and Evolution,” no livro Genre Studies 
around the Globe: Beyond the Three Traditions, editado por Natasha Artemeva e Aviva Freedman. 
Edmonton, Alberta: Inkshed Publications, no prelo. 
2. Tradução de Larissa de Pinho Cavalcanti (UFRPE), revisão de Rodrigo Farias de Araújo (UFPE), revisão 
e coordenação de tradução Judith Hoffnagel (UFPE).
3. crmiller@ncsu.edu
24
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
do a identidade de opostos, e alegando que tudo que é o mesmo é, 
na verdade, diferente. Até hoje, filósofos discordam em como inter-
pretar sua afirmação misteriosa sobre o rio. Teria ele dito que o rio 
é e não é o mesmo rio? Ou teria ele dito, como alguns sugerem, que 
“rios podem permanecer os mesmos com o tempo, mesmo que, ou 
talvez porque, as águas mudam”, isto é, a estabilidade de estruturas 
maiores só seria possível devido ao fato de que seus elementos cons-
tituintes mudam (GRAHAM, 2005)?4 
Tem sido menos difícil para nós, agora, aceitar a noção de que 
tudo está de fato em fluxo constante, nos níveis microscópico e cós-
mico: sabemos que o universo se expande, que há ondulações da 
luz, movimento Browniano, spin do elétron, placas tectônicas desli-
zantes, erosão dos cânions e a elevação das montanhas, a origem e 
a extinção das espécies. Mas minha premissa é que, no século XXi, 
ainda temos dificuldades para entender a igualdade e a diferença, 
a estabilidade e a mudança, a tradição e a inovação no mundo das 
experiências humanas. os estudos de gêneros fazem parte dessa 
dificuldade.
Pensamentos evolucionistas nos 
estudos de gêneros
Parece não haver dúvidas de que estamos em um período de 
dramática mudança de gêneros: novas formas e capacidades se de-
senvolvem todo dia, com alegações incessantes nas notícias onli-
ne e blogs de que isto ou aquilo é um “novo gênero”. Alguém que 
procure no google ou lexis-nexis irá encontrar inúmeras dessas 
4. Ver também Kirk et al., que sugerem que “a unidade do rio como um todo é dependente da regularidade 
do fluxo de suas águas constituintes”; que “um todo complexo...pode permanecer ‘o mesmo’ enquanto 
suas partes estão sempre mudando (KIRK, G. S. et al., 1983).
25
Carolyn Miller (NCSU)
alegações na mídia, nos materiais promocionais e conteúdos na in-
ternet gerados por usuários, incluindo gêneros como aristocrunk, 
steampunk, pornô tortura, haul videos, lolcats, fanfic, kiddie noir, 
chillwave, mocumentário, e dirtbags sitcoms. É atordoante. Parece 
que precisamos de gêneros para nos ajudar a fazer sentido dessa 
intensa e crescente confusão de gêneros para nos ajudar a nos lo-
calizarmos na “loucura e [no] trivial” desse mundo sociocultural 
mediado (HeFFeRnAn, 2009). 
Tentando entender o processo de mudança dos gêneros e a 
emergência do que parecem ser “novos gêneros” em mídias novas e 
velhas, passamos a nos apoiar fortemente no conceito de “evolução”. 
Esse é um termo que, em inglês, pelo menos, é normalmente asso-
ciado à mudança biológica e à diversidade, de modo que se poderia 
perguntar se é apropriado usá-lo para se referir a mudanças sociais e 
discursivas. O que ele faz ou nos impede de fazer? Quando adotamos 
a língua da evolução, o que importamos para nossas conceptualiza-
ções de gêneros, de ações retóricas de larga escala, e de organizações 
retóricas da cultura? Como Berkenkotter já havia perguntado, “quão 
literalmente – ou heuristicamente – devemos tomar o conceito de 
‘evolução de gêneros’?” (BeRKenKoTTeR, 2007). 
A linguagem da “evolução” permeia obras recentes sobre gêne-
ros, não somente nos estudos retóricos (JAMieson, 1973; JAMie-
son, 1975; BAzeRMAn, 1984; MilleR, 1984; BeRKenKoTTeR e 
HUCKin, 1993) e na linguística (HYlAnD, 2002; HeRRing et al., 
2005; sKUlsTAD, 2005; AYeRs, 2008), mas também nos estudos 
literários (FoWleR, 1971; JAViTCH, 1998; DiMoCK, 2007) e estudos 
midiáticos (filme e televisão) (FeUeR, 1992; AlTMAn, 1999; MiT-
TELL, 2001), bem como nas ciências da informação e estudos de no-
vas mídias (liesTØl, 2006; ClARK et al., 2009; KAnARis e sTA-
MATATos, 2009; PAolillo et al., 2011). De fato, não parecemos ter 
26
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
nenhuma outra linguagem para descrever como os gêneros mudam 
com o tempo5. A linguagem da evolução (incluindo metáforas bioló-
gicas relacionadas, tais como “cromossomo”, “ancestral” e “genealo-
gia”) invoca uma analogia entre mudanças culturais e mudanças or-
gânicas ou biológicas com o tempo. essa analogia contribui para os 
estudos de gêneros com um modelo que inclui tanto mudanças dia-
crônicas quanto variações sincrônicas. Com a mudança diacrônica, 
percebemos as relações, isto é, uma explicação de continuidade atra-
vés da herança ou influência com o tempo. Com a variação sincrô-
nica, percebemos as formas alternativas e “semelhanças familiares”, 
as diferenças e semelhanças coexistentes em vários graus. Ambas 
as dimensões contribuem para a explicação da adaptação ou “valor 
adaptativo” [fitness], o resultado aparente de um processo competi-
tivo pelo qual variações são selecionadas e preservadas, produzindo 
mudanças (graduais). “Valor adaptativo”, curiosamente, é um termo 
frequente em ambas as teorias, retórica e evolucionária: Darwin veio 
a usar a frase de Herbert spencer, “sobrevivência do mais adaptado” 
como sinônimo para “seleção natural”6, e retóricos adotaram a ex-
pressão de Bitzer, “resposta adaptada”, como o discurso que é adap-
tado a sua situação (BiTzeR, 1968); nós também usamos a antiga 
noção de decorum (1968). A descriçãode schryer de gêneros como 
coleções de características variáveis que são “suficientemente está-
veis” ou “temporariamente estabilizadas” capturam bem esse pro-
5. Berkenkotter sugere que o modelo revolucionário de Kuhn de mudanças de paradigma é mais descritivo, 
pelo menos para o estudo de caso psiquiátrico. E um importante estudo novo de Wells oferece um sistema 
metafórico espacial ou geográfico para compreender os gêneros, sendo especialmente útil para textos 
mistos ou duvidosos, como a Anatomy of Melancholy de Richard Burton (WELLS, 2014).
6. Embora não apareça na primeira edição de Origin, Darwin a adotou e atribuiu a Spencer em seu 
trabalho de 1868, The Variation of Animals and Plants under Domestication: “Essa apresentação, durante 
a batalha pela vida, das variedades que possuem quaisquer vantagens em estrutura, constituição ou 
instinto, tenho chamado Seleção Natural; e o Sr. Herbert Spencer tem expressado a mesma ideia em 
Sobrevivência do mais Adaptado” (6). http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F877.1&v
iewtype=text&pageseq=1.
27
Carolyn Miller (NCSU)
cesso e poderia muito bem ser aplicada às espécies orgânicas e aos 
gêneros do discurso (sCHRYeR, 1993). 
se investigarmos a história dessas ideias, podemos ver “evolu-
ção” não como uma simples metáfora ou analogia conveniente para 
o processo de mudança dos gêneros, mas um conjunto de ideias que 
tem sido central para o pensamento acerca das mudanças culturais 
e das mudanças biológicas. o que é de interesse particular é que as 
tentativas de entender mudança e variação no mundo biológico e 
no humano surgem quase concomitantemente e se influenciam. são 
extensos os estudos sobre a história do pensamento evolucionista e 
não poderia abordá-lo em detalhes aqui, de modo que, para resumir 
uma longa e complexa estória, começarei com um esboço das fontes 
das ideias de Darwin acerca da origem das espécies e continuarei 
com um relato igualmente simples da pesquisa sobre mudança lin-
guística e literária. em seguida, considerarei duas questões especí-
ficas a partir das quais a teoria de gêneros poderia aprender com as 
discussões em biologia: as questões de taxonomia e teleologia. 
Pensamento evolucionário nas 
ciências biológicas
Versões da teoria evolucionista antecedem Darwin em quase um 
século, surgidas durante a transição do Iluminismo para o Romantis-
mo, dando origem a investigações no mundo natural e na história da 
linguagem, ambos intrinsecamente ligados desde o começo. Ao exa-
minar as fontes das ideias de Darwin sobre a origem das espécies em 
paralelo às investigações sobre a diversidade linguística e literária, o 
que vemos, em ambos os casos, é um processo muito longo e difí-
cil que envolve uma transformação fundamental do pensamento do 
essencialismo para aquilo que o grande evolucionista do século XXi 
ernt Mayr chamou de “pensamento populacional” (MAYR, e., 1982). 
28
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
Acredito que essas duas formas de pensamento estão ambas vivas nos 
estudos de gênero, hoje.
o essencialismo é bem representado pela teoria platônica das 
formas: a eide fixa, imutável, e distinta ou essências que existem in-
dependente do mundo fenomenal, o qual é meramente sua mani-
festação imperfeita. Para a perspectiva da eide, variações são desin-
teressantes, meros sinais de imperfeições do mundo empírico. De 
acordo com Mayr, o essencialismo “dominou o pensamento do mun-
do ocidental” a ponto tal que é agora difícil para nós compreender 
(1982). o pensamento populacional, ao contrário, o qual Mayr chama 
de “um conceito peculiarmente biológico, alheio ao pensamento do 
cientista físico” (1982), toma o indivíduo único como ponto de parti-
da da análise, não o tipo, valorizando diversidade e variação, em de-
trimento de abstrações estáveis. É mais empírico e indutivo, menos 
matemático e abstrato. “Ao introduzir o pensamento populacional”, 
diz Mayr, “Darwin produziu uma das revoluções mais fundamentais 
no pensamento biológico” (1982).
o pensamento evolucionário na biologia tem raízes nos esforços 
do iluminismo para compreender o mundo natural. os filósofos na-
turalistas como lineu, Buffon, laMettrie, lamarck, Diderot, Cuvier, 
e outros incluindo o próprio avô de Darwin, erasmus (BoWleR, 
1989), lutaram para entender o grande plano harmônico pressuposto 
por ambos teólogos e mecânicos racionais para ordenar o universo. 
o trabalho de décadas de lineu para criar uma taxonomia do mundo 
natural é um dos primeiros e mais importantes de tais esforços. Lineu 
pretendia representar o plano racional da criação divina dentro de 
seu sistema de classificação, uma ambição revelada pelo título de seu 
trabalho: Systema Naturae, publicado em 1735. ele começou com pre-
missas do século XViii: as espécies são invariantes, as relações entre 
as mesmas refletem um sistema único ordenado, e esse sistema possui 
29
Carolyn Miller (NCSU)
uma hierarquia linear comumente representada como uma torre, uma 
escada – a scala naturae ou “a grande cadeia de seres” – com a nature-
za arranjada em ordem de perfeição ou complexidade, conectando o 
divino através do angelical e, em seguida, o humano ao animal, vege-
tal e a níveis inanimados da existência (MAYR, 1982; BoWleR, 1989; 
ver também DenneTT, 1995). Ao desenvolver seu trabalho, todavia, 
lineu veio a perceber que o florescente mundo natural não podia ser 
bem representado por um único sistema linear, que as espécies não 
eram imutáveis e que espécies similares poderiam estar relacionadas 
entre si, provavelmente por hibridismo (BoWleR, 1989). De acordo 
com um estudo de 1957, realizado pelo então presidente da sociedade 
lineana sueca, “é bem incontestável que lineu nos anos 1750 tenha 
desistido definitivamente de sua tese da absoluta imutabilidade das 
espécies. A evidência mais impressionante... é que... ele removeu a 
afirmação nullae species novae [não há novas espécies] do prefácio de 
sua 12ª edição de Systema Naturae [1766] e apagou as palavras Natura 
non facit saltus [a natureza não dá saltos] em sua cópia de Philosophia 
botanica [1751]” (HoFsTen, 1957).
enquanto isso, na França, os philosophes criavam uma “visão de 
mundo nova, completamente materialista” que incluía as primeiras 
teorias evolucionárias modernas, que eram também antiteleológicas 
(Reiss, 2009). os múltiplos volumes de Natural History publicado 
por georges-louis leclerc, Conde de Buffon, iniciaram o que se tor-
nou o projeto coletivo da anatomia comparada; seu quarto volume 
(publicado em 1753), mais especificamente, incluía seções sobre ca-
valos e asnos que usavam homologias anatômicas para especular 
acerca da relação não somente entre esses dois animais domésticos, 
mas todos os vertebrados. Algum tempo depois, Georges Cuvier su-
cedeu seus próprios trabalhos sobre anatomia comparada com uma 
publicação de 1796 sobre fósseis de elefantes, o mastodonte do novo 
30
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
mundo e o mamute siberiano, comparando-os aos atuais elefantes 
africanos e indianos, alegando que seriam quatro espécies distintas, 
com a espécie fóssil aparentemente extinta; seu trabalho seguinte, 
de 1812, com quatro volumes, um estudo de fósseis, é hoje compre-
endido como o “documento fundador da paleontologia vertebrada” 
(Reiss, 2009). De acordo com um resumo de Reis, “o problema com 
o mundo natural apresentado para Cuvier ao final do século XViii 
era aquele da diversidade da biológica forma, em seu aspecto mais 
amplo. esse problema não era somente... como melhor classificar as 
formas – isto é, como encontrar o sistema mais natural de classifica-
ção (o que quer que isso possa significar) – mas também como inter-
pretar o sistema encontrado” (Reiss, 2009). Tais problemas – encon-
trar a basepara classificação e entender o que isso significa – devem 
ser familiares aos teóricos de gênero.
A evidência acumulada indutivamente nas grandiosas coleções 
dos naturalistas – a de lineu em Uppsala e as coleções reais em Paris 
com as quais Buffon e Cuvier trabalharam – enfraqueceram a crença 
em sistemas lineares, hierárquicos como a scala naturae, e as convic-
ções sobre a estabilidade das espécies. Tornou-se possível conceber 
a natureza como um poder criativo e a criação como um processo 
aberto (BoWleR, 1989). em um mundo onde a evidência da mu-
dança orgânica havia se tornado inegável, o projeto explicativo de 
Darwin, de acordo com Dennet, desdobrava-se em dois: demonstrar 
que as espécies modernas haviam descendido de outras anteriores, e 
mostrar como tal poderia ser, isto é, encontrar um mecanismo para 
descendências com modificações (1995). sua solução, combinando as 
dimensões diacrônicas e sincrônicas, envolvia variações aleatórias de 
características dentro de uma população reprodutora, continuidade 
e hereditariedade de variações, superprodução de prole, e “seleção 
31
Carolyn Miller (NCSU)
natural” produzida por competidores para sobrevivência (ou seja, a 
sobrevivência do mais adaptado7).
no longo processo de desenvolvimento de sua explicação, Da-
rwin ocasionalmente representou conjuntamente as dimensões 
diacrônicas e sincrônicas do problema, como um diagrama-árvore. 
Uma primeira representação apareceu em um caderno de 1837, no 
qual ele estava pensando claramente em linhagens de descendên-
cia com variações; Bowler nos revela que Darwin logo percebeu que 
a evolução é um processo de ramificação, exemplificado nas con-
dições de isolamento geográfico observado nas ilhas galápagos, e 
que, em 1837, ele começou a explorar a ideia de variações ordinárias 
serem a chave para a mudança orgânica de longo prazo (1989). A 
Origem incluía apenas um diagrama, de uma árvore generalizada 
para hipotetizar acerca da descendência com modificações e dife-
renciais de sobrevivência (DARWin, 1859)8. À medida que enten-
dia o papel da competição e da probabilidade de extinção, Darwin 
também aceitou que uma explicação materialista era necessária, em 
detrimento de uma teleológica, e que os desenhos de um Criador 
não eram necessários ou relevantes para o processo de mudança 
orgânica (BoWleR, 1989). A teologia natural, assim, foi substituída 
por uma mecânica natural; a noção das espécies como um tipo fixo 
é substituído pela população de variantes, e a hierarquia linear da 
grande cadeia do ser, pela figura de ramos de árvores9.
7. Ver o modelo básico de Dennett da evolução (“maximamente abstrato”) (1995) e o resumo similar de 
Steven Jay Gould (1977). 
8. O esboço do caderno de Darwin pode ser visto em uma exibição online no Museu de História Natural 
Americano (http://www.amnh.org/exhibitions/past-exhibitions/darwin/the-idea-takes-shape/i-think). 
Gross (2007) discute a função retórico-conceptual de seu esboço bem como o diagrama publicado em 
Origem. 
9. A importância do esquema-árvore é enfatizada na discussão de Robert O’Hara do “pensamento 
árvore”, após o pensamento populacional de Mayr; pensar em árvore muda questões de estados para 
questões de mudança (1988).
32
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
O pensamento evolucionista nas 
ciências humanas
o projeto de Darwin se tornou pensável não somente como re-
sultado do empirismo racional do Iluminismo e do materialismo 
mecânico, mas também em decorrência da contrapartida intelectual 
do Romantismo europeu. o Romantismo desafiava o poder das clas-
sificações estáveis e das relações hierárquicas para fazer sentido do 
mundo, oferecendo, em seu lugar, visões desenvolventes da história 
(a qual se tornara teleológica para alguns, tema que tem atormentado 
o pensamento evolucionário desde então) (BoWleR, 1989; Reiss, 
2009). Além disso, a analogia entre o mundo humano e o mundo 
orgânico se tornou explícito em muito do pensamento Romântico, 
bem antes de Darwin, tomando forma em discussões da história da 
linguagem e da história da literatura. 
no século XViii, linguistas haviam estudado a linguagem para 
entender “o mecanismo da mente”, mas no século XiX, de acordo 
com Jonahtan Culler, eles se voltaram para o estudo das formas lin-
guísticas “cujas semelhanças e vínculos históricos com outras formas 
devem ser demonstrados” (CUlleR, 1986). A linguística histórica 
nasceu com ajuda, em parte, dos interesses religiosos em descobrir 
a “lingua Adamica”, a língua original. os europeus, ao explorarem o 
que agora é a Índia, notaram similaridades entre o sânscrito e as anti-
gas línguas europeias, grego e latim; tais observações levaram a pro-
postas, na metade final do século XViii, de que essas línguas antigas 
teriam uma fonte comum e que as línguas germânicas e celtas tam-
bém poderiam estar relacionadas à ampla família indo-europeia das 
línguas (HoenigsWAlD, 1962). os desenvolvimentos na anatomia 
comparada inspiraram alguns desses trabalhos. Como Friedrich sch-
legel, o poeta alemão e crítico literário, disse em 1808: “o fator decisi-
33
Carolyn Miller (NCSU)
vo que solucionará tudo é... a gramática comparativa, a qual nos dará 
ideias totalmente novas sobre a genealogia das línguas, de modo si-
milar àquele no qual a anatomia comparada iluminou a história natu-
ral mais alta” (citado em HoenigsWAlD, 1962). o próprio Darwin 
na primeira edição de Origem fez uma breve, mas explícita conexão 
entre a mudança biológica e a mudança linguística pela proposta de 
que um “pedigree da raça humana” poderia iluminar a classificação e 
as relações entre as línguas, vivas e extintas (DARWin, 1859). 
Uma figura central no desenvolvimento da linguística históri-
ca foi August schleicher (1821–1868). schleicher desenvolveu uma 
visão científica da língua, sem necessidade de axiomas teológicos, 
argumentando, ainda em 1848, que a língua deve ser pensada como 
um organismo natural porque línguas podem ser classificadas em 
gênero, espécie e subespécie (MAHeR, 1966), termos que empres-
tara das classificações de lineu de um século antes (RiCHARDs, 
2002). Talvez sua contribuição mais duradoura tenha sido a Stamm-
baumtheorie, a teoria da árvore genealógica, a qual introduziu dia-
gramas-árvore para mostrar grupos de línguas relacionadas. em 
seu estudo sistemático das línguas europeias, publicado em 1850, 
Schleicher descreveu o desenvolvimento linguístico como um pro-
cesso evolucionário, “falou das línguas indo-europeias em termos 
de relacionamentos familiares” (KoeRneR, 1972), e propôs que a 
história de seu desenvolvimento poderia ser representada como 
um Stammbaum, ou ramificações (RiCHARDs, 2002). em 1853, ele 
publicou o primeiro de tal diagrama e, por volta de 1860, antes de 
ler Darwin, os utilizava frequentemente (RICHARDS, 2002)10. Há 
10. O diagrama é reproduzido em Richards (2002). Se Schleicher manteve uma visão evolucionista 
da espécie humana antes da Origem de Darwin (algo sobre o qual se especula), ele claramente a 
manteve após ler a tradução em alemão (RICHARDS, 2002). De fato, ele defendeu em um comentário 
em 1863 sobre a Origem que o estudo histórico das línguas poderia ajudar a substanciar hipóteses 
sobre a evolução orgânica: em particular, que a linguística fornecesse evidências sobre a competição, 
34
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
especulações que Schleider desenvolveu sua abordagem para a lín-
gua não diretamente de cientistas biológicos, mas de sua educa-
ção como filólogo clássico, treinado para criar árvores genealógicas 
manuscritas, de acordo com a doutrina de erros compartilhados 
(HoenigsWAlD, 1962). seu professor, Friedrich Ritschl, também 
trabalhou na genealogia humana (MAHeR, 1966), então a árvore 
genealógicatalvez seja o modelo mais direto para essa forma de 
representação provada útil em investigações biológicas e humanís-
ticas (MAHeR, 1966).
A linguística não foi a única ciência humana na qual um modelo 
evolucionista se fez presente. Na literatura, também, a evidência de 
diversidade e mudança se tornou difícil de ignorar: o romance, afinal, 
não encaixava na tríade essencialista do épico, drama e lírico, atribu-
ído a Aristóteles e Horácio e incrustado no neoclassicismo literário11. 
A poética neoclássica, operando sob as mesmas premissas do século 
XViii com as quais lineu se debateu (a invariabilidade das espécies 
e a ordem hierárquica de suas relações), é conhecida por suas re-
gras prescritivas, invocadas, diz Duff, para modernizar e cientifizar 
a empreitada literária (2009). na visão de Dubrow, “o que engaja os 
críticos neoclássicos acima de tudo... é repetir e refinar as regras de 
cada gênero e testar trabalhos particulares contra aquelas normas. 
Eles também retornam frequentemente ao problema da hierarquia 
de gêneros, algumas vezes aceitando e outras desafiando o pronun-
ciamento Aristotélico da supremacia da tragédia” (DUBRoW, 1982). 
Como as regras eram criadas a partir de uma seleção estreita de pro-
duções poéticas (primariamente os gêneros da antiguidade clássica) 
a extinção, e a complexidade crescente e, de modo mais geral, que os processos de descendência 
linguística e descendência humana eram virtualmente idênticos, que a língua e a mente haviam 
evoluído conjuntamente. Schleicher também apontou que o diagrama-árvore em Origem era hipotético, 
enquanto seus próprios diagramas eram empíricos (RICHARDS, 2002).
11. Genette esclareceu o quão equivocada é essa atribuição (1992).
35
Carolyn Miller (NCSU)
tidas como “atemporalmente imutáveis”, elas provocaram discussões 
acerca dos valores de obras tal como romances medievais, tragicomé-
dias renascentistas e o romance (FoWleR, 1982). Uma afirmação de 
John Baillie exemplifica a ênfase dual no essencialismo e nas regras: 
o genuíno trabalho da crítica é definir os limites de cada tipo 
de escrita, e prescrever suas distinções próprias. sem isso, 
não pode haver perfomance legítima, a qual é a justa confor-
midade a leis ou regras daquela maneira de escrever na qual 
cada obra é desenhada. Mas a maneira deve ser definida an-
tes que as regras possam ser estabelecidas; e devemos saber, 
por exemplo, o que a história é antes de sabermos como ela 
difere da novela e do romance e, antes de julgarmos como 
deve ser conduzida (BAILLIE, 1747).
A obsessão com ordem e regras, a qual se estendia além da lite-
ratura, para a arquitetura, a música e a pintura, tem sido atribuída 
a “um profundo medo da desordem na psique individual e no corpo 
político” (DUBRoW, 1982) e caracterizado como uma “reação ao caos 
e fanatismo de 1640 e 1650” (DUFF, 2009). Tais medos provocaram 
o que Toulmin caracterizou de “Busca pela Certeza” no começo do 
século XVii (1990). essa busca um tanto desesperada, diz ele, pro-
vocou uma transformação na filosofia cujos “princípios gerais eram 
aceitos e casos particulares eram rejeitados[;]... o permanente era 
aceito, o transitório era rejeitado” (ToUliMin, 1990). Podemos ver 
nessa busca um ambiente propício para o essencialismo da teoria 
neoclássica de gêneros e resistente ao pensamento sobre variação e 
mudança. o sistema neoclássico de gêneros também serviu a múl-
tiplas necessidades sociais: para poetas aspirantes, críticos cada vez 
mais influentes, editoras livreiros e bibliotecários, professores e lei-
tores ordinários, o sistema era conveniente, familiar e possuía estru-
turas de reconhecimento (DUFF, 2009).
36
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
Todavia, o século XViii era mais que uma reação ao século XVii. 
Por volta da metade do século, de acordo com René Welleck, “a espe-
culação biológica e sociológica... estimulava pensamentos análogos 
sobre literatura” (WelleK, 1963). e a autoridade dos modelos clás-
sicos foi testada pelo que Michael Prince chama de “fatores especifi-
camente modernos”: 
A ascensão de tipos de literatura não sancionados (tais como 
o romance) e uma audiência que os favorecia; a tendência de 
autoras a habitarem gêneros novos e velhos de modos de-
cididamente diferentes...; a fome pelo material impresso de 
todos os tipos; a competição entre escritores de alta e bai-
xa cultura; a eficácia dos panfletos, das críticas, anúncios, 
e ensaios ocasionais e periódicos modelando debates sobre 
cultura; a influência da moralidade da classe média sobre o 
drama – esses fatores e muitos outros desestabilizaram a au-
toridade recebida dos gêneros neoclássicos enquanto man-
tendo atenção sobre os gêneros (PRinCe, 2003)
A atenção à natureza histórica e contingente das categorias cul-
turais a que chamamos gêneros ajudou a lançar o movimento que vi-
ria a ser o Romantismo literário e se tornaria típico do mesmo. Duff 
chama atenção para um número de desenvolvimentos que ilustram o 
novo papel fluido exercido pelos gêneros, notando, por exemplo, que 
em várias coleções de poesia publicadas, o “uso de termos genéri-
cos com qualificadores adjetivos [tais como ‘soneto elegíaco’, ‘balada 
patética’, ‘pastoral sentimental’]... aumentou consideravelmente no 
final do século XViii” (DUFF, 2009). Tal mistura de todos os gêneros 
se tornou um ideal abertamente crítico (DUFF, 2009), com schlegel 
declarando que “o imperativo romântico exige a mistura de gêneros” 
(citando em DUFF, 2009). o próprio título da obra revolucionária 
de Wordsworth Lyrical Ballads é um exemplo, misturando a lírica 
37
Carolyn Miller (NCSU)
clássica com a balada popular. Duff também apontou o interesse em 
gêneros marginalizados e literatura folk ou “primitiva” como evidên-
cia dessa nova direção na teoria dos gêneros. Os Românticos associa-
dos com o movimento “primitivista”, pressupondo uma autenticida-
de em civilizações antigas, usavam um método “ramificado” similar 
àquele de linguistas históricos para ligar formas relacionadas a um 
anterior “ur-gênero” (Rajan citado em DUFF, 2009). Duff chama o 
abandono da rigidez estética pelo Romantismo “um episódio notá-
vel na história das ideias”, observando que “é necessário um esforço 
da imaginação para lembrar uma época na qual se acreditava que 
os gêneros eram estáticos, categorias universais cujo caráter não se 
alterava com o tempo” (DUFF, 2000). em um paralelo interessante, 
Dennett nota que “nós pós-Darwinianos somos tão acostumados a 
pensar em termos históricos acerca do desenvolvimento das formas 
de vida que é necessário um esforço especial para nos lembrarmos 
de que, nos dias de Darwin, as espécies dos organismos eram con-
siderados tão atemporais como os triângulos e círculos perfeitos da 
geometria euclidiana” (DenneTT, 1995).
Após Darwin, quando o pensamento evolucionista se infiltrava 
pelos idos do século XiX, tal foi aplicado à literatura na França por 
Ferdinand Brunetière e na inglaterra por John Addington symonds 
(influenciado por spencer) (ConleY, 1986; FisHeloV, 1993); apli-
cado à tecnologia por Karl Marx e samuel Butler; e continuou a in-
fluenciar o estudo das línguas e da literatura até as décadas iniciais 
do século XX, quando saussure persuadiu linguistas a deixar de lado 
preocupações diacrônicas (assim como já abandonavam metáforas 
biológicas) e tratar a língua como um sistema (CUlleR, 1986). saus-
sure redirecionou o foco da linguística, emergindo em uma época na 
qual os estudos da linguagem e da literatura ambos possuíam uma 
distinta falta de interesse na evolução, tanto que, em 1956, René Wel-
38
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
lek pôde alegar que “cinquenta e seis anos atrás o conceito de evolu-
ção dominou a história literária; hoje...parece ter desaparecidoquase 
completamente” (WelleK, 1963). Como mostra Fishelov, muito da 
insatisfação literária com a teoria evolucionista derivava de sua falsa 
aplicação ou de erros de compreensão (particularmente com relação 
ao determinismo, um tópico abordado adiante) (FisHeloV, 1993). 
À medida que o interesse no pensamento evolucionista diminuía, 
também diminuíam os interesses no gênero, em parte em decorrên-
cia da contínua oposição romântica à convenção e ao compromisso 
com a criatividade radical (DUFF, 2000), e, em ambas, literatura e 
linguística, os estudos de gênero caíram em desgraça durante muito 
do século XX. 
Penso que há uma história complexa e interessante a ser conta-
da sobre a revitalização de uma teoria evolucionista de gênero nas 
décadas seguintes à declaração de Wellek. não conheço essa his-
tória ainda, mas suspeito que ela envolva um número de correntes 
nas ciências humanas, tais como teoria Gestalt, teoria dos esquemas, 
teoria de categorias, da psicologia cognitiva; teorias de tipificação e 
estruturação da sociologia; o interesse de langer nos “padrões”, e 
possivelmente a filosofia da linguagem comum, da filosofia; e inclui 
confluentes, como a noção de Kuhn de “paradigma” e a “teoria de 
frames”, da psicologia social e pesquisa de mídia. 
A história paralela a ser contada é aquela dos modelos evolucio-
nistas e seu apelo contínuo aos historiadores no intuito de esclarecer 
a mudança cultural e intelectual. Thomas Kuhn, por exemplo, ainda 
que seu modelo para mudanças científicas seja geralmente posto em 
termos diferentes (aqueles das revoluções políticas), invoca a analo-
gia com a evolução biológica em diversos pontos de seu argumento, 
notando que o processo que tem descrito é “a seleção por conflito 
na comunidade científica do modo mais adequado de se praticar a 
39
Carolyn Miller (NCSU)
ciência do futuro” e mesmo invocando o modelo-árvore: “imagine 
uma árvore evolucionista representando o desenvolvimento das es-
pecialidades da ciência moderna desde suas origens comuns na, di-
gamos, filosofia natural primitiva e os ofícios” (KUHn, 1970). outros 
filósofos e historiadores da ciência têm feito da evolução seu modelo 
explicativo central. Um esforço proeminente é o exame de Toulmin 
da mudança conceptual dentro do que ele chama “empreitadas ra-
cionais” ou disciplinas intelectuais, não com base em uma analo-
gia direta entre biologia (“seleção natural”) e disciplinas (“seleção 
racional”), mas na proposta de uma “forma mais geral de explicação 
histórica” de que ambas são exemplos (ToUlMin, 1972); essa “forma 
geral” é essencialmente idêntica ao modelo “abstrato” de evolução de 
Dennett, “a sobrevivência diferencial de entidades replicantes [va-
riáveis]”, como Dawkins coloca, a qual é independente de qualquer 
substrato particular ou forma de expressão (citado em DenneTT, 
1995). outro esforço desse tipo é o “relato evolucionário de inter-re-
lações entre o desenvolvimento social e conceptual na ciência” apre-
sentado com grande atenção à biologia evolucionária darwiniana e 
pós-darwiniana (HUll, 1988)12.
Mas, agora, gostaria de me afastar do esboço histórico para con-
siderar duas áreas específicas nas quais teóricos de gêneros podem 
aprender a partir dos esforços extensivos e coordenados dos cien-
tistas biólogos para conceptualizar evolução. irei me concentrar em 
duas questões centrais para o desenvolvimento da teoria evolucioná-
ria: taxonomia e teleologia. 
12. O modelo de Hull foi adaptado por Gross e seus colegas para explicar o gênero do artigo de pesquisa 
científica (GROSS et al., 2002). Arthur tem aplicado uma versão modificada de evolução à mudança 
tecnológica (2009).
40
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
Taxonomia 
o problema da taxonomia é representado pelo diagrama-árvore 
que temos analisado. Que tipos de relacionamentos são mapeados? 
Qual a unidade de análise? sob o essencialismo, a unidade estava nas 
espécies imutáveis, e afinidades e similaridades de relacionamentos. 
A taxonomia toda pretendia representar “o plano de criação do cria-
dor do mundo” (MAYR, 1982). Tais taxonomias auxiliaram a nomear 
e identificar e, portanto, apreciar a complexidade e beleza da criação. 
O essencialismo impedia a noção de que as espécies poderiam elas 
mesmas mudar, ou “transmutar”. A classificação dessas entidades 
imutáveis era atingida pela “divisão decrescente” baseada na lógica 
Aristotélica, com a suposição de que essa estrutura “natural” refleti-
ria a “ordem e lógica no mundo criado” (MAYR, 1982). Assim, se co-
meça com categorias facilmente reconhecíveis e amplamente aceitas 
– tais como árvores, arbustos e ervas – e se divide cada uma dessas 
em classes subordinadas de plantas com base nas “differentiae” que 
supostamente representam as “essências verdadeiras desses organis-
mos” (MAYR, 1982) (ver Figura 1). o problema é que houve pouca 
concordância acerca dessas differentiae, sobre quais similaridades 
e diferenças são “essenciais”. Por exemplo, no reino animal, era de 
grande relevância qual a primeira differentia escolhida, se o animal 
possuía sangue ou não, se possuía ou não pelos, ou se era bípede ou 
quadrúpede (MAYR, 1982). e quanto às plantas, de acordo com Mayr, 
“dois botânicos no século XVii não poderiam chegar a uma mesma 
conclusão” (1982). Tornou-se gradualmente claro que a scala naturae 
e a suposição de um número fixo e administrável de espécies não 
poderiam ser adequadas para a complexidade e a multiplicidade no 
mundo natural. 
41
Carolyn Miller (NCSU)
inclusão,
abstração
animal
bípede quadrúpede
ovíparo vivíparo pelo sem pelo
segmentação, Variação
Figura 1. Classificação decrescente, baseada em Mayr (1982).
o crescente caos taxonômico levou a uma lenta e quase imper-
ceptível transformação da teoria taxonômica no século após a publi-
cação da 10ª edição do Systema Naturae de lineu, em 1758. A abor-
dagem alternativa que se desenvolveu – classificação crescente ou 
composicional – era indutiva e empírica, motivada pelo interesse na 
diversidade que o trabalho de Lineu havia estimulado e na contínua 
descoberta e descrição de novas espécies. A classificação crescente 
começa com a observação e catalogação da variação e diversidade e 
o agrupamento de organismos por múltiplos aspectos, em vez de um 
único (ver Figura 2). É o que Mayr chama de “pensamento populacio-
nal” (MAYR, 1982). na classificação crescente o que está sendo clas-
sificado não são as espécies, mas indivíduos, espécimes: a espécie 
não é a premissa de base, mas a hipótese que precisa ser descoberta 
ou demonstrada. A abordagem essencialista das espécies pressupu-
nha que todos os membros das espécies compartilhavam a mesma 
essência, que cada espécie era distinta de todas as outras, que cada 
uma seria constante no tempo, e que a variação dos membros da 
essência era limitada (MAYR, 1982). o pensador populacional reco-
nhece ambas, variação e continuidades, através dos indivíduos, e o 
conceito de espécie se torna notoriamente difícil de pontuar. Dennet 
42
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
observa que Darwin abriu mão de definir espécie, alegando ser mais 
prudente considerar tal um termo de conveniência mais que um de 
princípio (DenneTT, 1995); ele acrescenta que “mais de um sécu-
lo após Darwin, ainda há sérios debates entre biólogos...sobre como 
definir espécie” (1995). De modo similar, Mayr alega que “provavel-
mente não há outro conceito em biologia que tenha permanecido tão 
consistentemente controverso como o conceito de espécie” (MAYR, 
1982).
inclusão,
abstração
Endopterygota
Coleoptera
besouros
Diptera
moscas
lepidoptera
borboletas
Hymenoptera
moscas-serra vespas formigas abelhas
segmentação, Variação
Figura 2. Classificaçãocrescente, baseada em Mayr (1982); a esca-
la vertical foi depois reconhecida como representando descendên-
cia, antes que a inclusão classificatória.
Tudo isso me parece muito com nossas discussões sobre como 
definir e reconhecer um gênero. Temos nossos essencialistas e nos-
sos pensadores populacionais. Dentre os essencialistas podemos citar 
Aristóteles, northrop Frye, e certos estudiosos linguistas e literários. 
esses teoristas baseiam suas definições numa essência posta – uma 
teoria da comunicação que mapeia possibilidades formais, ou capa-
cidades fundamentais da língua. Dentre os pensadores populacio-
nais podemos incluir os etnógrafos e linguistas aplicados, tais como 
schryer e swales, os quais juntam espécimes e os examinam em bus-
43
Carolyn Miller (NCSU)
ca de similaridades de aspectos sociais ou linguísticos, desenvolvendo 
categorias indutivamente. esses pesquisadores nos ajudam a catalogar 
a incrível diversidade da atividade comunicativa humana e os modos 
como ela interage com a mudança social e tecnológica. 
Mas há outra forma de pensamento que pode esclarecer os gê-
neros, uma forma que não é totalmente essencialista ou empírica, 
mas talvez seja algo dos dois. e, para entender esse terceiro tipo de 
pensamento, temos que voltar ao conceito problemático de espécie, 
o gênero – o tipo. Para a linguística de corpus ou para os biólogos 
populacionais, o tipo representa a coleção de espécimes: na prate-
leira, na gaveta, distribuída pelo meio ambiente. É uma descrição 
de uma multiplicidade empírica. Para os essencialistas, biológicos 
ou discursivos, o tipo representa uma capacidade ou possibilidade 
fundamental. Mas o que aprendemos da sociologia fenomenológica 
e da psicologia cognitiva é que tipos também podem ser pensados 
como acordos sociais, reconhecimentos partilhados, sobre o que vale 
a pena notar no mundo, sobre o que recorre e o que significa. o 
tipo representa o que nós concordamos que aconteceu e o que espe-
ramos que possa acontecer. Essa é uma abordagem nominalista do 
problema, o que torna o tipo não uma coleção nem uma essência, 
mas literalmente um “nome”, ou melhor, o que é invocado pelo fato 
de nomearmos algo, um “conceito” compartilhado13.
eu já sugeri que gêneros podem ser encontrados onde há nomes 
para tipos de discurso, isto é, para expectativas compartilhadas so-
bre qual constelação de aspectos do discurso irá atingir qual ação 
social: “os gêneros ‘de facto’, os tipos para os quais temos nomes na 
linguagem cotidiana nos dizem algo teoricamente importante sobre 
o discurso” (MilleR, 1984). esse palpite é confirmado pelo trabalho 
13. Mayr sugere que o nominalismo medieval influenciou os primeiros empíricos, tais como Francis 
Bacon, e pode ter sido uma antecipação do pensamento populacional (1982). 
44
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
de Rosch na psicologia cognitiva sobre categorização e o protótipo 
conceitual14, o qual mostra que “categorias são geralmente designa-
das por nomes”, isto é, nomeamos grupos de objetos em nosso mundo 
que consideramos ser “equivalentes” de algum modo útil, de acordo 
com princípios de economia cognitiva e percepção social (ROSCH, 
1978). Ademais, a categorização, assim como a evolução, envolve am-
bas as dimensões: vertical e horizontal (ver Figura 3). 
inclusão,
abstração
superordenado animal mobília jogo
nível básico cão cadeira video game
subordinado golden
retriever,
poodle,
Welsh 
corgi,
etc.
espreguiça-
deira,
cadeira de 
balanço,
poltrona, 
carteira,
etc.
ação-aven-
tura,
de tiro,
simulação,
etc.
segmentação, Variação
Figura 3. Níveis de categorias conceptuais e suas dimensões, 
baseado em Rosch (1978).
Na dimensão vertical, os nomes mais comuns e úteis indicam 
o que Rosch chama “categorias básicas”, que indicam o nível mais 
inclusivo, ou abstrato, que também reconhece o que ela chama de 
“descontinuidades naturais” na percepção. o nível básico designa ca-
tegorias que são relativamente fáceis de discriminarmos de variações 
de fundo e relativamente importantes para interagirmos e falarmos 
sobre. Membros de categorias superordenadas compartilham me-
14. Veja a conexão entre categorias e conceitos em Margolis & Laurence (2011). 
45
Carolyn Miller (NCSU)
nos atributos e são, portanto, menos úteis para propósitos comuns; 
membros de categorias subordinadas compartilham mais atributos 
e, portanto, são mais difíceis de discriminar. A pesquisa psicológi-
ca se concentra nos objetos do mundo tais como gatos e cachorros, 
cadeiras e mesas, mas parece razoável supor que os mesmos princí-
pios podem estar ativos com objetos discursivos tais como sonetos, 
elogias, blogs e videogames. Pesquisadores têm mostrado que “o co-
nhecimento é organizado principalmente no nível básico”, testando 
quantos atributos as pessoas podem listar para diferentes níveis de 
abstração (por exemplo, móveis, cadeira, espreguiçadeira), quais ca-
tegorias crianças aprendem primeiro, e em quais níveis as pessoas 
podem formar imagens mentais (lAKoFF, 1987)15. Rosch (1978) cita 
trabalhos corroborantes demonstrando que “categorias de nível bá-
sico são codificadas mais frequentemente pelo uso de sinais”: por 
exemplo, etnobotânicos podem apontá-lo nos nomes de plantas em 
várias culturas, e outros têm confirmado esse padrão com a língua 
de sinais (RosCH, 1978). 
Na dimensão horizontal, nossas categorias dividem o mundo 
em unidades repetíveis, para as quais nos referimos quando usamos 
nomes como “cão”, “mesa”, “reportagem”, “romance”, “blog” e “twe-
et”. De acordo com Rosch, esses “cortes básicos na categorização são 
feitos nas...descontinuidades” entre “grupos ricos em informação de 
atributos perceptuais e funcionais” (RosCH, e., 1978). Portanto, “a 
divisão do mundo em categorias não é arbitrária”, mas é baseada na 
“estrutura de correlação do ambiente” (RosCH. e MeRVis, 1975). As 
categorias refletem e constituem a estrutura percebida do mundo 
social, bastante semelhante aos tipos de schutz (1970). Uma vez que 
15. Rosch cita trabalhos corroborantes mostrando que “categorias de nível básico são codificadas mais 
frequentemente por signos únicos”: por exemplo, etnobotãnicos podem mostrar tal para nomes de 
plantas em várias culturas, e outros confirmaram o padrão com a linguagem de sinais (1978).
46
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
as percepções mudam com o tempo, com novas condições e novas 
capacidades e podem diferir entre grupos sociais, os sistemas de ca-
tegorias podem não ser estáveis ou consistentes. se descontinuida-
des perceptíveis forem relativamente estáveis, todavia, as categorias 
podem vir a parecer “tipos naturais”, com essências, aspectos crite-
riosos que discriminam o cachorro do gato, a cadeira da mesa. Mas, 
assim como os biólogos evolucionistas tiveram dificuldades em iden-
tificar espécies, os psicólogos cognitivos têm demonstrado que nos-
sas categorias cotidianas são similarmente difíceis de abordar com 
uma abordagem essencialista. Como as espécies, nossas categorias 
não têm limites claros; elas mudam com o tempo, diferentes locais e 
grupos; elas não produzem taxonomias lógicas baseadas em critérios 
consistentes (lAKoFF, 1987). gêneros, tal como Devitt observa em 
recente discussão de abordagens literárias, são sistemas de contras-
tes, existentes em relação uns com os outros (DeViTT, 2000). 
As categorias conceptuais, assim como as espécies biológicas, 
são melhor compreendias através da noção de semelhanças familia-
res de Wittgenstein16, em vez de uma essência ou critérios lógicos 
(RosCH. e MeRVis, 1975; RosCH, 1978). isso significa, primeira-
mente, que não precisamos de critérios para julgar quão bem um es-
pécime é adequada a uma categoria e, em segundo, que os espécimes 
dentro deuma categoria não necessariamente compartilham quais-
quer aspectos em comum, mas que cada um compartilha pelo me-
nos um aspecto com outro espécime. Dentro de uma família, alguns 
membros têm narizes parecidos, talvez muitos tenham peles seme-
lhantes ou cor de cabelo, e alguns terão tipos de corpo semelhantes. 
Alguns podem compartilhar muitos aspectos com outros membros e 
alguns podem compartilhar apenas um aspecto com apenas alguns 
poucos. e todos, como uma “população”, compartilharem poucos as-
16. Para uma breve explicação do tema em Wittgenstein, ver Biletzki e Matar (2009). 
47
Carolyn Miller (NCSU)
pectos com membros de outras famílias. Uma categoria é um grupo 
solto com instâncias talvez questionáveis nas margens e outras que 
parecem bem “centrais” ou mais representativas do conceito. esses 
espécimes centrais são “protótipos” mais facilmente reconhecidos. A 
pesquisa de Rosch mostra que espécimes que funcionam como pro-
tótipos são “aqueles que possuem mais semelhanças familiares com 
outros membros de suas próprias categorias e têm a menor sobrepo-
sição com outras categorias” (RosCH,1975). 
Na dimensão horizontal, então, a categoria (a espécie ou o gê-
nero) será sempre um pouco confusa, embora o teste relevante seja 
de utilidade social. na dimensão vertical, há duas escalas possíveis: 
uma é o nível de abstração, característico da formação de catego-
rias decrescentes, essencialistas, como praticada por Lineu e por vir-
tualmente todos os biólogos antes de Darwin; a outra é diacrônica, 
mostrando ancestralidade partilhada, relações de replicação com o 
tempo, e distinguida por investigações empíricas crescentes. O pen-
samento biológico tem rejeitado completamente níveis de abstração 
para o relacionamento diacrônico de ancestralidade compartilhada, 
pois essa é a escala que explica a evolução em duas dimensões, mu-
dança com o tempo e a existência de categorias sincrônicas – espécie 
e variações. A pesquisa de Rosch na formação de categorias cogniti-
vas funciona com a escala de abstração, concentrando-se nos níveis 
nos quais nossas discriminações perceptuais são funcionais. Eu diria 
que a teoria de gêneros precisa considerar ambas as escalas, uma 
vez que nossos reconhecimentos partilhados se baseiam nas concor-
dâncias de qual nível de discriminação é funcional e na experiência 
partilhada com gêneros antecedentes.
As consequências para as teorias de gênero são que as catego-
rias de interação retórica que os gêneros representam não são nem 
“tipos naturais” essencialistas-objetivos nem corpora totalmente 
48
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
materialista-empíricos. Eles são, na verdade, conceitos sociais em ní-
vel cognitivo “básico” que correspondem com a história experiencial 
e as necessidades funcionais da comunidade que os postula. Como 
estruturas interpretativas, eles ajudam a esculpir unidades signifi-
cativas da nébula de artefatos e estímulos que nos cercam. E são 
capazes de mudar com o tempo, pois são constituídos não por quais-
quer aspectos essenciais, mas por reconhecimentos partilhados. Se 
quisermos entender porque a combinação de aspectos ocorre como 
ocorre, então a genealogia, a dimensão vertical, torna-se útil; mas 
se simplesmente quisermos escrever um bom blog, ou ensinar sobre 
blogging, precisamos olhar para a dimensão horizontal, a abrangên-
cia de variação dos aspectos que são reconhecimentos, funcionais e 
adequados. 
propósito
situação  evento comunicativo  objetivo
(meios) (fim)
Figura 4. Componentes da situação comunicativa e direcionalida-
de do propósito comunicativo, baseado em swales (1990).
Teleologia
As anotações de Darwin mostram que, ainda no final da década 
de 1830, ele praticamente havia abandonado as suposições ampla-
mente aceitas da teologia natural de que a adaptação dos organismos 
49
Carolyn Miller (NCSU)
a seus ambientes resulta de um desenho e que tal desenho requer 
um designer (BoWleR, 1989). essas suposições têm se mostrado 
bem resistentes, todavia, e ainda temos discussões quase vitorianas 
sobre criacionismo (ou design inteligente), mesmo julgando somen-
te pelos títulos de várias obras recentes escritas para rejeitá-las – O 
Relojoeiro Cego de Dawkins, Not by Design: Retiring Darwin’s Watch-
maker de Reiss, e a obra do próprio Dennett. A “ideia perigosa” de 
Darwin, na formulação de Dennett, é exatamente essa de que, com 
o tempo, um algoritmo qualquer pode produzir os efeitos do design, 
que “os vários processos da seleção natural, apesar de sua subjacente 
inconsequência, são poderosos o suficiente para ter feito todo o tra-
balho de design que é manifesto no mundo [natural]” (DenneTT, 
1995), que “a biosfera é... o resultado de nada além de uma cascata de 
processos algorítmicos se alimentando do acaso” (, 1995). Todavia, 
a linguagem que Darwin escolheu para expressar sua ideia central, 
“seleção natural”, com suas sugestões de escolha e agência, carrega 
constantes lembretes de um designer. Dadas a força e a predominân-
cia da teologia natural na época de Darwin, sua cautela retórica bem 
documentada sobre como introduzir as ideias que ele tão bem sabia 
serem perigosas (ver, por exemplo, CAMPBell, 1987) e sua própria 
ambivalência ocasional, ele tem grandes dificuldades em não tratar a 
seleção natural como um agente, como nesta passagem bem conhe-
cida: “pode ser dito que seleção natural escrutina constantemente, 
todos os dias, por todo o mundo, cada variação, até a mais sutil; re-
jeitando o que é ruim, preservando e adicionando o que é bom; tra-
balhando silenciosamente e insensivelmente quando e onde a opor-
tunidade aparece, para o aperfeiçoamento de cada ser orgânico em 
relação a suas condições orgânicas e inorgânicas de vida” (DARWin, 
1859). o próprio Darwin aparentemente reconheceu que “seleção na-
tural” foi um “termo ruim” (citado em DenneTT, 1995). 
50
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
se evolução é um modelo geral de explicação histórica que se 
aplica à mudança cultural bem como à mudança biológica, deverí-
amos, nós retóricos, também abandonar a teleologia, abrir mão da 
quarta e final causa? seria a evolução cultural um algoritmo irrele-
vante? ou, já que pensamos em nós mesmos como seres com pro-
pósitos, e interpretamos os outros como perseguidores de objetivos, 
precisamos de um modelo teleológico da mudança, diferente daque-
le dos biólogos? essas questões enfatizam a relação entre gêneros e 
seus usuários e ambientes de uso. e, apesar de alguns de nós sermos 
tentados a creditar um Designer Discursivo divino, é preciso consi-
derar a questão da agência discursiva individual e sistemática. Para 
o presente, gostaria de dramatizar a questão através do contraste 
entre o foco de John swales no propósito comunicativo com meu 
próprio foco na exigência retórica, pois essa é uma diferença antiga 
e que aponta para problemas interessantes na caracterização das di-
mensões pragmáticas do discurso.
em 1990, swales apresentou uma “definição operacional” de 
gênero que oferecia o “propósito comunicativo” como um “critério 
privilegiado” para identificar os membros de um gênero (sWAles, 
1990). naquela época, e em trabalhos subsequentes, ele reconheceu 
algumas complicações dessa abordagem, por exemplo, que o propó-
sito nem sempre é legível a partir de um evento comunicativo (seja 
por um analista ou por um participante), e que o propósito pode ser 
múltiplo, contraditório, não realizado, facetado, implícito, inefável, 
insincero e assim por diante (sWAles, 1990; AsKeHAVe & sWA-
les, 2001) – qualidades que não são úteis em um “critério privilegia-
do”. Esses reconhecimentos o levaram a não buscar alhures por um 
critério central, mas a recomendar como o analista pode abordar o 
problema da identificação do propósitomais responsavelmente: “é 
sensato abandonar o propósito social como um método rápido ou 
51
Carolyn Miller (NCSU)
imediato para dividir discursos em categorias genéricas, retendo-o 
como um valioso resultado de análise de longo prazo” (ver também 
AsKeHAVe. e sWAles, 2001; sWAles, 2004). esse critério central, 
todavia, permanece um tanto misterioso: parece estar centrado no 
comunicador, o “usuário” ou talvez “animador” do gênero, embora 
seja necessariamente social e, portanto, não pode ser o mesmo de 
intenções particulares dos indivíduos. Swales também usa algumas 
expressões alternativas, equacionando propósito ora com “função” 
ora com “valor de uso” (sWAles, 2004). De qualquer modo, inferin-
do a partir de nossa compreensão cotidiana de propósito, talvez pu-
déssemos dizer que o propósito é o aspecto da comunicação que di-
reciona para um objetivo além do próprio evento comunicativo: um 
fim para o qual a comunicação é o meio, um estado ou situação, se 
atingido, que está fora e além e, geralmente, subsequente ao discur-
so. o objetivo “puxa” o falante ou escritor e o texto e a audiência para 
si, e o propósito nos liga ao objetivo avant la letter17, é antecipatório.
Meu próprio foco tem residido não no propósito, mas na exi-
gência e no termo relacionado “motivo”. esses talvez sejam tão mis-
teriosos quanto o “propósito” (talvez até mais), mas penso que são 
diferentes de modos significantes e úteis. Aprendi a palavra “exigên-
cia” de Bitzer, e ainda que pense haver muitos problemas com a for-
mulação de Bitzer, ela permanece útil, especialmente quando com-
plexadas com a noção de Kenneth Burke de “motivo” (BURKe, 1969). 
Bitzer define exigência como “uma imperfeição marcada pela urgên-
cia... um defeito, um obstáculo, algo esperando para ser feito, uma 
coisa que não é o que deveria ser”. não é um objetivo para o qual se 
é direcionado, mas um problema do qual é necessário se distanciar: 
ele motiva ação, empurrando-nos pelas costas, por assim dizer. Um 
17. N.doT.: avant la letter,expressão francesa que significa “antes do termo existir”, nesse sentido, Miller 
enfatiza o aspecto antecipatório da relação entre propósito e objetivo. 
52
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
“motivo” é o que nos “move”. A exigência recorrente de um gênero é 
uma questão não de forças materiais, mas de reconhecimentos, ou o 
que tenho chamado de “uma necessidade social objetificada” (1984). 
Ambos, propósito e exigência, são modos de se dirigir à ques-
tão “por quê?”, mas oferecem diferentes tipos de respostas. Propósito 
põe a questão do ponto de vista de um ator: por que está fazendo 
isso? Qual o seu objetivo ou meta? ele é teleológico, implicando um 
movimento para, convidando suposições sobre progresso, melhoria, 
perfeição e hierarquia, todas se tornaram suspeitas na biologia evo-
lucionista, mas permanecem prospectos tentadores para a cultura 
humana. Em contraste, exigência, ou o que podemos mais geralmen-
te chamar de função, põe a questão do ponto de vista do sistema: por 
que isso acontece? O que isso garante não somente para quaisquer 
atores ou agentes envolvidos, mas também para a estabilidade e a 
viabilidade do resto do sistema com o tempo? Ela implica um mo-
vimento para longe de, invocando suposições sobre instabilidades, 
perturbações, mas também sobre continuidade e resistência (ver Fi-
gura 5). Em propósito, vemos o potencial para mudança e inovação; 
em função, vemos as forças de estabilização e adaptação. Minha con-
tenção, portanto, é que a função é especificamente útil para pensar 
sobre gêneros porque ela nos pede para considerar recorrência, re-
petição, reprodução, enquanto propósito volta nossa atenção para o 
indivíduo, a singularidade, o momento presente. Se dissermos que 
um gênero é funcional, então olhamos para como ele satisfaz neces-
sidades recorrentes, “genéricas” dentro de um sistema; se dissermos 
que um gênero serve a propósitos, não mais olhamos para sistemas 
ou para o gênero, mas para textos, pessoas e eventos comunicativos 
específicos, e temos que explicar replicação em função de ações múl-
tiplas, individuais, estratégicas.
53
Carolyn Miller (NCSU)
situação 
retórica
situação retórica 
recorrente
instituições
tecnologias FUNçÃo
exigência  ação comunicativa  adoção
tradições (fim)
pessoas
Figura 5. Componentes da situação comunicativa e direcionalida-
de da função comunicativa, baseado em Miller (1984).
Eu não quero sugerir que gêneros não permitem inovação, mas 
que requerem que nós consideremos inovação em contexto de repli-
cações imperfeitas e estabilizações incompletas; e penso que é exa-
tamente isso que o modelo evolucionário enfatiza. na biologia, algu-
mas inovações (a maioria, de fato) não são funcionais e muitas são 
destrutivas. Inovações não funcionais podem ser replicadas, podem 
adquirir função e se tornarem favorecidas, ou podem ser rapidamen-
te eliminadas porque os organismos que as carregam não podem 
reproduzir. Mas elas estão sempre sendo julgadas pelo sistema, pelas 
interações entre o organismo e seu ambiente. O pensamento evolu-
cionário volta nossa atenção não somente para a recorrência, mas 
para o sistema ecológico, o ambiente, no qual ambas, inovação e re-
corrência, têm significado e são julgadas. se adotarmos o modelo mí-
nimo da mudança evolucionária e postularmos que gêneros mudam 
pela “sobrevivência diferencial de entidades replicantes [variáveis]”, 
54
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
então qualquer gênero adquire reconhecimento como gênero, em 
virtude de ter sobrevivido, isto é, ter sido replicada suficientemen-
te. e o valor de sobrevivência para um gênero significa que existe 
reconhecimento social, realizações práticas e satisfações no mesmo 
sob a forma de ação social. isso, novamente, significa que o gênero 
é funcional. Mas, ao mesmo tempo, a sobrevivência pela replicação 
também significa que o gênero mudou, uma vez que replicar não é 
duplicar, e mesmo porque o fato da replicação muda a importância 
de sua força e padrões.
Podemos aqui ver alguma similaridade com a noção de Fishe-
lov de “produtividade genérica”, qque ele oferece como “indicação” 
da sobrevivência em vez de procurar a sobrevivência na recepção 
(FisHeloV, 1993). Como Fishelov coloca, um gênero é produtivo 
quando “exerce um papel ativo na cena literária”, ou seja, quando 
“as obras de um gênero servem como ‘estímulo’ para a produção de 
outros textos percebidos como ‘pertencentes’ a esse gênero” (FisHe-
loV, 1993). A produtividade genérica é uma noção útil, mas com 
duas ressalvas. Primeiro, a produtividade pode tomar formas outras 
além da produção de novos textos por outros retores: um gênero é 
produtivo também quando é reconhecido e respondido, quando é 
“replicado” nas mentes dos outros. então, mesmo um gênero com 
poucos textos instanciadores pode ser produtivo e, portanto, sobre-
viver. A segunda ressalva trata da rejeição por Fishelov da recepção 
como marcador de sobrevivência evolucionária, uma rejeição que 
acompanha seu foco nos “textos” e não na ação comunicativa (e que 
eu atribuo a seu treinamento na literatura e não na retórica). na 
evolução cultural, a produção e a recepção são marcadores interde-
pendentes da “sobrevivência”. Como Fishelov mesmo pontua, a re-
lação entre produção e recepção é “dialética” (FisHeloV, 1993); ou 
seja, a adaptação atua em ambas as direções: a produção se adapta 
55
Carolyn Miller (NCSU)
ao ambiente (tanto em sua dimensão específica quanto na sistemá-
tica), e o sistema receptivo é remodelado pelas ações contínuas de 
seus constituintes. Os gêneros, eu sugeriria, são formas particular-
mente úteis de se pensar sobre a mudança cultural através do tem-
po: porque são veículos de reprodução cultural, eles nosfazem olhar 
para a produção e a recepção, para propósitos particulares (e como 
esses se tornam reconhecíveis para outros dentro de um sistema de 
limitações múltiplas) e funções sistêmicas. 
Quero sugerir, então, que pensar em termos de função pode nos 
ajudar a entender a mudança de gêneros devido a seu foco na recor-
rência e no sistema de gêneros como um todo, e que o modelo geral 
da evolução pode ser produtivo nesse sentido. Mas não deveríamos 
levar a analogia muito longe, além de um modelo mínimo18. os bió-
logos evolucionários nos dizem que os únicos “propósitos” que genes 
e organismos possuem é replicar a si mesmos: essa é sua teleologia. 
Na teoria dos gêneros, devemos estar aptos a levar em consideração 
o fato experiencial de que nós somos seres com propósitos de ou-
tras formas (ou deveria dizer “adicionais”), e nossa compreensão de 
mudança de gênero deve ser capaz de considerar as singularidades, 
do indivíduo determinado ou inspirado ou disruptivo e de situações 
surpreendentes e inéditas, pois essas são as fontes da variação, su-
jeita às pressões da seleção que incluem não somente convenções 
culturais, condições e valores culturais, mas também o propósito de 
outrem. Meu argumento é que, para tornar tais especificamente re-
levantes para a teoria dos gêneros, devemos olhá-los sob o aspecto da 
recorrência e do sistêmico. o desafio para os estudos de gênero - nos 
estudos retóricos de gênero, em particular – é responder a ambas as 
18. Para mim a teoria dos memes, sugerida por Richard Dawkins como uma maneira de pesar sobre a 
mudança cultural em termos evolucionistas leva a analogia longe demais, procurando análogos dos 
mecanismos de reprodução e seleção. Mas isso é tema para outra ocasião.
56
Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim?
dimensões apropriadamente, em direção ao propósito e em direção à 
função. Devemos estudar a variedade de influências na mudança his-
tórica e, portanto, os múltiplos fatores que uma teoria evolucionista 
deve reconhecer. Quando os esforços de intenções de agentes indivi-
duais fazem a diferença? Quando instituições, forças econômicas e 
de mercado, sistemas e estruturas, o peso da tradição surtem efeito? 
Que tipo de influências possui a tecnologia?
Para concluir, não quero que entendam que sugeri que nossa 
compreensão de mudança cultural faça empréstimos da biologia. Na 
verdade, estou sugerindo que a evolução é um modelo de mudança 
mais geral que a biologia ou a linguagem, que se aplica igualmente, 
mas diferente a ambas. E não estou advogando que nos tornemos 
taxonomistas dos gêneros, ou que desenhemos árvores genealógicas 
dos gêneros que ensinamos ou estudamos, ou que abandonemos a 
noção de propósito ou intenção na compreensão do nosso ambiente 
sociodiscursivo e nossos modos de interação. Eu quero instar que 
nos tornemos conscientes das pressuposições que fazemos sobre es-
sências e antecedentes, de como e por que identificamos algo como 
gênero; que nos tornemos alerta para as diferenças entre classificar 
por abstração e classificar por descendência; que distingamos pro-
pósito e função e suas implicações para agência pessoal vs. pressões 
sistêmicas e situacionais. Temos muito que aprender sobre o proces-
so de mudança de gênero e a emergência de novos gêneros, e preci-
samos de todas as ferramentas que pudermos encontrar. Espero que 
esse olhar sobre a teoria evolucionista possa ser útil nesse sentido. 
57
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“se eu acho que é 
educacionalmente apropriado 
que eles [os alunos] cheguem 
a um lugar ainda não familiar, 
posso tentar levá-los até 
esse lugar por um caminho 
que eles possam entender e 
negociar, em vez de ensinar 
coisas distantes e estranhas 
em termos de gênero, esperando 
que, por acaso, eles 
compreendam.”
— Charles Bazerman. Série Bate-Papo Acadêmico. v.1 
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63
2
EQuíVocos no discuRso1 
sobRE gênERos
BeneDiTo goMes BezeRR A (UPe/UniCAP)2*
Primeiras considerações
Parece consenso que, nos últimos anos, os gêneros entraram na 
ordem do dia para o estudo, a pesquisa e o ensino de língua. Em nível 
mundial e nacional, variadas perspectivas para a abordagem dos gê-
neros estão disponíveis para pesquisadores, professores e estudantes. 
Com as elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares nacio-
nais (PCn) para o ensino de língua portuguesa na segunda metade 
da década de 1990, a temática dos gêneros, antes mais restrita aos cír-
culos da pós-graduação, firmou-se também no horizonte de trabalho 
dos professores de língua nas escolas brasileiras, tornando-se uma 
questão central também para a educação básica.
entretanto, um certo tempo de experiência em lidar com o tema 
indica que a inserção da categoria de gênero como norteadora do 
ensino de língua não se fez sem problemas para as compreensão e 
apropriação de estudantes de graduação e pós-graduação e docentes 
da educação básica.
1. Usarei aqui o termo “discurso” em um sentido menos técnico, como dizem definições não 
especializadas, de “exposição metódica sobre certo assunto” ou “um conjunto de ideias organizadas 
por meio da linguagem” ou ainda como “raciocínio” sobre certo tema. Ou seja, o que certaspessoas, 
especialistas ou não, dizem sobre os gêneros quando falam sobre gêneros.
2.*E-mail: beneditobezerra@gmail.com
64
Equívocos no discurso sobre gêneros
em parte, a explicação para o fato parece se encontrar exata-
mente em que se trata de uma história recente. os professores e por 
vezes, aparentemente, a própria academia ainda não teriam tido o 
tempo necessário para amadurecer o conceito e todas as suas im-
plicações. Biasi-Rodrigues (2002) se perguntava se a ideia da diver-
sidade de gêneros no ensino seria um “novo modismo com velhos 
pretextos”, uma vez que, na sua visão, “a apreensão do novo objeto 
de conhecimento ainda se encontra[va] em processo” (p. 49). nessa 
mesma ocasião, a autora fazia referência a como os PCns utilizavam 
o termo gênero “demonstrando uma familiaridade no uso desse ter-
mo que, muito provavelmente, não é correspondida pelos leitores, 
pois certamente muitos deles sequer tiveram tempo de digerir a no-
vidade” (p. 56).
Pouco mais de uma década depois, é evidente que a temática 
dos gêneros disseminou-se de maneira inusitada, sem precedentes, 
fazendo jus à afirmativa de Marcuschi (2008, p. 147), quando lembra 
que “o estudo dos gêneros não é novo, mas está na moda”. na ver-
dade, apesar da frase de impacto, o que Marcuschi realmente queria 
ressaltar é que “hoje se tem uma nova visão do mesmo tema” e que 
“seria gritante ingenuidade histórica imaginar que foi nos últimos 
decênios do século XX que se descobriu e iniciou o estudo dos gê-
neros textuais” (p. 147). seria ingenuidade inclusive imaginar que o 
estudo dos gêneros nas perspectivas contemporâneas se deve exclu-
sivamente à existência dos PCns.
Modismo, moda? Não importa. O fato é que a questão dos gêne-
ros está posta e é preciso lidar adequadamente com o conceito para 
que, afinal, a sua aplicação ao ensino de língua, interesse primordial 
no contexto brasileiro, se dê da maneira mais produtiva possível.
Herdeiros que somos de uma tradição de estudo e ensino do 
texto como categoria abstrata e difusa, centrada no conceito de ti-
65
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
pos ou sequências textuais, depois de quase duas décadas de discus-
sões mais intensas sobre gêneros, ainda nos deparamos com certas 
confusões em sua conceituação. Esses equívocos, conforme ilus-
trarei com exemplos de variada procedência, não se circunscrevem 
aos professores da educação básica ou aos estudantes de graduação, 
mas são igualmente verificáveis no discurso acadêmico em nível de 
pós-graduação, além, é claro, de se encontrarem abundantemente 
em formas mais populares de publicação na Web, tais como blogs e 
sites dedicados a temáticas educacionais.
Entre os equívocos a que gostaria de me dedicar aqui, desta-
co a confusão entre gênero e texto, gênero e suporte, gênero e do-
mínio discursivo, gênero e forma/estrutura e gênero e tipo textual. 
A discussão desses equívocos se apoiará em exemplos retirados de 
diversos trabalhos sobre gêneros, de variada procedência teórica, a 
maioria deles disponível na Internet. 
Minha pretensão, com os exemplos apresentados neste traba-
lho, é apenas ilustrar, à guisa de ensaio, cada um dos equívocos 
apontados, numa abordagem inicial ao problema. Não houve a pre-
tensão de um rigor metodológico no que tange à seleção de um cor-
pus homogêneo, uma vez que os textos analisados abrangem tanto 
trabalhos científicos como escritos mais populares de divulgação. 
Trata-se de escritos diversos sobre gêneros, produzidos no Brasil e 
veiculados em artigos científicos, dissertações, blogs e sites educa-
cionais, envolvendo não só autores da área de letras, mas também 
das áreas de Comunicação e educação, que por razões diversas se 
interessam pelo fenômeno.
A organização do texto é simples. Primeiramente, enfoco os 
pontos que designei como equívocos no que diz respeito à relação 
entre gênero e texto, suporte, domínio discursivo, forma/estrutura e 
tipo textual. nas considerações finais, traço algumas reflexões mais 
66
Equívocos no discurso sobre gêneros
abrangentes sobre a relação entre os pontos discutidos e os conceitos 
de gênero, texto e discurso.
Gênero e texto
se, como afirma Marcuschi (2008, p. 154), “é impossível não se 
comunicar verbalmente por algum gênero, assim como é impossí-
vel não se comunicar verbalmente por algum texto”, os conceitos de 
gênero e texto se mostram tão próximos que não admira que sejam 
objetos de confusão teórica. Para ilustrar essa confusão, em que o 
texto é identificado diretamente com o gênero, vejamos o seguinte 
exemplo, colhido de uma dissertação de mestrado recente, então em 
construção:
Exemplo 1. gênero e texto em dissertação de mestrado
Os gêneros [charge e placa] são misturados e, tanto um quanto 
o outro são necessários para que o propósito que o enunciador 
pretende seja alcançado. [...] o criador da charge juntou os dois 
gêneros intencionalmente.
(Fonte: Dissertação de mestrado em construção)
67
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
no exemplo, o estudante apresenta a imagem da personagem 
Mafalda refletindo sobre os dizeres da placa e faz o comentário re-
produzido acima. Percebe-se, pela análise do mestrando, que o texto 
em sua materialidade é tomado como equivalente aos gêneros aos 
quais faz referência do ponto de vista composicional.
entretanto, o gênero não deveria ser confundido com o texto 
que o “materializa”. na realidade, esse modo de descrever o fenô-
meno, bastante comum na literatura especializada, pode se revelar 
extremamente enganoso. em que sentido o gênero “se materializa” 
no texto? Penso, antes, que do gênero jamais se pode dizer que “se 
materializa”. Apenas o texto pode ser descrito como tendo um as-
pecto material ou uma materialidade linguística3.
Quanto ao gênero, numa concepção sociológico-retórica, é bem 
definido por Bazerman (2005) como um “fenômeno de reconheci-
mento psicossocial”, passando, portanto, bem longe de qualquer as-
pecto material. numa linha de raciocínio semelhante à de Bazerman, 
a distinção entre gênero e texto é colocada com clareza por Carolyn 
Miller em sua entrevista na série Bate-Papo Acadêmico, publicada 
pelo núcleo de investigações sobre gêneros Textuais (nig) da Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPe):
o gênero é [...] uma questão de acordo social. o texto tende 
a ser um material determinado, ou um modo de materiali-
zação de um enunciado ou de um trecho de discurso verbal. 
São designações de dois domínios conceituais muito diferen-
tes. eu de modo algum os usaria um pelo outro (MilleR; 
BAzeRMAn, 2011, p. 21).
3. É conveniente ressaltar que os termos “material”, “materialidade” e “materializar” são empregados aqui 
sem nenhuma conotação filosófica especial, mas apenas no sentido de que o texto, ao contrário do 
gênero, tem sempre um componente material, visível na escrita e audível na fala, ao ser atualizado a 
partir de recursos disponíveis no sistema linguístico e noutros sistemas semióticos.
68
Equívocos no discurso sobre gêneros
Assim, uma descrição mais acurada do exemplo em questão, ao 
invés de afirmar que o “criador da charge juntou os dois gêneros”, 
deverá ressaltar que o texto, tal como foi construído, remete às con-
venções de dois gêneros distintos, a placa e a charge, sendo afinal 
identificado como pertencente a este último em decorrência dos pro-
pósitos comunicativos que realiza.
Gênero e suporte
Eis aqui uma questão importante, mas que raramente foi tratada 
com a seriedade devida, constituindo uma exceção honrosa o ensaio 
de Marcuschi intitulado “A questão do suporte dos gêneros textuais” 
(2003)4. A propósito da temática, convém evocar aqui a constatação 
de Fraenkel (2004): enquanto a área de história desenvolveu disci-
plinas inteiramente voltadas parao suporte como objeto de estudo 
(epigrafia, papirologia, codicologia, paleografia)5, as ciências da lin-
guagem paradoxalmente têm ignorado quase por completo o papel 
do suporte na comunicação escrita. Consequentemente, a confusão 
entre gênero e suporte será um equívoco relativamente frequente no 
discurso sobre gênero, inclusive no discurso científico na área dos 
estudos da linguagem. Vejam-se os exemplos:
4. Também dignas de nota são repercussões do trabalho seminal de Marcuschi, como ocorre em Costa 
(2008), com suas “contribuições ao debate sobre a relação entre gêneros textuais e suporte”.
5. Em parte com base nessas disciplinas de natureza histórica, desenvolvi todo um capítulo de minha 
tese de doutoramento (BEZERRA, 2006) caracterizando e discutindo o livro como suporte de variados 
gêneros.
69
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Exemplo 2. gênero e suporte em artigos científicos: gêneros 
digitais
Diálogos online: as intersemioses do gênero Facebook
O gênero emergente Facebook proporciona, através de sua plata-
forma colaborativa [...]
(Fonte: Revista Ciberlegenda, n. 25, 2011)
Exemplo 3. gênero e suporte em artigos científicos: escrita con-
vencional
O gênero outdoor apresenta um discurso publicitário que atinge 
um público heterogêneo de grande proporção.
(Fonte: Revista Interdisciplinar, v. 5, n. 5, jan.-jun. 2008)
Quanto à relação entre gêneros e suportes digitais, caso do 
exemplo 2, Marcuschi (2003, p. 34) apresenta a seguinte análise, que, 
embora não se refira ao Facebook, oferece um parâmetro para a dis-
tinção entre o conhecido site de redes sociais e a noção de gênero:
Para alguns autores a homepage e até mesmo o portal é um 
gênero, mas para outros é um suporte. Pessoalmente imagi-
no que se trate de um serviço no caso dos portais de servi-
dores, mas já não teria tanta certeza no caso de homepages 
pessoais. De um modo geral a homepage é um suporte e não 
um gênero.
Concordando-se com a visão do autor, o Facebook seria mais 
propriamente um suporte, uma vez que ali se instanciam textos em 
diversos gêneros. seria também um “serviço” no sentido de uma fer-
ramenta virtual que possibilita a formação e a manutenção de inú-
meras redes sociais, cujos membros utilizam gêneros típicos do meio 
para interagir socialmente. Vale dizer ainda que, entre os pesquisa-
dores que se dedicam a estudar os gêneros digitais, pelo menos no 
70
Equívocos no discurso sobre gêneros
contexto brasileiro, não há um consenso sobre qual seria exatamente 
o suporte desses gêneros6, mas dificilmente um desses especialistas 
defenderia o Facebook como um gênero.
Um ponto de vista dessa natureza implicaria novamente a di-
luição das fronteiras entre gênero e texto, além de criar a inusita-
da e talvez impossível situação em que um gênero não abrangeria 
“uma classe de eventos comunicativos”, como define swales (1990), 
pois o Facebook se constituiria como o único e enorme texto de seu 
próprio gênero. ou, alternativamente, seria necessário considerar os 
diversos “facebooks” de cada usuário como instâncias textuais do 
“gênero Facebook”, desconsiderando ainda a diversidade de gêneros 
que efetivamente é mobilizada nos variados textos que possibilitam 
a interação social via Facebook.
em seguida, analisando o exemplo 3, encontramos uma identi-
ficação relativamente comum do outdoor como gênero, apesar de a 
experiência com a temática dos gêneros no ensino de graduação e de 
pós-graduação indicarem que se trata de um equívoco pelo menos 
em vias de superação. Não é difícil perceber que o outdoor em si é um 
suporte físico que, pela sua configuração material, impõe restrições 
específicas aos textos quanto a suas dimensão, circulação e forma de 
leitura. No mais, o outdoor serve de suporte para textos em diferentes 
gêneros, dotados de variados propósitos comunicativos, embora os 
gêneros do domínio publicitário estejam entre os mais recorrentes.
Ao classificar o outdoor como um suporte, Marcuschi (2003, p. 
26) relembra seu posicionamento anterior, sustentado em um mo-
mento que a distinção entre suporte e gênero ainda não havia sido 
colocada com clareza nos estudos de gêneros.
6. Desconheço igualmente a possível existência desse consenso no panorama internacional. Na pesquisa 
brasileira, as conjecturas em torno da identificação do suporte de gêneros digitais abrangem desde 
sites como o Facebook até a própria Internet, passando pela tela do computador e até pelos softwares 
em si (SOUZA; CARVALHO, 2007).
71
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Trata-se de um suporte e não de um gênero. [...] em alguns 
momentos eu o classifiquei como gênero, mas dada a diversi-
dade que esse “suporte” veio assumindo quanto aos gêneros 
que alberga e quanto à função desses gêneros, eu o classifico 
hoje como suporte. [...] ele porta gêneros bastante especiali-
zados, mas vem se generalizando cada vez mais.
Para o autor, portanto, a diversidade de gêneros que, como su-
perfície física para a escrita, o outdoor “alberga”, tendendo a expandir 
suas possibilidades para além de “gêneros bastante especializados”, 
constitui razão suficiente para classificá-lo como suporte e não como 
gênero. Considero pertinente e necessária a distinção, nesse caso, 
porque mais uma vez contribui para evitar uma visão materialista 
ou materializadora do gênero. Noutras palavras, confundir o suporte 
com o gênero provavelmente revelaria outro aspecto da já referida 
confusão entre gênero e texto.
Gênero e domínio discursivo
Para a discussão dessa terceira modalidade de equívoco, consi-
deremos o seguinte exemplo, também proveniente da escrita cien-
tífica, em que o jornalismo é referido como “gênero discursivo”, de 
modo que o autor pode se propor “buscar as delimitações do gênero 
jornalístico [itálicos meus]”.
Exemplo 4. gênero e domínio discursivo em artigo científico
o jornalismo como gênero discursivo
este artigo tem caráter teórico e debate as características do jor-
nalismo como gênero discursivo. [...] Discute, ainda, as condições 
propostas por esse contrato e busca as delimitações do gênero 
jornalístico[...]
(Fonte: Revista Galáxia, São Paulo, n. 15, p. 13-28, jun. 2008)
72
Equívocos no discurso sobre gêneros
Claro está que o jornalismo, como atividade profissional, ca-
racteriza-se pela construção e circulação de gêneros peculiares a 
essa atividade, de modo que o jornalismo “alberga” diversos gêneros 
“jornalísticos”, mas o jornalismo em si não é um gênero. Marcuschi 
(2008, p. 155) teoriza sobre essa relação entre o jornalismo como ati-
vidade profissional e os gêneros como categorias textual-discursivas 
que possibilitam essa atividade ao lançar mão do conceito de domí-
nio discursivo:
Domínio discursivo constitui muito mais uma “esfera da ati-
vidade humana” no sentido bakhtiniano [...] e indica instân-
cias discursivas (discurso jurídico, discurso jornalístico, dis-
curso religioso etc.). Não abrange um gênero em particular, 
mas dá origem a vários deles, já que os gêneros são institucio-
nalmente marcados.
De acordo com Marcuschi, portanto, há um paralelo entre a no-
ção de domínio discursivo e o conceito bakhtiniano de esfera de ati-
vidade humana (BAKHTin, 1997, p. 279). o jornalismo não deve ser 
tratado como gênero e sim como uma esfera de atividade profissio-
nal que, enquanto instância discursiva, “dá origem” a uma variedade 
de gêneros que são requeridos e validados socialmente para a viabi-
lização da própria atividade.
no exemplo 5, a seguir, o equívoco se repete, porém com o agra-
vante da retomada de “gênero textual jurídico” como “tipo textual” e 
em seguida novamente como “gênero”, o que tanto evidencia como 
potencialmente contribui para uma confusão ainda maior por parte 
de leitores não especializados na temática (ver discussão sobrea re-
lação gênero-tipo textual mais adiante).
73
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Exemplo 5. gênero e domínio discursivo em projeto de extensão 
universitária
o projeto pretende mostrar para os alunos a forma do gênero 
textual jurídico, com as suas especificidades e assim introduzir 
a prática desse tipo textual nas produções dos alunos para que 
façam o uso desse gênero tão pouco conhecido por eles.
(Fonte: Anais do 8. seMeX, n. 3, p. 1-5, 2010)
À semelhança do domínio jornalístico, o jurídico também se re-
fere a uma instância discursiva caracterizada pela circulação de gê-
neros peculiares à atividade jurídica, de modo que é possível falar de 
inúmeros gêneros (que são) jurídicos, isto é, vinculam-se ao meio ju-
rídico, mas não existe algo como o gênero jurídico. Considerando-se 
o caráter pedagógico do projeto, pode-se lamentar a falta de clare-
za terminológica pelas consequências que possivelmente acarretará 
para os alunos envolvidos.
Gênero e forma/estrutura
A redução, especialmente pedagógica, do gênero a uma forma 
ou estrutura representa mais uma faceta da confusão conceitual en-
tre gênero e texto. Reitera, noutras palavras, a redução do gênero a 
uma categoria material por aproximação com o caráter de materiali-
dade linguística do texto.
Exemplo 6. gênero como forma/estrutura em site educacional
Carta pessoal
[...] As características desse tipo de gênero textual são simples, ou 
seja, não possuem muitas regras e estrutura para serem seguidas. 
[...] o tamanho varia entre médio e grande. Quando é pequeno, é 
74
Equívocos no discurso sobre gêneros
considerado bilhete e não carta. [...] Quanto à estrutura, a carta 
pessoal deve seguir a sequência: 1. local e data escritos à esquer-
da, 2. vocativo, 3. corpo do texto e 4. despedida e assinatura.
(Fonte: site Brasil Escola)
nesse exemplo, a par da estranha terminologia “tipo de gêne-
ro textual”, encontramos uma definição do gênero carta cuja ênfase 
se concentra decididamente na estrutura formal dos textos que o 
instanciam. Assim, o gênero é definido ora pela extensão do tex-
to (“quando é pequeno, é considerado bilhete”), ora por uma sequ-
ência pré-estabelecida de informações aparentemente obrigatórias. 
Tal descrição, além de desconsiderar a flexibilidade na configuração 
formal dos textos efetivamente produzidos nesse gênero, privilegia 
o aspecto estrutural como se ele fosse um aspecto único ou, no mí-
nimo, um aspecto privilegiado para caracterizar o gênero.
lembremos aqui Marcuschi (2008, p. 154), para quem, em con-
sonância com a concepção sociológico-retórica de Carolyn Miller 
([1984] 2012), “quando dominamos um gênero textual não domina-
mos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguistica-
mente objetivos específicos em situações sociais particulares”. Ape-
sar da recorrência da descrição quase exclusivamente estrutural dos 
gêneros em sites educacionais, este está longe de ser o aspecto prin-
cipal para uma caracterização adequada do fenômeno.
entretanto, o equívoco não deixa de ser compreensível se consi-
derarmos com Miller que “a forma é a dimensão em que mais facil-
mente detectamos a tipificação”, correndo assim o risco de se con-
fundir com o conjunto do processo. Contudo, segundo a autora, “o 
que o conceito de tipificação nos induz a ver, além das similaridades 
de forma, são as similaridades de conteúdo ou substância e as simila-
ridades de ação”(MilleR; BAzeRMAn, 2011, p. 34). em suma, numa 
75
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
concepção de gênero como forma de ação social, a forma do texto é 
um critério claramente insuficiente para a definição do gênero.
Gênero e tipo textual
Nesse último equívoco, o gênero é reduzido a uma sequência ou 
tipo textual, como no exemplo 7, em que o tipo descritivo é “concei-
tuado” como um gênero.
Exemplo 7. gênero como tipo textual em blog educacional
gênero textual: descritivo
Conceituando Gênero Descritivo: É a ação de descrever algo ou al-
guém, sendo considerado o ato de narrar, porém minuciosamente, 
visando sempre os mínimos detalhes, fazendo um retrato distinto 
e pessoal de alguém ou algo que viu.
(Fone: Blog Aprendendo a Aprender)
no exemplo, o “gênero descritivo” é definido ao mesmo tempo 
como “ação de descrever” e como “ato de narrar”, gerando uma con-
fusão conceitual difícil de resolver. O mais importante, no entanto, é 
que o autor desconsidera que essas ações ou atos constituem, no di-
zer de Marcuschi (2008, p. 154), “uma sequência subjacente aos tex-
tos” e não um gênero. Como sequências subjacentes ou, ainda, como 
“uma espécie de construção teórica”, os tipos textuais, em geral asso-
ciados entre si, podem participar da composição de variados textos 
vinculados a diferentes gêneros. Desse modo, os tipos textuais são 
aspectos da composição de textos pertencentes a diferentes gêneros, 
não constituindo, eles mesmos, gêneros como tais nem participando 
das convenções sócio-históricas que definem os gêneros.
76
Equívocos no discurso sobre gêneros
no dizer de Marcuschi (2003, p. 17), os tipos textuais são “muito 
mais modalidades discursivas ou então sequências textuais do que 
um texto em sua materialidade”. Ainda conforme o autor, os tipos 
“abrangem um número limitado de categorias conhecidas como: nar-
ração, argumentação, exposição, descrição, injunção” e “constituem 
modos discursivos organizados no formato de sequências estrutu-
rais sistemáticas que entram na composição de um gênero textual”. 
não se trata de opor o tipo textual ao gênero, mas de relacionar os 
tipos de texto a aspectos da composição dos textos nos diferentes 
gêneros, como afirmei acima.
Considerações finais
Após esse breve percurso pelos “equívocos” no discurso sobre 
gêneros no contexto brasileiro, me parece inevitável concluir que o 
conjunto deles pode ser reduzido a duas subclasses centrais: primei-
ramente, confundir gênero com suporte, com forma/estrutura e com 
tipo textual revela, ao fim e ao cabo, diferentes aspectos da confusão 
entre gênero e texto; a confusão entre gênero e domínio discursivo, 
por sua vez, indica uma sobreposição pelo menos parcial entre os 
conceitos de gênero e de discurso7.
Quando se identifica gênero com suporte, a confusão se dá mais 
propriamente entre o gênero e o texto ancorado no referido suporte, 
e não entre o gênero e a superfície material em questão, embora a 
nomeação do gênero se realize com base na dita superfície em um 
processo de alguma forma “multimodal”. É pouco provável que um 
outdoor sem texto de qualquer natureza, completamente em branco 
ou vazio, seja identificado como gênero.
7. É certo ainda que “discurso”, neste caso, remete a linguagens de especialidade, como o discurso 
jornalístico, o discurso jurídico, o discurso científico, e poderia também ser tratado na relação com o 
conceito de registro na terminologia da Linguística Sistêmico-Funcional.
77
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Quanto à redução do gênero a um formato ou estrutura textual, 
também me parece óbvio que só é possível se o texto e o gênero fo-
rem vistos como uma realidade única. nesse caso, o gênero é reifica-
do na forma de um dado texto. ou seria “materializado”?
Por fim, na fusão entre gênero e tipo ou sequência textual, mais 
uma vez temos a identificação do gênero com formas estruturais e 
composicionais que definem mais propriamente o texto e não o gê-
nero. No que diz respeito ao gênero, a forma tanto pode ser uma pis-
ta segura e conveniente como um engodo e uma dissimulação.
se a aproximação entre gênero e texto implica a materialização 
ou coisificação do gênero, me parece que a identificação do gênero 
com o domínio discursivo conduz o gênero a um nível mais alto de 
abstração e generalização. O que seria uma das categorias do discur-
so jornalístico passaa ser visto como o próprio discurso jornalístico, 
perdendo muito de sua especificidade e contextualidade. Marcuschi 
(2002, p. 23) esclarece que “esses domínios não são textos nem dis-
cursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específi-
cos”. É no interior desses discursos peculiares aos respectivos domí-
nios que circularão textos em gêneros também bastante específicos.
se essa percepção está correta, então o problema de fundo a 
elucidar seria a relação entre texto, gênero e discurso. não tendo 
sido esse precisamente o objetivo deste trabalho, cumpre aqui ape-
nas apontar um caminho para o tratamento da questão: o enfoque 
sobre o gênero como categoria mediadora entre o texto e o discur-
so, como visto, por exemplo, em Coutinho (2004). A inter-relação 
entre texto e discurso, conforme tratada por essa autora em um 
trabalho intitulado “Schématisation (discursive) et disposition (tex-
tuelle)”, foi descrita por mim nos seguintes termos em minha tese 
de doutoramento: “o discurso, por um processo de esquematiza-
ção, conduziria a uma dada disposição textual, cuja manifestação 
78
Equívocos no discurso sobre gêneros
visível, o texto como objeto empírico, se configuraria na forma de 
um gênero” (BezeRRA, 2006, p. 61).
Ainda que essa formulação não pareça bastante clara para mim 
hoje, a ideia é que o gênero é a categoria que efetivamente nos per-
mite passar do discurso ao texto sem que persista uma dicotomia 
entre ambos, por um lado, e sem que o gênero se reduza a um ou a 
outro. Nessa perspectiva, uma discussão que se veria largamente es-
vaziada, apesar das paixões que eventualmente desperta, seria a que 
separa “gênero textual” de “gênero discursivo”, mas esta também é 
outra história, da qual não tratarei aqui.
A meu ver, é esse posicionamento do gênero como categoria de 
mediação que possibilita a visão mais recente da linguística de Tex-
to acerca da indissociabilidade de texto e discurso. nas palavras de 
Cavalcante e Custódio Filho (2010, p. 61), “em qualquer quadro que 
delineie o estatuto do texto na atualidade, é preciso considerar a sua 
interdependência em relação ao discurso. Uma tendência cada vez 
mais dominante, então, é a da não separação total entre essas duas 
instâncias de uso da linguagem.” Acrescento que é precisamente o 
gênero que impossibilita que o texto seja visto como “uma mera ma-
terialização do discurso” (ou que se separe “gênero textual” de “gêne-
ro discursivo”, mas eu afirmei que não ia tratar dessa questão).
espero que essas poucas reflexões e provocações sejam suficien-
tes para nos despertar para a necessidade de uma busca contínua de 
refinamento teórico para uma noção que, após um período inten-
so porém curto de trabalho, podemos apressadamente julgar bem 
compreendida e bem estabelecida nos meios acadêmico e escolar. 
O gênero ainda demanda de pesquisadores e professores um maior 
esforço para sua adequada assimilação e aplicação.
79
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
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80
“Concordo que muitos usos da 
linguagem não são deliberados, 
e sim, espontâneos. Contudo, 
eu também vejo a retórica 
levantando a possibilidade 
de alguém se tornar mais 
consciente e, consequentemente, 
mais reflexivo na escolha do 
que dizer.”
— Charles Bazerman. Série Bate-Papo Acadêmico. v.1 
Gêneros Textuais. Recife, 2011. Disponível para acesso 
em: http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/volumes
81
3
LinguísTicA dos gênERos 
E tEXtUaliDaDE1
FR Ançois R AsTieR2 (CnRs, PARis)
Como a questão dos gêneros é tradicionalmente tratada pela 
poética, o próprio nome dessa disciplina evoca frequentemente a li-
teratura; entretanto, o conjunto das normas e dos usos linguísticos, 
orais e escritos, artísticos ou não, provém do que se poderia chamar 
de uma linguística dos gêneros, ramo importante da linguística his-
tórica e comparada. não querendo repetir proposições descritivas3, 
limitar-nos-emos nesta exposição a evocar brevemente o efeito dos 
desenvolvimentos da linguística dos gêneros sobre o conceito da tex-
tualidade propriamente dito.
Discurso, gêneros e tipologia dos textos
Ainda pouco estudada na linguística, a noção de gênero suscita 
debates sobre sua definição e seu funcionamento, pois é frequente-
mente confundida com aquela, muito vaga, de “tipo de texto”, sendo 
ora definida a partir das « funções da linguagem » (BIBER, 1988, p. 
92), ora associada ao domínio semântico do discurso (illoUz, 1999). 
1. Tradução de Rosalice Pinto (Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL) – 
colaboradora) e Suzana Leite Cortez (Coordenação PIBID Letras/Português UFPE).
2. frastier@gmail.com 
3. Referimo-nos a Rastier (1989, cap. 3; 2001, cap. 8). 
82
Equívocos no discurso sobre gêneros
enquanto os trabalhos pioneiros de Biber (1988, 1993) visavam a de-
senvolver uma tipologia indutiva dos textos, caracterizando-os por 
um conjunto de traços linguísticos, a pesquisa que temos desenvolvi-
do combina uma classificação prévia dos gêneros e de testes empíricos 
para justificar sua pertinência.
Os gêneros na linguística de corpus – Como os tratamentos au-
tomáticos da linguagem se ocupam dos textos, não das frases, sua 
tipologia é uma condição para a sua análise. Para se chegar a trata-
mentos automáticos específicos e eficazes de corpus, é necessário, 
evidentemente, que sejam considerados os gêneros, para adaptar as 
estatégias de questionamento e de tratamento. A determinação pré-via dos gêneros permite simplificar os tratamentos, o que não se faz 
sem eliminar as ambiguidades: por exemplo, nos prontuários médi-
cos « pense » corresponde apenas à terceira pessoa; o que seria dife-
rente em um corpus de cartas aos colegas. 
A demanda social de uma teoria operatória dos gêneros é cres-
cente, tanto para a linguística de corpus quanto para o acesso aos 
bancos textuais. o estudo de corpus “em situação” mostra sem dúvi-
da que o léxico, a morfossintaxe, a maneira como se colocam os pro-
blemas semânticos da ambiguidade e do implícito, tudo isso varia de 
acordo com os gêneros. os sistemas de análise e de produção devem 
levar em conta essas especificidades. os projetos de sistemas univer-
sais são, desse modo, irrealistas, linguisticamente falando, porque, 
na verdade, eles se sustentam, sobre a ideia preconcebida de que a 
língua é idêntica a ela mesma em todos os textos e em todas as si-
tuações de comunicação. Para se alcançar tratamentos automáticos 
eficazes, é necessário especificar os funcionamentos próprios aos di-
ferentes gêneros. Por exemplo, em um corpus homogêneo, conhecer 
a estrutura do gênero pode permitir a simplificação dos tratamentos: 
algumas partes dos textos podem, na verdade, ser eliminadas para 
83
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
constituir subcorpus pertinentes para uma dada tarefa. Além disso, 
o conhecimento dos gêneros pode se tornar útil para a pesquisa de 
informações: nos artigos científicos, por exemplo, a formulação das 
hipóteses pode ser encontrada em partes bem definidas da estrutu-
ra do texto, assim como as discussões teóricas. entretanto, o artigo 
experimental não tem a mesma estrutura que o artigo teórico etc. 
Assim, uma descrição fina é um pré-requisito necessário. 
 A linguística de corpus deve permitir que se refunda ou se afine 
a distinção intuitiva e empírica nos gêneros. Por isso, exploraremos 
as variações morfossintáticas, que são consideráveis. Por exemplo, os 
textos literários contêm significativamente menos formas passivas 
do que os outros; a posição do adjetivo, a natureza dos determinan-
tes, dos pronomes e dos tempos verbais, o uso da desinência nominal 
(de número) também variam consideravelmente. No discurso técni-
co, as variações são relevantes quando se compara um manual e um 
folheto comercial: no primeiro, os acrônimos, os imperativos, as elip-
ses de determinantes; no segundo, as frases longas, os pronomes com 
grande incidência etc. os valores posicionais das unidades textuais e 
sua distribuição variam também conforme os gêneros: por exemplo, 
um estudo contrastivo de Biber (1993a) permitiu destacar uma lista 
de 6.000 palavras, sendo a maior parte concretas, próprias aos textos 
ficcionais - cf. (impatiently “impacientemente” ou sofa “sofá”). 
 Ainda sobre o gênero, convém distinguir o campo genérico e 
o discurso. em suma, três níveis podem ser considerados: o dos dis-
cursos (ex. jurídico versus literário versus científico), o dos campos 
genéricos (ex. teatro, poesia, gêneros narrativos)4, o dos gêneros pro-
priamente ditos (ex. comédia, romance « sério », romance policial, 
4. Um campo genérico é um grupo de gêneros que constrasta entre si, ou melhor, apresenta rivalidade 
em um campo prático: por exemplo, no âmbito do discurso literário, na época clássica, o campo genérico 
do teatro se dividia em farsa, comédia, comédia heróica e tragédia. 
84
Equívocos no discurso sobre gêneros
novela, conto, relato de viagem). Os subgêneros (ex. romance através 
de cartas) constituem um nível ainda mais subordinado. As diferen-
ças de status epistemológico entre esses níveis fazem com que não se 
possa, a não ser que por simplificação didática, representá-los atra-
vés de um simples gráfico em árvore que aqui se vê, no entanto.
DiscUrsos campos geNéricos gêNeros sUbgêNeros
Literário
teatro
Comédia
Tragédia
Drama
poesia
relatos
Romance
Policial
por cartas
de formação
Novela
JUríDico
poLítico
Figura 1. Níveis de classificação dos textos
Responsabilidade da linguística 
No que se refere aos gêneros, a linguística deve elaborar suas 
próprias categorias descritivas, porque as disciplinas vizinhas, estu-
dos literários e filosofia, originam-se de outras problemáticas e seu 
aporte permanece limitado. 
85
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
os estudos literários contemporâneos quase renunciaram à re-
flexão sobre os gêneros, ao menos ao que se refere à literatura mo-
derna, em que as teorias românticas e pós-românticas à Barthes mi-
nimizam o interesse por um estudo dos gêneros, defendendo que a 
Literalidade de um lado, e o Estilo do outro, transcendem-nos. Em 
outras palavras, mesmo que autores, como Le Clézio, apresentem al-
guma desconfiança em relação aos gêneros, os métodos da linguís-
tica de corpus mostram que as obras desmentem essas propostas já 
estabelecidas5. 
A filosofia da linguagem nos trará ainda menos informação so-
bre os gêneros, porque ela continua a transcender as línguas e os 
textos. Por exemplo, tributária da tradição do positivismo lógico que 
no fundo ela contesta, a teoria dos jogos de linguagem de Wittgens-
tein permanece dominada pelo individualismo metodológico e sem 
alcance empírico para descrever a incidência dos usos particulares 
das normas socializadas que são os gêneros. Através de um jogo de 
pensamento, Wittgenstein afirma, por exemplo, que a leitura é um 
jogo de linguagem: entretanto, ela não é de forma alguma indepen-
dente nem dos gêneros nem das práticas em que estes acontecem6. 
o jogo da linguagem não pode instituir o gênero, pois os métodos 
de uso da linguagem são definidos nos gêneros: o ato de fala so-
mente cria performance linguística em função das normas genéricas 
e discursivas e até demarcando-se delas. De fato, as situações não 
são isoladas das práticas que definem seus regimes de pertinência 
e permitem identificar inovações. em suma, longe de definir os gê-
5. Cf. Kastberg-Sjöblom, 2002, pp. 51-55.
6. Os outros jogos são atos descontextualizados: por exemplo, fazer alarde, antigo exemplo de retórica, 
já presente em Dumarsais, enquadra-se como um jogo de linguagem (dentre outros), mas é consensual 
que o seu funcionamento é diferente em uma cena de teatro ou na sala. Longe de definir um gênero, o 
jogo de linguagem o pressupõe para determinar seu sentido. Ar de família, jogo de linguagem e formas 
de vida continuam sendo três noções com definições vagas, o que permite inseri-las com comodidade 
em todos os lugares.
86
Equívocos no discurso sobre gêneros
neros ou de substuí-los p´or outra categoria´ , os jogos de linguagem 
os pressupõem, já que estes funcionam nos gêneros ou nas práticas 
singulares suscetíveis de se instalar em gêneros (mesmo sendo estes 
únicos/privados). 
Por seu turno, constantemente invocado como fundador de uma 
teoria dos gêneros, Bahktin descreve com todo direito a sua empreita-
da como uma filosofia, visto que esta não demonstrou apresentar uma 
capacidade descritiva notável7. Retomando de forma não explícita 
muitos dos temas do idealismo alemão, ancorados particularmente na 
dialética de schleiermacher, ele não pôde resolver a contradição entre 
o desejo de apresentar uma teoria dos gêneros, de tradição filológica, e 
teorias da polifonia e do dialogismo que exploram o tema modernista 
da heterogeneidade, originário da teoria romântica do romance.
O gênero determina/condiciona a 
semiose textual
o problema da arbitrariedade do signo, de tradição filosófica, 
parece não ser pertinente para a linguística. Ao ser compreendido 
como a relação entre signo e referente, ele não pode ser colocado 
de forma independente a um texto e de suas convenções miméti-
cas. Caso se refira à relação estabelecida entre conteúdo e expres-
são, ele também não podeser colocado ao mesmo nível do signo 
isolado – a unidade correta seria o próprio morfema. Como não há 
conformidade entre planos da linguagem, o problema da semiose 
deve ser colocado ao nível do texto, não devendo estar em termos 
referencias nem ao nível da palavra, nem mesmo no nível da frase. 
7. Filósofo e ensaista, Bakhtin não pensou em propor critérios linguísticos para a descrição dos gêneros. 
Sua contribuição permanece ainda mais enigmática pelo fato de sua reputação ter vindo a ser assegurada 
por obras de outros autores (Voloshinov e Medvedev, notavelmente) e de textos presumidamente de 
sua autoria terem vindo a ser crivados de citações não assinaladas, de Cassirer a Husserl.
87
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Ao nível do texto, deve-se abandonar completamente a noção de 
arbitrário: como em uma cultura tudo é convenção, um texto só 
tem como legalidade interna suas normas, em primeiro lugar seu 
gênero – e o mesmo é válido para outros objetos culturais.
A semiose textual é uma semiose, quer dizer, um ato de expres-
são e de interpretação. enquanto ato, é originária de uma praxiologia 
das performances linguísticas, e não de uma ontologia ou de uma 
teoria das representações. A poética descreve normas em ação, levan-
do em conta que essas normas são, por definição, socializadas, e que 
estas ações textuais decorrem de práticas sociais e constituem o nível 
semiótico dessas mesmas práticas.
Anteriormente, definíamos um gênero, no plano semântico, pela 
interação de quatro componentes8 não hierarquizados. Por compo-
nentes, compreendem-se conjuntos de normas de um mesmo tipo: 
por exemplo, as da temática.
As componentes semânticas se articulam às da expressão: sem 
prejulgar que o “pensamento” escolha sua expressão, como se este 
se infiltrasse na linguagem, podem-se descrever imbricações entre 
coerções semânticas e coerções no plano do significante. Um gênero 
define claramente uma relação normatizada entre o plano do signi-
ficante e o plano do significado ao nível textual: por exemplo, no gê-
nero artigo científico, o primeiro parágrafo, no plano do significante, 
corresponde normalmente a uma introdução, no plano do signifi-
cado; na novela, enquanto gênero, trata-se mais frequentemente de 
uma descrição.
8. Mais especificamente, a temática dá conta dos temas, descritos como formas semânticas (moléculas 
sêmicas); a dialética estuda a sucessão dos intervalos no tempo textual, como os estados que se 
posicionam neste e os processos que aí acontecem; a dialética, as relações modais entre universo e 
mundo, leva em conta a enunciação representada; a tática considera a linearidade do significado e a 
disposição das unidades textuais. Este modelo modular não-hierárquico foi retomado em seu princípio 
por diversos gramáticos do texto (ADAM, 1992; ROULET e COLL, 2001). 
88
Equívocos no discurso sobre gêneros
Em síntese, os gêneros determinam, ou melhor, permitem as re-
lações entre os dois planos da linguagem. observa-se, por exemplo, 
nos rascunhos dos escritores e dos pensadores, quer seja de Flaubert, 
quer de saussure, o texto no início sem uma classificação clara se 
moldar pouco a pouco a um gênero. não deixando de evocar aqui 
uma ilusória excelência em estabelecer correlações, a enunciação es-
tabelece ainda uma espécie de compromisso entre as coerções da prá-
tica (na qual se define o gênero) e a situação (quer dizer, além do aqui 
e agora, a posição histórico-cultural do enunciador e do intérprete).
A semiose limitada proposta pela língua nos níveis inferiores, da 
palavra à frase, só se torna efetiva se for compatível com as normas do 
gênero, ou melhor, do estilo que asseguram a semiose textual9. Ain-
da, a proposição gramatical faz sentido apenas quando presente em 
um período, quer dizer, enquanto passagem de um texto. enfim, a 
semiose do léxico é também determinada pelo gênero ou pelo campo 
genérico: por exemplo, amor em poesia tem pouquíssimos contextos 
comuns com amor em romance, embora essas duas palavras sejam 
quase homônimas10. Acresce ainda o fato de que nenhum léxico é in-
dependente do discurso e as ontologias hoje florescentes (Wordnet, 
EuroWordnet, Semantic Web) constituem artefatos em escala mundial 
com grande custo.
9. O sistema da língua, tal qual o concebem geralmente os linguistas, não determina a semiose textual 
e só estabelece coerções à semiose ao nível de complexidade mais elementar, o dos morfemas: ao nível 
dos morfemas, a língua propõe, ou melhor, impõe emparelhamentos entre significante e significado (ex. 
re- é iterativo); mas os morfemas não têm neles mesmos uma significação definida, isto porque o (falso) 
problema da referência nunca foi posto a respeito. Ao nível imediatamente superior, o do léxico (o dos 
lexemas), as palavras já são unidades “de discurso”, pois a relação estabelecida entre seus morfemas é 
regulada por uma sintaxe interna: a sua significação e a sua forma de semiose já dependem das relações 
contextuais entre os morfemas que as compõem. 
10. Assim, no romance, amor tem como antônimo casamento ou dinheiro. Na poesia, não é nem 
casamento, nem dinheiro. Para uma análise em corpus no banco de dados Frantext, cf. Bourion, 2001, 
pp. 42-45.
89
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Além dos regimes de produção e de interpretação dos textos, a 
semiose textual coíbe a forma de mimese. em regra geral, quanto 
mais as relações entre os dois planos do texto estiverem sujeitas a 
normas, maior será o efeito de empírico real ou transcendente, como 
o atestam os textos gnômicos ou religiosos.
A interação complexa entre planos da linguagem, relacionada à 
enunciação do texto como performance semiótica, não atua apenas 
na língua, mas também no gênero. Assim, um gênero constitui “um 
aro que ainda falta” dos modelos enunciativos. Suas normas substi-
tuem com muita vantagem as representações mentais intermediárias 
e protótipos diversos, pois permitem planificações da ação enuncia-
tiva compatíveis com a prática e a situação. o mesmo acontece com 
a interpretação, pois o texto deve ser lido de acordo com seu gênero: 
sua literalidade e até mesmo sua pronúncia dependem disso (não se 
lê um trecho de romance como um poema).
enfim, o problema do gênero ultrapassa as ciências da lingua-
gem, pois encontram-se problemas análogos em outras semióticas 
em que se considera a existência de gêneros. Além disso, enquan-
to as diversas semióticas (linguagem, música, danças) são descritas 
normalmente como sistemas isolados, é em alguns gêneros pluris-
semióticos como a ópera, o cinema, o site interativo que elas encon-
tram modos de interação que seguem regras: ou seja, o estudo dos 
gêneros comanda o da intersemioticidade. Dessa forma, a linguística 
dos gêneros ocupa indubitavelmente um lugar importante tanto na 
linguística quanto na semiótica.
O gênero pertence ao texto
Diz-se normalmente que um texto pertence a um gênero. essa 
proposição mereceria ser invertida: o gênero pertence ao texto, que 
90
Equívocos no discurso sobre gêneros
contém indicações de seu gênero (no título, no suporte, bem como 
no seu léxico, na sua composição etc.). Consequentemente, não rete-
remos as noções comuns nem de peritexto nem de arquitexto, pois 
nada contribuem para a compreensão da textualidade. 
A menos que o texto seja reduzido a uma simples e única cadeia 
de caracteres, o peritexto pertence integralmente ao texto. Podem-se 
distinguir três níveis de análise do texto: o peritexto (títulos, títulos 
correntes, ligações etc.); em seguida, o intratexto (colunas gráficas, 
« caixas »); por fim, o infratexto subordinado (notas etc.). Esses ní-
veis são válidos para a modalidade escrita, mas encontram análogos 
para a oral: o peritexto é então epilinguístico (cf. vou te contar algo 
que vai surpreender),o mesmo para o infratexto (detalhamentos de 
certos pontos).
Apesar de ser localizável, o peritexto concretiza índices globais 
(gênero, tema geral, ponto de vista ou posição dialógica). então, ele 
determina o infratexto, uma vez que o global determina o local. Ci-
tam-se frequentemente, no prolongamento de Adam e de Goldens-
tein, o artigo de jornal que se tornou poema em Blaise Cendrars, os 
artigos do dicionário littré que se tornaram poema em René Char. 
A recategorização, como a retomada (seletiva) em Char de artigos do 
Littré transformados em poemas a partir dessa transferência, não 
corresponde a um simples deslocamento de uma cadeia de caracte-
res: a categoria do texto muda com a mudança do suporte, do autor, e 
com a proximidade de outros poemas. A expressão pode até parecer 
idêntica a partir do momento em que se suspende a interpretação, 
contudo ela deve ser reconhecida por ela mesma, processo que não 
é de forma alguma independente do contexto e da situação. A deter-
minação do global sobre o local é de tal forma que o texto recatego-
rizado muda de regime hemenêutico, mimético e referencial. 
não há também arquitexto, considerando-se que o gênero não 
é nem uma classe, nem um tipo, mas uma linhagem. No centro des-
91
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
ta, um texto leva em conta, se assim pode se dizer, ancestrais, ri-
vais, mas não um « patrimônio genérico » que o transcenderia. ele 
não corresponde a uma ocorrência de um gênero, mas um momento 
numa série de transmissões, em uma tradição feita de rupturas.
A semiose textual e o corpus determinam 
os fenômenos locais
Da mesma forma que todo uso modifica e configura potencial-
mente a língua, cada texto atesta e modifica o gênero ao qual pertence. 
Mas essas modificações locais só são perceptíveis no interior de uma 
estabilidade global; em contrapartida, o gênero configura o texto. As-
sim, o gênero e o texto, de certa forma, interpretam-se mutuamente.
Resultados recentes confirmam a incidência do gênero sobre as 
variações morfossintáticas11. A partir de um corpus de 2500 textos 
completos classificados por gêneros e discursos e etiquetados em 251 
tipos, etiquetas morfossintáticas em sua maioria, foram encontrados 
e validados os diferentes níveis de classificação apresentados a seguir, 
utilizando percentagens calculadas nas etiquetas. Foram realizadas 
análises univariadas para qualificar as variações segundo as catego-
rias das etiquetas, posteriormente uma análise multivariada utilizan-
do métodos de classificação automática. os resultados, ainda a serem 
refinados, mas válidos de qualquer forma, já confirmam a correlação 
existente entre as variáveis globais do gênero, campo genérico e dis-
curso, por um lado, e as variáveis morfossintáticas, locais por defini-
ção, por outro. Assim, as condições de aplicação das regras da gramáti-
ca, supostamente representativa da língua em sua pureza sistemática, 
variam segundo os discursos, campos genéricos e gêneros.
11. Cf. Malrieu e Rastier, 2001.
92
Equívocos no discurso sobre gêneros
g3: Poesia = 84% 
g4: teatro = 84%
g1: Relatos = 81% (XViiie, XiXea)
 Ensaios = 18%
g2: Ensaios = 55%
 Textos científicos = 14%
g5: Relatos = 87%, XXe a e b
g6: Relatos = 97%, XXe b e a
g7: t. jurídicos = 98,6%
Figura 2: Classificação hierárquica ascendente.
Primeira metade de um século: a; segunda metade de um século: b.
A oposição entre discurso jurídico, de um lado, e discurso li-
terário e científico, do outro, domina inicialmente a oposição en-
tre campos genéricos (teatro, poesia, narrativas) e, ainda, a oposição 
entre romances e ensaios. A classificação ascendente hierárquica 
apresenta, então, diferenças entre discursos e também entre campos 
genéricos. Por outro lado, no plano imediatamente inferior, esta não 
faz notar divisões entre gêneros narrativos e conduz evidentemen-
te a uma tripartição das narrativas, particularmente dos romances 
“sérios”12. Para se perceber a existência desta não distinção, alguns 
esclarecimentos merecem ser feitos: os romances “sérios” do grupo 
1 da classificação correspondem ao romance dos séculos Xiii e XiX, 
12. Não é surpreendente, pois o romance tradicionalmente é um gênero muito diversificado, rapsódico 
e heterogêneo, como já o observa o “pároco” no capítulo 47 de Don Quichotte.
93
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
que partilham traços com os ensaios (filosóficos e políticos)13; os ro-
mances “sérios” do grupo 5 são romances modernos que se aproxi-
mam do romance policial (principalmente do início do século XX); 
os romances “sérios” do grupo 6 são também romances modernos 
mas sobretudo autobiográficos, de onde advém a sua aproximação 
com os diários de viagem e as memórias.
A partir das variáveis morfossintáticas de que dispomos, as três 
técnicas utilizadas: a análise univariada, a análise em componentes 
principais e a classificação hierárquica ascendente contribuem para 
evidenciar diferenças significativas tanto entre discursos, quanto 
entre campos genéricos e entre gêneros. A amplitude muito eviden-
ciada dessas variações confirma a diversidade das normas linguís-
ticas de acordo com os tipos de discurso e o caráter instituinte do 
gênero. essa diversidade ignorada – ou, em outras palavras, ainda 
pouco estudada – constitui um domínio de estudo futuro para a lin-
guística: após a pesquisa sobre a diversidade das línguas, é necessá-
rio, efetivamente, estudar a diversidade interna de cada língua, tal 
como esta é expressa em sua diversidade de usos no oral e no escrito. 
evidentemente, a análise serial de corpus ampliado constitui uma 
forma privilegiada desse estudo.
No plano semântico, o gênero regula de forma importante as 
aferências socialmente padronizadas. Há algum tempo, evocamos 
essas instanciações de semas: estas dependem de um tópico e, con-
sequentemente, de um gênero ou de um campo genérico. Por exem-
plo, em poesia barroca, um traço é luminoso, por se tratar de uma 
metáfora recorrente do olhar. É a redundância desse sema no corpus 
do campo genérico que permite inferir esse sema.
enquanto unidade mínima de análise, o texto age como instân-
cia global em relação a seus elementos, mas também como instân-
13. Cf. Os Miseráveis, romance que alterna capítulos romanescos e capítulos ensaísticos.
94
Equívocos no discurso sobre gêneros
cia local em relação a seu corpus. Evidentemente, pelo viés de seu 
gênero, o texto aponta sobre seu corpus e seleciona, de certa forma, 
os outros textos que permitem interpretá-lo. Como o gênero não é 
uma instância abstrata, a relação de um texto com seus vizinhos 
não é mediada por uma abstração arquitextual, mas pelos percursos 
intertextuais próprios ao gênero comum desses textos. o primeiro 
círculo do corpus, corpus necessário mas nem sempre suficiente, é 
também constituído de textos do mesmo gênero.
o gênero determina, assim, um modo de regulação do contex-
to interno e externo (textualidade e intertextualidade). enfim, ele 
permite que o texto escrito se torne compreensível, muito embora a 
situação que o tenha desencadeado ou que tenha servido de pretexto 
para a sua origem possa não vir mais a ser recuperada.
Linguística(s) da língua, da fala e das normas 
A leitura das lições e manuscritos de saussure confirma que Bally 
apagou a contribuição de saussure à linguística da fala. As duas lin-
guísticas, a da língua e a da fala, ficaram separadas porque a linguís-
tica das normas ainda não foi construída. Pensa-se erroneamente que 
pode não existir ciência das normas: esta seria uma deontologia que 
fugiria, por seu caráter relativo e condicionado ao imaginário lógico-
-gramatical, das regras, e mesmo do imaginário cientista das leis.
A relação entre língua e fala é ora pensada comouma passagem 
do virtual ao real, ora pensada como uma passagem dos condiciona-
mentos a uma liberdade, e tem-se dificuldade de conciliar as virtu-
alidades que a língua impõe com as liberdades reais da fala. Na rea-
lidade, da língua, concebida de forma arbitrária, à fala, passa-se não 
apenas por graus de sistematicidade decrescentes, mas também por 
estatutos epistemológicos diversos. 
95
Benedito Gomes Bezerra (UPE/UNICAP)
Pode-se propor a seguinte representação: 
Figura 3. Espaço de uma linguística das normas 
 
Ao serem consideradas as diversidades efetivas dos discursos, 
campos genéricos e gêneros, o núcleo invariante a que se pode chamar 
língua reduz-se drasticamente ao inventário dos morfemas, a imposi-
ções como a estrutura da sílaba, a estrutura do sintagma etc.; os lexe-
mas, por exemplo, já não fazem parte desta, por já serem fenômenos 
de « discurso »14. 
nenhum texto é escrito « em uma língua » apenas, ele é escrito 
em um gênero, levando-se em conta as regras de uma língua. Aliás, a 
analogia das práticas e a dos gêneros decorrentes desta permite a tra-
dução, ou ainda, de forma mais simples a intercompreensão. 
Notam-se, certamente, regularidades transgenéricas e transdis-
cursivas. Por exemplo, domínios como a literatura e os ensaios são 
vizinhos: pode acontecer, inclusive, que os mesmos transponham para 
os dois temas comparáveis. no nível morfosintático e no plano da ex-
pressão, essas regularidades provêm da língua; no plano semântico, 
estão relacionadas à ideologia e à doxa. 
14. É por isso que o léxico, ao menos o dos lexemas, não pertence à língua.
LÍNGUA
FALA
paradigmático
sintagmático
discurso
campos genéricos
gêneros
96
Equívocos no discurso sobre gêneros
enquanto a morfossintaxe permanece essencialmente alvo de 
regras, embora não seja de forma alguma indiferente às normas, a 
semântica é essencialmente alvo de normas. Mesmo definindo-se 
com razão, as regras como normas fixadas, é necessário que sejam 
destacadas as diferenças entre suas formas de evolução diacrônica. 
 A ligação problemática entre línguas e representações coleti-
vas permanece crucial: uma língua coíbe, mas não dita uma visão de 
mundo, como o pretendem, após alguns linguistas nazistas, certos 
culturólogos russos de hoje em dia. 
 Para melhor apreender essa ligação, é necessário se apropriar 
do programa de uma linguística dos gêneros. O estudo dos gêneros 
faltou à escola francesa de Análise do discurso para poder ligar efe-
tivamente a linguística ao estudo das ideologias. Com os métodos da 
linguística de corpus, dispõe-se atualmente de meios novos para tes-
tar hipóteses sobre a relação entre normas e regras, bem como sobre 
a existente entre os dois planos da linguagem.
rEFErênCias 
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97
4
ALguMAs idEiAs PARA EnsinAR 
noVos gênERos A PARTiR dE 
VELHos gênERos1
AMY J. DeViTT2 (KU/UsA) 
HEATHER BASTIAN3 (Css/UsA)
Introdução4
Quando os alunos chegam a nossas salas de aula, chegam não 
como tábulas rasas, mas como leitores e escritores funcionais com 
complexos repertórios de gêneros os quais incluem conhecimento 
prévio sobre gêneros acadêmicos, públicos e pessoais, e que são, em 
alguns aspectos, parciais, incompletos e incertos, enquanto em ou-
tros sentidos são complexos e totalmente internalizados. Quando 
usamos os gêneros – em qualquer pedagogia – para ensinar línguas, 
leitura e escrita, nosso ensino é afetado pelo conhecimento prévio 
sobre gêneros o conhecimento prévio dos alunos tanto pode benefi-
ciá-los quanto inibi-los e prejudicá-los, assim como interfere positiva 
ou negativamente em nosso ensinar. Tem-se desenvolvido vários es-
tudos para investigar os efeitos do conhecimento prévio de gêneros 
1. Tradução de Larissa de Pinho Cavalcanti (UFRPE), revisão de Rodrigo Farias de Araújo (UFPE), revisão 
e coordenação de tradução Judith Hoffnagel (UFPE).
2. devitt@ku.edu
3. bastianhm@gmail.com
4. O texto desta conferência permanece em grande parte fiel ao produzido em 2009. Claro, muito de 
nossa pesquisa sobre transferência e conhecimento de gêneros já foi publicada desde então. 
98
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
nas pesquisas de ensino de segunda língua, já iniciaram pesquisas 
na instrução de escrita em primeira língua. Embora possamos estar 
bastante confiantes no fato que os alunos possuem conhecimento 
prévio de gêneros, podemos estar igualmente confiantes que o co-
nhecimento prévio pode ser transferido de um contexto para o ou-
tro? Ou de uma situação para outra? Ou de um gênero para outro? 
Christine Tardy (2006, p.95), em sua excelente síntese das pesqui-
sas em segunda língua sobre o desenvolvimento do conhecimento 
de gêneros, conclui que “os aprendizes usam suas experiências em 
práticas anteriores e atuais quando constroem conhecimento de gê-
neros” em contextos baseados em práticas (2006, p.82). Revisando 
estudo após estudo, Tardy conclui que “as experiências e práticas an-
teriores provavelmente influenciam todos os escritores, quer estejam 
escrevendo em primeira ou segunda língua, mas estes também po-
dem ser prejudicados por práticas residuais que entram em conflito 
com expectativas atuais”. Com o crescente número de pesquisas, se 
torna claro que professores podem melhorar o desenvolvimento do 
conhecimento de gêneros dos alunos se melhor entenderem como os 
estudantes usam seu conhecimento prévio sobre gêneros. 
Para ajudar os alunos a melhor utilizarem seu conhecimento 
prévio, seria importante para os professores descobrir do que consis-
te esse conhecimento prévio. Todavia, descobrir o que os estudan-
tes conhecem sobre gêneros e quais gêneros eles conhecem quando 
chegam a nossas salas de aula não é tarefa fácil. Mesmo através de 
questionamento deliberado, os estudantes não são capazes de rela-
tar confiavelmente seus próprios conhecimentos prévios. A pesquisa 
sobre o uso de conhecimento prévio é amplamente retrospectiva, 
examinando como crianças e estudantes relatam que usaram conhe-
cimento prévio em uma situação de escrita nova ou seguindo um 
caso de como um escritor aprende um novo gênero. Como professo-
99
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
res, podemos querer interferir no processo tal como ele ocorre para 
possibilitar aos alunos o melhor uso de seus conhecimentos prévios. 
Mas o que podemos descobrir sobre o conhecimento prévio sobre 
gêneros que nossos alunos trazem para a sala de aula? E como po-
demos ajudar os alunos a aprenderem a fazer melhor uso de seus 
conhecimentos prévios com o que descobrirmos?
Para melhor compreender o uso de conhecimentos prévios sobre 
gêneros pelos alunos em uma aula de escrita de nível universitário, 
estudamos um grupo de alunos de nível superior numa universida-
de dos estados Unidos, investigando o que elesrelataram conhecer 
sobre gêneros antes de entrar na universidade e como aquele conhe-
cimento era ou não era visível em sua escrita para o curso universitá-
rio. esse estudo inicial, exploratório, foi sucedido por pesquisas mais 
elaboradas por Mary Jo Reiff e Anis Bawarshi [desde a publicação 
em 2011] em diferentes universidades. Aqueles estudos têm feito des-
cobertas instigantes sobre transferências entre diferentes domínios, 
dentre outras. Em nosso estudo, mais reduzido, nos concentramos 
em casos individuais, na natureza de seus conhecimentos prévios 
relatados e nos traços textuais do conhecimento de gêneros visíveis 
no material escrito para as aulas. Neste trabalho, reportaremos o que 
temos descoberto acerca da natureza do conhecimento prévio des-
ses estudantes e suas potenciais consequências para ensinar novos 
gêneros. Embora nosso relato parta de uma pequena amostra de alu-
nos universitários dos estados Unidos, esses resultados podem ser 
aplicados mais geralmente por nós professores enquanto tentamos 
usar mais eficientemente os conhecimentos prévios sobre gêneros 
dos nossos alunos para ajudá-los a desenvolver novos conhecimentos 
de gêneros.
100
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
Teoria e pesquisa sobre conhecimentos 
prévios de gêneros
Devitt (2004) argumenta em seu livro Writing Genres que a aula 
de escrita no primeiro período deveria ser vista como um lugar onde 
os estudantes adquirem consciência de gêneros – uma compreensão 
consciente de como tipos de escrita modelam as respostas do escritor 
a situações retóricas. estudantes de todos os níveis, falantes nativos 
ou de segunda língua podem se beneficiar da consciência de gêneros 
além dos conhecimentos específicos sobre gêneros. Com habilidade 
para analisar os gêneros que precisarão escrever, os alunos poderão 
se envolver mais criticamente com os gêneros que encontrarem e po-
derão agir mais deliberadamente ao modelarem tudo, do propósito 
e da audiência à organização e ao estilo das sentenças. Mas nossos 
alunos não chegam a nossas salas de aula como tábulas rasas. nossos 
cursos de escrita são, de fato, espaços intermediários entre a educa-
ção básica do ensino Médio e a universidade, entre a escola pública 
e a vida pós-escola. nesses espaços intermediários, os alunos trazem 
consigo gêneros que já conhecem de outros ambientes; e, nesses espa-
ços intermediários, os alunos planejam ir adiante para espaços inte-
lectuais e profissionais que tragam gêneros que aindanão conhecem. 
Se ensinarmos aos alunos em nossos cursos como os gêneros ope-
ram, sua natureza retórica e ideológica, e as escolhas que os escritores 
podem fazer, podemos habilitá-los para adentrar esses mundos com 
uma consciência mais aguçada de seus efeitos, bem como maior sen-
sibilidade retórica e habilidade de agir efetivamente na escrita. 
Devitt também argumenta que, no processo de ensinar a cons-
ciência de gêneros, também devemos ensinar gêneros específicos 
que sirvam como fundação para aprender novos gêneros. Devemos 
ensinar o que Devitt chama de gêneros antecedentes (estendendo o 
trabalho de Kathleen Jamieson (1974) com antecedentes históricos 
101
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
para novas situações genéricas). Gêneros antecedentes são os gêne-
ros específicos com os quais se têm experiência e a partir dos quais 
se parte quando escreve um novo gênero. Mesmo se não ensina-
mos em um currículo baseado na percepção de gêneros, ensinamos 
a escrever determinados textos, sejam argumentações acadêmicas, 
trabalhos analíticos, artigos científicos, narrativas ou etnografias. 
Esses gêneros, Devitt alega, se tornam os tipos de escrita que os alu-
nos têm em seus repertórios posteriormente, gêneros antecedentes 
potenciais para futuras situações de escrita. Quando diante da es-
crita de um novo texto, os estudantes podem partir desses gêneros 
conhecidos à medida que aprendem a escrever novos gêneros. Mas 
não estamos criando uma nova caixinha de truques para os alunos; 
estamos acrescentando à caixinha que já possuem. os indivíduos 
possuem repertórios de gêneros, para usar o termo de orlikowski e 
Yates (1994), para comunicação organizacional, um grupo de gêneros 
que os indivíduos adquiriram ou aprenderam. Também há um grupo 
mais amplo de gêneros cercando o repertório de gêneros do indiví-
duo, um contexto cultural de gêneros mais abrangente do qual os 
alunos podem estar cientes mais perifericamente, não havendo pra-
ticado tais gêneros. Quando escrevem novos gêneros, os indivíduos 
o fazem em um contexto de rica intergenericidade, um contexto de 
gêneros que existe cultural, comunitária e individualmente. 
Uma vez que nossas aulas exigem que os alunos produzam no-
vos gêneros (quer sejam trabalhos analíticos de nível universitário, 
relatórios de pesquisa, narrativas ou híbridos multigenéricos), preci-
samos observar mais de perto os repertórios de gêneros já existentes 
de nossos estudantes e quais gêneros eles usam como antecedentes. 
De fato, pesquisas mostram que ensinar gêneros específicos explici-
tamente pode ser ineficaz se o conhecimento prévio não foi levado 
em consideração. Debra Myhill (2005b, p. 291) explica que o “conhe-
cimento prévio” “articula uma conceptualização do aprendizado na 
102
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
qual o aprendiz constrói a relação entre o dado e o novo”. ela defende 
(Myhill, 2005a) que ensinar gêneros explicitamente como nas escolas 
australianas e do Reino Unido nem sempre é bem sucedido se não 
se consideram os conhecimentos prévios das crianças. Sem observar 
o conhecimento prévio de gêneros, as crianças ou seguiam formas 
linguísticas sem entenderem suas funções, ou a retórica do gênero, 
ou usavam formas linguísticas “criativamente” dentro de estruturas 
gerais (MYHILL, 2005a, p.127).
A importância do conhecimento prévio para aprender novos gê-
neros também é evidente nas pesquisa sobre conhecimento prévio 
de gêneros que Tardy (2006) revisou. Tardy (2006, p.83) concluiu, 
a partir de Palmquist, que escritores “se baseiam em experiências 
prévias” com outros gêneros ao criar gêneros não familiares – e, a 
partir de Myhill, as crianças britânicas “se baseavam em vários tipos 
de conhecimento prévio”. A pesquisa deixa claro, como Tardy (2006, 
p.83) relata, que “experiências e práticas em um número de domínios 
e gêneros podem vir a influenciar experiências com gêneros pouco 
familiares”. Em outras palavras, o conhecimento dos escritores so-
bre gêneros familiares pode ajudar a escrever gêneros não familiares. 
Tardy (2006, p.83) também conclui que “experiências prévias podem, 
às vezes, todavia, inibir o aprendizado” retomando a descoberta de 
Ann Blakeslee de que “as ‘práticas residuais’ dos escritores podem, 
portanto, funcionar como obstáculos bem como estratégias”. em ou-
tras palavras, o conhecimento dos escritores sobre gêneros familiares 
pode prejudicar a habilidade de escrever em gêneros não familiares. 
Uma forma de o conhecimento prévio afetar nosso aprendiza-
do são os traços daqueles gêneros conhecidos aparecerem em no-
vos textos, uma vez que os escritores partem de gêneros conhecidos 
para escrever os novos. Nesses casos, gêneros não necessariamente 
permanecem distintos, mas podem entrelaçar-se com outros, espe-
cialmente quando os estudantes abordam gêneros não familiares 
103
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
através de suas experiências com gêneros de maior familiaridade. 
Cathy Tower (2003, p.36), por exemplo, relata que estudantes podem 
empregar “formas intermediárias de escrita” “em seu caminho para 
a competência com [um] novo gênero” e encoraja professores a acei-
tarem tais formas intermediárias como partedo processo de apren-
dizado, mesmo quando elas propiciam maior exposição aos gêne-
ros que desejam que seus alunos escrevam. De modo similar, Robyn 
Woodward-Kron (2005) vê o que denomina de gêneros embutidos/
microgêneros dentro de estruturas de gêneros mais amplas e argu-
menta que estas mostram o que os estudantes precisam trabalhar 
enquanto aprendem a fazer o tipo de escrita disciplinar exigida deles: 
a presença de gêneros embutidos como microgêneros nos 
vários argumentos em estruturas expositivas [exposição tal 
como definido pela escola australiana] sugere que os micro-
gêneros têm uma função didática, referidas nesse trabalho 
como pontes de aprendizado textual. (WooDWARD-KRon, 
2005, p.38)
Outros estudos também têm reportado que características de gê-
neros já conhecidos aparecem em textos que tentam novos gêneros, 
talvez revelando andaimes necessários, mas impactando potencial-
mente o aprendizado bem-sucedido. em seu próprio estudo, Tardy 
(2005) expõe que um pós-graduando falante não nativo usou seu co-
nhecimento de trabalhos acadêmicos para escrever sua dissertação, 
percebendo suas semelhanças, mas ainda supergeneralizando al-
guns aspectos do trabalho acadêmico na dissertação. Mike Palmquist 
(2005) descobriu a partir de entrevistas com seis estudantes escreven-
do documentos na web, que todos menos um website mostravam não 
somente as experiências dos alunos como leitores de websites, mas 
também a influência de documentos impressos que conheciam – por 
exemplo, alguns lembravam ensaios acadêmicos ou antologias literá-
104
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
rias. Apenas um estudante criou um gênero sem modelo impresso, 
e Palmquist (2005, p.232) sugere que isso se deve “muito provavel-
mente ao seu trabalho em um tipo de site que não possui um análogo 
impresso – um site comercial para um pequeno negócio”.
O conhecimento prévio sobre gêneros pode, claramente, inter-
ferir com o desenvolvimento de novas práticas de gênero pelos estu-
dantes. Melanie Kill (2004, p.12) argumenta que estudantes “sabem 
que podem se fazer legíveis em certos gêneros, e então arriscam dis-
cordância ao incorporar aqueles gêneros, mesmo quando não são, 
de outro modo, necessários”. ela continua: “a apropriação da forma 
antes da função claramente explica parte da discordância que pode 
surgir quando os estudantes começam a escrever na universidade, 
mas penso que o reconhecimento dessas questões de identidade ex-
plica ainda mais” para aquelas ações (2004, p.12). Blakeslee (1997) 
chega a uma conclusão similar ao estudar um aluno avançado de 
pós-graduação aprendendo a escrever como aprendiz (aprendizado 
situado) na composição de um artigo científico com um professor 
titular de física. O aluno estudado por ela usou gêneros mais fami-
liares, incluindo relatórios de progresso e trabalhos de conferências, 
para esboçar o artigo. ela observa que “a familiaridade dos calouros 
e seu conforto com suas habilidades e estratégias já existentes – sua 
dependência das práticas residuais – pode interferir no reconheci-
mento e uso, por parte do aluno, de novas abordagens e novas for-
mas de aprendizado” (BlAKeslee, 1997, p.133). ela conclui: “práticas 
residuais trazidas das experiências e do treinamento prévios dos alu-
nos podem se tornar estratégias importantes, e até obstáculos, con-
forme os alunos encontrem novas formas de pensar e agir em seus 
domínios” (1997, p.138). 
o grau e a dificuldade de aplicação de conhecimentos prévios 
a novas situações também varia de indivíduo para indivíduo. Reiff e 
105
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
Bawarshi (2011) encontraram alguns estudantes (atravessadores de 
fronteiras5) mais dispostos que outros a atravessar domínios de Gê-
nero. Comparando pesquisas sobre aprendizagem baseada na prá-
tica e sobre contextos instrucionais de aprendizagem, Tardy (2006, 
p.94) conclui: “ambos os contextos mostram que a a experiência ou 
a exposição prévias a gêneros podem influenciar no aprendizado de 
gênero, embora nem sempre positivamente. De outro modo, o que 
os aprendizes trazem [sic] para um novo gênero – em termos de ex-
periência, exposição, prática ou conhecimento prévio – é importan-
te, embora não possamos predizer se essas experiências anteriores 
serão positivas ou negativas”. no final, a pesquisa deixa claro que 
aprender do conhecimento prévio é, como Tardy (2006, p.84) descre-
ve, “um processo altamente individual”. 
Enquanto um número de pesquisas demonstra que estudantes 
usam o conhecimento prévio de modos úteis e pouco úteis, outro nú-
mero de pesquisas questiona se o conhecimento pode ser transferido 
de uma situação para outra e, especialmente, de um domínio para 
outro. Como Tardy (2006, p.94) escreve, os alunos têm “dificulda-
des em transferir conhecimento desenvolvido em um domínio para 
outro”. Reiff e Bawarshi (2011) também descobriram que estudantes 
geralmente não se baseiam em um domínio para escrever em outro. 
Aparentemente existem barreiras entre conhecimento de gêneros 
públicos, profissionais e pessoais (como blogs, relatórios, emails) e 
conhecimento de gêneros acadêmicos. Graham Smart (2000, p. 245) 
chega a uma conclusão similar, sugerindo que:
expertise em escrita não é facilmente transferível de um do-
mínio do discurso para outro, mesmo por profissionais alta-
mente habilidosos trabalhando dentro de uma situação ocu-
5. O termo “boundary crossers” se refere a pessoas que têm o hábito de ultrapassar os limites 
conhecidos 
106
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
pacional única. Quando atingida, a reinvenção de expertise 
requerida para suceder em um novo domínio significa apren-
der a exercer um papel em um ‘jogo’ sociorretórico não fami-
liar (para usar o termo de Wittgenstein) e envolve o desen-
volvimento de vários níveis diferentes que somente podem 
vir da experiência. 
A transferência, teórica e experimentalmente, certamente re-
quer experiência direta e conhecimento explícito, mas a questão de 
transferibilidade da consciência de gênero ainda deve ser estabeleci-
da. Movimentos entre domínios são claramente difíceis, mas e quan-
to à transferência dentro de domínios? Talvez alguns dos usos menos 
bem sucedidos de conhecimento prévio, descrito nos estudos acima, 
derivem das dificuldades de transferências entre domínios. As pes-
quisas sobre conhecimento prévio sugerem, todavia, que os estudan-
tes irão tentar usar o conhecimento prévio em novas situações. Tam-
bém pode sugerir que transferir conhecimento dentro do domínio 
acadêmico cria menos obstáculos que passar do domínio pessoal ou 
público para o acadêmico. Poderia a instrução de como transferir 
conhecimento, dentro de um contexto de ensino da consciência de 
gênero em vez de apenas gêneros específicos,, ajudar os estudantes 
a conectar o aprendizado anterior ao novo aprendizado mais facil-
mente? Tardy (2006, p.86-87) também reconhece que os achados so-
bre transferibilidade são baseados principalmente em entrevistas e 
não em textos de fato: “é possível que escritores possam transferir 
padrões particulares de discursos ou gêneros sem a consciência de 
que o fazem”, ela diz, pontuando que transferibilidade é um questão 
particularmente “desconcertante” para a pesquisa e para a pedago-
gia. Como Tardy (2006) sugere, o que mais poderia contribuir para 
resolver questões de transferibilidade são estudos longitudinais, que 
tracem o conhecimento de gênero dos estudantes através de múlti-
107
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
plos domínios e que incluam instrução de consciência de gênero e de 
como transferir o conhecimento de gêneros. 
Com tal programa de pesquisas sobre a influência do conheci-
mento prévio no aprendizado de novos gêneros, professoresdevem 
certamente se perguntar quais os efeitos que o conhecimento pré-
vio e o repertório de gêneros existentes dos alunos têm sobre o seu 
aprendizado em nossas aulas. Com esse estudo, levamos essas preo-
cupações para a aula de Devitt de escrita para recém-ingressados e 
perguntamos: quais gêneros os alunos no curso de escrita de Devitt 
já conhecem quando chegam a sua aula? e como aqueles estudantes 
usam os gêneros já conhecidos para escrever novos gêneros para a 
aula? Dado o escopo limitado do estudo, podemos relatar somente 
nossas tentativas de ganhar acesso ao conhecimento prévio sobre gê-
neros dos estudantes, para aprender quais gêneros e conhecimento 
sobre gêneros os alunos trouxeram consigo para a aula. 
Métodos
Para começar a responder essas questões, desenhamos um es-
tudo de como escritores falantes nativos, de idade universitária, re-
tomam os gêneros que conhecem quando escrevem novos gêneros 
dentro de um domínio acadêmico. Como parte desse estudo, procu-
ramos descobrir o conhecimento prévio dos estudantes de três for-
mas primárias: perguntando quais gêneros já conheciam, pedindo 
que descrevessem o que sabiam sobre os gêneros mais familiares e 
examinando seus textos para traços de conhecimento sobre gêneros. 
Reportamos aqui apenas o que os alunos declararam sobre seus co-
nhecimentos prévios e o que descobrimos daquela porção do estudo 
que pode informar e influenciar nossas tentativas de usar o conheci-
mento prévio dos alunos em nosso ensinar.
108
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
examinamos as práticas e estratégias de escrita de um grupo 
de quinze alunos universitários que completaram o curso de escri-
ta para recém-ingressados, ministrado por Devitt na Universidade 
do Kansas durante o outono de 20066. Catorze dos quinze partici-
pantes relataram que esse era o primeiro semestre em universidade 
ou faculdade, e um estudante mencionou cursos isolados em uma 
faculdade local. Dado que a matrícula no curso é controlada mais 
pela preferência dos estudantes pelo horário das aulas do que pelo 
instrutor, os estudantes representavam uma coleção razoavelmente 
aleatória de recém-ingressados, com diferentes interesses, opções de 
curso, classe social e experiência educacional7.
Durante o semestre, usando o livro Scenes of Writing (2004) de 
Devitt, Reiff, e Bawarshi, e mantendo os objetivos do programa de 
escrita do curso, os estudantes aprenderam como observar, descre-
ver, analisar cenas, situações e gêneros, fizeram análises e críticas 
de gênerose compuseram ensaios comparativos/contrastivos, artigos 
analíticos, autoavaliações e uma variedade de gêneros não acadêmi-
cos de escolha própria. De cada estudante, coletamos quatro textos 
que haviam produzido como parte de requerimentos formais do cur-
so e dois questionários acerca de suas prévias experiências com e do 
conhecimento sobre gêneros. Para capturar a escrita acadêmica que 
os alunos produziram antes do ensino explícito de gêneros no curso, 
também coletamos suas respostas a uma atividade de escrita no pri-
meiro dia de aula. essa atividade deixava o gênero não especificado, 
requerendo apenas um escrito de nível superior: “para fornecer um 
6. Originalmente, dezenove dos vinte e dois estudantes matriculados no curso (86%) concordaram em 
participar do estudo; todavia, o curso passou por reduções (três alunos). Esses três estudantes foram 
levados em consideração apenas quando examinando a informação relatada no primeiro questionário, 
mas não nas demais análises.
7. Os estudantes também representaram a universidade tipicamente com todos à exceção de um sendo 
caucasianos. Não coletamos dados demográficos.
109
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
exemplar de sua escrita, por favor, use o tempo restante da aula para 
escrever sobre o ensino médio (você poderá escolher o escolher qual-
quer abordagem ao tema que desejar)”. Tais trabalhos, escritos em 
uma única aula, deram um vislumbre de qual gênero cada estudante 
poderia escolher para escrever no domínio acadêmico dentre todos 
os gêneros de seu conhecimento – acrescido, claro, das expectativas 
dos estudantes sobre a universidade, cursos de escrita universitários 
e o professor.
Quais gêneros os estudantes relataram 
se lembrar do Ensino Médio
Em uma tentativa de descobrir o que os estudantes poderiam 
relatar como repertório prévio sobre gêneros, nós coletamos dois 
questionários nos quais os alunos relatavam os tipos de escrita que 
lembravam ter realizado no Ensino Médio e alhures, a natureza de 
tais gêneros e quais gêneros gostavam mais e menos de escrever. 
não estávamos tão interessados aqui no que os estudantes lembra-
vam ter aprendido de fato no Ensino Médio, mas o que lembravam 
ter aprendido no ensino Médio. Aplicamos o primeiro questionário 
no primeiro dia de aula, antes de qualquer aula sobre gêneros, e o 
segundo questionário no último dia de aula, pedindo aos estudantes 
para usar seus novos conhecimentos analíticos sobre gêneros para 
discorrer sobre aqueles relatados no primeiro questionário. 
na primeira pesquisa, fizemos aos alunos duas perguntas acerca 
dos gêneros que aprenderam a escrever no ensino Médio: “seus pro-
fessores podem ter pedido que escrevessem diferentes textos no en-
sino Médio. Que tipos de escrita lembra ter aprendido nas aulas de 
língua inglesa?” e “que outros tipos de escrita lembram ter praticado 
no ensino médio?”. Para ambas as perguntas, solicitamos dos alunos 
a listagem e descrição dos tipos de escrita e dos projetos de escrita. 
110
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
textos persuasivos/Ensaios 6
Pesquisas 5
Comparar e constrastar 7
Ensaios 4
Poemas/Poesia 4
trabalhos informativos 3
trabalhos comparatives 2
Estórias não ficcionais 2
trabalhos opinativos 2
trabalhos de conclusão 2
Figura 1. Os gêneros mais comuns lembrados pelos estudantes de 
seu aprendizado em aulas do ensino médio.
Os estudantes relataram um total de quarenta e dois tipos de 
escrita aprendidos no Ensino Médio nas aulas de língua inglesa. A 
Figura 1 expõe as respostas mais comuns a essa pergunta. outras 
respostas (aquelas mencionadas apenas uma vez) incluem trabalhos 
dissertativos, análise literária, escrita temporizada, contos, estórias, 
memórias especiais, artigos, cartas, vinhetas, ensaios detalhistas, 
ensaios, haiku, bilhetes, portfólio de desempenho acadêmico, resu-
mos, textos argumentativos, redações, sumários, ensaios analíticos, 
trabalhos narrativos, trabalhos descritivos, currículos e instruções. 
Além dos tipos de escrita aprendidos nas aulas de língua portu-
guesa [língua inglesa, no original] a primeira pesquisa solicitou que 
os alunos nomeassem e descrevessem os gêneros aprendidos em ou-
tras disciplinas no Ensino Médio. Os estudantes deram vinte e duas 
respostas, muitas das quais se sobrepuseram às respostas da primeira 
questão, incluindo pesquisas (2), comparar e contrastar (1), contos (1), 
111
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
persuadir (1) e narrativas (1). Os gêneros não mencionados antes inclu-
íam biografia, ensaio surpresa, diários, reflexões, documentos formais 
e escrita livre. Dois alunos também mencionaram análise, “análise 
de poesia” e “análise de um livro”. se as respostas para essa pergunta 
são combinadas com a resposta anterior, os gêneros mais comuns re-
portados pelos estudantes como aprendidos durante o Ensino Médio 
afastam-se um pouco da Figura 1 com a adição de contos e narrativas 
(ver Figura 2).
textos persuasivos/Ensaios 7
Pesquisas 7
Comparar e constrastar 6
Ensaios 5
Poemas/Poesia 4
trabalhos informativos 3
trabalhos comparatives 2
Estórias ficcionais 2
Estórias não ficcionais 2
textos persuasivos/Ensaios2
Contos 2
trabalhos narrativos/ narrativas 2
trabalhos opinativos 2
trabalhos de conclusão 2
Figura 2. Total de tipos de escrita que os estudantes lembram ter 
aprendido no Ensino Médio.
Finalmente, perguntamos que tipos de escrita os alunos haviam 
aprendido fora do ensino Médio (Figura 3). A lista de gêneros rela-
112
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
tados, claro, não representa todo o conhecimento prévio de gênero 
dos alunos. Os indivíduos conhecem bem muitos gêneros os quais 
não são pensados como “tipos de escrita”, a menos que sejam explici-
tamente levados a pensar dessa maneira (Devitt, 1991). no segundo 
questionário, ao final de um semestre de imersão em análise retórica 
de gênero e prática de uma vasta gama de gêneros, a lista de gêne-
ros que os alunos haviam vivenciado dentro e fora do Ensino Médio 
foi muito mais específica em nomenclatura e abrangeu uma gama 
maior de gêneros, incluindo cartas de candidatura a emprego, cartas 
de recomendação e discursos, por exemplo. Todavia, os alunos não 
reportaram escrever emails, cartões ou, um de nossos exemplos fa-
voritos, listas de compras. 
Poemas/Poesia 4
Currículo 3
informativo 2
Cartas 2
Contos 2
Diários 2
Estórias cômicas 1
cartas oficiais 1
Persuasivo 1
Pesquisas 1
Figura 3: gêneros mais comuns lembrados pelos estudantes como 
aprendidos fora do ensino médio.
Mesmo que pudéssemos criar uma longa lista de todos os gê-
neros que um estudante possa ter em seu repertório de gêneros, ela 
ainda não capturaria a totalidade ou riqueza do conhecimento pré-
113
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
vio sobre gêneros dos estudantes. Ter experiência com um gênero 
não significa saber tudo sobre ele, ou mesmo ser fluente no gênero. 
Aprender é sempre parcial, fragmentado, individualizado e mutável. 
Todavia, uma forma de termos pelo menos vislumbres do que a lis-
tagem de gêneros que os alunos lembram significa para os alunos 
é perguntar a eles. Assim, além de nomear os gêneros lembrados, 
pedimos aos alunos que descrevessem as qualidades desses gêne-
ros. Embora nem todos os tenham descrito ou descrito em detalhes, 
aqueles que o fizeram ofereceram insights quanto à natureza do que 
conscientemente lembravam e reportaram sobre os gêneros que vi-
venciaram.
Como os alunos descreveram os gêneros 
que conheciam
O que os estudantes relataram ter lembrado sobre os gêneros 
que escreveram no Ensino Médio, na primeira pesquisa é, de fato, 
parcial, concentrado no conteúdo e no formato em detrimento do 
propósito retórico e da audiência. A maioria dos estudantes, com 
poucas as exceções, não relatou a compreensão de seus gêneros aca-
dêmicos em termos de situações retóricas. Um estudante, eric, en-
capsula muitos dos gêneros nomeados com seu propósito: 
Persuasivo ‘tentar persuadir o leitor’
Comparar e contrastar ‘mostrar similaridades e diferenças’
Argumentativo ‘mostram lados + e –’
Redação ‘trabalho de ficção’
informativo ‘explicar’
Resumo ‘revisar’
114
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
Três estudantes mencionam e nomeiam diretamente o leitor 
como um componente ou aspecto significante do gênero: eric des-
creve o texto persuasivo como uma tentativa de “persuadir o leitor”; 
Kristen descreve o texto persuasivo como aquele no qual se “descreve 
algo com o qual se importa muito e tenta fazer seu leitor se sentir do 
mesmo modo”; e Julie caracteriza “textos descritivos” como “éramos 
pedidos para descrever por escrito um cômodo usando imagética e 
nossos sentidos. Descrever um cômodo e lembrar que o leitor não 
pode vê-lo fisicamente é desafiador”. salientamos que o propósito 
também possui um papel importante nessas descrições, tal como 
na descrição de Kristen para textos comparativos e contrastivos na 
comparação ou exposição de similaridades e na exposição ou des-
crição de diferenças. Kristen caracteriza a análise literária em fun-
ção do propósito, também, mas de modo que certamente não seria 
bem visto por seus instrutores de nível superior: você “lê um trecho 
de literatura e descreve o que houve”. Curtis pode estar criando um 
novo gênero quando descreve que o propósito do seu professor de 
ensino Médio para as tarefas escritas: “muitas vezes líamos um livro 
e respondíamos perguntas sobre questões morais dele. Algumas das 
perguntas tentavam nos preparar para a prova, outras eram apenas 
questões porque meu professor adorava ler nossos pensamentos”. Se 
excluirmos a palavra “comparar” e “descrever” apenas como consti-
tuindo uma descrição do propósito, então somente quatro dos treze 
estudantes que fizeram descrições usaram algum elemento da situa-
ção retórica para descrever pelo menos um dos gêneros com os quais 
tinham experiências anteriores.
O conteúdo dos gêneros aparece nas descrições dos estudantes 
mais comumente que elementos de situação retórica. Doze dos tre-
ze estudantes especificaram o conteúdo de pelo menos um gênero. 
Conteúdo e propósito estão combinados na descrição de Andrea de 
115
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
seu trabalho de conclusão “tínhamos que ler dois livros e compará-
-los não somente com nossas próprias palavras, mas levando a crítica 
e a opinião do autor em consideração, também”. Gail combina o pro-
pósito e o conteúdo na descrição do trabalho comparativo/contrasti-
vo: “para trabalhos comparativos[,] nós comparamos nosso tópico a 
outro com raciocínio e fatos”, mas ela reduz o trabalho de pesquisa à 
natureza de sua evidência, como “predominantemente factual”. ela 
descreve os trabalhos opinativos também em função das evidências, 
“baseado em nossa opinião”. A descrição de Felix sobre ensaios é 
exemplo específico do conteúdo, “os ensaios que escrevemos se con-
centravam nos trechos dos romances que líamos, tais como simbo-
lismo e estrutura”. O conteúdo se torna tudo quando Diane especi-
fica que trabalhos de comparação e contraste eram “sempre sobre 
um livro e um filme ou 2 livros”. e uma estudante, Rachel, não faz 
nenhuma generalização ao nomear somente o conteúdo de seu tra-
balho: “trabalho o rei das moscas, 1984”.
Três estudantes lembram o formato dos gêneros em termos vi-
vidamente específicos que deixam claro que a solicitação numéri-
ca do professor causou impacto. A descrição de Sara dos trabalhos 
persuasivos/informativos especifica que “trabalhos persuasivos/in-
formativos têm tipicamente 5 páginas, alguns com páginas de obras 
citadas etc.”. ela também nota que “escrita temporizada eram textos 
de 5 parágrafos voltados para o que estávamos aprendendo”. oliver 
lembra que o “ensaio detalhado” “[deve] incluir 10-15 citações ao lon-
go de 10-15 páginas”. ele combina esses detalhes do formato com a 
descrição do processo de escrita do que parece ser uma pesquisa: 
“incluindo 100 cartões de anotação, cada um com um fato sobre o 
autor. Vinte deviam ser citações”. o processo genérico de escrever 
um trabalho de pesquisa aparece na descrição de três estudantes. 
Quentin observa que o trabalho de pesquisa envolvia “fazer anota-
116
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
ções, bibliografia e esboços”. similarmente, Kristen explica que em 
um trabalho de conclusão, você “escolhe um tópico, faz anotações, 
entrevistas, esboços, trabalhos citados/consultados e a versão final”. 
Andrea indica alguns elementos do processo em sua descrição de 
“trabalho de conclusão”: “tínhamos que ler dois livros e compará-los 
não somente com nossas próprias palavras, mas levando a crítica e a 
opinião do autor em consideração, também”.
As memórias afetivas dos gêneros que os alunos aprenderam fo-
ram lembrados mais comumente para os assim chamados gêneros 
“criativos” (descritos poreric como “obras de ficção”). Por exemplo, 
Andrea observa “poesia era divertido. nós aprendíamos sobre di-
ferentes tipos de poesia e fazíamos um portfólio de poesia nossa e 
dos outros”. Matthew acrescenta que “os trabalhos de escrita criativa 
eram meus favoritos”. gêneros acadêmicos também tiveram memó-
rias afetivas associadas a eles, mas frequentemente mais negativas. 
Trabalhos comparativos “eram divertidos às vezes”, de acordo com 
Diane. sara declara que “trabalhos dissertativos eram particular-
mente difíceis para mim. eles tomavam mais tempo, e às vezes era 
difícil expor meu ponto de vista do jeito certo”. e Peter descreve to-
das as suas atividades de língua inglesa de forma negativo “longos, 
chatos, repetitivos. era difícil escrever sobre tópicos que não tinha 
interesse”. Claro, a pesquisa posteriormente questionou os alunos 
por quais gêneros tinham mais ou menos apreço, portanto a respos-
ta afetiva pode ter sido suscitada por nossas perguntas. 
O que fazer com essa informação na sala de aula
O nosso estudo descobriu o conhecimento prévio sobre gêneros 
dos alunos de Devitt? Certamente que não. Outro método de pes-
quisa teria conseguido relatos de outros conhecimentos sobre gêne-
ros. Grupos focais, em particular, poderiam ter lembrados os alunos 
117
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
de conhecimentos sobre gêneros que tivessem aprendido e de gê-
neros que tivessem escrito. os textos que esses estudantes escreve-
ram posteriormente também demonstraram que eles tinham conhe-
cimento de características de gêneros que não eram indicados em 
suas respostas. Mas queríamos abordar esse estudo primeiramente 
da perspectiva do professor: o que o professor poderia facilmente 
descobrir sobre o conhecimento prévio de seus alunos que pudesse 
usar para ministrar aquele curso? Qualquer combinação de métodos 
de pesquisa muito provavelmente não poderia descobrir, de verdade, 
o conhecimento prévio sobre gêneros dos alunos. O conhecimento é 
simplesmente demasiado complexo, submerso e individual. De modo 
mais relevante, pesquisas existentes sobre o conhecimento prévio 
de gêneros podem suscitar relatos de conhecimentos a que os es-
tudantes não teriam, de fato, acesso imediato em nossos cursos. Os 
estudantes poderiam alegar “saber” que trabalhos persuasivos preci-
sam persuadir o leitor, por exemplo; entretanto, sem nosso estímulo, 
primeiro se concentraram no conteúdo em detrimento de qualquer 
audiência retórica. se quisermos fazer uso do conhecimento prévio 
dos alunos em nosso ensino, precisamos fazer uso do conhecimento 
que os alunos podem facilmente ter, não o conhecimento que eles 
fingem ter para nosso benefício. se quisermos ajudá-los a transferir 
seu conhecimento prévio para novas situações em nossas aulas, pre-
cisamos começar com o conhecimento a que eles têm pronto acesso. 
Foi isso que tentamos descobrir com nosso pequeno estudo explora-
tório. Um resultado desse estudo é que conhecimento prévio sobre 
gêneros é fortemente baseado no conteúdo, com formas superespe-
cificadas e reações afetivas em afastado segundo lugar. Uma vez que 
a nossa compreensão e nosso ensino de gêneros atuais são tão reto-
ricamente baseados, fica claro, com esses pequenos resultados, que 
precisaremos trabalhar para ajudar os estudantes a verem gêneros 
primeiro e acima de tudo como retóricos.
118
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
outro resultado notável desse estudo é quão pouco conheci-
mento partilhado os estudantes trouxeram para a aula. sua atenção 
para o conteúdo era o maior aspecto em comum do grupo. Nenhum 
gênero acadêmico foi listado por sequer metade dos estudantes. 
nem um vocabulário em comum apareceu em suas descrições. no-
vamente, um método como grupos focais poderia ter resgatado mais 
conhecimento partilhado, porém os autorrelatos dos estudantes re-
gistraram pouco conhecimento de mundo em comum – ainda que 
os estudantes da universidade fossem relativamente homogêneros, 
com poucas escolas fornecendo grande parte dos estudantes. Essa 
falta de conhecimento de mundo partilhado representa uma falha 
no currículo escolar ou nos padrões educacionais do estado? Talvez, 
mas o sistema escolar do Kansas possui um currículo específico com 
gêneros específicos bem como aspectos primários a serem ensina-
dos, mesmo que tais gêneros e tal linguagem não tenham aparecido 
visivelmente em nossa pesquisa. Mais provavelmente, a falta de co-
nhecimento partilhado relatada indica uma lacuna entre instrução e 
aprendizado e a lacuna entre aprender e reter conhecimento. O cur-
rículo pode indicar gêneros e critérios, mas a menos que todos eles 
consistam de números particularmente memoráveis (20 cartões ou 
10 citações ou 5 parágrafos com 3 sentenças cada), esse estudo suge-
re que a informação não estará prontamente disponível nas mentes 
dos alunos quando trabalhando conscientemente para lembrar o que 
sabem sobre gêneros.
E o que o professor pode fazer? A pesquisa sobre conhecimento 
prévio de gêneros deixa claro que o conhecimento prévio tanto au-
xilia quanto inibe o aprendizado de novos gêneros. os estudantes 
em nossas aulas serão auxiliados e inibidos por seus conhecimentos 
prévios de gênero. Queremos ajudá-los a fazer melhor uso desse co-
nhecimento para auxiliá-los quando possível, e queremos ajudá-los 
a minimizar a quantidade de interferência causada. Dada a pouca 
119
Amy Devitt (KU) & Heather Bastian (CSS)
probabilidade de nosso acesso ao conhecimento prévio de mesmo 
um indivíduo, muito menos de descobrir como trabalhar com uma 
turma inteira de conhecimentos individuais variantes, nós provavel-
mente não poderemos desenhar um currículo baseado em conheci-
mento prévio de gêneros. o máximo que podemos fazer é estimular 
estudantes a se lembrarem de alguns conceitos previamente apren-
didos e trabalhar a partir deles. Muitos dos alunos de Devitt, por 
exemplo, quando estimulados em aula, lembraram ter escrito reda-
ções de cinco parágrafos. ela poderia usar esse conhecimento, lem-
brado por alguns alunos, para distinguir seus trabalhos analíticos 
de suas redações temáticos de cinco parágrafos, e poderia ajudá-los 
a trabalhar a partir das habilidades que haviam aprendido na escrita 
daquele gênero (tais como a redação) para desenvolver as habilida-
des das quais necessitavam (como a ideia complexa controladora). 
Mas tal instrução direta, baseada em um conhecimento prévio pres-
suposto, não ajudará todos os alunos, uma vez que nem todos os alu-
nos compartilham o mesmo conhecimento. E nem todos os alunos 
estarão aptos a transferir seus conhecimentos do ensino médio para 
a universidade com sucesso.
Uma estratégia específica pode tornar os novos gêneros que os 
alunos aprendem nas aulas em gêneros antecedentes que nós os aju-
daremos a transferir para o próximo gênero a ser aprendido em nos-
sas aulas. Se ensinarmos os alunos a escrever trabalhos analíticos, 
por exemplo, podemos usar esse conhecimento explicitamente para 
ensinar a criticar. Podemos demonstrar, dessa forma, como o conhe-
cimento prévio é transferido para novas situações prestativamente 
e como se defender dos obstáculos do conhecimento prévio. essa 
estratégia tem falhas, claro, uma vez que o conhecimento recém-
-adquirido mal foi processado como conhecimento prévio cognitivo 
e genuíno, mas talvez sirva para demonstrar aos estudantes como 
tal transferência pode ocorrer. Mais significativamente, ela enfatiza 
120
Algumas ideias para ensinar novos gêneros a partir de velhos gêneros
que precisamos ensinar consciência de conhecimento prévio sobre 
gêneros como parte do ensino da consciência de gêneros.
Enquanto não temos dúvidas da importância do conhecimento 
prévio para o aprendizado, ficamos a imaginar como usar os achados 
dessa pesquisano ensino. Se não podemos saber o que os estudan-
tes sabem, como podemos ajudá-los a usar tal conhecimento para 
aprender? Se não podem necessariamente transferir o conhecimen-
to para uma nova situação sem orientação, e não podemos guiá-los 
porque não sabemos o que sabem, como irão aprender a maximizar 
os benefícios e minimizar os empecilhos do conhecimento prévio? 
nossa resposta final a essas questões não é tão desanimador quanto 
provavelmente parece. Podemos estar aptos a ensinar a percepção 
da influência do conhecimento prévio para que os alunos comecem a 
perceber quando estão recorrendo a estratégias ou gêneros já conhe-
cidos. Podemos estar aptos a ensinar algumas estratégias de trans-
ferência, as quais poderão ser usadas independentemente do conhe-
cimento prévio que tentem transferir: por exemplo, notar a situação 
retórica subjacente ao novo gênero e salientar o que é similar e o que 
é diferente do que já se encontrou antes. Uma vez que o conteúdo 
parece se destacar no conhecimento sobre gêneros dos alunos de De-
vitt, poderíamos ter trabalhado para ver o grande número de gêne-
ros que recorrem a conteúdos similares e os elementos retóricos que 
modelam esse conhecimento. na melhor das hipóteses, poderíamos 
adicionar ao nosso currículo de gêneros a compreensão consciente 
do conhecimento prévio para acrescentar à compreensão consciente 
de gêneros. Consciência não é tudo, mas pode ser tudo que temos. 
rEFErênCias
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“Penso que toda a minha 
pedagogia de alguma forma foi 
moldada por uma consciência 
de gênero. Como fui me 
tornando cada vez mais 
consciente dos gêneros, 
essa consciência teve um 
efeito cada vez maior em 
moldar meu pensamento sobre 
o ensino.”
— Charles Bazerman. Série Bate-Papo Acadêmico. v.1 
Gêneros Textuais. Recife, 2011. Disponível para acesso 
em: http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/volumes
123
5
Memórias literárias: reflexões 
sobre práticas de escrita1
BeTH MARCUsCHi2 (UFPe)
Introdução
Nas duas últimas décadas, temos observado, no Brasil, uma 
efervescente produção relacionada à pesquisa sobre gêneros (textu-
ais e discursivos), incluindo-se aí publicações de autores nacionais e 
de traduções para o português. Para exemplificar, indicamos algu-
mas das obras mais recentes que trazem a palavra gênero no título3: 
“gênero: história, teoria, pesquisa e ensino”, Bawarshi e Reiff (2013); 
“gêneros textuais, tipificação e interação”; “gênero, agência e escri-
ta”; “escrita, gênero e interação social”, Bazerman (2005; 2006; 2007); 
“gêneros textuais e cognição”, Bonini (2002); “gêneros do discurso 
na escola”, Brandão (2000); “gêneros textuais: teoria e prática”, Cris-
tovão e nascimento (2004); “gêneros textuais & ensino”, Dionisio, 
Machado e Bezerra (2002); “gêneros textuais, reflexões e ensino”, 
Karwoski, gaydeczka e Brito (2011); “gêneros: reflexões em análise 
do discurso”, Machado e Mello (2004); “Produção textual, análise de 
1. Essa é uma versão revista do artigo “A escrita do gênero memórias literárias no espaço escolar: desafios 
e possibilidades”, publicado nos Cadernos Cenpec. São Paulo, v.2, n.1, p.47-73, julho 2012. 
2. E-mail para contato: bethmufpe@gmail.com.
3. Apesar de não trazer a palavra gênero no título, que aparece somente numa das seções da obra 
publicada em português, não podemos deixar de citar, por sua relevância na área, o texto “Os gêneros 
do discurso”, em Estética da criação verbal, de Bakhtin/ Voloshinov (1997).
124
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
gêneros e compreensão”, Marcuschi (2008); “Hipertexto e gêneros 
digitais”, Marcuschi e Xavier (2004); “gêneros textuais e práticas dis-
cursivas”, Meurer e Motta-Roth (2002); “gêneros: teorias, métodos, 
debates”, Meurer, Bonini e Motta-Roth (2005); “gênero textual, agên-
cia e tecnologia”, Miller (2012); “gêneros textuais: da didática das lín-
guas aos objetos de ensino”, nascimento (2009); “gêneros orais e es-
critos na escola”, schneuwly, Dolz e colaboradores (2004a); “gêneros 
literários”, soares (2007). Certamente, há muitas outras produções, 
em livros, coletâneas e revistas, com ou sem a expressão gênero dis-
cursivo ou gênero textual no título que tratam da temática, mas os 
exemplos citados nos parecem suficientes para destacar o expressivo 
espaço que a questão tem recebido nos estudos da linguagem e, mais 
especificamente, no ensino de língua materna e estrangeira. 
Também não podemos deixar de reconhecer que a publicação dos 
Parâmetros Curriculares nacionais (PCn) para o ensino Fundamen-
tal, 3º e 4º ciclos (BRAsil, 1998) e para o ensino Médio (BRAsil, 1999), 
o estabelecimento de critérios para um Programa nacional de Ava-
liação de livros Didáticos – PnlD (BATisTA, 2003), a consolidação 
do exame nacional do ensino Médio – eneM (ineP, 2005), a ampla 
divulgação da olimpíada de línguaPortuguesa escrevendo o Futuro 
(doravante Olimpíada)4, dentre outras políticas educacionais, deram 
visibilidade e força ao estudo dos gêneros associado às práticas sociais 
como orientador dos eixos de leitura, produção de texto escrito, orali-
dade e conhecimentos linguísticos no ensino de língua materna.
no presente trabalho, nosso objetivo é trazer algumas contribui-
ções para a abordagem dos gêneros, mais precisamente dos gêneros 
vinculados ao discurso das memórias literárias, na sua relação com as 
práticas extraescolares, bem como do gênero memórias literárias em 
4. Informações detalhadas a respeito do programa estão disponíveis em: www.escrevendoofuturo.org.
br/conteudo/a-olimpiada/o-que-e-a-olimpiada Acesso em 10/03/2015.
125
Beth Marcuschi (UFPE)
seu contexto de sala de aula. A escolha do gênero memórias literárias 
na relação com a escola está diretamente ligada ao crescente espaço 
a ele destinado nacionalmente no contexto da olimpíada, aspecto 
que favoreceu nosso acesso a materiais que orientam sua proposta 
de ensino, via sequência didática, bem como a textos produzidos por 
alunos do sétimo e do oitavo anos5. 
Para darmos conta da empreitada, debatemos, nesta introdução, 
conceitos básicos para a investigação, tais como as noções de gênero 
textual, produção escrita e processo de didatização. No item subse-
quente, exploramos o funcionamento dos gêneros associados ao dis-
curso das memórias literárias, na relação com as práticas sociais nas 
quais esses gêneros se acham inseridos. Em seguida, trazemos para o 
debate as escolhas realizadas pelos alunos na elaboração de seus tex-
tos, tendo em vista as condições de produção disponibilizadas para 
os aprendizes nos materiais pedagógicos da olimpíada. nas Consi-
derações Finais, apontamos os desafios e as possibilidades que estão 
postos, à escola, agência de letramento por excelência em nossa cul-
tura, na abordagem dos gêneros como perspectiva estruturante dos 
objetos de ensino nas aulas de língua materna e, em particular, no 
tratamento pedagógico do gênero escolar memórias literárias. 
Bazerman, cujos trabalhos influenciaram largamente os estudos 
sobre gêneros no Brasil, nos ensina que “os gêneros são os lugares 
familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas 
inteligíveis uns com os outros e são os modelos que utilizamos para 
explorar o não-familiar” (BAzeRMAn, 2006, p.23). Assim, frente a 
contextos próximos, nos sentiremos, na maioria das vezes, mais con-
fortáveis e confiantes social e cognitivamente no uso de gêneros que 
frequentam o nosso cotidiano privado, profissional, institucional 
5. Os textos analisados no presente trabalho foram escritos em 2010. Detalhes sobre o corpus analisado 
são apresentados na seção 3 deste artigo.
126
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
etc. Por sua vez, diante de situações pouco corriqueiras, os gêneros 
que nos são familiares serão acionados para orientar nossas ações 
de linguagem, tendo em vista os propósitos interacionais que nos 
movem. essas reflexões nos remetem à convicção de que o processo 
de escrita não se dá no vazio social, não é a-histórica, não ocorre à 
revelia de contextos culturais. Ao contrário, envolve sempre gêneros 
e sujeitos situados em práticas sociais das esferas pública e privada. 
na perspectiva da nova Retórica (MilleR, 2012; BAzeRMAn, 2006, 
dentre outros), os gêneros são tidos como construções sociais que os 
sujeitos vão aprendendo e processando em função de suas necessida-
des. Nesse sentido, no dizer dos autores, os gêneros envolvem ações 
interlocutivas que organizam a vida das pessoas. Há, com certeza, 
práticas que dominamos com mais destreza, por integrarem nossa 
rotina, enquanto noutras não seremos tão fluentes. Um publicitário, 
por exemplo, conhece bem os gêneros textuais que circulam na es-
fera midiática, mas poderá não ter o mesmo domínio dos gêneros do 
âmbito do judiciário. Já um juiz estará, possivelmente, mais familia-
rizado com a escrita de sentenças e cartas precatórias do que com a 
elaboração de anúncios e jingles. 
Daí decorre, que, no processo de escrita, os gêneros, ao mes-
mo tempo em que colocam para os sujeitos condições de produção 
diferenciadas, deles requerem uma compreensão do contexto situ-
acional e um repertório heterogêneo e variado de estratégias dis-
cursivas (MARCUsCHi, B., 2010). De fato, o autor precisa levar em 
conta, consciente ou inconscientemente, para quem, com que obje-
tivo, sobre o que escreve; o tom (irônico, polido, formal, informal, 
crítico, conciliador etc.) que deseja imprimir ao seu texto; o suporte 
(livro, revista, jornal, encarte, mídia) em que o texto irá circular; 
os princípios básicos da textualização (progressão, articulação, co-
esão, coerência), dentre outras peculiaridades. Ele deve igualmente 
127
Beth Marcuschi (UFPE)
considerar que os gêneros não funcionam linearmente e, em graus 
bastante distintos, tanto impõem regularidades, quanto demandam 
escolhas e improvisos no contexto das práticas sociais. Deste modo, 
para ficarmos apenas num exemplo, o preenchimento de um formu-
lário, em função de seus objetivos burocráticos, certamente coloca 
restrições mais salientes para o sujeito do que a elaboração de uma 
crônica, que oferece um espaço maior de escrita autoral. 
essas breves reflexões apontam para questões relevantes que ne-
cessitam ser dimensionadas pela escola. Para Bazerman (2006, p. 53), 
“a sala de aula de escrita é um fórum complexo”, para onde adentram 
gêneros “que fluem de instituições vizinhas”. Por sua vez, como nos 
alertam schneuwly e Dolz (2004b), na sala de aula, o gênero textual 
não é observado como constitutivo das práticas sociais apenas, mas é, 
ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem. Assim, no trabalho 
pedagógico com os gêneros textuais, professores e alunos encontram-
-se num lugar social em que o espaço, o tempo e as ações discursivas 
do gênero de referência são comprimidos tanto espacial quanto tem-
poralmente e funcionam de modo distinto daquele em que o gênero 
costuma circular. O gênero torna-se, portanto, dadas as condições 
escolares, em ‘gênero a aprender’. Como destacam os autores,
para compreender bem a relação entre os objetos de lingua-
gem trabalhados na escola e os que funcionam como refe-
rência é preciso, então, de nosso ponto de vista, partir do 
fato de que o gênero trabalhado na escola é sempre uma va-
riação do gênero de referência, construída numa dinâmica 
de ensino-aprendizagem, para funcionar numa instituição 
cujo objetivo primeiro é precisamente este (sCHneUWlY e 
Dolz, 2004b, p. 81). 
128
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
Para dar conta do desafio de tratar o gênero textual como objeto 
de ensino, sem, contudo, desvirtuar sua prática social de referência, 
os encaminhamentos pedagógicos precisam ser cuidadosa e adequa-
damente conduzidos. embora alguns procedimentos didáticos se-
jam potencialmente generalizáveis, outros são bem mais específicos 
e devem levar em conta as características próprias do gênero, bem 
como as possibilidades de subvertê-las. Uma das conclusões que se 
pode extrair dessas ponderações iniciais é que o ensino de gêneros 
entendidos como constitutivos das práticas sociais não pode estar 
relacionado a um roteiro fixo de atividades. no nosso estudo, são os 
textos produzidos pelos estudantes, por ocasião da olimpíada, edi-
ção 2010, na relação com o gênero de referência e com as condições 
de produção oferecidas aos aprendizes, que nos indicam os ganhos 
obtidos e os obstáculos enfrentados por professores e alunos no de-
correr do processo de ensino-aprendizagem do gênero focalizado. 
Antes de nos debruçarmos sobre o contexto da sala de aula, so-
bre os materiais pedagógicos disponibilizadospela olimpíada, bem 
como sobre os textos elaborados pelos alunos, exploramos, na próxi-
ma seção, o funcionamento, no contexto de diferentes gêneros que 
circulam nas práticas sociais não escolares, do discurso envolvido 
nas memórias literárias. 
 
Gêneros, discurso e memórias literárias 
no contexto de práticas sociais diversas
 
Podemos dizer que, em graus variados de abrangência, os mais 
variados gêneros possibilitam uma visada sobre contextos sócio-his-
tóricos passados, sem, contudo, se configurarem necessariamente 
como literários. Por sua vez, há igualmente textos literários que não 
se ocupam de questões vinculadas às lembranças das pessoas. os 
129
Beth Marcuschi (UFPE)
gêneros relacionados às memórias literárias, como tentaremos deixar 
claro, contemplam essas condições discursivas: a remissão a tempos 
antigos, desde uma perspectiva contemporânea, e a valorização da 
singularidade e da estética literária. 
o desejo de compreender o universo e seus fenômenos, preser-
var o passado e manter as tradições da comunidade, via memórias 
dos mais sábios e experientes, transmitidas oralmente de geração 
em geração, sempre obcecou as sociedades humanas, desde seus pri-
mórdios. Daí a abundância de narrativas, mitos e lendas que flores-
ceram no período. Para lima (2007, p. 276), as sociedades ágrafas 
dependiam basicamente 
de sua memória para, ao longo do tempo, reter e transmitir as 
representações que lhes eram convenientes de perdurar. Para 
isso, utilizavam recursos como a dramatização, personaliza-
ção e artifícios narrativos diversos, a fim de que as represen-
tações tivessem mais chances de sobreviver em um ambiente 
composto quase unicamente por memórias humanas.
Com o advento da escrita, as pessoas começaram a fixar na pe-
dra, na madeira, no tecido, no pergaminho, no metal, no papel e 
em outros suportes, as ações, as invenções, as tragédias, as artes, os 
sentimentos humanos, entre outros acontecimentos, simples ou de 
maior magnitude. Assim, graças ao empenho de nossos obstinados 
antepassados, hoje dispomos de registros em razoável quantidade 
dos saberes e bens culturais construídos ao longo dos séculos pela 
humanidade. esses registros nos permitem, a partir de um inevitável 
ponto de vista contemporâneo, analisar, conhecer, estudar, pesqui-
sar e tentar reconstruir as mais diversas práticas sociais de períodos 
passados. É, em função desse potencial, que nos atrevemos a afirmar 
que a capacidade latente de acionar práticas discursivas diversas e 
130
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
de favorecer a recuperação e a investigação de contextos sociais mais 
antigos parece estar subjacente (em menor ou maior extensão) aos 
mais variados gêneros. 
Tomemos, como exemplo para respaldar nossas ponderações, 
o anúncio que, no século XiX, veiculava no Diario de Pernambuco 
(DP), a venda de “Uma maquina para copiar cartas, e uma burra tudo 
em bom estado: no Trapiche novo n.176”6. o anúncio do jornal tanto 
nos permite, hoje, reconstruir alguns dos costumes e necessidades 
sociais da época7, como nos oferece pistas a respeito da composição 
textual e da função sociocomunicativa8 assumidas pelo gênero anún-
cio no período (para ficarmos somente em dois aspectos, dentre os 
muitos que poderiam ser aprofundados). As condições de produção 
por nós reconstruídas nos possibilitam extrair algumas conclusões 
sobre o anúncio do DP: sua autoria não é identificada9; à época em 
que foi publicado, ele certamente remetia a uma ação retórica atual 
(oferecer um produto para venda) e não de tempos idos; parte do 
léxico nele utilizado não é mais de uso corrente e, para uma melhor 
compreensão do anúncio, hoje, precisa ser explicado e contextuali-
6. Diario de Pernambuco, Recife, 29 de agosto de 1842. Anúncio reproduzido na coluna “Os pequenos 
anúncios curiosos do Diário”, do mesmo jornal, em 16 de março de 2011, página A3. 
7. Os costumes e necessidades do período precisariam ser melhor aprofundados e pesquisados, o que 
não é nosso objetivo aqui, mas é possível supor que ‘cartas’ eram escritas e distribuídas em quantidade 
razoável por certas instâncias (comércio, escritórios, judiciário, por exemplo), daí a ajuda que uma 
máquina poderia oferecer. Também é possível inferir que objetos valiosos eram cuidadosamente 
armazenados, por isso a expectativa de que uma ‘burra’ (caixa ger. de madeira em que se guardavam e/
ou transportavam coisas diversas, esp. valores, dinheiro etc.; cofre, dentre outros significados, segundo 
o Houaiss, Grande Dicionário da Língua Portuguesa) encontrasse compradores.
8. Sabe-se que os jornais, à época, tinham circulação restrita, mas também que o DP gozava de 
grande prestígio na Região. Portanto, pode-se inferir que o anúncio se dirigia a pessoas com razoável 
proficiência em leitura, conhecimento da linguagem quase cifrada da publicidade, algum poder 
aquisitivo etc.; percebe-se ainda, pela expressão “tudo em bom estado”, que o anúncio cuidava de 
destacar as qualidades que poderiam valorizar os produtos.
9. O que ‘personaliza’ o anúncio é a indicação do endereço, mais precisamente, do “Trapiche” (espécie de 
píer pequeno e de madeira associado a um armazém para embarque, desembarque e comercialização 
de mercadorias) em que os produtos se encontravam à venda.
131
Beth Marcuschi (UFPE)
zado. Esses aspectos (por sua presença ou ausência), dentre outros, 
são de significativa relevância na caracterização do gênero memórias 
literárias, como veremos adiante. 
Consideremos, na continuidade de nossas reflexões, um trecho 
extraído de um artigo acadêmico, de autoria declarada:
Até os séculos ii-iii d.C., ‘ler um livro’ significava normal-
mente ler um rolo: pegava-se o rolo com a mão direita, desen-
rolando-o progressivamente com a esquerda, a qual segurava 
a parte já lida; acabada a leitura, o rolo permanecia enrolado 
na mão esquerda. Essas diversas fases, bem como certos ges-
tos e atitudes complementares, são largamente demonstrados 
nas representações iconográficas, sobretudo nos monumen-
tos funerários. neles encontramos o rolo que é seguro com a 
mão direita, enquanto a esquerda começa a desenrolá-lo, na 
fase inicial da leitura; (...) o rolo aberto no tipo chamado da 
‘leitura interrompida’, seguro com apenas uma mão que, reu-
nindo os dois cilindros nas extremidades, deixa livre a outra 
mão; (...) o rolo, enfim, novamente enrolado, seguro pela mão 
esquerda (CAVAllo, 1998, p. 78; ênfases do autor). 
 
no trecho em questão, guglielmo Cavallo, conhecido palentólo-
go e historiador italiano, descreve o que significava ‘ler um livro’ nos 
primeiros séculos depois de Cristo. O autor escreve, em princípio, 
para seus pares, e fala sobre “certos gestos e atitudes complemen-
tares” à leitura, de sujeitos que viveram há séculos atrás, em Roma. 
Esses atos, apesar de estarem localizados num passado distante, são 
apresentados como plenamente exequíveis (condição tida como re-
levante numa pesquisa científica), pois, no entender de Cavallo, são 
“largamente demonstrados nas representações iconográficas”. o vo-
cabulário do artigo em sua tradução para o português é atual e de 
fácil compreensão, apesar do uso de alguns poucos termos técnicos 
mais sofisticados e específicos da área. 
132
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
As condições de produção do artigo acadêmico e do anúncio, aqui 
brevemente alinhavadas, são bastante distintas. Por ser de interesse 
para o nosso estudo, é importante, no entanto, trazermos à tona duas 
características comuns aos dois gêneros textuais: ambos permitem 
recuperar, por caminhos discursivos totalmente distintos, aconteci-
mentos constitutivos de nossa memória cultural, seja local ou uni-
versal; e ambos se distanciam de gêneros da esfera literária,pois não 
lidam com o ficcional e também não evidenciam uma preocupação 
de natureza estética. Considerando a segunda característica, direcio-
nemos então nossa atenção para o contexto discursivo da literatura. 
Gêneros como conto, romance, poema, crônica etc. são rotineira-
mente vinculados à esfera literária, enquanto gêneros como anúncio, 
receita culinária, reportagem, artigo científico etc. não o são. Apesar 
dessa constatação aparentemente simples e óbvia, não há consenso, 
nem entre os teóricos da literatura, nem entre os críticos literários, 
nem entre os aficcionados pela literatura, e nem entre os usuários de 
modo geral, sobre quais fenômenos essencialmente determinam as 
fronteiras da literariedade de um texto. estabelecer esses limites não 
é tarefa simples, nem talvez possível. Conforme Paulino (2005, p. 57), 
“o ponto de equilíbrio entre o que une e o que separa práticas cultu-
rais nunca foi fácil de encontrar”. A noção de literariedade constitui, 
não há dúvida, um conceito complexo, polissêmico, histórica e cul-
turalmente situado, e, ao debatê-lo, não é nossa pretensão esgotá-lo, 
nem estabelecer uma dicotomia entre o literário e o não literário, 
mas simplesmente situar a perspectiva aqui assumida. 
Cosson nos ajuda a refletir sobre a noção de literatura, ao dar 
saliência ao lugar único por ela ocupado em relação à linguagem. 
Para o autor, cabe à literatura “(...) tornar o mundo compreensível 
transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, 
sabores e formas intensamente humanas” (COSSON, 2006, p. 17), 
133
Beth Marcuschi (UFPE)
bem como proporcionar um modo peculiar “de inserção no mundo 
da escrita, posto que conduz ao domínio da palavra a partir dela 
mesma” (soUzA; Cosson, 2011, p. 102).
Paulino (2005, p. 60), por sua vez, nos ensina que “o texto lite-
rário, além de acumular esteticamente muitos outros textos, revela 
e questiona também convenções, normas e valores sociais”, pressu-
pondo, nos papéis de autor e de leitor, sujeitos que se posicionam 
sobre o mundo. Complementarmente, entendemos que o gênero li-
terário “tem como uma de suas características principais a ficciona-
lidade” (JAgUARiBe, 2007, p. 221-222), ou seja, embora se assente no 
real, seu discurso sobre o mundo pode subverter a lógica tida como 
natural. Mais explicitamente, os gêneros da literatura se distinguem 
(embora essa distinção nem sempre seja simples de ser identificada) 
dos gêneros de outras práticas sociais por uma certa transgressão do 
real, por um olhar próprio e reflexivo dos acontecimentos históricos 
e sociais, pelo uso mais intenso de recursos estilísticos da lingua-
gem, pela aspiração de provocar experiências estéticas, éticas, ideo-
lógicas etc. no leitor presumido. Como destaca Paulino, nos gêneros 
da esfera literária,
os automatismos de percepção textual do leitor passariam 
para um segundo plano, embora, por outro lado, os protoco-
los culturais estabeleçam limites e regras para as suas ações, 
como estabelecem para as textualizações. institui-se assim 
um jogo entre tais protocolos e o caráter difuso, alógico, do 
imaginário, configurado e mobilizado pela ficção. Cria-se, ao 
mesmo tempo, uma ponte e um abismo entre um real social 
representado ficcionalmente – representação esta que, entre 
outras dimensões sociais, impõe uma necessidade de inter-
pretação coerente pelo leitor – e a dimensão imaginária en-
volvida na leitura (PAUlino, 2005, p. 60).
134
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
Há, certamente, um conjunto expressivo de gêneros da esfera 
literária que atendem aos parâmetros elencados e precisamos ir em 
busca de outros critérios, se quisermos distingui-los entre si, se qui-
sermos, mais precisamente, caracterizar os gêneros que atendem às 
memórias literárias. observemos, por exemplo, que, no âmbito so-
cial, há uma expectativa de que certas temáticas e/ou peculiaridades 
discursivas estejam mais relacionadas a determinados gêneros lite-
rários do que a outros. 
Assim, por sua tipificação sócio-histórica no âmbito das práticas 
sociais (BAzeRMAn, 2005; 2006; 2007), os relatos de experiências 
simples do cotidiano são comumente relacionados a crônicas literá-
rias; as narrativas envolvendo um ensinamento moral e animais com 
propriedades antropomórficas a fábulas; as narrativas que exploram 
a relação do homem com o mundo e procuram explicar, de maneira 
mágica, os fenômenos da natureza, o surgimento do mundo e do 
universo a mitos etc. Como se percebe, os gêneros citados não são, 
em primeiro plano, associados à recuperação, no presente, de lem-
branças antigas atravessadas pelo imaginário do autor e, por essa 
razão, não atendem a uma das especificidades mais esperadas no 
discurso das memórias literárias. 
As memórias literárias têm como propósito sociocomunicativo 
mais saliente recuperar, numa narrativa escrita de uma perspectiva 
contemporânea, vivências de tempos mais remotos (relacionadas a 
lugares, objetos, pessoas, fatos, sentimentos, valores etc.), experien-
ciadas pelo autor (ou que lhe tenham sido contadas por outrem, mas 
que lhe digam respeito), numa linguagem que se configure como um 
ato discursivo próprio e recrie o real, sem um compromisso com a 
veracidade ou com a magnitude das ocorrências. De fato, o distan-
ciamento temporal e as mudanças de valores, experiências e desejos 
a ele associadas inevitavelmente levam o memorialista a reconfigu-
135
Beth Marcuschi (UFPE)
rar as passagens que as lembranças trazem à tona. Recordar é, assim, 
adicionar ao passado detalhes e cores que (provavelmente) não esta-
vam lá, mas que foram sendo elaborados e reconfigurados ao longo 
dos tempos. Como bem aponta Saramago, na obra em que resgata 
histórias de seus primeiros quinze anos de vida,
a criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em 
que se tornou seria tentado a imaginá-la desde a sua altura de 
homem. A criança, durante o tempo que o foi, estava simples-
mente na paisagem, fazia parte dela, não dizia nem pensava, 
por estas ou outras palavras: ‘Que bela paisagem, que magní-
fico panorama, que deslumbrante ponto de vista!’ (...) Já não 
existe a casa em que nasci (...). essa perda, porém, há muito 
tempo que deixou de me causar sofrimento porque, pelo poder 
reconstrutor da memória, posso levantar em cada instante as 
suas paredes brancas, plantar a oliveira que dava sombra à en-
trada, abrir e fechar o postigo da porta e a cancela do quintal 
(...). (sARAMAgo, 2006, p. 13-16, ênfases do autor).
nas práticas sociais, a noção de memórias literárias tem delimi-
tações difusas e opacas e pode ser entendida como um discurso que 
atravessa tanto gêneros de maior fôlego (como na obra “Anarquis-
tas, graças a Deus - Memórias”, de zélia gattai; ou no romance “o 
filho eterno”, de Cristóvão Tezza), quanto de menor extensão (como 
no poema “Confidência do itabirano”, de Carlos Drummond de An-
drade). Em qualquer dos casos, o(a) autor(a) retoma lembranças por 
ele(a) vivenciadas ou a ele(a) relatadas, opera com múltiplas vozes, 
ao narrar as ocorrências em primeira pessoa, preferencialmente, ou, 
por delegação do narrador, em terceira pessoa, e assume graus de 
ficcionalidade diversos. não há, nas memórias literárias, um compro-
misso com a fidelidade histórica, nem com os acontecimentos mais 
grandiosos ou proeminentes, mas com as vivências que afetam a me-
136
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
mória afetiva, a memória involuntária e a memória dos sentidos. É 
importante, por isso mesmo, distinguir esses gêneros relacionados às 
memórias literárias da autobiografia. Essa retrata preferencialmente 
momentos e aspectos de uma vida que, por diferentes razões, se tor-
nou célebre, via depoimentos pessoais, e que, “através de algumaspistas textuais – como nomes completos de familiares, localizações 
temporais e espaciais mais específicas – propõe ao leitor um pacto 
autobiográfico” (CoRRÊA, 2007, p.166). 
o tempo e a experiência de vida vivida parecem ser os gran-
des aliados do memorialista, pois é preciso primeiro viver para de-
pois narrar. Talvez por isso, o memorialista se configure, via de regra, 
como uma pessoa madura, de olhar atento, capaz de, na relação com 
as práticas culturais, reelaborar os acontecimentos de sua história de 
vida, reconstruir acontecimentos arquivados na memória, sem se im-
portar e até lidando com o fato de que, a qualquer momento, a memó-
ria pode traí-lo, levando-o a inventar e lapidar cenas e cenários.
É bastante significativa a passagem em que Pedro nava, um dos 
mais reconhecidos memorialistas brasileiros, revela, em seu roman-
ce “Balão Cativo”, muito do seu processo de maturação. o autor se 
define como um
menino, moreno, tímido, meio sonso que se esgueirava en-
tre os grandes e gostava de ficar pelos cantos olhando tudo, 
ouvindo tudo, guardando tudo, tudo. Armazenando na me-
mória (meu futuro martírio) os fragmentos de um presen-
te jamais apanhável, mas que ele sedimentava e ia socando 
quando eles caíam mortos e virados no passado de cada ins-
tante (nAVA, 1977, p. 228). 
em seu estudo sobre Pedro nava, Aguiar (1998, p. 17) nos revela 
a postura de arquivista do escritor, que guardava “documentos de 
137
Beth Marcuschi (UFPE)
família, fotografias, cartas, diários, bilhetes, frases soltas, citações de 
livros etc.”. Aguiar também nos ajuda a compreender a importância 
da etapa de ‘garimpagem’ dos acontecimentos passados no processo 
de escrita de nava, pois nem tudo que está no ‘baú das memórias’ 
será retomado, e nem tudo que será retomado tem um compromisso 
com o real: 
Para nava, rememorar é dar vida aos desaparecidos no tem-
po, assim como escrever sobre eles é convertê-los em matéria 
literária. As figuras mortas deixam a sua condição ‘de reali-
dade’ e saltam para a configuração de personagens. De algum 
modo, rememorar está para o documento – aqui no sentido 
de ‘pura lembrança’ – assim como dar vida nova aos mortos 
está para a ficção, no sentido de lembrança transfigurada pela 
criação artística. Combinados, os dois processos explicam a 
arte do escritor das Memórias (...). Como não poderia deixar 
de ser, a fonte principal do trabalho literário de nava é ele 
mesmo, ou seja, sua capacidade de operacionalizar criativa-
mente a própria memória. Contudo, esta somente, sem apoio 
da documentação e do método, não o teria levado tão longe 
(AgUiAR, 1998, p. 17-18, ênfases do autor).
Poderíamos acrescentar ainda que a subjetividade criadora de 
nava está estreitamente relacionada ao seu contexto sócio-histórico; 
às práticas sociais familiares; à convivência intensa com o Modernis-
mo e com os escritores marcantes da literatura brasileira do período; 
ao espaço que ele passou a ocupar no contexto literário nacional, 
após a eclosão tardia, aos 65 anos, de sua obra. 
No âmbito da Olimpíada Escrevendo o Futuro, as condições de 
produção textual são didatizadas e ensinadas para os alunos via ofi-
cinas, na perspectiva metodológica das sequências didáticas propos-
tas pela escola de genebra, mais especificamente, por Dolz, nover-
138
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
raz e schneuwly (2004) e Dolz, gagnon e Decândio (2010). Assim, as 
memórias literárias, no contexto da olimpíada, além de absorver os 
efeitos discursivos das memórias, são tratadas como um gênero em 
si mesmo, com traços mais definidos e transparentes dos que os até 
aqui debatidos. nesse trabalho de transposição didática, o gênero 
assume um novo e decisivo contorno: as ‘memórias’ não são propria-
mente do narrador/autor do texto (aluno), mas de uma terceira pes-
soa, cuja perspectiva, todavia, precisa ser assumida pelo narrador/
autor (aluno) em primeira pessoa. Desse modo, cabe ao aprendiz, 
com base no tema previamente delimitado, ir em busca de memórias 
de pessoas mais velhas da comunidade, que se configurem como in-
teressantes para os propósitos previstos pela olimpíada. em seguida, 
o estudante deve relatá-las como se fossem suas próprias memórias, 
ou seja, em primeira pessoa. Trata-se, pois, de um processo bastante 
complexo para jovens escritores ainda em processo de formação e 
que, por isso mesmo, precisa ser devidamente dimensionado e enca-
minhado no decorrer das atividades de didatização.
no próximo item, buscamos explicitar como os alunos cuida-
ram desta e de outras questões relacionadas à produção das memó-
rias literárias no contexto de um concurso.
 
Os textos de memórias literárias elaborados 
por alunos no contexto escolar
Para a construção da análise que se segue, foram lidos 385 tex-
tos do gênero memórias literárias elaborados por alunos de sétimo e 
oitavo ano do ensino Fundamental participantes da olimpíada da 
língua Portuguesa Escrevendo o Futuro10, edição 2010. 
10. A Olimpíada é uma iniciativa do Centro de Estudos em Pesquisas em Educação, Cultura e Ação 
Comunitária–CENPEC, Ministério da Educação e Fundação Itaú Social. A amostra, organizada pelo 
139
Beth Marcuschi (UFPE)
Ao longo de uma sequência didática, organizada em dezesseis 
oficinas ministradas pelos professores no primeiro semestre de 201011, 
os alunos foram sendo preparados, como anunciado anteriormente, 
para a realização de uma tarefa bastante específica: redigir um texto 
do gênero memórias literárias que trouxesse à tona as vivências de 
moradores da comunidade (em primeira pessoa e em linguagem li-
terária); atendesse ao tema “o lugar onde vivo”12; levasse em conta os 
leitores das várias etapas (municipal, estadual, regional e nacional) 
da olimpíada; considerasse determinados critérios de textualidade 
(coesão, progressão e coerência próprias à lógica interna da narrati-
va) e as convenções da escrita. Vê-se que as condições de produção 
disponibilizadas no espaço escolar para o aluno, a começar pelas mo-
tivações para a escrita (participar de um concurso), delimitação do 
gênero a ser elaborado (no caso, memórias literárias) e do tema a ser 
desenvolvido (O lugar onde vivo), são bastante distintas daquelas que 
se apresentam nas práticas sociais extraescolares. essa divergência é 
um dos desafios enfrentados pela didatização dos gêneros textuais, 
pois a escola precisa operar com uma espécie de modelo do gênero de 
referência a ser ensinado, enquanto, nas práticas sociais, esse mesmo 
gênero está sujeito a variabilidades de natureza sócio-histórica, cul-
tural e até mesmo estrutural. 
CENPEC, representa equitativamente os diferentes municípios, regiões e escolas do país envolvidos nas 
atividades da Olimpíada de 2010.
11. As oficinas foram efetivadas com base em materiais pedagógicos sobre o gênero memórias literárias 
elaborados e disponibilizados pelo CENPEC, a saber: “Caderno do Professor ‘Se bem me lembro...’” 
(ANDRADE; ALTENFELDER; ALMEIDA, 2010), com orientações para o ensino da escrita do gênero em 
pauta; “Coletânea: memórias literárias”, com os textos de memórias completos trabalhados nas oficinas; 
e CD-ROM, contendo textos da coletânea e outros complementares em duas modalidades: áudio ou 
para impressão/apresentação em Datashow.
12. O tema é estabelecido pelo concurso e deve ser desenvolvido por todos os participantes, 
independentemente do gênero textual envolvido na escrita.
140
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
Tendo em vista as condições de produção estipuladas pelos ma-
teriais da olimpíada, os comentários sobre os textos dos aprendi-
zes a seguir apresentados estão organizados em três grandes focos: 
atendimento ao gênero textual, ao tema e à organização textual. não 
há, ao longo daanálise, uma preocupação com informações estatís-
ticas, mas sim com dados indiciários que contribuam para reflexões 
a respeito das decisões e dos percursos assumidos pelos alunos no 
decorrer de suas produções. 
O gênero memórias literárias e os textos dos alunos 
 
Como adiantamos anteriormente, para dar conta do gênero me-
mórias literárias, no contexto da olimpíada, o aluno deveria: 1) recu-
perar lembranças sobre o passado cultural da localidade pela pers-
pectiva de um antigo morador; 2) apresentar as reminiscências por 
ele recolhidas como se fossem suas, ou seja, escrever uma narrativa 
em primeira pessoa; e 3) cuidar para que o texto entremeasse aconte-
cimentos reais e ficcionais, com uma linguagem própria e pertinente 
à esfera da literatura, buscando envolver o leitor. na amostra anali-
sada, poucos textos atendem aos três critérios elencados. em grande 
parte, os textos reconstroem lembranças de tempos antigos, mas na 
forma de constatações e depoimentos objetivos. Por sua vez, o ponto 
de vista narrativo oscila entre a primeira e a terceira pessoa, enquan-
to o entrelaçamento realidade/ficção e o uso da linguagem literária 
são bastante restritos. Vejamos alguns exemplos13.
13. Os nomes dos estudantes, das pessoas entrevistadas por eles e das localidades a que se referem 
foram retirados. A estrutura e a organização formal dos textos foram mantidas tal como no original, mas, 
por uma questão de espaço, não são reproduzidos na íntegra. Os cortes estão devidamente indicados 
por sinais gráficos. 
141
Beth Marcuschi (UFPE)
Exemplo 1
Custo a acreditar que tudo aquilo que por nós, a molecada de mi-
nha infância, era tido como um paraíso, hoje já não o seja mais. É 
a influência do progresso... Tenho saudades daqueles tempos em 
que simplicidade das coisas e o valor a natureza, mesmo frente às 
dificuldades da vida, prevaleciam sempre. o meu paraíso se en-
contrava em uma pacata localidade do interior do Paraná, [nome 
do município], cidade que carrega em si traços bastante visíveis da 
colonização dos imigrantes poloneses, alemães e ucranianos. Me 
lembro bem de cada trilha que era percorrida por mim e por meus 
amigos A. e M. ... em cada folha de árvore, misturado ao cheiro da 
mata, predominava o cheiro do poeirão. Toda vez era assim, e cada 
uma delas parecia única, no meio da trilha sentíamos um “click” 
que nos chamava para o mesmo lugar: a belíssima cachoeira [...], 
rio que ficava próximo de minha casa. lá brincávamos até o sol 
nos abandonar. (...) Comparado, aos tempos de minha infância, 
[nome do município] mudou muito. Hoje vivo com minha esposa 
e filhos procurando passar a eles um pouco dos ensinamentos que 
tive e do valor representado pelas coisas mais simples da vida (...). 
Memórias do sr. B. K por V.K., aluna-autora.
o aluno/autor do texto reproduzido no exemplo 1 elaborou com 
êxito uma narrativa em primeira pessoa. As lembranças resgatadas 
se reportam a vivências pessoais e à “pacata localidade”. Para carac-
terizá-la, o narrador salienta, por exemplo, a beleza da cascata, a pro-
ximidade do rio, o “cheiro da mata” e os “traços bastante visíveis da 
colonização dos imigrantes poloneses, alemães e ucranianos”. São 
detalhes esparsos, que apelam aos sentidos (olfato, visão, audição) e 
que, mesmo sendo parcimoniosamente desdobrados, permitem ao 
leitor acompanhar as reminiscências do autor e elaborar uma ima-
gem sobre a topografia, o cotidiano e as brincadeiras do lugar. A lin-
guagem literária se faz presente, ainda que de forma episódica, no 
142
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
uso de metáforas e outras figuras de linguagem, como nos trechos: 
“o meu paraíso”; “toda vez era assim, e cada uma delas parecia úni-
ca”; “sentíamos um ‘click’ que nos chamava”; “lá brincávamos até o 
sol nos abandonar”. 
As evidências de uma narrativa ficcional que, em alguns mo-
mentos, perpassam as memórias do exemplo 1, sofrem, no entanto, 
uma quebra de continuidade ao término do texto. Há uma espécie de 
‘retorno a uma realidade objetiva’ (comparado, aos tempos de minha 
infância, [nome do município] mudou muito. Hoje vivo com minha 
esposa e filhos procurando passar a eles...), o que causa prejuízos ao 
envolvimento do leitor com o gênero. Por sua vez, na indicação final 
de que as recordações são de ‘B. K’, enquanto a elaboração textual 
é de ‘V.K.’, a didatização do trabalho com as memórias fica bastan-
te saliente. Como não se espera que alunos adolescentes já tenham 
acumulado vivências próprias, passíveis de serem retomadas na for-
ma de memórias, a recomendação pedagógica de levar os alunos a 
buscarem contato com pessoas mais experientes da comunidade e 
de resgatarem suas reminiscências é, certamente, produtiva. No en-
tanto, a objetivação dessas informações, sem a desejável integração 
das múltiplas vozes no discurso, acaba por distanciar o texto escolar 
das memórias literárias do espaço social. Para o aprendiz, essa é cer-
tamente uma condição de complexa operacionalização no encami-
nhamento da produção textual, que necessita ser cuidadosamente 
conduzida.
 
Exemplo 2
o texto a seguir relata praticamente quase toda história de B. C. 
ele gostou de relembrar junto a mim os acontecimentos e histó-
rias do passado. “Quando era pequeno, aí pelos 5 anos, éramos 
pobres. As famílias eram grandes com aproximadamente 9 ir-
143
Beth Marcuschi (UFPE)
mãos. lembro que sempre íamos a igreja sem calçados, pois não 
tínhamos condições de comprá-los. (...). Com 7 anos eu era obri-
gado a ir buscar leite na comunidade de 37 [nome da comunidade] 
e depois ia para a escola. (...). naquela época não existia telefone 
e o meio de transporte era o cavalo. Depois surgiu um ônibus 
velho movido a lenha. (...). Íamos aos bailes a pé, a uma distância 
de 8 km. Mais tarde foi comprado um caminhão e íamos em todo 
lugar com ele. era uma felicidade só! (...)”. Hoje ele é feliz e adora 
todos e eu me senti muito feliz por poder ser seu confidente nesta 
história. Texto escrito por g.l.M., aluno-autor, com base no de-
poimento de B. C., 75 anos.
 
o aluno/autor inicia o texto apresentando seu entrevistado/ 
narrador/personagem, B.C. em seguida, o aluno passa a palavra para 
B.C. (estratégia adequadamente reforçada pelo uso das aspas), que 
desenvolve então sua fala em primeira pessoa. Quase ao término do 
texto, as aspas são fechadas e o aluno reassume sua voz. Mesmo com 
alguns problemas na organização textual, o aluno faz uso de uma 
estratégia discursiva bastante plausível no âmbito do gênero memó-
rias literárias, ou seja, demarca as vozes de quem fala no discurso e 
garante que as reminiscências propriamente ditas sejam relatadas 
em primeira pessoa. o estranhamento que fica para o leitor, no en-
tanto, é que o autor não é parte integrante das memórias, nem mes-
mo como um personagem coadjuvante. ele está ali mais como um 
espectador encarregado de registrar depoimentos, tal como aconte-
ce no texto do exemplo 1.
A caracterização do local feita por B.C., via contexto familiar 
(éramos pobres; as famílias eram grandes), práticas sociais mais fre-
quentes (íamos a igreja; era obrigado a ir buscar leite; ia para a escola; 
íamos aos bailes a pé) e serviços públicos disponíveis ou ausentes 
(não existia telefone e o meio de transporte era o cavalo; ônibus mo-
vido a lenha; íamos em todo lugar com ele [caminhão]), ajuda o leitor 
144
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
a construir uma imagem sobre o dia a dia na comunidade. Todavia, 
elementos ficcionais e próprios da linguagem literária, que poderiam 
tornar a narrativa mais vibrante e envolvente, e menos fragmentada 
e reificada, não se fazem presentes no texto. o término do texto ba-
sicamente reproduz a estratégia já comentada no exemplo 1. Há uma 
quebrana expectativa do leitor, ainda que (e isso é importante de ser 
ressaltado) a estratégia fique dentro dos limites postos pelos mate-
riais pedagógicos da olimpíada. 
Exemplo 3
Como sempre quis saber como era antigamente, talvez por curio-
sidade – tive o privilégio de poder participar deste maravilhoso 
trabalho de pesquisa conhecimento e sabedoria entrevistando o 
meu avô, então em uma determinada data peguei uma caderneta 
e um lápis e me passei por jornalista perguntando ao meu avô 
A.A.R., de 67 anos e sua companheira A.s.o. de 63 anos, algumas 
perguntinhas da lista que fiz. Comecei questionando como era o 
nosso município, disseram que a cidade era muito simples, estrada 
de chão, poucas casas, uma igrejinha: nossa senhora Aparecida. 
Meu avô disse até que ele tinha estudado em uma escolinha (...). 
Perguntei se existia luz elétrica, segundo ele luz só tinha em casa 
da antiga firma: [nome da firma] e quem não tinha só usavam lam-
piões, a água utilizada era de poços artesianos, da bica ou com-
pravam de carroceiros. Disseram que as moças só iam aos bailes 
acompanhadas com os pais (...). Então perguntei se os tempos de 
hoje são melhores do que antigamente. Responderam com a maior 
certeza, de que hoje é muito melhor do que antes (...). Quando 
parei de entrevistá-los fiquei muito feliz, pela sabedoria dos mais 
velhos e pela incrível evolução que o município de [nome da cida-
de] preserva.
 
A proposta dos materiais da olimpíada de realizar um conjunto 
de atividades anteriores à produção das memórias literárias acabou 
145
Beth Marcuschi (UFPE)
se tornando parte integrante do relato dos alunos, como no caso do 
exemplo 3 (sempre quis saber como era antigamente; pude participar 
deste maravilhoso trabalho de pesquisa; peguei uma caderneta e um 
lápis; me passei por jornalista; perguntinhas da lista que fiz; comecei 
questionando; quando parei de entrevistá-los). Assim, apesar do aluno 
se reportar a algumas características do lugar (cidade era muito sim-
ples; estrada de chão; poucas casas; uma igrejinha) e práticas sociais 
(tinha estudado em uma escolinha; luz só da antiga firma; uso de lam-
piões; água de poços artesianos, bica ou carroceiros; moças iam aos 
bailes com os pais), o texto distancia-se do gênero memórias literá-
rias. O aluno dedica-se muito mais a relatar uma situação de entre-
vista e revela alguma dificuldade em operar com as múltiplas vozes 
introduzidas no discurso. Mais precisamente, o aprendiz não con-
cede a palavra aos entrevistados, mas assume ele próprio o papel de 
mediador das trocas de falas, demarcadas por verbos de elocução ou 
declarativos, como perguntar, dizer, questionar, acrescentar, contar. 
Por essa estratégia, as reminiscências são relatadas, pelo viés do dis-
curso indireto, de forma fragmentada. Há quebra, como se percebe, 
na articulação e no ritmo do texto, bem como na estrutura narrativa. 
Tal como no exemplo 2, o aluno também não recorre à literariedade 
e à ficcionalidade no desenrolar de seu texto, capacidade que, sem 
dúvida, se apresentou como um dos grandes desafios enfrentados 
pelos estudantes na escrita do gênero solicitado. 
 
O tema O lugar onde vivo e os textos dos alunos
 
No desenvolvimento do tema O lugar onde vivo (estabelecido 
pela Olimpíada para todos os gêneros), os aprendizes foram orienta-
dos, no caso da escrita das memórias literárias, a realizar entrevis-
146
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
tas14 com antigos moradores locais e a buscar, junto aos entrevista-
dos, informações particulares, interessantes, pitorescas e relevantes 
sobre a comunidade em épocas passadas. Para tanto, no decorrer das 
entrevistas, os alunos deveriam empenhar-se em conseguir detalha-
mentos a respeito dos modos de viver do passado, das transforma-
ções físicas ocorridas no local, de profissões que deixaram de existir, 
de eventos marcantes, por exemplo. 
Assim, no atendimento à temática, o momento da entrevista 
pode ser tido como o mais crucial do processo, pois, por serem muito 
jovens, os estudantes não possuem, eles próprios, lembranças dife-
renciadas sobre um passado mais remoto de sua localidade. A en-
trevista seria, neste sentido, a ocasião mais propícia, senão a única, 
para que os alunos recolhessem subsídios que, associados a eventos 
ficcionais, lhes permitissem ter o que dizer sobre a vida na localida-
de, nos tempos de outrora. 
Em função dessas condições, a escolha adequada da pessoa a ser 
entrevistada cresce em relevância, pois ela deveria não apenas co-
nhecer histórias antigas do lugar, mas também saber contá-las com 
vivacidade e envolvimento, de modo a motivar os aprendizes a re-
construir a narrativa apresentada com um enfoque pessoal e do pon-
to de vista literário. Além disso, a própria preparação da entrevista 
deveria receber um espaço considerável no encaminhamento peda-
gógico do processo de escrita do texto solicitado, pois perguntas que 
simplesmente ‘não rendem’, ou seja, que não estimulam o entrevis-
tado a falar, ou ainda perguntas desviantes (não direcionadas para o 
tema em questão), tendem a oferecer pouco material para registro. 
na amostra de textos explorada, embora, via de regra, reminis-
cências sejam recuperadas, em grande parte elas ficam restritas à 
14. De preferência, a entrevista deveria ser efetuada na escola, como indicado na p. 108 do “Se bem 
me lembro... Caderno do professor”. 
147
Beth Marcuschi (UFPE)
esfera privada do autor/narrador, sem que um elo mais consistente 
com o lugar seja estabelecido. Deste modo, acabam retratando as-
pectos rotineiros, mas não singulares, aspectos situados num lugar 
genérico e sem identidade própria. observemos os exemplos 4, 5, e 
6, a seguir.
 
Exemplo 4
Há muitas lembranças de meu tempo de criança que guardo em 
meu peito até hoje e levarei comigo a vida toda, mas nenhuma me 
emociona tanto quanto a de minha boneca de pano. (...). Durante 
toda minha infância, esses domingos deliciosos [de almoço com 
toda família] se repetiam, mas um deles sempre estará mais mar-
cado no meu coração, porque nesse eu ganhei (...) a minha preciosa 
boneca emília. (...). Hoje, já adulta e mãe (...) a bonequinha emília 
ainda está guardada em meu quarto e quando eu a abraço sinto 
novamente o cheirinho e a energia de toda aquela feliz vivência 
(...). (Texto elaborado a partir da entrevista com M.C.C.C., 31 anos, 
moradora do bairro [nome do bairro]
Exemplo 5
“(...) sou o filho mais velho de oito irmãos e meus pais, J.M.A. e 
J.A.A., são nordestinos. (...) nasci ali e cresci ajudando meu pai 
na lida das lavouras. Aos 15 anos, saí à procura de uma nova vida, 
pois ali não tínhamos opção de trabalho e eu queria muito cres-
cer profissionalmente. saí pelos caminhos do sertão nordestino só 
com algumas roupas na mala e dormindo pelas estradas”. (...). Esta 
história é da vida do meu avô que viveu 83 anos já faz 10 anos que 
ele veio a falecer. (...). saudades vovô J.M.A., quantas saudades. J.P. 
V.P. [aluno-autor].
148
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
Exemplo 6
Viajando pelo tempo, voltando ao passado, navegando nas lem-
branças do sr. J., pessoa humilde, batalhador, com uma história 
de vida incrível. (...). Meados de 1929, quando tinha 8 anos, já era 
um garoto que ajudava o pai no campo, e ainda arranjava um tem-
pinho para brincar de “boizinho” que era uma brincadeira onde 
ele pegava frutas como: manga, goiaba etc. enfiava gravetos simu-
lando as pernas do boi e se sentia um grande fazendeiro, com sua 
fazenda “abarrotada de gado”. (...). lembro-me da minha primeira 
professora Dna D. e de sua palmatória que me castigava todas as 
vezes que me atrasei para ir a escola (...).Texto escrito com base no 
depoimento do sr. J.B.s., conhecido como sr ‘J.’ de 89 anos.
 
os exemplos 4, 5 e 6, associadosaos exemplos 1, 2 e 3, são bas-
tante representativos do que a amostra de textos nos proporciona 
em termos da abordagem temática. Assim, ora as produções trazem 
informações pontuais sobre características da localidade (textos 1 a 
3), ora fogem ao tema proposto, por apresentarem reminiscências 
que tangenciam o contexto cultural e os valores do lugar onde vivem 
os narradores (textos 4 a 6), muito em função das informações pro-
curarem espelhar a realidade, sem movimentos de aproximação em 
direção ao inventado e sem preocupação com o resgate da lingua-
gem literária. 
no texto 4, o foco temático está voltado para os almoços de do-
mingo e a boneca que a moradora ganhou em certa ocasião; no texto 
5, o tema central é a história de vida do avô do aluno-autor, da in-
fância à vida adulta, transcorrida em lugares diferentes; no texto 6, 
ainda há uma recuperação interessante de algumas das brincadeiras 
de infância do sr. J.B.s, mas o restante do texto não constrói para 
o leitor memórias literárias do local em que o entrevistado vivia. É 
possível que, nos casos dos textos 4 a 6, as entrevistas não tenham 
149
Beth Marcuschi (UFPE)
sido bem conduzidas, ou ainda que as pessoas não tenham sido ade-
quadamente selecionadas, em termos do subsídio que poderiam ofe-
recer para a escrita do aluno. no exemplo 4, a moradora tinha apenas 
31 anos à época da entrevista, idade insuficiente para que ela pudesse 
maturar e relatar casos mais interessantes sobre a cidade, para além 
de suas vivências nos almoços em família e seu apego à boneca. no 
exemplo 5, não houve propriamente entrevista, pois, segundo o au-
tor relata, as reminiscências são do avô, falecido há dez anos. no 
exemplo 6, o aluno informa que o morador tem “uma história de vida 
incrível”, mas esta narrativa não se expande para a caracterização de 
peculiaridades da história cultural da comunidade na qual o entre-
vistado e o entrevistador estão inseridos.
As condições de textualidade e os textos dos alunos 
no âmbito da textualidade, se considerados os materiais peda-
gógicos da olimpíada, esperava-se que os alunos redigissem textos 
que atendessem à coesão, à articulação e à progressão, de forma a ga-
rantir a coerência esperada no gênero ensinado e, por esse caminho, 
ajudassem o leitor a atribuir um sentido ao texto. Para tanto, seria 
importante que o aluno-autor estivesse atento, entre outros aspec-
tos15, ao manejo adequado da retomada dos referentes, ao emprego, 
quando necessário, de conectores, ao uso de tempos verbais e indi-
cadores espaciais que recuperassem adequadamente as épocas e os 
lugares reportados nos textos. outro aspecto a ser levado em conta 
seria a observância às convenções da escrita, tendo em vista que a 
situação comunicativa pressuposta – participação em um concurso 
de âmbito nacional – exigia uma cuidadosa releitura, revisão e, even-
15. Outros fenômenos, além dos aqui citados compõem a textualização. Preferimos, no entanto, nos 
ater aos indicados, por serem os mais salientes nos textos dos alunos. 
150
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
tualmente, também uma reescrita dos textos. os exemplos inseridos 
na sequência nos ajudam a compreender como os textos dos alunos 
se apresentam quanto aos fenômenos mencionados.
Exemplo 7
nasci em [nome do município] em um período que as coisas eram 
muito diferentes de hoje, naquela época namorar era um assunto 
muito sério (...). Outro assunto da minha época era a vida difícil, 
muitas pessoas morriam de doenças que ninguém conhecia ou de 
fome, nós tínhamos de trabalhar na roça (...). em 1958 houve a 
maior seca já vista nesta região nem sei como nós sobrevivemos, 
porque as roças não deram sequer um pé de arroz ou de feijão. (...). 
Eu lembro das danças daquela época como a dança de São Gonça-
lo, a família toda gostava de participar, íamos de jumento, os pe-
quenos iam no grajau16 e os maiores iam no meio da cangalha e nós 
íamos a pé, outra coisa diferente era o jeito das roupas, eu gostava 
de comprar algodão para fazer redes e algumas peças de roupas.
Para que um texto progrida17, é importante que as informações 
novas sejam ancoradas em referentes anteriores, de forma que o lei-
tor não perca o ‘fio da meada’. este cuidado não se fez presente de 
modo satisfatório nos textos estudados na amostra. Com relativa fre-
quência, os autores elaboraram grandes listagens das reminiscências 
que lhes foram contadas, sem a preocupação de organizá-las numa 
narrativa coerente e articulada.
no exemplo 7, o narrador informa seu local de nascimento e, em 
seguida, indica como aconteciam os namoros. Posteriomente, sem 
estabelecer qualquer vínculo com o assunto ‘namoro’, explicita a di-
16. Pequenos cestos.
17. A progressão pode ocorrer de forma diferenciada, tendo em vista o gênero textual, o espaço social 
em que o texto irá circular, o leitor presumido, o conhecimento de mundo partilhado etc.
151
Beth Marcuschi (UFPE)
ficuldade causada, na época (não situada), pelas mortes provocadas 
por doenças desconhecidas ou mesmo pela fome. o texto prossegue, 
introduzindo ocorrências que guardam pouca relação entre si. Do 
ponto de vista temporal, a única referência disponível é o ano de 
1958, quando, segundo informa o texto, “houve a maior seca já vis-
ta na região”. Todavia, na sequência, o narrador diz lembrar-se “das 
danças daquela época”, das quais “a família toda gostava de partici-
par”. A qual época refere-se o narrador? Provavelmente não à mesma 
em que ocorreu a grande seca, mas isso não é esclarecido. E mais, 
os fatos relatados foram vivenciados quando o narrador era criança, 
jovem ou adulto? esta é uma questão que o leitor não consegue resol-
ver, sobretudo quando se considera o trecho: “íamos de jumento, os 
pequenos iam no grajau e os maiores iam no meio da cangalha e nós 
íamos a pé” (ênfases acrescidas).
Exemplo 8
(...) quando lembro do tempo em que era jovem recordo de muitas 
coisas diferentes. o jeito de namorar era uma delas, eu de um lado 
minha mãe do outro e meu namorado perto de mim. Gostava de 
frequentar a escola, minha professora era muito brava. (...). Minha 
mãe costurava, fazia balaios (...) ela também preparava as refei-
ções, elas eram feitas num fogão a lenha. Eu usava vestidos longos 
abaixo do joelho. Comprava tecidos para fazer os vestidos, os teci-
dos e outras coisas era comprado nos armazéns. O relacionamento 
com meus pais havia muito respeito com eles, com os idosos e 
também com as demais pessoas. Aos domingos eu sempre reu-
nia com meus vizinhos ou parentes para almoçar-mos juntas. (...). 
A maioria das pessoas morava na zona rural assim como minha 
família em pequenas casas. A escola que eu estudava era muito 
simples. eu e meus colegas sentávamos em bancos e em dupla. o 
hospital da cidade tinha poucos recursos. (...). 
152
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
no texto 8, a autora introduz vários referentes, sem articulá-los 
entre si. Com isso, vai deixando lacunas que dificultam a construção 
da progressão textual. observa-se que, do assunto “jeito de namorar”, 
o narrador passa para o prazer de “frequentar a escola” e, de forma 
aparentemente contraditória, justifica este prazer pelo fato da “pro-
fessora ser muito brava”. na sequência do texto, depois de apontar as 
atividades desenvolvidas pela mãe (costurava, fazia balaios, preparava 
as refeições), a jovem se reporta aos ‘vestidos longos abaixo do joelho’ 
que usava. em seguida, o foco temático passa do relacionamento res-
peitoso com os pais e idosos para as reuniões de domingo, e deste para 
a constatação de que as pessoas moravam, em sua maioria, na zona 
rural. evidenciando mais uma vez a quebra na progressão temática, a 
aluna retoma o tópico ‘escola’ e, posteriormente, declaraque “o hos-
pital da cidade tinha poucos recursos”. Pode-se supor que a aluna foi 
exposta a variadas informações sobre a biografia do entrevistado e 
não conseguiu dar uma unidade à narrativa (ou não foi devidamente 
orientada para isso), tangenciando a articulação temática. outro fator 
que dificulta a integração das várias passagens numa compreensão 
global é a ausência da contextualização temporal.
Exemplo 9
Eu, meus três irmãos, minha irmã e meus pais, vivíamos uma vida 
simples, (...) eu e meus colegas adorávamos brincar de pular corda, 
pega-pega. (...). Na escola, eu e minha irmã nem tínhamos muita 
roupa para vestir, então vestíamos as roupas iguais e o povo da 
escola ria muito, mas nada disso nos importava, pois nossa família 
vivia unida e adorávamos ir ao sítio da minha avó afinal, o ar de lá 
é muito puro, bebíamos leite de vaca, subíamos nos pés de frutas 
e havia muita plantação de roça. O momento mais marcante foi 
na minha formatura, onde todos nós, da nossa classe e os meus 
professores fizemos uma viagem de navio e tivemos um almoço 
153
Beth Marcuschi (UFPE)
muito especial. Esse dia foi inesquecível... Houve também um dia, 
na sala de aula, que uma professora chegou a quase me bater com 
a régua, só porque eu desenhei no caderno afinal, naquela época 
o ensino era muito rigoroso. o namoro na minha juventude era 
muito respeitoso, agora hoje em dia muitas coisas mudaram... (...).
 
Tal como nos exemplos anteriores, há pouca articulação entre as 
informações. Algumas delas, inclusive, parecem não guardar qualquer 
relação com a anterior nem com a subsequente. Assim, após um rela-
to a respeito da ‘vida simples e das brincadeiras da infância’, a aluna/
autora declara que ‘ela e a irmã não tinham muitas roupas para vestir, 
mas isso não importava, pois a família era unida e adorava ir ao sítio 
da avó beber leite e subir nos pés de frutas’. Do sítio da avó, a jovem 
passa para o momento da formatura, para, em seguida, retornar a um 
fato transcorrido em sala de aula, provavelmente antes da formatura, 
sem que, ao longo deste percurso, seja providenciada a devida con-
textualização. Fica-se com a impressão de que, no processo de produ-
ção, o aprendiz elimina as perguntas preparadas para a entrevista e 
compõe seu texto apenas justapondo as respostas, sem atentar para a 
importância de articuladores adequados ao gênero. Em função destas 
quebras, as ideias ficam soltas e a tessitura textual sofre prejuízos. 
Reflexões finais 
embora o contato com histórias de vida seja bastante frequente 
na faixa etária em que se encontram os alunos do 7º e do 8º ano do 
ensino Fundamental, a familiaridade dos aprendizes com os gêne-
ros da escrita nos quais circulam o discurso das memórias literárias 
é bastante restrita. Também a experiência com a transposição de 
narrativas da oralidade vivenciadas por terceiros para a autoria em 
primeira pessoa, igualmente na modalidade escrita, é escassa. Con-
154
Memórias Literárias: reflexões sobre práticas de escrita
sidere-se ainda que, nas práticas sociais, as memórias literárias apa-
recem associadas a autores mais experientes e maduros e a gêneros 
de maior fôlego, como romances, ainda que sejam perceptíveis em 
outros, como poemas e contos. 
no contexto pedagógico da olimpíada, todavia, o discurso e o 
gênero memórias estão estreitamente entrelaçados, e vinculados, so-
bretudo, a narrativas curtas, na produção escrita, e a fragmentos de 
romance, na leitura. Aparecem também associados a um tema fixo 
que deve ser alimentado por entrevistas nem sempre pródigas em 
subsídios para o desenvolvimento da tarefa. Assim, a tensão provo-
cada por um certo distanciamento entre as práticas sociais extraes-
colares e as práticas de sala de aula poderia, pelo menos em parte, 
explicar a dificuldade encontrada por muitos alunos no desenvolvi-
mento do gênero memórias literárias, tal como solicitado nas condi-
ções de produção da Olimpíada. 
Por outro lado, retomando as palavras de Bazerman, para quem 
“os gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos para 
criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os 
modelos que utilizamos para explorar o não-familiar” (BAzeRMAn, 
2006, p.23), na medida em que os jovens envolvidos com a escrita das 
memórias literárias frequentemente estão bastante familiarizados 
com narrativas orais, caberia à escola recorrer a esse conhecimento 
para ajudar os alunos a “explorar o não-familiar”, que é justamente 
o registro escrito dessas memórias num texto direcionado para as 
práticas sociais públicas não-escolares. 
É importante lembrar que, para muitos aprendizes, o trabalho 
nas oficinas, no âmbito da olimpíada, representou/a, provavelmen-
te, o primeiro contato sistematizado com a elaborada estratégia dis-
cursiva de lidar com as múltiplas vozes do discurso; a primeira opor-
tunidade de ampliar, de modo consequente, sua bagagem de leitura 
155
Beth Marcuschi (UFPE)
literária; e uma das poucas chances de desenvolver competências de 
escrita para interagir com leitores virtuais, bem como de se expor à 
crítica na posição de autor, para além da sala de aula. 
Assim, na superação das questões identificadas, a olimpíada 
tem uma importante contribuição a oferecer. De fato, a natureza de 
sua proposta é bastante promissora, pois se constitui num trabalho 
que investe na formação de um aluno capaz de colocar-se no papel 
de um leitor crítico do seu próprio texto, sem perder de vista as prá-
ticas sociais em que o gênero produzido irá circular. 
Ressalte-se ainda que a capacidade para a produção de textos 
dos jovens autores não será construída com a realização de uma úni-
ca sequência didática visando à aprendizagem de um único gênero. 
Por isso mesmo, a participação na olimpíada precisaria ser vista por 
alunos e professores como uma significativa oportunidade a mais, 
mas, certamente, não exclusiva, de trabalho com a escrita. em suma, 
a Olimpíada oportuniza um momento rico de formação, que pode 
ser transposto para a prática pedagógica de escrita de outros gêneros 
textuais e de outros temas.
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“gênero pode ser aplicado a 
qualquer tipo de artefato ou 
qualquer tipo de declaração 
que possa ser visto como 
um enunciado significativo, 
portanto, não está 
imediatamente ligado a um 
texto. Outra diferença é que 
a delimitação do gênero o 
torna diferente do texto, 
a menos que se especifique 
um texto único completo.”
— Charles Bazerman. Série Bate-Papo Acadêmico. v.1 
Gêneros Textuais. Recife, 2011. Disponível para acesso 
em: http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/volumes
159
6
gêneros e a construção 
do discurso ambiental de 
campanha de conscientização
MARiA ClAR A CATAnHo CAVAlCAnTi1 (iFPe)
Introdução: a propaganda, suas funções 
e o ambientalismo
não é novidade que vivemos uma época de crise ambiental. Pelo 
menos, é essa a ideia sociológica que as mídias nos transmitem. essa 
é uma construção discursiva típica da nossa época; se é uma reali-
dade histórica, física ou geográfica, não podemos comprovar, nem 
é esse o nosso interesse, mas não podemos negar que é uma mar-
ca da atual modernidade. Preferimos chamar “atual modernidade” e 
não “pós-modernidade”, pois concordamos com giddens (1991, 2002, 
2003) quando afirma que vivemos o auge da modernidade, a Alta 
Modernidade, para usar o termo do sociólogo inglês. Modernidade 
Tardia ou Alta Modernidade é a nomenclatura utilizada por ele para 
designar as características histórico-sociais que a própria Moderni-
dade adquiriu nos últimos cinquenta anos. 
As questões ambientais marcam e afligem a atual modernidade, 
e uma das maiores tensões envolve o ato de consumir, o qual é um 
dos mais conflituosos para quem produz, manipula ou adquire um 
bem, uma vez que essas atitudes, diante da crise ambiental que vi-
1. claracatanho@gmail.com IFPE – Campus Recife – DAFG 
160
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
vemos hoje, envolvem reflexões tanto das empresas quanto dos con-
sumidores. esse é um conflito típico da Alta Modernidade e envolve 
o conceito de reflexividade, ou seja, é quando a Modernidade, longe 
das certezas trazidas pela razão iluminista, avalia suas próprias ins-
tituições sociais.
Vejamos essas questões, e outras mais, a partir da análise de 
dois textos. são duas propagandas em vídeo: uma, comercial; outra, 
institucional (ou não!).
Exemplo 01. [re]pense Panasonic – 2012
imagem 1 imagem 2
imagem 3 imagem 4
Você já parou pra pensar que natureza e tecnologia podem 
conviver em harmonia? Repense. A Panasonic lança a pri-
meira fábrica Eco Ideas de Eletrodomésticos do Brasil. É 
a tecnologia japonesa em harmonia com a nossa natureza. 
Repense suas escolhas. Panasonic – ideas for life.
161
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
Optamos por fazer um recorte nas cenas e selecionamos as qua-
tro imagens acima. o texto oralizado, entretanto, foi reproduzido na 
íntegra. Esse é um dos vídeos da campanha [re]pense, da Panaso-
nic, que foi ao ar no ano de 2012.A campanha apresenta aos consu-
midores perguntas que os levam a refletir sobre os critérios de escolha 
de produtos, passando a considerar também o impacto ambiental que 
tais produtos geram durante a produção e o uso. As peças publicitá-
rias dessa campanha possuem como identidade visual as cores branca 
e azul, uma vez que fazem parte da logomarca da Panasonic, como 
podemos observarcom a imagem da arara na publicidade de geladeira 
transcrita acima (confira as imagens 01 e 04). A inspiração para a cria-
ção da campanha surgiu do princípio sustentável dos “Rs” – recicle, 
reuse e reduza. A ideia foi acrescentar um quarto “R”, que incentive o 
comportamento dos outros três – o “repense”.
na propaganda da Panasonic, notamos a seguinte sequência: ini-
cialmente, há a referência ao elemento da natureza – a arara azul –, 
que aparece em um habitat bastante verde e arborizado antes de en-
trar na cozinha e pousar em cima da geladeira. A escolha dessa ave se 
relaciona à necessidade de sua preservação, uma vez que é vítima do 
comércio ilegal, assim como remete à cor da logomarca da Panasonic. 
na primeira imagem do exemplo, vemos a atriz Fernanda lima posi-
cionada à frente da arara e da geladeira. ela faz a seguinte pergunta: 
“Você já parou para pensar que natureza e tecnologia podem conviver 
em harmonia?”. notamos, de início, o uso do pronome “você” estabe-
lecendo uma interação bastante próxima com o interlocutor. Quanto 
ao léxico, há o uso dos substantivos “natureza”, “tecnologia” e “harmo-
nia”, os quais constituem a ideia central da campanha, que traz como 
ação principal o jogo entre os verbos “pensar” e “repensar”. isso fica 
evidente na sequência, quando a atriz, no imperativo, aconselha: “re-
pense” (imagem 03), fortalecendo o conselho com a posição do dedo 
162
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
indicativo na cabeça (terceira imagem). Então, inicialmente, chama-se 
a responsabilidade para o consumidor, o qual, logo após ser orientado 
a repensar suas escolhas, é apresentado às vantagens ecológicas da 
empresa. Assim, enquanto a atriz afirma que a Panasonic havia lan-
çado a primeira fábrica Eco Ideas de Eletrodomésticos do Brasil, a ge-
ladeira, foco da peça em análise, vai sendo mostrada por dentro e por 
fora, ao mesmo tempo, a imagem salienta uma parte do painel com o 
sensor eConAVi (imagem 02), cujo indicador é uma luz verde. e, na 
última imagem, novamente a empresa aparece como solução, como 
caminho para um consumo ecologicamente correto.
giacomini Filho (2004) classifica esse tipo de propaganda como 
“propaganda comercial”, pois sua organização textual gira em torno 
da função de apresentar um produto com o intuito de vendê-lo. O 
principal argumento da propaganda da Panasonic baseia-se no incen-
tivo ao consumo verde, o consumidor preocupado com a sustentabili-
dade deve investir num produto que trará menos gastos energéticos e, 
portanto, uma economia para quem comprá-lo.
 Vejamos agora um segundo exemplo, uma propaganda institu-
cional, na classificação de giacomini Filho (2004); é o primeiro episó-
dio da série Consciente Coletivo. A função desses textos é divulgar um 
conteúdo educacional, expor ou, até mesmo, explicar conceitos am-
bientais e também divulgar marcas como patrocinadoras de campa-
nhas de conscientização ambiental. A campanha Consciente Coletivo 
é resultado de uma parceria de troca sociocomercial entre a HP, em-
presa de produtos de tecnologia da informação; o Canal Futura, canal 
educativo das organizações globo; e instituto Akatu, ong especiali-
zada em consumo consciente. Essas instituições têm papeis diferentes 
na produção e na divulgação da campanha: a HP financia; o Futura 
divulga; e o Akatu empresta seu discurso e sua experiência ao tratar 
de meio ambiente e consumo. 
163
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
A campanha é composta por uma série audiovisual de dez víde-
os, cada um com cerca de dois minutos, sete papeis de parede, cinco 
rodapés para e-mail e doze avatares. A principal peça da campanha 
são os vídeos para a TV, os quais possuem dois minutos e não apenas 
alguns segundos, como normalmente acontece com as campanhas em 
geral. na verdade, os filmes da Consciente Coletivo eram interprogra-
mas contemplados pela grade de programação do Canal Futura. Cada 
episódio desenvolve uma temática relacionada ao consumo conscien-
te, como sustentabilidade, energia, água, lixo, entre outros. A reflexão 
sempre parte da comparação entre o homem e algum elemento da 
fauna ou da flora brasileira. Como são dois minutos de vídeo, reprodu-
ziremos alguns trechos do episódio 01, cujo tema é sustentabilidade.
Exemplo 02. Consciente Coletivo – episódio 01 – 2010
Essa é uma das primeiras ima-
gens da série, todos os epi-
sódios iniciam-se dessa forma. 
O ônibus é uma metáfora vi-
sual resultante da polissemia 
da palavra “coletivo”. É im-
portante notar alguns aspec-
tos visuais, como o fato de 
a animação imitar papel reci-
clado.
Depois que a logomarca da 
campanha se forma na tela, 
aparece o interior do cole-
tivo, com alguns indivíduos 
carregando ou segurando bens 
de consumo. Nota-se que os 
bens têm o destaque de cores 
vivas. O personagem principal 
aparece em destaque nas cenas 
do ônibus; ele sempre segura 
vários objetos ao mesmo tem-
po, indicando seu consumismo.
164
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
Em todos os episódios, o per-
sonagem principal, chamado de 
“jovem humano”, é comparado a 
outros elementos da fauna ou 
da flora brasileira. nesse epi-
sódio, o tatu serve de exem-
plo, pois, segundo o narrador, 
consome só o necessário para 
sua sobrevivência.
Enquanto o tatu é exemplo 
de pouco consumo, o episó-
dio mostra o jovem humano 
mais cheio ainda de bens de 
consumo. a partir dessa com-
paração, a temática começa 
a se desenvolver. No caso do 
primeiro episódio, o tema é 
sustentabilidade.
a partir do sapato do jovem 
humano, o episódio vai mos-
trando como os bens de con-
sumo, em sua maioria, são 
produzidos, enfatizando a 
quantidade de água e energia 
gastas na fabricação. informa-
-se também sobre os processos 
de descarte de lixo e resídu-
os, e destaca-se a responsabi-
lidade que as empresas devem 
ter nessas produções.
Ao final dos episódios, su-
gerem-se ações de consumo 
consideradas corretas, como 
comprar produtos certificados, 
apagar a luz, fechar a tor-
neira, entre outras.
165
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
nesse episódio, especificamen-
te, destaca-se que a escolha 
de empresas sustentáveis – 
certificadas, que se preocupam 
com o bem estar dos funcio-
nários e com os moradores da 
região – é de responsabilida-
de do consumidor.
no final, o tatu e seus filhos 
aplaudem as atitudes sugeri-
das como corretas.
Com as análises, podemos observar que os dois textos são bas-
tante diferentes, pois suas funções são diferentes, seus processos de 
produção e circulação também; assim, os textos se organizam para 
cumprir a exigência social que se estabelece sobre eles. 
A sociedade contemporânea ainda opera num modelo capitalis-
ta com base econômica em mercados. esses mercados – ambientes 
onde ocorrem trocas, podendo ser um espaço físico ou virtual (SAN-
Tos, 2005) – baseiam-se em modelos de produção intensiva, ou seja, 
diversos produtos são fabricados para que sejam adquiridos pela po-
pulação. Tendo em vista essas características mercadológicas que 
marcam nossa sociedade, percebemos que a relação entre os merca-
dos e a população é intermediada pelos textos publicitários. sampaio 
(2003, p. 30) ratifica esse papel social da publicidade quando afirma:
166
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
A propaganda adquire importância fundamental no processo 
econômico, uma vez que, de um lado, funciona como elemen-
to vital para que as empresas conquistem mais consumidores 
e expandam suas atividades e, de outro, para que os consu-
midores estejam melhor informados e possam escolher ade-
quadamente o que consumir. 
Assim, notamos que, embora sua função primordial seja infor-
mar, nem sempre a publicidadeteve a importância que possui nos 
dias atuais. se hoje ela tem papel fundamental na composição do 
modelo econômico de mercado, em outros tempos não havia a ne-
cessidade de divulgação de marcas e produtos. Obviamente, a persu-
asão para a venda de produtos existe na sociedade desde que houve 
as primeiras relações de compra e venda. No entanto, a organização 
do mercado publicitário do modo como se estabelece hoje para a di-
vulgação da produção em larga escala nem sempre teve esse formato. 
A publicidade foi se moldando às necessidades socioeconômicas à 
medida que a produção se intensificava, pois os mercados ficaram 
mais amplos, provocando o distanciamento entre o fornecedor e o 
consumidor. Para reaproximar mercado e consumidor, várias técni-
cas de comunicação foram sendo experimentadas e se consolidando 
pela sua eficácia. Com o tempo, ocorreu uma sistematização, numa 
tentativa de buscar estratégias cada vez mais específicas de comu-
nicação entre produtores e a população. Além disso, não existia a 
quantidade de meios de divulgação em massa que existe hoje. en-
quanto que, no início do século passado, se anunciavam produtos em 
jornais e quermesses, hoje temos acesso a meios diversos como TV, 
rádio e internet. outro fator que impulsionou as campanhas publici-
tárias foi a velocidade da comunicação, fenômeno que nos integra e 
globaliza em tempo real.
167
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
Apelamos para esse aparato histórico para explicar a função so-
cial das propagandas, pois, se vamos tratar de gêneros, esse é o cer-
ne, uma vez que os gêneros emanam das relações humanas e tam-
bém as realizam ou as concretizam. É marca da nossa atualidade 
a preocupação com o meio ambiente, e essa característica apresen-
tou-se de forma distinta nos dois textos analisados. o primeiro é 
uma típica propaganda comercial, que informa sobre um produto; 
no caso, uma geladeira com funções de baixo consumo. essas fun-
ções são argumentos de consumo sustentável. Já o segundo texto 
tem características diferentes: não vende um produto específico e 
possui um aspecto instrucional interessante, pois as instruções se 
misturam com sugestões de consumo que, algumas vezes, podem 
ser associadas às próprias empresas produtoras da campanha. es-
sas sugestões são mais sutis, mas fica evidente que essa não é uma 
campanha apenas pela causa ambiental; é uma organização cada vez 
mais comum na atualidade para construir e divulgar uma imagem 
empresarial sustentável. essa é a principal função. então, apesar de 
classificarmos Consciente Coletivo como propaganda institucional, 
ficam claros seus fundamentos comerciais.
Gêneros: exigência, recorrência e tipificação
 A noção de gêneros enquanto ação social é desenvolvida prin-
cipalmente pelos estudos Retóricos de gêneros (eRg), grupo forma-
do por pesquisadores norte-americanos e canadenses, cujo objetivo 
principal é investigar a natureza social do discurso. Duas importan-
tes influências recebidas por essa abordagem são a nova Retórica e 
a teoria de Mikhail Bakhtin acerca da linguagem e dos gêneros do 
discurso. Durante os anos de 1960 a 1970, a retórica clássica passou 
por uma revitalização nos estados Unidos e foi associada ao ensino 
168
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
da persuasão. A nova Retórica foi um movimento com preocupa-
ções pedagógicas acerca do ensino da composição argumentativa. 
Com relação aos pensamentos bakhtinianos, estes formam a base fi-
losófica dos eRg. Partindo da visão dialógica da linguagem, toma-se 
como conceito central a ideia de gêneros como tipos relativamente 
estáveis de enunciados. Há uma valorização intensa de gêneros como 
“ressonância de enunciados com histórias de enunciados anteriores, 
reconhecíveis como o mesmo gênero” (Bazerman, 2007, p. 163).
 A partir da noção de estabilidade relativa, entende-se que os 
gêneros são respostas a situações sociais recorrentes e são responsá-
veis por organizar a experiência humana, atribuindo-lhe significado. 
É nesse sentido que se desenvolveu a noção de gênero enquanto ação 
social tipificada, tal qual defendida por Carolyn Miller (1984; 1994). 
em “gênero como ação social”, artigo publicado em 1984, no Quar-
terly Journal of Speech, Miller mostra que a definição de gênero pro-
posta por ela pode ajudar a explicar a maneira que os sujeitos encon-
tram para interpretar, reagir e criar textos particulares. ela ratifica a 
posição de Karlyn Kohrs Campbell e Kathleen Hall Jamierson (1978) 
de que o estudo de gêneros é importante não por permitir a criação 
de taxonomias, mas por enfatizar aspectos sociais e históricos da 
retórica que outras perspectivas não faziam na época. essa definição 
retórica de gênero se concentra não apenas na substância ou na for-
ma do discurso, mas na ação recorrente que ele realiza.
os gêneros não são, portanto, apenas sócio-históricos, são tam-
bém cognitivos, pois envolvem a apreensão dos fenômenos sociais. 
Aviva Freedman (1994), num ensaio sobre cerimoniais, mostra como 
gêneros e apreensões estão ligados, uma vez que, em um sistema de 
relações, não podemos compreendê-los completamente como ações 
sociais sem levar em consideração a apreensão. Ou, como aponta 
Bazerman (2006, p. 31), gêneros são entendidos como “fenômenos de 
169
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
reconhecimento psicossocial que são parte de processos de ativida-
des socialmente organizadas”. 
Assim, esse conhecimento é aprendido, como afirmamos ante-
riormente, em situações retóricas recorrentes. Miller (1984, p. 156) 
desenvolve a noção de recorrência, afirmando que:
o que recorre não é uma configuração material de objetos, 
eventos e pessoas, tampouco uma configuração subjetiva, ou 
uma percepção, uma vez que essas também são únicas de 
momento a momento e de pessoa para pessoa. A recorrência 
é um fenômeno intersubjetivo, uma ocorrência social e não 
pode ser entendida em termos materialistas. 
Dessa forma, com relação à situação, devem-se rejeitar tendên-
cias materialistas, pois o que recorre não é a configuração material, 
tampouco relações individualistas ou subjetivas. A recorrência é im-
plicada pelo entendimento que os sujeitos têm das situações como 
algo comparável, similar ou análogo a outros eventos por eles já co-
nhecidos. Dessa forma, ocorrem identificações baseadas em atribui-
ção de significado. o que precede a ação humana é a interpretação 
do ambiente material em que ela ocorre; os indivíduos definem ou 
determinam a situação.
Central para essa noção de situação e recorrência é o conceito 
de exigência desenvolvido por Miller (1984). entendendo a situa-
ção retórica como constructo intersubjetivo e social, a exigência não 
pode ser definida como percepção individual ou no âmbito apenas 
de circunstâncias materiais. A exigência é apresentada como mo-
tivação social, é uma forma de conhecimento social, é construção 
mútua de objetos, eventos, interesses e propósitos que não somente 
os relaciona, mas também os fez o que eles são: uma necessidade 
social objetiva. 
170
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
É através do processo de tipificação que se criam recorrências, 
analogias e similaridades. O que ocorre não é uma situação material, 
mas a construção intersubjetiva de um tipo. o sucesso da comuni-
cação exige que os participantes partilhem tipos comuns, e isso só é 
possível porque eles são socialmente criados. 
Bazerman (2006, p.29), tratando de tipificação e gêneros, afir-
ma que “uma maneira de coordenar melhor nossos atos de fala uns 
com os outros é agir de modo típico, modos facilmente reconhecidos 
como realizadores de determinados atos em determinadas circuns-
tâncias”. Essas formas padronizadas e reconhecíveisemergem como 
gêneros. o autor define tipificação como “o processo de mover-se em 
direção a formas de enunciados padronizados, que reconhecidamen-
te realizam certas ações em determinadas circunstâncias, e de uma 
compreensão padronizada de determinadas situações é chamado de 
tipificação” (BAzeRMAn, 2006, p. 29-30). 
Após apresentarmos o conceito de tipificação ao lado das no-
ções de situação retórica e exigência, é importante retomarmos a no-
ção de gêneros do discurso definida por Bakhtin (1997[1952; 1979], p. 
280) como “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ressaltando 
o advérbio “relativamente”. À primeira vista, ao discutirmos sobre 
tipificação, pode parecer que tratamos de uma estabilidade total das 
interações humanas, porém o conceito de tipificação leva em conta a 
criação de novas formas comunicacionais. No entanto, essas formas 
não são totalmente novas, mas sempre se baseiam em situações re-
conhecidas em determinada sociedade. 
Por fim, a teoria da estruturação de Antony giddens (1991; 2003), 
que é fundamental para os ERG, mostra a constitutividade entre su-
jeitos e sociedade, em que a sociedade é formada pelas ações dos 
atores. No entanto, tais atores estão inseridos na sociedade e têm, 
portanto, suas ações regidas por ela, o que, por outro lado, não inibe 
171
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
a agência dos sujeitos. Com relação aos gêneros textuais, um bom 
exemplo de agência e estabilidade relativa são os gêneros criados 
com a invenção da internet. Os blogs, e-mails, charges virtuais, re-
portagens interativas, entre outros, são formas de comunicação cria-
das a partir dos recursos fornecidos pela tecnologia, mas também 
remontam formas já instituídas de comunicação humana, como as 
cartas, os diários, as charges impressas etc. Assim, notamos que a 
ação parte de formas tipificadas que não suprem mais totalmente as 
necessidades de comunicação; então, novas formas não são criadas 
num vácuo estrutural, mas a partir de estruturas já compartilhadas 
em sociedade. 
Na primeira seção deste artigo, retomamos historicamente o sur-
gimento da propaganda. Vimos que os textos publicitários tinham e 
têm a função principal de intermediar a relação entre os mercados e 
a população consumidora. Quando os mercados foram ficando mais 
amplos, houve um distanciamento com relação ao consumidor. En-
tão, o texto publicitário passou a cumprir a função de reestabelecer 
essa comunicação, de um lado, divulgando as qualidades dos produ-
tos e, de outro, apresentando informações para que os consumidores 
fizessem suas aquisições.
Com relação à nossa discussão teórica sobre gêneros textuais, 
podemos perceber uma exigência social quanto à publicidade. ini-
cialmente, há a motivação. A partir de então, com a percepção da si-
tuação retórica, surge uma necessidade discursiva. no entanto, para 
suprir tal necessidade, o gênero – no caso do nosso exemplo, o texto 
publicitário – é criado a partir de situações recorrentes, já que os 
gêneros não surgem aleatoriamente. Encontramos, nesse sentido, a 
base filosófica do dialogismo. É assim que vão surgindo as formas ti-
pificadas dos gêneros, de acordo com as exigências que emergem de 
situações retóricas, as quais são constructos intersubjetivos e sociais.
172
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
nos dois textos analisados, encontramos a demanda social do 
ambientalismo. no primeiro exemplo, não percebemos alterações no 
gênero, uma vez que, com relação à forma e à função, se apresenta 
como uma forma bastante tipificada na sociedade atual: um comer-
cial de TV, de trinta segundos, que empresta seu discurso a uma 
personalidade como forma de argumento de autoridade e usa o ar-
gumento verde para vender seu produto. Nada além de uma resposta 
do próprio produto vendido à demanda de consumo sustentável. 
enquanto gênero, o exemplo 01 não apresenta novidades e o 
exemplo 02 possui uma tipificação nova, resultado de exigências so-
ciais mais complexas. sua produção, como afirmamos, emerge de re-
lações sociais bastante atuais: ong especializada empresta sua ex-
periência sociodiscursiva para a construção de uma campanha que 
não irá vender um produto específico, mas manipular a construção 
da identidade empresarial. Com essa necessidade de uma identidade 
empresarial verde, começamos a observar o surgimento de algumas 
campanhas tidas como “de conscientização”, com textos bastante 
instrucionais, com indicações de consumo e descarte de produtos de 
forma que se diminua a agressão à natureza. A campanha Consciente 
Coletivo é um exemplo dessa demanda social. no entanto, a forma 
como esse tipo de campanha é divulgado leva os consumidores a, 
desavisadamente, ou numa leitura mais superficial, entenderem tais 
campanhas como instrucionais ou “de conscientização”, sem perce-
ber que, na verdade, são propagandas institucionais que têm o prin-
cipal objetivo de construir uma identidade empresarial adequada às 
demandas sociais da atualidade.
173
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
Finalmente... a responsabilização do consumidor
nas análises dos dois exemplos, desde o início do artigo, mostra-
mos uma série de diferenças entre eles, mas há algumas semelhan-
ças. A primeira e mais evidente é a presença do discurso ambiental, 
no entanto há outras não tão evidentes assim. Defendemos a tese 
de que, nas propagandas que se utilizam do discurso da ecologia, 
há um processo de isenção das empresas e de responsabilização do 
consumidor. 
Consolidando esse argumento historicamente, temos que a cha-
mada sociedade de Consumo, atualmente compreendida como “uma 
sociedade simbólica e de sinais e significados, enfatizando a constru-
ção e fortalecimento das identidades individuais e sociais através da 
aquisição e uso de bens” (PoRTilHo, 2005, p. 73), começou a se ins-
talar no mundo ocidental a partir do industrialismo, século XViii, 
com a Revolução Industrial, na inglaterra. Para Campbell (2002 apud 
PoRTilHo, 2005), a Revolução do Consumidor ocorreu nessa épo-
ca, introduzindo mudanças nas técnicas de produção industrial.
Embora a necessidade de consumo crescente da sociedade tenha 
sido a causa principal para a Revolução Industrial, aquela era uma 
sociedade prioritariamente de produtores. Na contemporaneidade, 
tem-se cada vez menos necessidade de mão de obra industrial em 
massa. em vez disso, a sociedade precisa engajar seus membros na 
condição de consumidores, com o dever, a capacidade e a vontade de 
desempenhar esse papel. O consumo passa a ser encarado, mais do 
que como um direito ou um prazer, como um dever do cidadão. Por-
tanto, a diferença entre as Sociedades de Consumo que se alteram 
desde a Revolução Industrial até a atualidade não são tão visíveis ou 
estáticas. na atual sociedade moderna, por exemplo, desponta o con-
sumidor verde. Como vimos, os problemas ambientais se apresentam 
174
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
num patamar privilegiado na agenda global e, em decorrência disso, 
a mídia dá ampla divulgação aos assuntos ecológicos. essa proemi-
nência de discursos ecologicamente corretos, conforme Dias (2008), 
tem levado uma parcela de consumidores a ações concretas, como 
evitar a compra de produtos que agridem o meio ambiente e boicotar 
produtos de empresas que apresentam uma imagem ambientalmen-
te negativa. Portanto, em todos os estágios são imprescindíveis as 
atividades de consumir e de produzir. A diferença é, pois, de ênfase e 
prioridades. Dessa forma, numa economia de mercado, não há como 
compreender consumo e produção fora de um processo contínuo e 
complementar. Dicotomizar consumo e produção tem sido uma es-
tratégia discursiva recorrente utilizada por empresas no intuitode 
valorizar suas ações de responsabilidade socioambiental. 
Desde a década de 1960, o movimento ambientalista vem ga-
nhando espaço e consistência. Mas foi na década de 1990, com a eCo 
Rio 92, que se instauraram alguns acordos de produção sustentável. 
Até então, as indústrias eram tidas como as grandes vilãs da degra-
dação. Para começar a diminuir as agressões ambientais durante a 
produção, algumas estratégias foram sendo propostas, tais como os 
selos de certificação. Além disso, leis de responsabilidade ambiental 
foram sendo criadas. Com a pressão de leis, das certificações, da mí-
dia e de um consumidor mais exigente em termos ambientais, houve 
uma crescente adesão a produções mais limpas.
sendo assim, houve e ainda há uma tendência à dicotomização 
entre produção e consumo. A ideologia subjacente ao discurso em-
presarial é de que as empresas cumpriram suas metas, agiram com 
responsabilidade; agora, seria a vez do consumidor. então, as propa-
gandas, principal meio de comunicação entre quem produz e quem 
consome, ao usarem o discurso ambiental, tendem a responsabilizar 
o consumidor como se seus atos de consumo fossem o motivo da 
175
Maria Clara Catanho Cavalcanti (IFPE)
crise ambiental. Como solução para que esse consumidor se torne 
ecologicamente correto, a empresa se apresenta como um caminho.
no exemplo 01, um raciocínio bastante evidente é “todos preci-
sam ter uma geladeira; se é para comprar, é melhor que compre da Pa-
nasonic porque é ecologicamente correta”. no exemplo 02, o processo 
de culpar o consumidor é absurdamente crescente durante a série. 
Primeiro, o jovem humano é injustamente comparado a outros ani-
mais ou plantas, e seu processo de consumo é questionado. no final 
de cada episódio, as ações que devem ser modificadas são sempre as 
do consumidor, muitas vezes, como vimos no episódio 01, a sugestão 
de mudança de hábito envolve a escolha por uma empresa certifica-
da e sustentável. Ao final, obviamente, aparecem as logomarcas das 
produtoras da propaganda.
esse tipo de reflexão é importante porque as ações de produção 
continuam sendo as grandes responsáveis pela degradação ambien-
tal. O consumidor, que aparece como indivíduo de um coletivo, ter-
mina assumindo toda uma responsabilidade num processo de dico-
tomização entre produção e consumo que simplesmente não existe. 
Muito se pode fazer com o discurso, realidades podem ser cria-
das. Leituras atentas podem desvelar processos de relações de poder, 
permitindo que o cidadão perceba melhor as estratégias argumen-
tativas que podem o estar pressionando. Interessante é que nossas 
análises partiram da reflexão sobre gêneros, mas, como os gêneros 
são sociais, históricos e cognitivos, precisamos, algumas vezes, re-
correr a aspectos históricos e apontar possíveis estratégias de repro-
dução ideológica e de relações injustas de poder, como foi o caso dos 
exemplos analisados. Assim, esperamos ter refletido sobre as ideias 
dos estudos Retóricos de gêneros de forma clara, por meio de práti-
cas sociais relevantes para essa modernidade que vivemos. 
176
Gêneros e a construção do discurso ambiental de campanha de Conscientização
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177
7
a relativa estabilidade dos 
textos de divulgação científica: 
um caso de hibridismo1
ReginA l.PÉReT Dell´ isolA (UFMg)
Introdução
Visto como prática social e prática textual-discursiva, o gênero 
textual opera como a ponte entre o texto e o discurso. De um lado, o 
texto, unidade empírica a que temos acesso, é um evento sociointera-
tivo, um ato enunciativo em que vários aspectos da significação são 
materializados através de categorias linguísticas, sociais, cognitivas, 
culturais. Do outro lado, o discurso é o lugar de enunciação em que 
estão envolvidos os participantes, a situação sócio-histórica, além de 
aspectos pragmáticos, tipológicos, processos de esquematização, en-
tre outros elementos. entre ambos, textos e discursos, estão os gêne-
ros textuais que, conforme Bazerman (2005, p.31), são fatos sociais, 
são os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas 
próprias e pelos outros e, dessa forma, “emergem nos processos so-
ciais em que pessoas tentam compreender umas às outras suficien-
temente bem para coordenar atividades e compartilhas significados 
com vistas a seus propósitos práticos”. 
1. Este trabalho foi apresentado no NIG e o artigo é versão atualizada e modificada do texto publicado 
em DELL´ISOLA, Regina L. P. Dos limites entre o estável e o instável em textos de divulgação científica. 
In. SARAIVA, Maria Elizabeth e MARINHO, Janice. (Orgs.). Estudos da língua em uso: da gramática ao texto. 
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 263 -287. 
178
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
neste trabalho, focaliza-se a constituição do gênero relatório de 
pesquisa, abordam-se aspectos relativos ao discurso acadêmico e ao 
discurso de divulgação científica, explora-se a noção de intertextua-
lidade inerente aos textos da esfera acadêmico-científica, com o ob-
jetivo de apresentar uma análise de um texto híbrido. nessa análise, 
leva-se em conta que os textos operam basicamente em contextos 
comunicativos e são consideradas as relações intertextuais que se 
estabelecem entre o texto e sua situacionalidade ou inserção cultu-
ral, social, histórica e cognitiva – o que envolve os conhecimentos 
individuais e coletivos.
A presente discussão focaliza um exemplo de texto híbrido, re-
conhecendo-se a hibridização como fenômeno inerente às formações 
genéricas e a intertextualidade como aspecto constitutivo dessas for-
mas retóricas. A partir de subsídios do arcabouço teórico proposto 
por Bazerman (2006), nosso interesse concentrou-se no estudo do 
processo de organização desse exemplo de texto híbrido. Para isso, 
analisamos a composição prototípica do relatório de pesquisa, esta-
belecendo as possibilidades de interação desse gênero com públicos 
diferenciados: com os membros da academia e com o público exter-
no ao meio acadêmico. Assim, considerando-se a existência de dois 
diferentes discursos – o científicoe o de divulgação científica –, fo-
calizamos a constituição de um gênero híbrido em que são exigidos 
conhecimentos específicos de uma esfera social para que a intertex-
tualidade presente seja compreendida com a clareza desejada. 
Tomando-se o discurso como prática social e cultural – pressu-
posto presente em diversos estudos (schffrim, 1994; Maingueneau, 
1989; Fairclough, 1995; Bazerman, 2004; Coutinho, 2012; para citar 
alguns) – e considerando-se, com Bakhtin (1981, p.96), que “a lín-
gua, no seu uso prático, é inseparável do seu conteúdo ideológico ou 
relativo à vida”, focalizou-se a constituição de significados sociais a 
179
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
partir da análise de um gênero híbrido que expõe as práticas sociais 
de determinado grupo, como se verá adiante. 
As convenções dos gêneros da esfera acadêmica
 os gêneros da esfera acadêmica ou científica tendem a apresen-
tar uma configuração que lhes é peculiar e que tem servido de orien-
tação para a escrita de outros textos que circulam em um ambiente 
denominado academia – uma agremiação de profissionais que atuam 
em universidades, centros de pesquisa, núcleos tecnológicos, grupos 
de investigação, associações científicas, cuja macroação consiste em 
produzir, contrastar, aplicar e divulgar conhecimentos sistemático-
-socializados, que passam a constituir patrimônio de uma sociedade. 
essa macroação é basicamente de caráter linguístico e seus produtos 
são as investigações registradas nos chamados textos acadêmicos. 
o conjunto de investigadores que trabalha regularmente no 
meio acadêmico tem uma noção estável, embora em evolução, dos 
objetivos propostos pelo seu grupo e desenvolve uma gama de gêne-
ros falados e escritos para monitorar suas propostas, seus trabalhos 
e pesquisas. esses gêneros são identificados por aspectos discursivos 
e retóricos evidentes para os membros da academia. Vinculados a si-
tuações sociais desse âmbito, os gêneros que circulam nesse contexto 
caracterizam-se pela demanda de conhecimentos de formas retóricas 
típicas de interação entre os membros da comunidade acadêmica. Sua 
prototipicidade os torna familiares a esse grupo específico de pessoas 
e funciona como um sistema de produção de novos textos. 
segundo swales (1998), há comunidades discursivas que ‘pos-
suem’ gêneros, impondo, a eles, suas normas, convenções e ideolo-
gias, e há outras que são possuídas pelos gêneros, na medida em 
que os membros da comunidade procuram reproduzir os gêneros tal 
180
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
como os receberam da tradição e da ideologia da comunidade. Am-
bos os fenômenos apontados por swales (1998) ocorrem em comuni-
dades discursivas como a acadêmica, e, reconhece-se aqui, conforme 
afirmam Figueiredo e Bonini (2006, s/p)2, que
os membros seniores da comunidade criam e alteram gê-
neros, e imprimem nesses gêneros as ideologias, normas e 
convenções de seu grupo social. Por outro lado, os membros 
aprendizes, ou juniores, da comunidade tendem a utilizar os 
gêneros sancionados de forma tradicional, reproduzindo pa-
drões lingüísticos, retóricos, discursivos e ideológicos. essa 
‘reprodução’ de gêneros funciona como uma forma de ingres-
so à comunidade.
essa ideia está em consonância ao que afirmam Hemais e Bia-
si-Rodrigues (2005, p.115), segundo os quais “o discurso mostra o 
conhecimento do grupo. As convenções discursivas facilitam a ini-
ciação de novos membros na comunidade, ou seja, os novatos são 
estimulados a usar de forma apropriada as convenções discursivas 
reconhecidas pela comunidade”. Assim, assume-se a visão de discur-
so como prática social, produzida dentro de uma comunidade social-
mente situada, que possui convenções específicas sobre conteúdo e 
forma textuais, e que apresenta caráter interativo, inclusivo e identi-
tário das práticas discursivas utilizadas por essa comunidade. 
A maior parte da produção textual acadêmica é predominante-
mente do tipo dissertativa. o texto dissertativo acadêmico é orga-
nizado esquematicamente por categorias canônicas e de estrutura 
argumentativa ou expositiva, dependendo do enfoque desejado pelo 
pesquisador. As modificações apresentadas no texto da esfera aca-
dêmica dependem de suas condições de produção discursiva. Den-
2. Disponível em http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem acessado em maio de 2015.
181
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
tre os gêneros científicos estão: a palestra, a comunicação oral, o 
seminário, o ensaio, a monografia, o artigo científico, as resenhas e 
outras formas típicas com que a comunidade científica lida em situ-
ações recorrentes.
esses gêneros textuais operam basicamente em contextos es-
pecíficos e têm representação cultural, social e histórica. Cada vez 
que um gênero é produzido para atender a um contexto situacio-
nal, ele se torna modelo para outro texto, funcionando como um 
produto acabado. Ao mesmo tempo, um novo processo de produ-
ção se inicia e esse gênero torna-se dinâmico uma vez que, inevita-
velmente, haverá alguma transformação do modelo original, como 
lembra Threadgold (1989). Para que seja reconhecido, esse gênero 
deve guardar características que mantêm sua identidade e que ga-
rantem seu reconhecimento.
o discurso acadêmico é entendido como uma prática socioin-
terativa realizada por um determinado conjunto de pesquisadores – 
dispersos por todo o mundo – que constituem um grupo que produz 
conhecimento e está comprometido a divulgar esse conhecimento 
para um auditório. em princípio, o papel dos acadêmicos ou cientis-
tas engloba a produção de um discurso resultante de uma investiga-
ção que culmina na comunicação de resultados. o texto produzido é 
a unidade de manifestação, o lugar do agenciamento do(s) sentido(s) 
que, por meio de mecanismos de enunciação, configura-se no dis-
curso acadêmico.
A configuração prototípica de um relatório 
de pesquisa
entre o texto e o discurso acadêmico estão os gêneros que resul-
tam em escolhas dentro de uma prática que remete a esquematiza-
182
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
ções resultantes dessa prática. Conforme Marcuschi (2002), muitas 
decisões de textualização – de configuração textual – devem-se à 
escolha do gênero. Desse modo, o gênero inscreve também formas 
textuais que se manifestam no artefato linguístico. Considere-se, 
por exemplo, uma produção textual escrita prototípica do discur-
so acadêmico: o relatório de pesquisa, gênero presente em qualquer 
área da academia. 
A necessidade de se produzir um relatório de pesquisa exige um 
tipo de configuração, ações discursivas e seleções específicas a fim de 
que ele seja reconhecido e aceito pela comunidade acadêmica. Assim, 
para escrever um relatório, o pesquisador deve contar com conheci-
mento de esquemas textuais convencionados na e pela academia. 
Para circular nesse ambiente, o relatório de pesquisa apresenta 
uma configuração específica. Basicamente, é constituído por uma 
introdução, seguida de uma justificativa ou de uma exposição, acom-
panhados dos resultados, discussão ou conclusão. É sabido que, na 
introdução, apresenta-se o assunto, permitindo ao leitor ter uma vi-
são de conjunto do tema. Para tanto, geralmente, especifica-se o ob-
jeto de estudo, esclarece-se o ponto de vista sobre o qual o assunto 
foi tratado, apresentando aos interessados a síntese do que será abor-
dado, auxiliando e conduzindo o leitor na construção da coerência 
geral do conteúdo do relatório.
na justificativa, o pesquisador pode citar trabalhos anterior-
mente realizados por outros investigadores que abordaram o mes-
mo tema. espera-se que ele justifique a razão da necessidade de seu 
trabalho e quedeixe claros os motivos que o levaram a escolher o 
tema, o problema da sua pesquisa, suas hipóteses de estudo e os ob-
jetivos pretendidos. De certa forma, ele deve mostrar a relevância do 
trabalho que realizou, cabendo ao público-alvo inferir a respeito da 
importância do estudo. 
183
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
na exposição, em geral, o pesquisador descreve as etapas, define 
termos e conceitos que adota, apresenta os dados e as variáveis com 
que trabalhou, a delimitação do universo estudado e as limitações 
de sua pesquisa. Nessa parte do trabalho, ele pode orientar futuros 
estudiosos quanto aos problemas enfrentados durante a realização 
de sua pesquisa.
os resultados, alcançados após a análise dos dados, devem ser 
apresentados de modo coerente com os argumentos defendidos pelo 
pesquisador à luz das evidências. espera-se que os resultados sejam 
expostos de forma direta, clara, objetiva e sucinta, acompanhados de 
significância e relevância. nessa parte do texto, o estudioso faz saber 
à sua comunidade aquilo que não era sabido. 
Finalmente, a discussão ou conclusão é a parte do relatório em 
que se espera que o pesquisador interprete, critique, justifique e en-
fatize os resultados alcançados, mostrando as relações existentes en-
tre os dados coletados na pesquisa e as hipóteses confirmadas ou 
refutadas. Discutem-se os resultados à luz das teorias, podendo ser 
feita uma comparação entre esses resultados com os de pesquisas 
anteriores, levantados na revisão de literatura. Ao final de um relató-
rio, o pesquisador pode ou não apresentar uma conclusão definitiva 
a partir de seus dados analisados. isso dependerá da complexidade 
de sua análise.
o relatório de pesquisa é um gênero textual do discurso cien-
tífico que compreende uma configuração típica estabelecida pelos 
acadêmicos. Trata-se do fruto de um trabalho realizado em duas 
etapas que se complementam. A primeira, quase sempre solitária, 
é organizada pelas categorias textuais: problema, métodos, análise 
e resultados obtidos. A segunda etapa é voltada para a divulgação 
da descoberta para a comunidade científica. nesse momento, cabe 
ao cientista um discurso envolvente e persuasivo, em que seus argu-
184
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
mentos objetivam convencer o leitor ou o ouvinte (público-alvo) do 
valor que ele, pesquisador, atribui ao seu estudo, à sua investigação, 
à sua descoberta. 
Grosso modo, esse gênero, do tipo dissertativo, é resultado de 
uma investigação destinada a ser divulgada oralmente ou por es-
crito. Quando publicado em periódicos científicos, submete-se aos 
critérios de publicação da revista ou a normas estabelecidas por um 
corpo editorial. Embora esses critérios possam variar de revista para 
revista, a organização textual de um relatório de pesquisa apresenta 
uma orientação de modo a manter racional e uniforme a sequência 
da produção desse gênero. entretanto, esse relatório pode vir a ser 
publicado em um jornal diário e, nesse caso, como veremos adiante, 
seu texto sofre modificações para que seja compreendido por leigos 
ou iniciantes.
Discurso científico ou de divulgação científica?
É sabido que os resultados dos estudos científicos não devem 
circular dentro da academia, é preciso que o conhecimento e as des-
cobertas ultrapassem os muros das universidades e dos centros de 
pesquisa. Por isso, há o discurso do cientista – a que denominamos 
discurso científico – que é uma atividade exercida pelo cientista que 
interage, com seus pares, tratando de ciência.
e há o discurso de divulgação científica que consiste na interação 
de um divulgador (que pode ser o próprio pesquisador, ou outra pes-
soa como, por exemplo, um jornalista) com um público de não espe-
cialistas, a fim de que o conhecimento seja difundido. Para propagar 
esse “saber científico”, no discurso de divulgação científica, tende-se 
a se empregar uma linguagem mais simplificada e menos técnica do 
que a usada no discurso acadêmico.
185
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
 Conforme Authier-Revuz (1998, p. 107),
a divulgação científica é classicamente considerada como 
uma atividade de disseminação, em direção ao exterior, de 
conhecimentos científicos já produzidos e em circulação no 
interior de uma comunidade mais restrita: essa disseminação 
é feita fora da instituição escolar universitária e não visa a 
formação de especialistas, isto é, não tem por objetivo esten-
der a comunidade de origem.
nos textos de divulgação científica, nota-se um certo distan-
ciamento do locutor em relação ao que divulga; ao mesmo tempo, 
percebe-se a presença da necessidade desse locutor apresentar-se 
como detentor de um conhecimento que lhe autorize a propagação 
desse saber aos considerados “leigos” no assunto de que trata o texto 
originado do discurso acadêmico. segundo Agustini (2006, p.327), 
existe uma
confluência das formas de dizer da ciência com as formas de 
dizer da didaticidade pedagógica, fazendo emergir aí um lu-
gar enunciativo: o divulgador - uma espécie de efeito locutor 
“tradutor” da língua da ciência para a língua do cotidiano: 
uma lacaização de conhecimentos científicos. Por conseguin-
te, mesmo que o indivíduo no mundo também ocupe o lugar 
social de cientista, para que ele produza um texto de divul-
gação científica será necessário pôr-se no lugar enunciativo 
do divulgador. Portanto, não se trata da relação do indivíduo 
empírico com um texto, mas da configuração (social) de um 
lugar de enunciação específico: o do divulgador, elemento 
constitutivo do discurso de divulgação científica.
 
Tanto o discurso científico quanto o discurso de divulgação 
científica, inevitavelmente, caracterizam-se pela intertextualidade. 
186
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
Como lembra Bazerman (2005, p.25), “a intertextualidade frequen-
temente procura citar uma compreensão compartilhada sobre o que 
foi dito anteriormente e a situação atual como se apresenta. Isto é, as 
referências intertextuais tentam estabelecer os fatos sociais sobre os 
quais o escritor tenta fazer uma nova afirmação”.
o saber novo adquirido está frequentemente sustentado na pro-
dução de outros saberes acadêmicos anteriores, já expressos em ou-
tros textos apresentados na e pela comunidade científica. isso faz com 
que a intertextualidade seja uma característica do discurso científico. 
A intertextualidade no discurso da 
esfera científica
no caso dos textos da esfera científico-acadêmica, a intertex-
tualidade é um fenômeno até certo ponto esperado, previsível, por 
integrar a organização composicional da produção acadêmica. Am-
plamente reconhecida como um fator de constituição do texto cien-
tífico, a intertextualidade compreende algumas conhecidas técnicas, 
tais como: o uso de citação direta, de citação indireta; menção a uma 
pessoa, a um documento ou a declarações; comentário ou avaliação 
acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada; uso 
de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas 
pessoas ou de documentos específicos; uso de linguagem e de for-
mas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, 
discussões entre outras pessoas e tipos de documentos, conforme 
aponta Bazerman (2006). o autor distingue níveis de intertextuali-
dade por meio dos quais um texto evoca explicitamente outros textos 
e se apoia nele como um recurso consciente. Assim, na tentativa de 
apreender as dimensões e os aspectos centrais da intertextualidade, 
Bazerman (2006, p.92-94) apresenta os seguintes níveis:
187
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
1. o texto pode remeter a textos anteriores como uma fonte 
de sentidos, usada como valor nominal.Isso ocorre sem-
pre que um texto apresenta declarações de outras fon-
tes consideradas autorizadas, repetindo essa informação 
autorizada para os propósitos do novo texto;
2. o texto pode se remeter a dramas sociais explícitos de tex-
tos anteriores mencionados na discussão;
3. o texto pode também explicitamente usar outras declara-
ções como pano de fundo, apoio ou contraposição.
4. de forma menos explícita, o texto pode se apoiar em 
crenças, questões, ideias e declarações amplamente difun-
didas e familiares aos leitores, quer sejam relacionadas a 
uma fonte específica, quer sejam percebidas como senso 
comum.
5. através do uso de certos tipos reconhecíveis de linguagem, 
de estilo e de gêneros, cada texto evoca mundos sociais 
particulares onde essa linguagem ou essas formas lin-
güísticas são utilizadas, normalmente com o propósito 
de identificá-lo como parte daqueles mundos;
6. através apenas do uso da linguagem e de formas lin-
güísticas, o texto recorre aos recursos lingüísticos dis-
poníveis, sem chamar a atenção de modo particular 
para o intertexto.
7. cada texto, a todo instante, depende da linguagem dis-
ponível no momento histórico e faz parte do mundo cul-
tural de todos os tempos.
 
À luz das perspectivas teóricas desenvolvidas no âmbito acadê-
mico anglo-americano, os gêneros devem ser entendidos como ações 
retóricas típicas em situações sociais recorrentes, tal como denomi-
nam Fredman e Medway (1994), e também são como estruturas retó-
ricas dinâmicas, como apontam Berkenkotter e Huckin (1995).
nessa dinâmica, o processo da intertextualidade tem ultrapas-
sado os limites, o que tem obrigado os estudiosos a investigar de-
188
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
terminadas produções textuais controversas (que causam embaraço). 
entendemos com Bazerman (2006) que intertextualidade não é ape-
nas uma questão ligada a que outros textos um texto faz referência, e 
sim como outros textos são usados, as razões pelas quais esses outros 
textos são usados e como o escritor-produtor do texto se posiciona 
enquanto escritor diante deles para elaborar seus próprios argumen-
tos. outros autores, como Fairclough (1995), denominam esse meca-
nismo como interdiscursividade, pelo fato de os textos estabelecerem 
de maneira implícita posições interpretativas para sujeitos interpre-
tantes que possuem a capacidade de fazer inferências, baseadas em 
suas experiências prévias para o estabelecimento de conexões através 
dos diversos elementos intertextuais de um texto. 
Assim, uma discussão interessante sobre intertextualidade é a 
que desperta a leitura do texto “Confirmado: o brasileiro é doido varri-
do” (a seguir), publicado no jornal “o Tempo” em 26 de maio de 2002. 
superficialmente, observamos seu formato, sua fonte e outros compo-
nentes que nos conduzem a identificá-lo, à primeira vista, como um 
texto de divulgação científica. Mas estamos diante de uma intertextu-
alidade de gêneros textuais, após uma análise mais detalhada.
Confirmado: o brasileiro é doido varrido
Realizado em são Paulo no mês passado, o 33° Congresso Bra-
sílico de Patafísica em que foram divulgadas conclusões interes-
santíssimas de uma ampla pesquisa realizada em todo o país. A 
principal delas é a de que o brasileiro é doido varrido. A Sociedade 
Brasileira de Patafísica (sBP) é uma entidade sem fins lucrativos e 
congrega nossos mais im portantes psicólogos, psiquiatras, soció-
logos, cientistas políticos e historiadores. A entidade funciona de 
forma semiclandestina e nenhum de seus membros concede en-
trevistas à imprensa, mas as conclusões dos trabalhos são dispu-
tadas a tapa por revistas científicas internacionais, como “Nature” 
189
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
e “Science”. Participam das reuniões alguns observadores, quase 
sempre escritores, sempre selecionados por meio de sorteio. Tive 
dupla sorte este ano: além de sorteado, recebi permissão para di-
vulgar com exclusividade algumas das conclusões, que sem dúvi-
da interessam ao povo brasileiro, e também aos governantes que 
nos desgovernam.
Metodologia de pesquisa
Durante um ano inteiro (de abril 2001a março de 2002), grande 
equipe de estudantes universitários realizou ampla pesquisa de 
campo, patrocinada pela sBP. A pontuação conferida variava de 
1 (sanidade-quase-completa) a 10 (doido-completamente-varrido). 
A amostragem da população foi estabelecida com base nas classes 
sociais existentes, ou seja, A, B, C, D e e.
De modo geral, a classe A é constituída dos ricos e poderosos; a 
classe B, dos que querem ser ricos e poderosos; a classe C dos que 
querem ser Classe B; a classe D dos que aspiram subir para a classe 
C; e a classe e, finalmente, é formada pelos que esperam morrer em 
paz. Foram entrevistadas 70.347 pessoas, mais ou menos um milé-
simo da população nacional, número bastante expressivo. As des-
pesas, financiadas pelo FMi, ficaram era Us$ 170.347.000.000,00, 
com juros de 60% no ano, sem carência. não se sabe quem vai 
pagar.
Exemplos de perguntas e de respostas
existe democracia no Brasil? Quem respondeu “sim” recebeu 
nota 10, sendo considerado doido-completamente-varrido, pois é 
absurdo considerar democrático um país cuja opinião pública é 
formada pelos programas de televisão. Respostas do tipo “mais ou 
menos” tiveram pontuação 5, de doidos-mais-ou-menos-varridos.
Qual é seu meio de informação preferido? Quem respondeu 
«televisão recebeu 10 (doido-com-som-e-imagem. Quem respon-
deu “rádio” recebeu 8 (doido-papagaio). Respostas tipo “conversa 
190
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
com vizinhos” tiveram nota 7 (reservada aos doidos-fofoqueiros). 
Respostas “livros, revistas e jornais» obtiveram entre l e 10, depen-
dendo do livro, da revista e do jornal. exemplificando: livros de au-
to-ajuda, que nunca ajudaram ninguém, exceto quem os escreveu, 
vale nota 10 (doido-para-ser-embromado). Leitores de revistas de 
variedades televisivas, também receberam 10 de doido-com-ima-
gem-sem-som. Já a resposta livro de “colégio/universidade” teve 
notas en tre 2 e 10, dependendo do colégio e da universidade.
o Brasil conseguirá pagar a dívida externa? Como? Quem res-
pondeu “sim” ganhou nota 10, é lógico, pois não existe doidice 
mais varrida do que acreditar nisso. A resposta “não” obteve 2, óti-
ma pontuação, que demonstra sólidos conhecedores de economia, 
política e sociologia. no complemento “Como?” houve respostas 
bastan te variadas. “Pagando, ué!” e “cedendo a Ama zônia em tro-
ca” também levaram 10. Já a resposta “dando o tombo recebeu 2, 
por revelar inteligência, sabedoria e objetividade.
Qual seu tipo preferido de mulher (ou de homem? Todas as 
respostas tiveram nota 10, de doido-completamente-varrido, pou-
co importando se a resposta foi loura(o), negro(a), morena(o), 
mulata(o), magra(o), gordo(a),etc. O simples fato de preferir um 
tipo em detrimento de outro já caracteriza, segundo os patafísi-
cos, a doido-varridice-completa. 
Você acredita no amor? interessantíssimo este item. A gran-
de maioria dos que responderam com forte, maiúsculo e sonoro 
“siM!” a esta questão é constituída de presos, e são os que ma-
taram por amor. Assim, 7896 dos que acreditam no amor, e se 
declararam amorosíssimos, esfaquearam, assassinaram a tiros ou 
estrangularam os consortes ou namorados. “Matei por amor”, dis-
seram todos, cheios de convicção e saudade, com os olhos rasos 
d’água.
em sua opinião, como é o inferno? 50% disseram o óbvio: o infer-
no é um buraco escuro, cheio de capetas pelados, com rabo pontu-
do, chifres, pés de bode e barbicha. Passam a eternidade no maior 
tédio, espetando os condenados com garfos e normes e jogando-os 
cm caldeirõesde azeite fervendo. os mais teóricos, disseram que o 
191
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
inferno é a ausência de Deus. Os mais ligados, que inferno é morar 
era favela. Os mais cínicos, que o inferno é parecido com o Brasil, 
todos, se devorando uns aos outros. nota 10 para todos; por acre-
ditarem inferno, apesar de algumas respostas brilhantes.
Resultado geral.
Depois de análise em computador por espe cialistas em estatís-
tica e cruzamento de dados, chegou-se ao seguinte percentual:
Brasileiros doidos-completamente-varridos: 58%
Brasileiros doidos-parcialmente-varridos: 12%
Brasileiros doidos-mais-ou-menos-varridos: 20%
Brasileiros doidos-regularmente-varridos: 9,99999%
Brasileiros doidos-pouco-varridos: 0,001%
Brasileiros mentalmente sadios: 0,000%
Serve de consolo lembrar que é apenas mais uma pesquisa, em-
bora realizada pelo mais sério dos institutos dedicado a esse árduo 
trabalho de perguntar e não responder.
Fonte: nUnes, sebastião. o Tempo, Belo Horizonte, 26 
mai.2002, p.8
Intertextualidade em um gênero híbrido 
A partir da leitura desse texto, percebemos a presença de uma 
forma estrutural de um discurso prototipicamente científico em que 
se revela uma paródia. Como se dá essa constituição? o título Con-
firmado: brasileiro é doido varrido induz o leitor a acreditar que se 
trata de uma conclusão baseada em resultado de uma investigação: 
comprovado (algo que vai além de uma especulação, vai além do sen-
192
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
so comum. Certamente, uma conclusão a que se chegou com base 
em uma pesquisa); brasileiro (recorte do corpus, a pesquisa teria sido 
feita a partir de uma coleta de dados cujos informantes – sujeitos in-
vestigados – são brasileiros); é doido (pessoa demente, insana, louca, 
diz-se daquele indivíduo que age de modo insensato, imprudente ou 
exagerado); varrido (temos aqui uma palavra que pode levar ao estra-
nhamento, uma vez que há indícios de uma inadequação vocabular. 
A expressão “doido varrido” é coloquial e significa pessoa muito doi-
da, com alto grau de loucura; corresponde a “doido de pedra”, tam-
bém usual em certas regiões do Brasil.) embora essa expressão possa 
parecer imprópria para o título, entendendo-se as condições de pro-
dução do texto, considerando-se que se trata aparentemente de um 
texto de divulgação científica, veiculado por um jornal de grande cir-
culação, são fortes os indícios de que o suporte (esse jornal) permi-
te o uso de uma linguagem mais coloquial para “vender” a matéria. 
Trata-se, portanto, aparentemente, de um texto de vulgarização do 
resultado de uma pesquisa feita. 
o texto preenche as condições mínimas que levam o leitor a 
associá-lo a um texto de divulgação científica, pois, além de ter sido 
escrito por um divulgador (jornalista), interage com um auditório 
formado pelos leitores do jornal, ou seja, está aberto a todos os que 
se interessarem pelo assunto, mesmo os que não são especialistas na 
temática abordada. Percebe-se claramente, nesse texto, a exploração 
de esquemas textuais convencionados que configuram um produto 
acadêmico que guarda semelhanças a um relatório final de uma pes-
quisa ou pode ser visto como um discurso aparentemente gerado a 
partir de um relatório realizado no meio acadêmico. 
Observando-se seu formato, sua disposição e componentes, esse 
texto pode ser identificado como um resultado de uma pesquisa, 
pois obedece a várias das convenções desse gênero tais como: título, 
193
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
subtítulos, identificação do tema, dados numéricos, supostamente 
estatísticos. os subtítulos remetem à metodologia empregada, refe-
rem-se a exemplos de perguntas e de respostas (critérios avaliativos 
dessas respostas que fundamentam a análise dos resultados), além 
do subtítulo de encerramento para apresentação do resultado geral. 
Características lexicais e gramaticais discursivas típicas dos textos 
acadêmicos estão presentes. O uso do verbo no passado indica que 
a investigação já se completou e a temporalidade da sua realização é 
evidenciada no trecho “de abril de 2001 a março de 2002”. o número 
de pessoas que foram entrevistadas e o valor da despesa gerada com 
os gastos realizados também são apontados.
Destacam-se, além dessas características, outros aspectos como: 
o emprego de verbos no presente para apresentar afirmativas irrefu-
táveis: “A classe A é constituída... e a classe e, finalmente é forma-
da pelos que esperam morrer em paz”; a escolha de termos típicos 
do âmbito acadêmico (pesquisa de campo, amostragem, população, 
análise, cruzamento dos dados, especialistas); padrões coesivos e ar-
gumentativos e uma macroestrutura típica da pesquisa acadêmica, 
apresentada através de movimentos argumentativos como os apon-
tados em manuais de metodologia de pesquisa. 
Na introdução, o divulgador situa a origem das informações que 
ele propaga, comunicando que as conclusões apresentadas por ele 
foram divulgadas em um evento denominado “33º Congresso Brasíli-
co de Patafísica”, ocorrido em são Paulo, e promovido pela sociedade 
Brasileira de Patafísica (sBP). De início, uma dúvida é gerada por 
qualquer leitor, ainda que tenha bom vocabulário em língua portu-
guesa do Brasil: o que é Patafísica?, tendo em vista que essa não é 
uma palavra que consta em dicionários brasileiros de língua portu-
guesa. A única explicação que se encontra para o termo está em enci-
clopédias em que consta que essa palavra remonta à segunda meta-
194
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
de do século XX, quando surgiu um movimento cultural na França, 
vinculado ao surrealismo. nesse contexto, nasce a Patafísica, ciência 
das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções, criada 
pelo dramaturgo francês Alfred Jarry, autor das obras “Ubu Rei” e 
“Dr. Faustroll”3.
A palavra patafísica é uma contração de “epi ta meta ta physika”, 
que se refere a aquilo que se encontra ao redor do que está depois da 
física, entendendo por “depois da física” aquilo a que se chama meta-
física. A Física é a ciência do mundo natural – ramo da filosofia que 
estuda o mundo como ele é – estudo do ser ou da realidade que se 
ocupa em procurar responder perguntas tais como: o que é real? o que 
é natural? o que é sobrenatural?”. Enquanto a Física trata dos com-
ponentes fundamentais do universo, as forças que eles exercem, e os 
resultados dessas forças, a Metafísica remete a temas que ultrapas-
sam a física (Metha = depois, além; Physis = física), como ética, políti-
ca etc., assuntos que tratam de seres não físicos existentes apesar da 
sua imaterialidade. O ramo central da Metafísica é a ontologia, que 
investiga em quais categorias as coisas estão no mundo e quais as re-
lações dessas coisas entre si. A metafísica também tenta esclarecer as 
noções de como as pessoas entendem o mundo, incluindo a existên-
cia e a natureza do relacionamento entre objetos e suas propriedades, 
espaço, tempo, causalidade e possibilidade; trata de problemas sobre 
o propósito e a origem da existência e dos seres, da especulação em 
torno dos primeiros princípios e das causas primeiras do ser. A Pata-
física teria por missão explorar os campos negligenciados pela física 
3. Jarry expõe os princípios e os fins dessa “abordagem” no romance “Gestes et opinions du docteur 
Faustrol”, definindo-a como “ciência do particular, ciência da exceção”. Durante todo o século XX, a 
proposta de Jarry, aparentemente absurda, inspirou outros autores. Existe um Collège de Pataphysique, 
fundado em 1948, que publica uma revista os “Carnets du Collège”. Nessa publicação, apareceram os 
primeiros textos de Ionesco (o criador do “teatro do absurdo”, 1090-1994), muitos inéditos deBoris Vian 
(1920-1959), Jarry ou Julien Torma (1902-1933) e os primeiros trabalhos do grupo OuLiPo.
195
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
e a metafísica. Como ciência, pressupõe-se que a Patafísica faria uso 
do método científico, recorreria a um conjunto de regras básicas para 
o desenvolvimento de um estudo destinado ao reconhecimento pela 
comunidade científica. 
Possivelmente, teríamos um conceito que remeteria a um Con-
gresso (evento construído por grande diversidade de gêneros acadê-
micos), Brasílico (instituição – termo ambíguo que pode se referir ao 
povo brasileiro como também pode remeter apenas aos povos indí-
genas brasileiros), de Patafísica (ciência das soluções imaginárias e 
das leis que regulam as exceções – o que poderia conduzir ao signifi-
cado “física do nada”?). esse Congresso acontece pela 33ª vez e, nele, 
reúnem-se pesquisadores de várias áreas, o que, em princípio, pode 
gerar surpresa dado que eventos acadêmicos congregam profissio-
nais que têm interesse nas mesmas áreas temáticas. Apesar disso, 
podemos assumir que a intertextualidade até aqui presente remete 
ao que Bazerman (2006:95) tipifica como “uso de estilos reconhecí-
veis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou de docu-
mentos específicos”, considerando-se que estamos até aqui lidando 
com a possibilidade de esse ser um gênero de divulgação científica 
que guarda características do discurso acadêmico. 
Até aqui temos a expectativa de que o texto traga informações 
resultantes de um trabalho científico. Porém, não é exatamente o 
que acontece de fato. Percebe-se com clareza o hibridismo que pare-
ce surgir da recontextualização; há, nesse texto, uma ressemantiza-
ção, que produz uma perceptível relação entre o gênero relatório de 
pesquisa e a notícia sobre a pesquisa, através do discurso de divulga-
ção em um jornal. Como percebemos que seu conteúdo não atende a 
essa expectativa inicial?
Uma leitura atenta desperta dúvida e conduz a uma certa con-
fusão. o estilo desse texto guarda alguma intertextualidade com o 
196
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
acadêmico, porém uma entidade de pesquisa normalmente não fun-
ciona de “forma semi-clandestina”, nem mesmo seus membros não 
se deixam entrevistar. o conteúdo apresentado e as expressões uti-
lizadas não parecem vincular-se a um tópico e a uma metodologia 
tradicionalmente associados ao trabalho científico.
A tese desenvolvida não representa uma tese plausível ou possí-
vel de ser estudada sob a perspectiva da ciência. A categorização dos 
seguimentos de classes sociais apresentados como A, B, C, D e E são 
inconsistentes e abstratos. 
o número de brasileiros entrevistados representa “um milésimo 
da população nacional” e, ao contrário do que está afirmado no texto, 
não é uma quantidade expressiva para a generalização das conclusões 
apontadas no resultado geral, ao final do texto. expressões emprega-
das para a classificação do grau de insanidade do brasileiro tais como 
“doidos-mais-ou-menos-varridos”, “doido-papagaio”, “doidos-fofo-
queiros”, “doido-para-ser-embromado”; os exemplos de perguntas fei-
tas e o grau de subjetividade na atribuição dos pontos a cada categoria 
de respostas não constituem proposições esperadas para um texto 
de divulgação científica. A confusão aumenta à medida que avança-
mos na leitura, provocando riso ao longo do texto, principalmente 
nos critérios de pontuação e nos percentuais do resultado. Quando 
chegamos ao fechamento, percebemos o tom de crítica do autor que, 
ironicamente, faz alusão àquelas pesquisas que não apresentam res-
postas às perguntas que motivaram as investigações.
Portanto, esse texto, embora mantenha intertextualidade tanto 
com o discurso científico quanto com o de divulgação científica, tem 
uma configuração própria. sua função é basicamente gerar humor e 
promover reflexão, favorecendo a geração de inferências fundamen-
tadas em críticas implícitas e explícitas a respeito de certos trabalhos 
acadêmicos. 
197
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
Que nome dar a esse gênero? Quantas possibilidades de compre-
ensão são geradas a partir de sua leitura? A quem ele se dirige? Quais 
as intenções de seu autor? o que está sob o seu controle e o que ultra-
passa suas intenções?
Ainda que o leitor do jornal não tenha conhecimentos prévios 
necessários para reconhecer a intertextualidade, ela não deixa de 
existir. Mas, nesse caso, teríamos um leitor que, confiante na veraci-
dade dos resultados da pesquisa, passaria a acreditar nas conclusões 
apresentadas. Mesmo que concordemos que seja muito difícil existir 
grande quantidade de leitores com o perfil de uma pessoa tão ingê-
nua, sabemos que é possível a existência de leitores sem o letramento 
mínimo necessário que os capacite a perceber o aspecto humorístico 
e crítico do texto.
Trata-se de uma paródia publicada pelo articulista sebastião nu-
nes no jornal O tempo. O escritor trata de uma vasta diversidade de 
temas e não pode ser identificado ou reconhecido como um divulga-
dor da ciência.
A pluralidade de compreensões do texto desse autor é bastante 
ampla e depende do grau de letramento e da familiaridade dos leito-
res com os gêneros acadêmicos. são fortes os indícios de que esse tex-
to destina-se a pessoas ligadas a instituições acadêmicas e científicas 
como as universidades, centros tecnológicos, núcleos de investigação, 
lugares ligados à produção de conhecimento. Trata-se igualmente de 
um texto de divulgação científica divulgado naquele jornal, que tem 
sido suporte pelo qual se veiculam resultados de pesquisa. 
Há evidências de que o autor, que escreve para esse jornal, tenha 
produzido um texto com a finalidade de criticar determinadas pes-
quisas, certos resultados de algumas investigações, dirigindo-se para 
a comunidade acadêmica, que compreende toda a terminologia – em-
pregada nos gêneros acadêmicos – de que ele se apropriou para cons-
198
A relativa estabilidade dos textos de divulgação científica: um caso de hibridismo
truir seu texto. Mas, como o público do jornal é vasto, certamente, 
houve pelo menos duas possibilidades de reação para os leitores não 
familiarizados com a composição geral do texto acadêmico (tanto o da 
Academia para os pares quanto o de divulgação científica). leitores 
mais eficientes provavelmente perceberam a crítica, e o texto pode ter 
promovido uma reflexão sobre o “fazer” científico. o mesmo efeito 
não teria sido gerado nos leitores que possivelmente acreditaram na 
veracidade das informações. logo, este teria sido um “efeito colateral” 
de um texto dirigido especialmente para aqueles que conhecem am-
bientes acadêmicos e o processo de construção dos textos na academia.
Considerações finais 
Retomando a noção de intertextualidade proposta por Bazer-
man (2006) de que, através do uso de certos tipos reconhecíveis de 
linguagem, de estilo e de gêneros, cada texto evoca mundos sociais 
particulares em que essa linguagem é utilizada, normalmente com 
o propósito de identificá-lo como parte daqueles mundos, é neces-
sário que sejam colocados em evidência os mundos de referência da 
escrita híbrida para ampliar a capacidade de percepção da intertex-
tualidade pelos leitores. 
esse texto híbrido apresentado não é um único exemplar que 
circula na sociedade brasileira. escolhido para essa análise, trata-se 
de um entre muitos textos que apresentam a forma de um gênero 
acadêmico com uma função que não lhe é peculiar: a de gerar re-
flexão e, ao mesmo tempo, satirizar a produção de um segmento 
social. Com um formato que guarda semelhanças com a estrutura 
prototípica do discurso científico, especificamente, do gênero rela-
tório de pesquisa, com aspectos que remetem a uma associaçãoao 
gênero de divulgação científica, mas que com função de crítica à 
199
Regina L. Péret Dell’Isola (UFMG)
academia, o exemplo estudado remete ao tipo de texto dissertativo 
acadêmico que é organizado, esquematicamente, pelas categorias 
canônicas de um relatório sobre as quais tratamos sucintamente: in-
trodução, justificativa, exposição, resultados discussão, conclusão. 
Tal tipo de texto é de estrutura argumentativa para justificar de 
forma avaliativa a conclusão do pesquisador. 
A partir das práticas convencionadas socialmente para a inte-
ração humana, tanto o discurso científico quanto o de divulgação 
científica são definidos como práticas sociais que têm como pres-
suposto a necessidade de se argumentar a respeito de um “saber” 
não conhecido, pouco conhecido, não explorado ou mal explorado 
na esfera acadêmica. na argumentação está embutida persuasão, 
uma vez que a ciência é movida ao serem construídos novos co-
nhecimentos. o texto híbrido analisado, ao mesmo tempo em que 
contempla características do discurso acadêmico, evidencia uma re-
contextualização a ser identificada pelo leitor: trata-se de uma clara 
amostra de um texto que procura nos enganar fazendo com que ati-
vemos uma associação com o gênero acadêmico, para mostrar uma 
construção irônica, uma paródia de um formato textual que jamais 
poderia ser um texto de divulgação científica, dado o seu conteúdo. 
Este estudo aqui realizado não se quer conclusivo, apenas abre 
uma discussão sobre o tema e permite novas perspectivas para o 
estudo de textos híbridos, sobre intertextualidade e interdiscursi-
vidade.
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203
APRESENTANDO 
o ARQuiPÉLAgo dos gênERos: 
uMA ViAgEM inTELEcTuAL
PeRon Rios (ColÉgio De APliCAção/UPFe)
Uma vela panda e acesa 
Michel de Montaigne observou, certa vez, que só podemos es-
tabelecer a identidade de alguém quando a morte, enfim, o abra-
çar1. e a frase é inteiramente aplicável a tudo quanto existe entre 
nós: animais e plantas, mas também língua e cultura. Qualquer 
paralisia que permita vislumbrar com tranquilidade um objeto nos 
leva à desconfiança de que o sopro vital que impõe o movimento o 
abandonou definitivamente. Vitalidade e metamorfose, portanto, 
consistem numa daquelas dualidades recíprocas, nas implicações 
de mão dupla que a matemática enunciaria com a expressão “a se, 
e somente se, b”. 
os seis ensaios que seguem nesta coletânea – versando a res-
peito dos gêneros textuais – serão um ato, para dizer com Rimbaud, 
de fixar vertigens (Une saison en enfer). Reflexão que, iniciada na 
senda literária há pelo menos vinte e cinco séculos, não pode estan-
car porque seu objeto se transforma sempre, em novas realizações 
discursivas. Cada texto, aqui, iluminará faces específicas desse de-
bate amplo, mas com luz concentrada sobre o papel da literatura 
1. MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Penguin Companhia, 2010. 
204
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
e de seus multimeios. A discussão, embora antiga, resguarda sua 
relevância: perceber como circulam as produções verbais significa, 
em última instância, uma tomada de consciência das novas práticas 
sociais e das exigências que elas impõem, frente aos modelos cole-
tivos que se afiguram. “Curta vida. longo mar. Por água brava ou 
serena deixamos o nosso cantar”, lembrava Cecília Meireles (“o Rei 
do Mar”). A insuficiência de nosso tempo diante de tão largo assun-
to pede, portanto, continuação: as gerações insistem em alimentar a 
chama da vela – para que os olhos vejam melhor. e no inflar do peito 
de uma vela outra – de modo que essa embarcação veleje. 
não podemos deixar de destacar o mérito da abordagem pri-
vilegiada pelo repertório, observando sempre o duplo eixo da es-
peculação técnica e da reflexão pedagógica. Afinal, se a função dos 
cursos de letras – em cujo meio Gêneros na Linguística e na Lite-
ratura. Charles Bazerman: 10 anos de incentivo à pesquisa no Brasil 
se costura – é, em boa medida, formar um corpo docenterespeitá-
vel, todo conhecimento ali produzido ou transmitido deve repensar 
suas bases epistemológicas sem jamais perder de vista uma media-
ção para espaços pedagógicos em diversos níveis. e qualquer rare-
fação meditativa que recaia sobre um desses caminhos comunican-
tes bloqueará inevitavelmente a fluidez e o arejamento do outro. 
Provisão e aventura
Para a “aventura literária” (José Paulo Paes), um quinhão seguro 
de provisões mentais. Lourival Holanda, com o estilo que habitu-
almente o singulariza, fará Um giro através da noção de gênero em 
literatura. Aqui, ele nos recordará de que a sanha classificatória se dá 
pelo desejo de ordem perante a profusão do mundo. Assim, busca-se 
evitar “a vitória do caos sobre a vontade augusta de ordenar a cria-
205
Peron Rios (UPFE)
tura”, como diria Mário Faustino, em O Homem e Sua Hora. Longe 
de ser uma malha justa, porém, o conceito sempre deixa uma mar-
gem da pele à mostra: porque algo da escritura lhe escapa. De fato, 
os gêneros são virtualmente infinitos, já que a vida à qual desejam 
responder é ilimitada e imprevisível. Aderindo à noção de multimo-
dalidade, lourival nos diz em seu ensaio: “[...] a questão de gênero, 
no contemporâneo, deixa de lado a pretensão à essência e mira na 
possibilidade, na enorme variação de classes”. Erich Auerbach, lan-
çando mão da noção de estilo, não terá outra tese em seu clássico 
Mimesis: a literatura ocidental, rompendo com as gavetas da assepsia 
genérica verificada na idade Clássica, ganhará novos contornos na 
mistura dos modos tão notórios na obra virgiliana: o estilo simples 
(As Bucólicas), o temperado (As Geórgicas) e o sublime (A Eneida). 
Fazendo o leitor perceber, de modo breve e panorâmico, a via-
gem do conceito de gênero – desde os tempos antigos de Platão, Aris-
tóteles e Horácio para logo chegar aos modernos Blanchot, Curtius e 
Genette (passando posteriormente pelos dogmáticos gustave lanson 
e Ferdinand Brunetière) –, o autor nos mostra de modo mais palpável 
a transitoriedade que poreja no corpo da linguagem. em determina-
do instante, com um jeu de mots, ele assevera: “Mesmo sob a forma 
de recusa ou paródia, a noção de texto volta; literatura vem de litera-
tura [o mercado é que vende qualquer coisa]”. 
Assim como o conceito de gênero, a própria ideia de literatu-
ra – clássica ou moderna – obedece aos desígnios de Clio e somen-
te no século XViii passa a significar o guarda-chuva de variedades 
que hoje verificamos. É o que o professor Roberto Acízelo de sou-
za, ao organizar duas obras magistrais, busca elucidar2. Supondo-se 
2. Roberto Acízelo organizou dois volumes essenciais a quem trabalha com a genealogia literária: 
Uma ideia moderna de literatura. Chapecó, SC: Argos, 2011; Do mito das musas à razão das letras. 
Chapecó, SC: Argos, 2014. 
206
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
que ela existisse, com os escritores destacados do rio do tempo (para 
usarmos a metáfora problemática de e.M. Forster3), essa literatura 
geratriz e solicitante do literário corresponderia, de todo modo, a um 
determinado mercado, que igualmente não é uma realidade abstrata 
ou hipostasiada. 
na sequência, Darío sánchez, em seu Literatura e Teatro: a pa-
lavra no palco, pensará a relação longínqua entre a arte dramática 
e o texto literário. o autor destacará o quanto o teatro, gênero ma-
tricial da literatura, resulta incontornável mesmo entre os escri-
tores contemporâneos (muitos dos quais guardando o vão intento 
de negar os núcleos da tradição). Mas não ingressa no debate sem 
antes mandar seu recado para os culturalistas mais desavisados: 
“[...] é curioso perceber que hoje, nos 450 anos de seu nascimento, 
shakespeare parece reduzido a roteirista de filmes. As novas gera-
ções, mais dedicadas aos estudos culturais, estão perdendo um dos 
maiores prazeres que a literatura pode oferecer: a leitura das obras 
monumentais do Cisne de Avon”. 
sánchez, em síntese, esclarece que os teatros clássico e mo-
derno se opõem na medida em que aquele apresenta intensa iden-
tidade com a literatura, ao passo que a dramaturgia moderna se 
divorcia das artes verbais:
3 “Scott é um romancista sobre o qual haveremos de divergir violentamente. De minha parte, não 
ligo muito para ele, e acho difícil entender por que sua reputação perdura. Por que ele teve uma boa 
reputação na sua época, é fácil entender. Há importantes motivações históricas para isso, que devíamos 
analisar se o nosso esquema fosse cronológico. Mas se o fisgamos para fora do rio do tempo, e o levamos 
para escrever naquele salão circular, junto com os outros romancistas, sua figura não impressiona tanto.” 
(FORSTER, E.M. Aspectos do romance. Trad. Sérgio Alcides. São Paulo: Globo, 2005. p. 57). O problema da 
hipótese do escritor inglês é que, justamente, não se pode sair desse rio temporal para valorar. quando 
Forster pretende isso, ele se esquece de que, na verdade, está pondo Scott não fora do rio, mas em outro 
ponto de seu leito: aquele em que nos encontramos. E de que mais adiante o autor de Ivanhoé pode ser 
novamente admirado, banhado por águas e futuras. 
207
Peron Rios (UPFE)
A oposição entre literatura e teatro obedece à evolução da 
prática teatral a partir do surgimento do Drama e dos gê-
neros híbridos, por oposição ao denominado teatro clássico, 
durante o século XiX, e posteriormente com o desenvolvi-
mento das diversas correntes do teatro moderno e do teatro 
de vanguarda na primeira metade do século XX.
entre as diversas distinções ali detectadas, uma que aflora é a 
ênfase sobre o conflito, no oitocentismo; nos novecentos, sob influ-
ência da Linguística e das teorias formalistas, a desautomatização 
do signo passou a ganhar primazia nas intenções dos dramaturgos. 
Agora, como numa vestimenta às avessas, a costura se faz explícita, 
instalando-se a recusa do jogo ilusionista. Desde o Período Clássico, 
via-se o gênero dramático enquanto uma “espessura de signos” (co-
munhão entre a palavra e a performance). Nessa linhagem de inter-
semioses, “o drama romântico e o drama moderno, o simbolismo e 
o Naturalismo, o Realismo e o diretor de cena, o Teatro do Absurdo 
e o expressionismo são alguns dos momentos cruciais no processo 
de separação entre a literatura e o teatro”. Como se poderá cons-
tatar, é um cuidadoso olhar histórico, de sucinta mas norteadora 
genealogia, que Darío sánchez cultivará em seu produtivo ensaio. 
André de Sena, com Os dois Teodoros: mutações do gótico de 
Horace Walpole e E.T.A. Hoffmann, discorre sobre o vínculo entre 
os dois autores destacados no título do ensaio. E digo vínculo, não 
oposição ou contraste porque, embora revelem em medida conside-
rável procedimentos dissonantes nas suas composições, há ali mais 
uma intervalo de maturação ou prolongamento de uma percepção 
de mundo que propriamente qualquer negação ou variação perpen-
dicular entre os escritores. 
208
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
Temos, na mesa de observação, Horace Walpole, autor d’O Cas-
telo de Otranto (1764), e o célebre e.T.A. Hoffmann, prosador fan-
tástico – na dupla acepção que a palavra agrega –, com seu conto O 
morgadio (1816). André de sena irá comparar os motivos noturnos 
presentes em ambos os criadores, sobretudo seus modos e inten-
sidades, para que uma certa genealogia do gótico e do Romântico 
seja satisfatoriamente flagrada. nos dois casos, estará presente a 
hybris – insurreição verificada na quebra da moderação racional, 
que tanto prezavam os classicistas –, mas deliberadamente ousada 
em Hoffmann, enquanto surge na criação walpoliana com timidez 
e ressalvas, feitas pelo próprio romancista em seus prefácios. 
Com efeito, em O Castelo de Otranto se verificam tanto a clás-
sica verossimilhança quanto a extrapolaçãotípica do Romantis-
mo consolidado: fusão entre a mimese documental e o imaginário 
excedente, característico do horror gótico. e se, por um lado, o 
terror walpoliano se retrai e paga tributo à cartilha classicista, ali 
já se notabiliza, em contrapartida, o anseio romântico de desregu-
lamentação dos gêneros, de abertura liberal das fronteiras. A mis-
tura dos estilos, por exemplo, até então evitada, aqui receberá seu 
elogio, como sena observa: “A presença de personagens plebeus, 
explicitada de forma negativa no primeiro ‘Prefácio’, agora será 
percebida sob um novo prisma, também pioneiro no que toca aos 
estudos sobre a binomia romântica – a conjunção entre o sublime 
e o grotesco. Ariel e Caliban”. 
Muito embora devedor dos avanços de Walpole, O morgadio, 
por sua vez, absorverá de modo mais arrojado os parâmetros da 
nova estética. Fazendo-nos vislumbrar o quanto Hoffmann leva 
a imaginação a limites efetivamente românticos (e não mais de 
moldura clássica), sena finalizará seu elucidativo texto mencio-
nando certa recepção negativa que, naturalmente (como ocorre a 
209
Peron Rios (UPFE)
tudo o que rompe alguma inércia), Hoffmann experimentou. o Sir 
Walter scott, digno de ressalvas como as que já pontuamos nesta 
apresentação (advindas de e.M. Forster) e em tudo avesso ao claro 
hybrismo ali presente, faria duras restrições à escrita inovadora 
d’O morgadio. o que, aliás, em nada nos deve causar espanto, uma 
vez que a criação scottiana se apoia, em pleno Romantismo, numa 
sensibilidade realista avant la lettre – similar à que györgy lukács 
denuncia, em seu livro O romance histórico. 
O capítulo 11, Sagas Fantásticas e o Novo Perfil de Leitor, subs-
crito por Fabiane Burlamaque e Pedro Barth, responde às urgentes 
demandas de seu tempo. Efetivamente, depois da polêmica decla-
ração da escritora Ruth Rocha (“Harry Potter não é literatura”4), o 
debate a respeito da inclusão ou do alijamento de obras com na-
tureza semelhante às de J.K. Rowling se inflamou. Ao retomarem 
o assunto de modo mais especulativo do que axiológico5, os auto-
res mostram que, de antemão, tais fenômenos contemporâneos ao 
menos pertencem a um gênero consagrado pela literatura: a saga. 
Apoiados em Alberto garcía e em eloy Martos núñes, defen-
dem a transfiguração do gênero, reemoldurado pelo público-alvo 
atual, experimentando formas, usos e suportes contemporâneos. 
Tudo isso é que mantém vivo qualquer gênero de texto:
[...] sagas fantásticas, segundo esses autores, se converteram 
em um fenômeno que arrasta um público muito heterogêneo 
e variado (não somente jovens) e cujo êxito transbordou os 
conceitos de autor, gênero e livro, filme ou revista em quadri-
nhos, para situar-se em outras coordenadas mais amplas e, 
4. Cf. http://on.ig.com.br/palavra/2015-04-27/ruth-rocha-comemora-50-anos-de-carreira-harry-potter-
nao-e-literatura.html (acesso em 10/08/2015). 
5. Como se verá, à emissão explícita de juízo crítico prévio referente às sagas fantásticas, Barth e 
Burlamaque preferem entabular análises dos procedimentos técnicos e das circunstâncias de recepção 
das obras. 
210
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
além do literário, a multiplicação dessas ficções em formatos 
tão diferentes como a revista em quadrinhos, a televisão, o 
cinema ou os jogos de estratégia. 
 
Em seguida, podemos fazer uma varredura no conceito por-
que os ensaístas oferecem a definição clássica de saga e relatam os 
processos que foram mantidos até os dias de hoje (os laços com a 
mitologia, por exemplo) ou que se alteraram, respondendo melhor 
ao nosso tempo: o hibridismo típico da “pós-modernidade” é o caso 
talvez mais relevante. Vale advertir, ainda, que mesmo a utilização 
dos mitos como cimento literário ocorre com o diferencial moder-
no da paródia ou da estilização. ou seja, semas de semelhança e de 
diferença convivem agregando os tempos e arejando a narrativa. 
A relação entre psicologia e literatura é recuperada, então, para 
se fazer, a partir da ideia de paracosmos (mundo paralelo e imagi-
nativo), a aferição do quanto uma criança que viveu o vigor da pro-
jeção em gêneros como as sagas contemporâneas – repletas desse 
destaque radical do mundo empírico – se comporta no jogo social. 
na saga fantástica, a criação desse mundo que se ergue necessita de 
uma plasticidade, uma visualidade muitas vezes concretizada em 
paratextos cartográficos. outras especificidades do novo gênero 
serão detectadas por Barth e Burlamaque: o caráter multimídiatico 
das narrativas, a presença de fanfictions (leitores interativos), a ex-
trapolação de um único volume para a composição de verdadeiras 
séries etc. A defesa dessa nova literatura se fará pela pauta do leitor 
revigorado, com leituras extensivas que reúnem vários códigos e 
linguagens. Um leitor, em certa medida, até mais exigente e reivin-
dicativo – porque pode emitir suas impressões aos próprios escrito-
res ou ainda às comunidades de leitura a que ele pertence.
211
Peron Rios (UPFE)
Os dois últimos estudos vão destinar sua atenção, mais en-
faticamente, ao ensino de literatura – área carreada de impasses, 
muito por conta da negligência dos cursos de Letras para uma de 
suas funções basilares: a de formar professores. o ensaio de Hélder 
Pinheiro (Poesia, Oralidade e Ensino), trazendo um título quase au-
toexplicativo, transita pelas especulações sobre três eixos: a própria 
ideia de poesia, a oralidade que ela pede e o instante da docência. 
Ao discorrer sobre o primeiro tópico, Pinheiro procura elen-
car algumas concepções de poesia, para mostrar seu caráter fluido, 
ao modo de Proteu. Aqui, ele constata que toda e qualquer tenta-
tiva de flagrar um poético paralisado é completamente vã: como 
na Química, o que se pode fazer é adivinhar-lhe o orbital – lugar 
em que é máxima a possibilidade de surpreender o poético/elétron. 
Ainda que propondo práticas centradas na primazia da hermenêu-
tica, o professor sublinha um problema considerável do ensino bra-
sileiro de literatura: a apatia docente frente ao próprio objeto com 
que pretendem os professores inflamar os seus alunos. o escritor 
André Malraux, em L’homme précaire et la littérature, observava 
que o discurso literário, ao contrário de tantos outros, não conven-
ce o leitor pelo rigor lógico, senão pelo contágio. Ora, mas parece 
evidente que não se pode contagiar alguém com uma febre que não 
se possui; e é pela indiferença à linguagem poética, recorrente nos 
formadores, que Hélder Pinheiro aconselha: “se o professor ain-
da não experimentou este ‘estado poético’ a que se refere o crítico 
[Paul Valéry] ou se já experimentou mas não se deu conta desta 
experiência, seria interessante buscar uma vivência com a leitura 
do poema de modo mais cuidadoso”. 
Encontramos o ponto alto do ensaio nas inquisições a respei-
to da oralidade a que a poesia se submete. Aqui, Hélder Pinheiro 
212
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
é certeiro quando nos lembra que o texto deve ganhar vida com 
todos os recursos disponíveis da enunciação (gestos, olhar, tom 
de voz, movimento). Entretanto, a performance vocal deve receber 
primazia na realização do poema. É o que o saudoso Paul zumthor, 
convocado pelo ensaísta, nos afirma: “Melhor do que o olhar, a face, 
a voz se sexualiza, constitui (mais do que transmite) uma mensa-
gem erótica”. Pinheiro insiste para que a proclamada multiplici-
dade de leitura comece no próprio ato de emprestar som ao texto: 
vários alunos devem ler o mesmo poema, com variações melódicas, 
pausas mais longas ou mais breves etc. O poema, como na música, 
só ocorre com a vitalização pela voz (ainda que mental), do mesmo 
modo que os instrumentos fazem as notas de uma partitura real-mente acontecerem. 
As considerações acerca do ensino, por sua vez, se ancoram em 
dois pontos principais: a importância de não escolarizar excessiva-
mente a literatura (o que retira o potencial primevo da arte) e a ne-
cessidade de socializar a leitura sem que limitadoras hierarquias im-
ponham sua presença. Quanto ao primeiro quesito, Pinheiro adverte: 
Os poemas trazem um saber sobre o mundo, mas um saber 
permeado pela vivência, pela percepção sensorial do referi-
do mundo. Não necessariamente um saber racional, ou, me-
nos ainda, uma espécie de didática, de lição, embora muitas 
vezes a escola se aproprie do texto literário apenas pensan-
do em lições e informações que os textos possam trazer. o 
que me ensina, portanto, um poema? ou ainda: como o po-
ema me ensina alguma coisa? Enfrentar estas questões, sem 
cair no didatismo, me parece essencial para pensar o lugar 
da literatura na escola e na vida. 
213
Peron Rios (UPFE)
A convivência entre o literário e o espaço escolar, nunca é de-
mais sublinhar, é tensa e ambígua: infração do signo para gerar a 
inflação do olhar, a poesia entra em rota de colisão com uma insti-
tuição que já foi, de forma precisa, comparada às prisões. Foucault 
dixit6. De tal modo, a poesia na escola é uma subversão controlada – 
o que gera um paradoxo digno de Drummond, com seus “claro enig-
ma”, “paixão medida” ou “impurezas do branco”. o segundo tópico 
abordado por Hélder Pinheiro no âmbito do ensino (a socialização) 
descreve a partilha da experiência literária como um modo de alar-
gar (ou corrigir, quando for o caso) a leitura, sem que uma autori-
dade detentora do sentido emerja e silencie a todos, transformados 
etimologicamente em meros alunos, indivíduos sem luz interna ou 
viva inteligência.
Finalizando o périplo reflexivo, Maria Amélia Dalvi oferece os 
resultados de uma pesquisa realizada durante um ano (agosto de 
2013 a julho de 2014). nessa investigação, o grupo representado por 
Dalvi dedicou-se à análise – a partir do gênero entrevista e de docu-
mentos escritos pedagógicos e oficiais – da situação docente na cida-
de de Vitória/es, abrangendo o arco temporal de vinte e cinco anos 
(1985-2010). O artigo (Literatura dos anos iniciais ao ensino superior: 
contribuições do gênero entrevista à pesquisa e à formação docente) 
dará prioridade, porém, à análise das enquetes e dos depoimentos em 
vídeo. o trabalho, de largo rigor metodológico e padrão ético infle-
xível (o leitor terá a oportunidade de verificar), tinha como objetivo 
“colaborar para o engendramento de uma história da educação leito-
ra e literária local, em correlação com a história da educação leitora 
e literária no Brasil, no mesmo período [...]”. Todo esse empenho con-
tou com o teórico suporte de Mikhail Bakhtin, Peter Burke, Michel 
de Certeau e Roger Chartier, que abordam a leitura segundo uma voz 
6. Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. 
214
Apresentando - O arquipélago dos gêneros: uma viagem intelectual
plural, descentralizada e culturalista. As ferramentas da história oral 
pautada em Verena Alberti foram outro elemento altamente valori-
zado pela investigação. Um dos dados curiosos que a pesquisa nos 
revela: além do caráter formativo (a inquisição viabiliza a heuresis, 
afinal), as entrevistas proporcionaram um “efeito ‘terapêutico’ ”. eis 
a linguagem, portanto, exercendo suas funções fármaca e cosmética, 
como Platão já reparava. É nesse momento, portanto, que o gênero 
entrevista extrapola sua condição instrumental para se transformar 
no próprio objeto de exame. 
Alguns resultados reforçam, infelizmente, os modelos enges-
sados que guardamos da educação brasileira. A título de exemplo: 
os professores lamentam recursivamente a falta de interesse dos 
alunos ou de tempo hábil para que as atividades literárias sejam 
desenvolvidas; desconhecem o que seus alunos leem fora da sala 
de aula e relatam a dificuldade inicial para lidar pedagogicamente 
com a literatura – sintoma da pouca importância que nossos cur-
sos de letras dedicam à formação docente. Fundamental, porém: 
um dado colhido confirma hipótese da investigação e caminha na 
contramão de boa parte das percepções atuais do ensino de lín-
gua. É o que Maria Amélia Dalvi nos assevera: “Reiteramos, ain-
da, a partir de leahy, que é possível pensar a educação literária 
como uma disciplina relativamente autônoma (como área apendi-
cial de ‘língua Portuguesa’) dentro do currículo escolar – embo-
ra não goze desse prestígio, no contexto histórico estudado [...]”. 
Conclusão polêmica e instigante, que vem revigorar a água parada 
daquilo que, uma vez revolucionário, volta inerte para adormecer 
no colo do senso comum. 
em suma e para finalizar: estas seis ilhas, agregadas no pre-
sente volume – formando o arquipélago reflexivo sobre os gêneros 
de textos – foram contornadas, sem dúvida, com máxima técnica e 
215
Peron Rios (UPFE)
paixão, pelos ensaístas acima elencados. Resta a contrapartida da 
atividade escritural, a outra metade imaginativa a que se referia 
Valéry: o ataque da leitura. e que se realize a plena degustação do 
que, nesse primeiro momento, foi um simples e pálido aperitivo. 
PaRtE 2
Literatura
217
8
Um giro através da noção de 
gênero em literatura
loURiVAl HolAnDA (UFPe)1
Há questões que volta e meia retornam à discussão: o objeto se-
gue sendo aparentemente o mesmo, mas a perspectiva renova sua 
percepção. Assim, a questão dos gêneros em literatura. A cultura 
contemporânea exacerbou a democratização dos valores e dessacra-
lizou, ou pôs em suspeição, o peso de hierarquias e taxonomias. os 
grandes sistemas classificatórios ficaram saturados (quase na acep-
ção que os químicos dão à palavra); sem, no entanto, perder sua va-
lidade referencial. se a questão volta à discussão é porque a presença 
das classificações ainda está aí; e seguindo os três movimentos cos-
tumeiros: a emergência do fato literário, sua produção; a necessida-
de de racionalizar o real de tal produção; e uma marcada retração 
na conformação, quando as formas literárias já ficam enquadradas 
nas normas classificatórias. A partir daí o costume tem força de lei: 
o peso do mores maiorum – ou: o que vem sendo assim desde a 
tradição. A escola faz interiorizar o esquema – que doravante é inte-
grado ao sistema literário. Uma certa lógica conjuntista projeta nos 
gêneros a hierarquia com que o grupo organiza seu mundo e assim 
lhe dá sentido: direção e significação. o modo de organização e clas-
sificação é a própria época concretizada em pensamento. serve como 
peneira epistemológica: por aí passam as valorações de um tempo. 
1. lourivalholanda@yahoo.com.br
218
Um giro através da noção de gênero em literatura
Uma classe hegemônica propõe – quase sempre: impõe – certa ho-
mogeneização de mundo que, por economia mental de inércia, se 
mantém.
É assim que o imaginário social da época de Virgílio percute em 
sua reorganização dos gêneros. os estilos correspondem às hierar-
quias daquele imaginário: os ofícios, as árvores, os animais, tudo fica 
codificado. se o poeta fala sobre pastores, o modo deve ser o stilus 
humilis; se sobre camponeses, então o stilus mediocris; mas, se sobre 
tema heroico ou guerreiro, então o stilus gravis. Ainda: a cada esti-
lo corresponde uma árvore simbólica; o carvalho, árvores frutíferas 
ou o louro ou o cedro, no caso de temática guerreira. o mundo se 
codifica nestas “enciclopédias”, nestes protocolos. É um imaginário 
organizador de mundo – assim agem a ciência ou a religião: uma 
racionalização para amansar a fereza do absurdo possível, do sem 
sentido que sempre ameaça o mundo cotidiano. 
sua forma de transfigurar o real em inteligível deixa de ser uma 
aventura de um momentohistórico e se pretende razão única. A mo-
dernidade reage com veemência a essa homogeneização [no sentido 
dos cosmólogos: a definição de gêneros se impondo independente-
mente do lugar e da cultura onde foi instituída]. novas formas pe-
dem novas normas. 
nos anos 60, especialmente na França, a questão de gênero em 
literatura chegou ao extremo de ficar ameaçada de extinção. Pre-
mência da paixão de certos momentos históricos. A dificuldade de 
classificar se resolvia pelo rechaço da classificação. Passou-se do la-
xismo conceitual à negação. o pensamento contemporâneo, sobre-
tudo a partir daquele contexto e sob o impacto das ciências e das 
tecnologias, é cada vez mais avesso às prescrições fechadas, impo-
sitivas. no entanto, mesmo no mundo das ciências, a classificação 
segue sendo uma questão incontornável: é o primeiro constituinte 
219
Lourival Holanda (UFPE)
de qualquer definição. e, até a Revolução Francesa, o mundo se or-
ganizou em categorias. se as definições não têm mais o mesmo peso 
definitivo de arbítrio, sua pertinência permanece. [Mesmo quando, 
como na quântica, o cientista assume a limitação da definição, como 
Heisenberg; no mundo subatômico, é impossível dar conta de volu-
me e lugar; assim o homem de ciência recorre à figura, à analogia – 
que em literatura é, desde muito, um modo de conhecimento].
Um giro pelos gêneros: periodicamente os gêneros são questio-
nados. A geração mais recente conquistou sobre a nossa uma maior 
liberdade na discussão das questões de gêneros literários. Perdeu o 
temor da especulação heterodoxa. Há pouco, as discussões e contro-
vérsias levantavam mais que os entusiasmos: às vezes, os punhos. 
Discussões carregadas de humores, obsessões, azedumes. Choque 
de encouraçados – que paralisavam o debate. À destreza da razão 
classificatória, os mais novos repõem a astúcia do desejo inventivo. 
Constroem por entrecruzamentos de registros, de possibilidades. A 
cultura Web 2.0: interação com outras linguagens; que, de tão rica 
em possibilidades, torna mais complexa a análise, por exemplo, de 
um poema de Jussara Salazar onde o elemento sonoro, o pictural, o 
textual, tudo se funde num efeito feliz de surpresa e comoção. 
Há que se levar em conta a contingência valorativa das classifi-
cações: os valores são, em larga parte, tributáveis da história, do mo-
mento cultural. no século XVii, Bossuet condena veementemente a 
comédia: o Cristo nunca teria rido... Como parte de um pressupos-
to de doutrina, seu sistema é deliberadamente fechado; daí diferir 
tanto de um Lessing, mais linkado com a sensibilidade estética mo-
derna. Bossuet não pensa os antigos, ele os repete; por isso facil-
mente condena com veemência. Bem poderia ser uma fantasia de 
Jorge luís Borges; ou o mesmo gesto de condenação do outro Jorge, 
já personagem de Umberto eco, em O nome da rosa. No entanto, a 
220
Um giro através da noção de gênero em literatura
base referencial dos gêneros permanece. James Joyce, em Dedalus, 
vai se confrontar com a tradição; com o intuito de renová-la. o épico 
enquanto relação intermediária entre si e o mundo. o lírico como 
apropriação de um mundo; ou: a relação imediata consigo. o drama 
como a pressão do outro; ou: a relação imediata com os outros. Mas, 
ao menos em literatura, as coisas não se resolvem num quadro con-
ceitual imutável. A sátira, dita menipeia, já é a conjunção de prosa 
e poesia; admite, desde o início, grande variação de metro: versos 
longos, curtos, experimentais; um gênero mesclado, driblando te-
mática e forma definidoras. Poetas modernos – que já embutem o 
crítico na sua prática poética – vão ver no poema, ser de linguagem, 
uma dimensão dialógica: há sempre um interlocutor fictício, virtual; 
toca então a tensão dramática do tu – antes, própria do drama. ossip 
Mandelstam reivindica essa dimensão dialógica que o lírico também 
convoca. No contemporâneo, o embaralhar as cartas faz parte das 
regras do jogo. Por essas e outras, o entendimento de lessing está 
mais próximo do nosso. e, para avançar sobre essas questões hoje, 
um nome irrinunciabile. Por isso, temos a recuperação das noções 
fundamentais de gênero – mesmo no momento em que pareciam 
entrar em crise conceitual, com Todorov, Genette e Barthes. 
Questão antiga e atual: desde Platão [em Filebo] há alusão aos 
gêneros: há o geral de uma figura e, segundo ele, um número enorme 
de modalidades. Platão põe a ênfase no modelo; nós, nas modalida-
des. A filosofia clássica carregava no termo “essência”; a contempo-
rânea, suspeitosa, à essência prefere as modalidades. A hegemonia 
daqueles princípios traduzia um momento cultural também mais 
hegemônico culturalmente. no momento de Aristóteles e Platão, 
prevalece a noção de princípio; na nossa, a de potência. 
A questão lógica desemboca na questão ontológica: podemos 
definir um gênero como alguma coisa de imune ao tempo? Quem 
221
Lourival Holanda (UFPE)
é fiel a sua carteira de identidade? ela é o que fomos; e, ao mesmo 
tempo, há uma constância no nosso devir: ainda sou aquele ali re-
tratado. A noção de identidade de gêneros pode ser entendida assim. 
[não como a noção de identidade em matemática: a repete a. Não 
repetimos etapas da vida, mas seguimos esse gerúndio rico: vamos 
sendo vida a fora. Aristóteles resolveria a questão dizendo estar ali 
nossa substância segunda – expressão necessária, mas não de defini-
ção exclusiva (em Categorias, 5, 2b)]. Portanto, a questão de gênero, 
no contemporâneo, deixa de lado a pretensão à essência e mira na 
possibilidade, na enorme variação de classes. A ciência ajuda a ver 
de modo prático: as mangas já aparecem nos textos clássicos da Ín-
dia, no século iV; e as mangas advindas de enxertos e manipulações 
genéticas, essas nunca existiram antes, na natureza... A classificação 
se alarga porque o real da produção literária, sobretudo na cultura 
contemporânea, é mutação exacerbada, vertiginosa. 
Há uma marcada prevalência inaugural: um canto, uma odis-
seia. só depois é que vem a expectativa de ouvir de novo. o gênero 
começa com essa expectativa. Depois, a classificação, a gramática 
daí deduzida. Assim, cada vez que há um ajuntamento em torno da 
expectativa de um canto, da alegria grave de ouvir uma odisseia, 
ali já radica um gênero. Com as variações de tom, de timbre, as va-
riações de expectativas; e um sistema de expectativas já prenuncia 
o gênero que assim se cria e consolida. O contemporâneo quebrou 
esse pacto subliminar: o leitor espera ser surpreendido. o mercado, 
a mão invisível de que falou Adam smith, cedo entendeu isso e pôs 
a seu favor: a novidade virou sinônimo de valor em si – sobretudo 
levado pela pressão permanente da trilogia mercado-tecnologia-
-mídia. os critérios de classificação obedecem menos à necessidade 
de secionar áreas para melhor compreender e mais à pragmática da 
extensão do consumismo generalizado. 
222
Um giro através da noção de gênero em literatura
Desde a entrada da Poética, Aristóteles delimita e expõe as opo-
sições com o intuito de classificar os gêneros. Tal classificação pesou 
demais sobre a tradição; e dá para entender, volta e meia, o gesto 
desenvolto das insurgências contra as classificações. Questão anti-
ga e atual: desde Platão [Filebo] há alusão aos gêneros: há o geral 
de uma figura e, segundo ele, um número enorme de modalidades. 
Platão põe a ênfase no modelo; nós, nas modalidades. no entanto, 
nem tudo é definitivo, sem espaço à controvérsia. Quando Aristó-
teles fala de poiètikè, deixa a noção em aberto, porque compreende 
muita coisa; comentadores e tradutores trabalham o termo mimese 
[47 a 13] como imitação, como representação e, recentemente, como 
ficção (Käte Hambuger e mesmo gérard genette). 
Mesmo sob a forma de recusa ou

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