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TRATAMENTO DO “DANO EXTRAPATRIMONIAL” EM DECISÃO JUDICIAL Geilson Carlos Silva de Lima RESUMO Com enfoque no Direito Constitucional do Trabalho, o presente estudo visa realizar a análise da sentença exarada no processo trabalhista RTOrd 1000917- 19.2018.5.02.0057 em tramitação no TRT da 2ª Região em São Paulo/SP. A escolha da sentença tem relação com o tema “dano extrapatrimonial” nos termos previstos no art. 223-G, § 1º da CLT, que inovou no mundo jurídico ao trazer limites aos valores das indenizações no âmbito trabalhista, gerando tratamento não isonômico quanto a forma que o tema já vinha e continua sendo tratado no âmbito do Direito Civil. INTRODUÇÃO Nesse momento constitucional dos direitos, onde se busca que todo o ordenamento jurídico deva seguir os parâmetros definidos na Carta Magna, algumas tentativas de inovação que ameacem reduzir essa amplitude protetiva conquistada historicamente provocam reações de diferentes frentes. É o caso da Reforma Trabalhista, que, em vários pontos, tem produzido debates e contraposições sobre várias das alterações promovidas na CLT. Especialmente no que se refere ao tratamento dado aos danos extrapatrimoniais. Vozes doutrinárias já entendem tais mudanças como atitude legislativa de desconstitucionalização de direitos1. Sendo assim, a análise da decisão escolhida tem como foco mostrar, nesse caso particular, o entendimento de que a introdução da matéria dos danos extrapatrimoniais na legislação trabalhista, na visão do julgador, é insuficiente e inconstitucional, tendo em vista o viés discriminatório ou anti-isonômico que se obtém ao aplicar nas condenações por danos morais as regras trabalhistas ao invés do arcabouço protetivo do direito civil. Posição que 1 PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto. A Reforma Trabalhista e seu impacto sobre a igualdade e a democracia do trabalho. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v.21, n.41. p..56. Disponível em: periodicos.pucminas.br/index.php/ Direito/article/download/18553/13890. Acesso em: 11 jun 2019. parece, nesse caso, condenar o esvaziamento do princípio da igualdade em sentido material.2 Por isso, no presente estudo, faz-se o recorte explicativo sobre o posicionamento do julgador em relação à não aplicação das alterações trazidas pela reforma trabalhista, especialmente a decisão de desconsiderar as determinações do art. 223-G, § 1º da CLT. O DANO MORAL NA DECISÃO JUDICIAL A sentença em comento foi proferida nos autos do processo RTOrd 1000917- 19.2018.5.02.0057, que além de tratar de direitos tradicionais, também envolve pedido de dano extrapatrimonial em sua pretensão. Resumidamente, trata-se de reclamante que trabalhou para a reclamada por 6 anos e 10 meses e ao longo desse período laboral descobriu que estava com câncer, enfermidade de conhecimento do empregador, que, segundo os autos, o despediu mesmo nessas condições. O autor desta postulou na ação indenização por danos morais em face de dispensa discriminatória, diferenças de verbas rescisórias, integração de gorjetas, diferenças de horas extras e de adicional noturno e reflexos, bem como a concessão de benefícios da justiça gratuita. Das teses julgadas na decisão aqui analisada, destaca-se a que trata do pedido de indenização por danos morais, considerada na seara trabalhista como categoria de “dano extrapatrimonial”, tema a ser extraído da sentença para análise, visando indicar onde se situa a decisão e seus efeitos práticos quanto a sua aplicação diante das mudanças introduzidas pela lei 13.467/2017 no mundo jurídico. Primeiramente, o destaque é devido à dificuldade de mensuração desse tipo de dano, por se tratar de violação a um direito inespecífico previsto no ordenamento jurídico, constitucional e infraconstitucional, e bastante debatido jurisprudencial e doutrinariamente, o qual continua exigindo muita análise e despertando bastante polêmica, principalmente na esfera laboral. Segundo, devido a forma de mensuração de valores a serem pagos quando das condenações nos mais diversos tribunais do país. 2 Essa é também a percepção apresentada por Iris Soier em publicação na Revista do TRT da 3ª Região, trabalho que analisa algumas mudanças introduzidas na legislação trabalhista por meio da Lei n.13.467, de 13 de julho de 2017. ANDRADE, Iris Soier do Nascimento de. 30 anos da Constituição Cidadã e a tentativa de esvaziamento de direitos sociais trabalhistas pela Lei 13467/2017. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v.64, n.98, p.45-58, jul./dez. 2018. Terceiro, pela imposição de limites trazidos pela Reforma Trabalhista, estabelecendo gradações e aportes a serem pagos de acordo com a gravidade do dano, além o quantum de indenizatório de acordo com a remuneração do empregado. Na decisão escolhida, ao discorrer sobre a dispensa discriminatória, o magistrado registra que a reclamada, em sua contestação, alega que “teve conhecimento da doença do reclamante e de sua gravidade apenas com a citação para o processo” e que “a afirmação do reclamante é "risível" e que, de qualquer modo, a dispensa estava inserida dentro do poder de gestão do empregador, arrematando, por fim, que câncer não é doença estigmatizante ou contagiosa“. Tal argumento de defesa considerada com “falaciosa” pelo magistrado, que aponta contradição em relação às provas apresentadas nos autos. Nesse ponto, entende o julgador que a reclamada agiu de forma totalmente desumana, cruel e arbitrária com relação ao reclamado. O julgador ainda reforça dizendo que o empregado foi “descartado pelo empregador, tratado como um objeto, algo que se despreza quando está quebrado, como se não tivesse mais utilidade ou valor”. Conforme expõe nos autos, o magistrado conclui haver discriminação e que esta ocorreu disfarçada de dispensa sem justa causa, tendo como justificativa, o poder de gestão do empregador, afirmando o julgador em sua decisão final que esse poder não é ilimitado. Como fundamento para a não-discriminação o magistrado menciona o art. 1º, “a” da Convenção 111 da OIT3 que versa sobre o combate a casos de discriminação em matéria de emprego e profissão. Assim como acontece na área cível comum, ao importar para a seara trabalhista a proteção jurídica sobre esses males, não deve ser descaracterizada ou reduzida de maneira que deixe de refletir com razoabilidade quando da apreciação da intensidade relacionada à humilhação, superação da vítima, reflexos e extensão da conduta do ofensor, das condições em que ocorreu o dano e o grau de dolo ou culpa, na mesma linha de Luciano Viveiros.4 A decisão em comento parece trazer afinidade com esse entendimento propositivo. 3 Cabe destacar que esta convenção também faz referência à declaração de Filadélfia e à Declaração Universal dos Direitos do Homem. 4 VIVEIROS, Luciano. CLT Comentada pela reforma trabahista (Lei nº 13.467/2017). 9.ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p.145. A MENSURAÇÃO DO VALOR DO DANO Na sentença em análise observamos que o magistrado, entendendo não ser razoável a sistemática adotada pela Reforma Trabalhista para mensurar a indenização por danos extrapatrimoniais, não concorda com os parâmetros limitadores trazidos no art. 223-G, § 1º da CLT5 quanto ao estabelecimento de limite de arbitramento. Nesse sentido, afirma na decisão que é uma medida “notadamente inconstitucional”, tendo em vista que não se pode, em sua visão, utilizar o valor do salário do indivíduo como base de cálculo ou como teto para o pagamento de indenização. Existe quem defenda que há possibilidade legal de superar essas limitações utilizando-se subsidiariamente o Código Civil, conforme afirma Severo e Souto Maior.6 Depreende-se, na decisão do magistrado, que a interpretaçãoextraída da Reforma Trabalhista a esse respeito, resulta em absurdos. Nesse particular, exemplifica ilustrando a hipótese de “um acidente com um elevador, onde estivessem presentes um operário, um ajudante e um engenheiro e que todos tivessem perdido o mesmo membro superior (o braço direito, por exemplo) cada um mereceria uma indenização diferente, em razão dos salários distintos, circunstância que, de per si, é injurídica, pois a dignidade de um não pode valer mais do que a dos outros dentro de um mesmo acontecimento, no mesmo lugar e ao mesmo tempo”. Esse ponto da decisão converge ao que diz Godinho Delgado7 que advoga a corrente de que o tratamento do dano extrapatrimonial na CLT tenta implementar uma absolutização do tarifamento não autorizado pela constituição. 5 Dianta polêmica mudança acrescida à CLT pela Reforma Trabalhista, entende-se importante afixar neste trabalho a referência aos pontos do artigo que se reputa importante em relação aos fatores quantitativos formadores do quantum indenizatório: CLT, Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: (…) § 1o Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido. (grifo nosso) 6 SEVERO, Valdete Souto; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Manual da Reforma Trabalhista: Pontos e Contrapontos. Acesso em: 08 jun 2019. Porto Alegre: AATSP, 2017, p.85. Disponível em: http://www.aatsp.com.br/wp-content/uploads/2018/09/Valdete-Souto-Severo-e-Jorge-Luiz-Souto-Maior-Manual-da- Reforma-Trablhista-Pontos-e-Contrapontos-2018.pdf. 7 (…) Se não bastasse, o art. 223-G, § 1º, incisos I até IV, estabelece tarifação da indenização por dano extrapatrimonial, se esquecendo que a Constituição da República afasta o critério de tarifação da indenização por dano moral, em seu art. 5º, V, ao mencionar, enfaticamente, a noção de proporcionalidade. Nesse contexto, a interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica desses dispositivos legais rejeita a absolutização do tarifamento efetuado pela nova lei, considerando a tabela ali exposta basicamente como um parâmetro para a fixação indenizatória pelo Magistrado, mas sem prevalência sobre a noção jurídica advinda do princípio da proporcionalidade-razoabilidade. GODINHO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 146. Tudo isso demonstra que a medida decisória sobre os direitos em questão não está dissonante com o posicionamento histórico do STF e do STJ, defendendo que estas Cortes “já firmaram entendimento no sentido de que a indenização por dano moral não está sujeita a valores tarifados (STJ, súmula 281)”. Em conformidade com esse viés protetivo, o qual defende a que praxe normativa o nosso ordenamento deve obedecer, qual seja, os parâmetros constitucionais rígidos. Assim, destaca o princípio da reparação de acordo com a extensão do dano, de que é exemplo o inc. X, do art. 5º da CF. Ao tratar do valor da indenização, o magistrado assevera que considerada a gravidade da conduta da reclamada, este valor não pode ser irrisório ou insignificante, devendo, portanto, levar em conta a capacidade de pagamento do responsável pelo dano, cuidando para que não leve ao enriquecimento sem causa por quem postula o direito. CONSIDERAÇÕES FINAIS A decisão analisada, no que se refere à proteção do dano extrapatrimonial, é um exemplo no qual o magistrado preocupa-se em não chancelar abusos trazidos em uma norma infraconstitucional que, em contraposição aos preceitos constitucionais e de direitos humanos, reduzem a tutela razoável, proporcional e necessária à implementação da dignidade da pessoa humana. Desse ponto de vista, em respeito ao princípio da proibição do retrocesso social, necessário se faz esse olhar corretivo do judiciário no sentido de adequar os contornos da norma trabalhista aos parâmetros constitucionais, não permitindo mitigações - ao passo que representa um direito fundamental – o que não é autorizado nem em caso de edição de emendas constitucionais, nos termos do art. 60, § 4º, IV da Carta Magna. Apesar da intenção do magistrado ao entender inconstitucional e arbitrar a decisão nesse sentido, o mesmo ainda não se pode afirmar da decisão em grau superior naquela corte, que parece ainda preso aos parâmetros introduzidos pela reforma, pelo menos ao se analisar alguns acórdãos decididos naquele tribunal, como, por exemplo, nos RO’s 0002235- 30.2015.5.02.0002, 0000481-26.2015.5.02.0011, 0001518-58.2015.5.02.0021, 0002744- 68.2013.5.02.0086, 0001451-84.2012.5.02.0058, entre outros. Espera-se que além do poder judiciário, outras instituições e a sociedade civil organizada possam mover-se na defesa de direitos fundamentais com um pensamento protetivo-constiitucionalista, laboral e geral, não apenas sobre o tema dos danos extrapatrimoniais8, mas também da tutela da gama de direitos que objetivem realizar a dignidade da pessoa humana. É nesse sentido, tal como fez o julgador da sentença apreciada neste trabalho, que esse movimento pode ecoar e provocar mudanças positivas na qualidade das leis promulgadas e em sua aplicação nas mais diversas situações em concreto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Iris Soier do Nascimento de. 30 anos da Constituição Cidadã e a tentativa de esvaziamento de direitos sociais trabalhistas pela Lei 13467/2017. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v.64, n.98, p.45-58, jul./dez. 2018. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/Revista-98.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.Acesso em: 09 jun. 2019. BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 09 jun. 2019. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>; . Acesso em: 10 jun. 2019. DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto. A Reforma Trabalhista e seu impacto sobre a igualdade e a democracia do trabalho. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v.21, n.41. Disponível em: periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/download/18553/13890. Acesso em: 11 jun 2019. SEVERO, Valdete Souto; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Manual da Reforma Trabalhista: Pontos e Contrapontos. Acesso em: 08 jun 2019. Porto Alegre: AATSP, 2017, p.85. Disponível em: http://www.aatsp.com.br/wp-content/uploads/2018/09/Valdete-Souto-Severo- e-Jorge-Luiz-Souto-Maior-Manual-da-Reforma-Trablhista-Pontos-e-Contrapontos-2018.pdf. VIVEIROS, Luciano. CLT Comentada pela reforma trabahista (Lei nº 13.467/2017). 9.ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 8 Outros defensores de que essa tarifação é inconstitucional podem ser encontrados no volume 29 na Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Ano XXIX. v. 29, n. 350, agosto de 2018. Disponível em: <http://www.bdr.sintese.com/AnexosPDF/RST_350_miolo.pdf>.Acesso em: 11 jun. 2019. pp.132-133
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