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Módulo 1 Texto 1 – Reflexões sobre o conceito de política, Philippe Schmitter A Ciência Política contemporânea se distingue essencialmente por duas qualidades. Primeira: é a mais discutida e está relacionada a sua vontade de ser científica. Isto implica uma preocupação teórica e metodológica – um escrúpulo de respeitar dados e de não afirmar “verdades” ou “princípios certos” sem uma demonstração rigorosa. Segunda: consciência clara da “delimitação da disciplina”. Trata a respeita da interpretação de um setor específico, delimitado, do comportamento humano. A Política pode ser definida por: I. Instituições: quadro social concreto e estabelecido dentro do qual participam os atores (Estado ou Governo); II. Recursos: pelos meios utilizados pelos autores (Poder, Influência ou Autoridade); III. Processos: pela atividade principal à qual se consagram os atores (Formulações de decisões sobre a linha de conduta coletiva); IV. Função: pelas consequências da sua atividade para a sociedade global de que faz parte (Resolução não violenta dos conflitos). Estado ou Governo Política definida em muitas universidades e livros como “a arte e a ciência do Estado ou do governo”. Com a descoberta da importância política de instituições não-constitucionais, houve a inclusão de demais tipos de instituições, organizações anexas que intervêm regularmente ou mesmo ocasionalmente na atividade estatal; órgãos como partidos, facções, grupos de pressão, grupos informais... Poder, Influência ou Autoridade 1 G. Felipe Reis i. Poder: política como coação. Ênfase ao fenômeno da coerção – ação de reprimir/coagir –, a dominação ou monopolização da violência ou de força física; ii. Influência: política como arte de influenciar, manipular ou controlar grupos com a intenção de avançar os propósitos de alguns contra a posição de outros. Produto de uma interação de uma pluralidade de tipos de dominância – força/coação, inclusive. Termo mais abrangente. O grau de influência depende dos recursos disponíveis e da vontade de utilizá-los (Dahl); iii. Autoridade: política como autoridade ou poder legítimo. Autoridade como um poder que se faz obedecer voluntariamente (Weber). Estudo da política – estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos, da hierarquia de forças que estabelece no interior de todas as comunidades. Estado é a instituição última e pode utilizar da força física para se fazer respeitar. “O poder é reconhecido como poder; sua autoridade é admitida”. Decision-Making – formulação de decisões sobre linhas de conduta coletivas Política como processo de formulação de decisões imperativas. A tarefa de uma ciência da Política seria, então, a de explicar e presumivelmente predizer, por que uma determinada linha de conduta foi, é ou será adotada. David Easton – Ciência Política como “estudo da alocação autoritária ou imperiosa dos valores, de maneira que essa alocação seja influenciada pela distribuição e utilização do poder”. A Resolução não-violenta dos Conflitos Abordagem funcionalista – a resolução não-violenta dos conflitos Talcott Parsons – “realização de objetivos coletivos” Para nós, a função da Política é a de resolver conflitos entre indivíduos e grupos, sem que este conflito destrua um dos partidos em conflito. Talvez resolução não seja a melhor expressão porque implica (falsamente) que a atividade política põe fim ao conflito. Ao contrário, existem conflitos permanentes dentro de qualquer sociedade que a Política não pode extinguir, 2 G. Felipe Reis embora a sociedade sem conflitos seja um antigo sonho de muitos filósofos políticos. A política pode simplesmente “desarmar” o conflito, canalizá-lo, transformá-lo em formas não- destrutivas para os partidos e a coletividade em geral. o Condições necessárias para que um ato social seja político i. A condição necessária é que o ato deva ser controverso, indique um conflito, um antagonismo entre interesses ou atitudes expressas por diferentes indivíduos ou grupo; ii. A condição suficiente é de que os atores reconheçam reciprocamente suas limitações nas reivindicações das suas exigências. A partir do momento em que os combatentes decidem limitar reciprocamente os seus esforços competitivos em vez de se destruírem, estão a nosso ver numa situação política. Aristóteles: a sociedade política não pode ser governada por uma família, pois eventualmente a sociedade, a multidão se torna uma, uma família, sem conflitos. E a condição de existência de uma sociedade política é justamente o conflito entre as partes. Atores políticos são heterogêneos: isto é, ao mesmo tempo em conflito e em interdependência. Natureza da dominação política – reconhecer conflitos e contê-los em um quadro social comum. A dominação política (contrariamente a outras formas de dominação) não acaba com os conflitos, não destrói essa heterogeneidade. Política compreenderá dois focos dois focos distintos, entretanto esse são altamente relacionados. De um lado, o estudo do “conflito”: tipos, fontes, padrões e intensidades; e de outro lado, o estudo da “integração”: autoridade, estruturas, formulações de decisões e crenças comuns. A política, assim, como o conflito entre atores para a determinação de linhas de conduta num quadro de cooperação e integração. Estudo do conflito e estudo da integração. Duas interpretações de Política: i. Luta, na qual o poder permite aos que detêm, exercer a dominação sobre a sociedade e dessa tirar partido. ii. Esforço para fazer governar a ordem e a justiça. Poder permite a proteção do interesse geral e do bem comum em face às reinvindicações particulares. 3 G. Felipe Reis Estado: poder institucionalizado de uma sociedade – é o instrumento de dominação (de umas das classes sobre outras) e meio de assegurar certa ordem social (integração de todos para o bem comum). Dualidade. Ciência Política deve ter ambas as partes. Qualquer estrutura social que haja alcançado um certo grau de diferenciação necessitará organizar-se politicamente a fim de que os seus conflitos internos não a tornem inviável. Caráter único da organização política – instrumento que a sociedade utiliza para se autodisciplinar. Cabe à sociedade o monopólio de uso da força em nome da coletividade como um todo. Importante saber distinguir os três recursos que podem ser utilizados pelos autores políticos: autoridade, poder e influência. Essencial saber definir a política pela ótica funcionalista. 4 G. Felipe Reis Texto 2 – Política como vocação, Max Weber O conceito de política é extraordinariamente amplo e abrange todas as espécies de atividade diretiva autônoma. Entretanto, entenderemos por Política apenas a direção do agrupamento político hoje denominado “Estado” ou a influência que se exerce em tal sentido. O Estado não se deixa definir a não ser pelo específico meio que lhe é particular, tal como é peculiar a todo outro agrupamento político, ou seja, o uso da coação física. Trotsky – “Todo Estado se funda na força” Se só existissem estruturas sociais de que a violência estivesse ausente, o conceito de Estado teria também desaparecido e apenas substituiria o que, no sentido próprio da palavra, se denomina “anarquia”. Estado contemporâneo: uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. Por Política entenderemos, consequentemente,o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado. Todo homem, que se entrega à política, aspira ao poder – seja porque o considere como instrumento a serviço da consecução de outros fins, ideais ou egoístas, seja porque deseje o poder “pelo poder”, para gozar do sentimento de prestígio que ele confere. O Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima. Portanto, o Estado só pode existir sob a condição de que os homens dominados se submetem à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Em que condições se submetem eles e por quê? Em que justificativas internas e em que meios externos se apoia essa dominação? Existem em princípio três razões internas que justificam a dominação, existindo, assim, três fundamentos da legitimidade. 5 G. Felipe Reis 1. Poder tradicional: autoridade do “passado eterno”, isto é, dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito, enraizado nos homens, de respeitá-los. Poder que o patriarca ou o senhor de terras, outrora, exercia. 2. Poder carismático: autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo (carisma) – devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe. Tal poder é exercido pelo profeta. 3. Poder racional-legal: Autoridade que se impõe em razão da “legalidade”, em razão da crença na validez de um estatuto legal e de uma “competência” positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência. Na realidade, só muito raramente se encontram esses tipos puros. A dominação organizada, necessita, por um lado, de um estado-maior administrativa e, por outro lado, necessita dos meios materiais de gestão. – Estado-maior administrativo → organização de dominação política – detentores do poder. Obediência fundada na esperança (de uma recompensa) e no medo (de uma vingança); nos interesses pessoais (retribuição material e prestígio social). Para assegurar estabilidade a uma dominação que se baseia na violência fazem-se necessários certos bens materiais. Desse ponto de vista, é possível classificar as administrações em duas categorias. A primeira obedece ao seguinte princípio: o estado-maior, os funcionários ou outros magistrados, de cuja obediência depende o detentor do poder, são, eles próprios, os proprietários dos instrumentos de gestão, instrumentos esses que podem ser recursos financeiros, edifícios, material de guerra, etc. A segunda categoria obedece a princípio oposto: o estado-maior é “privado” dos meios de gestão , no mesmo sentido em que, na época atual, o empregado e o proletário são “privados” dos meios materiais de produção numa empresa capitalista. O desenvolvimento do Estado moderno tem por ponto de partida o desejo de o príncipe expropriar os poderes “privados” independentes que, a par do seu, detêm força administrativa, isto é, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros, de instrumentos militares e de quaisquer espécies de bens suscetíveis de utilização para fins de caráter político. 6 G. Felipe Reis O Estado moderno conseguiu de maneira integral “privar” a direção administrativa, os funcionários e trabalhadores burocráticos de quaisquer meios de gestão. Este é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão. A burocracia é a base da dominação racional-legal; estrutura a sociedade em hierarquias e funções, além de ser impessoal e de exigir profissionalização. No entanto, ela é lenta, extremamente corporativa e concentra excessivamente o poder. Todos exercitamos “ocasionalmente” a política ao introduzirmos nosso voto em uma urna ou ao exprimirmos nossa vontade. Políticos profissionais → não têm a ambição dos chefes carismáticos e não buscavam transformar-se em senhores. Empenhavam-se na luta política para se colocarem à disposição de um príncipe. Seus interesses políticos coincidiam com o sustento financeiro e o conteúdo moral para suas vidas. Política como profissão principal (políticos profissionais) e como profissão secundária (ocasionalmente exercida). Há duas maneiras de se fazer política. Ou se vive “para” a política ou se vive “da” política. Nossa distinção assenta-se, portanto, num aspecto extremamente importante da condição do homem político, ou seja, o aspecto econômico. - Daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que “vive da política” e diremos, no caso contrário que “vive para a política”. O homem político deve, em condições normais, ser economicamente independente das vantagens que a atividade política lhe possa proporcionar. Quer isso dizer que lhe é indispensável possuir fortuna pessoal ou ter, no âmbito da vida privada, situação suscetível de lhe assegurar ganhos suficientes. O homem político deve, além disso, ser “economicamente disponível”, equivalendo a afirmação a dizer que ele não deve estar obrigado a consagrar toda a sua capacidade de trabalho e de pensamento, consoante e pessoalmente, à consecução da própria subsistência. 7 G. Felipe Reis Pode-se dizer que há três qualidades determinantes do homem político: paixão, sentimento de responsabilidade e senso de proporção. I. Paixão: no sentido de “propósito a realizar”, isto e, devoção apaixonada à uma “causa”. A paixão, por sincera que seja, não basta. II. Sentimento de responsabilidade: saber o seu papel, guia da atividade. Aliada à paixão. III. Senso de proporção: qualidade psicológica fundamental do homem político. Ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas. Há um inimigo vulgar, muito humano, que o homem político deve dominar a cada dia e cada hora: a muito comum vaidade. Ela é inimiga mortal de qualquer devoção a uma causa, inimiga do recolhimento e, no caso, do afastamento de si mesmo. Instinto de poder - o desejo de poder, sem objetivo, passa a ser mais uma exalação pessoal do que voltada para uma causa. O pecado contra o Espírito Santo de sua vocação consiste num desejo de poder, que, sem qualquer objetivo, em vez de se colocar exclusivamente ao serviço de uma “causa”, não consegue passar de pretexto de exaltação pessoal. Em verdade e em última análise, existem apenas duas espécies de pecado mortal em política: não defender causa alguma e não ter sentimento de responsabilidade – duas coisas que, repetidamente, embora não necessariamente, são idênticas. A vaidade induz frequentemente o homem político à tentação de cometer um ou outro desses pecados ou os dois simultaneamente. Ausência do senso de responsabilidade leva o homem a gozar do poder pelo poder. Ética da responsabilidade → o indivíduo deve responder pelas consequências dos seus atos. Ele deve tomar ações sabendo o que vai ter como consequência, de modo que ele deve arcar com elas. Ética da convicção →a creditar nas suas escohas, o indivíduo cumpre seu dever religioso e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus. Concepção mais ideológica, voltadapara o que o indivíduo acredita, tanto religiosa quanto politicamente. 8 G. Felipe Reis Paradoxo das duas éticas → a ética da convicção e da responsabilidade não se contrapõem, mas se complementam, formando, em conjunto, o homem que pode aspirar à vocação política. O instrumento decisivo da política é a violência. A política não pode ser feita sem violência. 9 G. Felipe Reis Texto 3 – Violência, Hannah Arendt Se nos voltamos para as discussões do fenômeno do poder, rapidamente percebemos existir um consenso entre os teóricos da política, da Esquerda à Direita, no sentido de que a violência é tão-somente a mais flagrante manifestação do poder. “Toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder é a violência”. E o poder, ao que tudo indica, é um instrumento de dominação, enquanto a dominação, assim nos é dito, deve a sua existência a um “instinto de dominação”. O poder seria, então, uma “força qualificada” ou “institucionalizada”. Em outras palavras, enquanto muitos outros autores definem a violência como a mais flagrante forma de manifestação do poder, o poder, portanto, é uma forma de violência mitigada. Hoje poderíamos acrescentar a última e talvez mais formidável forma de tal dominação: a burocracia, ou o domínio de um sistema intrincado de departamentos nos quais nenhum homem, nem um único nem os melhores, nem a minoria nem a maioria, pode ser tomado como responsável, e que deveria mais propriamente chamar-se domínio de ninguém. O governo mais tirânico de todos, pois não há quem se possa questionar acerca do que está sendo feito. Impossível localização da responsabilidade e a identificação do inimigo. A primeira lição da civilização é aquela da obediência; dois estados das inclinações... um, o desejo de exercer poder sobre os outros; o outro, a falta de inclinação para sofrer o exercício do poder. Vontade de poder e vontade de obedecer estão interligadas. É o apoio do povo que confere poder às instituições de um país, e este apoio não é mais do que a continuação do consentimento que trouxe as leis à existência. Todas as instituições políticas são manifestações e materializações do poder; elas petrificam-se e decaem tão logo o poder vivo do povo deixa de sustentá-las. O poder do governo depende de números; ele reside “na proporção do número ao qual é associado” A tirania é, portanto, a mais violenta e menos poderosa das formas de governo. Uma das mais óbvias distinções entre poder e violência é a de que o poder sempre depende dos números, enquanto a violência, até certo ponto, poder operar sem eles, porque se assenta em implementos. A forma extrema de poder é o Todos contra Um, a forma extrema da violência é o Um contra Todos. E esta última nunca é possível sem instrumentos, ou seja, sem a violencia. 10 G. Felipe Reis Poder, vigor, força, autoridade e violência são muitas vezes tomadas por sinônimos, pois têm a mesma função: dominação do homem pelo homem. O poder corresponde à habilidade humana não apenas de agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está “no poder”, na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome. A partir do momento em que o grupo desaparece, “seu poder” também se esvanece. O vigor inequivocamente designa algo no singular, uma entidade individual; é a propriedade inerente a um objeto ou pessoa e pertence ao seu caráter. A força, que frequentemente empregamos no discurso cotidiano como um sinônimo da violência, deve indicar a energia liberada por movimentos físicos ou sociais. A autoridade pode ser investida em pessoas. Sua essência é o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam, nem coerção nem persuasão são necessárias. Conservar a autoridade requer respeito pela pessoa ou pelo cargo. A violência possui caráter instrumental. É utilizada com o propósito de multiplicar o vigor natural. É comum que a violência e o poder estejam aliados e difícil que sejam encontrados em sua forma pura, extrema. Nunca houve governo baseado somente na violência, é necessário um mínimo de poder por trás da violência. O poder é a essência de todo governo, mas não a violência, que, por ser instrumental, depende de orientação e justificativa. O poder não precisa de justificação, sendo inerente à própria existência das comunidades políticas; o que ele realmente precisa é de legitimidade. A violência pode ser justificada, mas nunca será legítima. O terror não é o mesmo que a violência; ele é, antes, a forma de governo que advém quando a violência, tendo destruído todo poder, ao invés de abdicar, permanece no controle total. A diferença entre a dominação totalitária, baseada no terror, e as tiranias e ditaduras, baseadas na violência, é que a primeira investe contra inimigos e amigos, pois teme qualquer tipo de poder, mesmo o de amigos. 11 G. Felipe Reis O poder e a violência são opostos, onde um domina o outro está ausente. Texto 4 –A teoria das formas de governo, Norberto Bobbio As três formas clássicas de governo – chamadas de clássicas uma vez que foram transmitidas pelos autores clássico e, também, porque se tornaram categorias de reflexão política de todos os tempos – são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”. _______________ Monarquia Aristocracia Democracia Otanes - - + Megabises - + - Dario + - - Platão A República ideal, descrita por Platão, tem por objetivo a realização da justiça entendida como atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões. Consiste na composição harmônica e ordenada de três categorias de homens – os governantes- filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produtivos. Trata-se de um Estado que nunca existiu em lugar nenhum. Segundo sua linha de raciocínio, Platão afirma que todos os Estados que realmente existem, os Estados reais, são corrompidos – embora de modo desigual. Para Platão, só se sucedem historicamente formas más – cada uma pior que a precedente. A constituição boa não entra nessa sucessão: existe por si mesma, como modelo, não importa se no princípio ou no fim da série. Pode-se representar a ideia platônica assim: +) - - - - - - - - (+ Platão, dessa forma, tem uma visão pessimista da história. Vê a história não como progresso indefinido, mas, ao contrário, como regresso definido; não como uma passagem do bem para o melhor, mas como um regresso do mal para o pior. As constituições corrompidas que Platão examina são, em ordem decrescente, as quatro seguintes: timocracia, oligarquia, democracia e tirania. 12 G. Felipe Reis Digo que uma das formas de governo é justamente a que consideramos, que podemos chamar de duas maneiras: se um dentre todos os governantes predomina sobre os outros, é a monarquia; se a direção do governo cabe a mais de uma pessoa, é a aristocracia. Formas de governo ideais: não importa se for um só u muitos, as leis fundamentais não se alteram, desde que sejam treinados e educados corretamente. Platão também aceita que haja seis formas de governo; destas, porém, reserva duas para constituição ideal e quatro para as formas reais que se afastam, em grau menor ou maior, da forma ideal. Oligarquia – forma corrompida da forma clássica que seria a Aristocracia; Democracia – forma corrompida da “politeia” (nome dado por Aristóteles à forma de governo do povo na sua forma pura.); Tirania – forma corrompida da forma clássica que seria a Monarquia; Timocracia – forma introduzida por Platão para designar a transição entre a constituição ideal e as três formas ruins tradicionais. Na realidade histórica do seu tempo, a timocracia estava representada em especial pelo governo de Esparta, que Platão admirava, e que tomou como modelo para descrever sua república ideal. De fato, o governo timocrático de Esparta era o mais próximo da constituição ideal: sua falha, e fator de corrupção, consistia em honrar os guerreiros mais do que os sábios. As seis formas se alternam, sucedendo à forma boa a má que lhe corresponde, na representação platônica. Nas representações tradicionais há apenas um movimento descendente: a timocracia é a degeneração da aristocracia, pressuposta forma perfeita, descrita como Estado ideal; a oligarquia é a corrupção da timocracia, e assim por diante. A forma mais baixa é a tirania, com a qual o processo degenerativo chega ao ponto máximo. Não há alternância das formas de governo e sim uma decadência contínua e gradual: Timocracia→Oligarquia→Democracia→Tirania A corrupção se dá pelo excesso de um princípio: – Homem timocrático → ambição, desejo de honrarias; – Homem oligárquico → fome de riqueza, ostentação; necessidades essenciais; 13 G. Felipe Reis – Homem democrático → desejo imoderado de liberdade; necessidades supérfluas; – Homem tirânico → violência; necessidades ilícitas. A corrupção se manifesta essencialmente pela discórdia. Há duas modalidades de discórdia que levam uma cidade à ruína: i. A primeira é a que ocorre dentro da classe dirigente; ii. A segunda é o conflito entre a classe dirigente e a classe dirigida, entre governantes e governados. Não há dúvida de que a constituição ideal é dominada pela alma racional, é indubitável que a constituição timocrática (que exalta o guerreiro, mais do que o sábio) é dominada pela alma passional. A timocracia aparece como forma qualitativamente diferente das demais, intermediária entre a perfeita e a mais imperfeita. Embora não seja perfeita, é menos imperfeita do que as que se lhe seguem. Dualidade da Democracia: A democracia é apresentada tanto como a pior das melhores (positiva) quanto a melhor das piores (negativa) formas de governo: +) monarquia → aristocracia → democracia (- +) democracia → oligarquia → tirania (- Critérios que distinguem as formas boas das más: Violência e consenso: governo bom se baseia no consentimento e não na violência Legalidade e ilegalidade: governo bom atua de acordo com leis estabelecidas e não arbitrariamente. Aristóteles "A constituição é a estrutura que dá ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e sobretudo da autoridade soberana" Quando um só, poucos ou muitos exercem o poder buscando o interesse comum, temos necessariamente as constituições retas; quando o exercem no seu interesse privado, temos desvios... 14 G. Felipe Reis A maior novidade, a estranheza terminológica, é o uso de "politia" para indicar a constituição caracterizada pelo governo de muitos, e bom. ● Formas de governo boas: ○ Monarquia → governo de um, propõe a fazer o bem público; ○ Aristocracia → governo de pouco, sua finalidade é o bem comum; ○ Politia → governo de muitos, massa, visa o bem público. ● Formas de governo degeneradas: ○ Tirania → governo de um, exercido em favor do monarca; ○ Oligarquia → governo de poucos, voltado para o interesse dos ricos; ○ Democracia → governo de muitos, visa o interesse dos pobres. O critério da hierarquia é o mesmo: a forma pior é a degeneração da forma melhor, de modo que as degenerações das formas que seguem a melhor são cada vez menos graves. Monarquia → aristocracia → politia → democracia → oligarquia → tirania O critério de Aristóteles é diferente: não é o consenso ou a força, a legalidade ou ilegalidade, mas sobretudo o interesse comum ou o interesse pessoal. I. As formas boas são aquelas em que os governantes visam ao interesse comum; II. As formas más são aquelas em que os governantes têm em vista o interesse próprio. "É evidente que todas as constituições que miram o interesse comum são constituições retas, enquanto conformes à justiça absoluta; as que visam ao interesse dos governantes são errôneas, constituindo degenerações com respeito às primeiras" Tipos de relação de poder: ○ Poder do pai sobre o filho: visa o interesse do filho; ○ Poder do senhor sobre o escravo: visa o interesse do senhor; ○ Poder do governante sobre o governado: visa o interesse comum. O fato de que a oligarquia é o governo de poucos e a democracia o governo de muitos pode depender apenas de que, de modo geral, em todas as sociedades os ricos são menos numerosos do que os pobres. Mas, o que distingue uma forma de governo da outra não é o 15 G. Felipe Reis número, e sim a condição social dos que governam: não um elemento quantitativo, mas qualitativo. "A democracia e a oligarquia diferem uma da outra pela pobreza e a riqueza; onde dominam os ricos, sejam muitos ou poucos, haverá necessariamente uma oligarquia; onde dominam os pobres, uma democracia, embora aconteça, como se disse, que os ricos sejam poucos e os pobres numerosos, já que poucos são os que se arriscam, mas todos participam da liberdade". "Na maioria das cidades se proclama em altos brados a "politia", procurando-se realizar a única união possível dos ricos e dos pobres, da riqueza e da pobreza" A razão fundamental por que as cidades melhor governadas são aquelas onde predomina a classe média é explicada mais adiante pelo próprio Aristóteles: "Está claro que a forma intermediária é a melhor, já que é a mais distante do perigo das revoluções; onde a classe média é numerosa raramente ocorrem conspirações e revoltas entre os cidadãos". Políbio "Deve-se considerar a constituição de um povo como a causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações". 1) Existem fundamental – mente seis formas de governo - três boas e três más; 2) Essas seis formas se sucedem umas às outras de acordo com determinado ritmo, constituindo assim um ciclo, repetido no tempo; 3) Além dessas seis formas tradicionais, há uma sétima - exemplificada pela constituição romana que é a melhor de todas enquanto síntese das três formas boas Políbio chama "democracia" a terceira forma, que Aristóteles tinha denominado de "politia"; quer dizer emprega o termo "democracia" com conotação positiva, ao contrário de Platão e de Aristóteles. Não é um governo popular aquele em que a multidão decide o que se deve fazer, mas sim aquele onde é tradicional e habitual venerar os deuses, honrar os pais, respeitar os mais idosos, obedecer às leis... Tendo usado o termo "democracia" para identificar a forma boa de governo popular, Políbio introduz uma nova palavra (destinada a não ter uso muito difundido, permanecendo apenas na linguagem culta) para designar o governo popular na sua forma corrompida: "oclocracia", de 16 G. Felipe Reis oclos, que significa multidão, massa, plebe, e corresponde bem ao nosso "governo de massa" ou "das massas", quando o termo "massa" (que é bivalente) é empregado como significado pejorativo que lhe é dado pelos escritores reacionários (em expressões como "a rebelião das massas", "sociedade de massa", etc.). Os critérios utilizados por Políbio para distinguir as constituições boas e más assemelha-se ao utilizado por Platão, ou seja: Critérios que distinguem as formas boas das más: Violência e consenso: governo bom se baseia no consentimento e não na violência Legalidadee ilegalidade: governo bom atua de acordo com leis estabelecidas e não arbitrariamente. Monarquia → Tirania → Aristocracia → Oligarquia → Democracia → Oclocracia O processo histórico desenvolve, ciclo por ciclo, uma tendência que é, em última análise, degenerativa, como a descrita por Platão; contudo, diferentemente do ciclo platônico, em que cada forma é uma degeneração da precedente, num processo contínuo, o ciclo polibiano se desenvolve através da alternância de constituições boas e más; contudo, a constituição boa que segue é inferior àquela que a precede; a má é pior do que a má que a precede. Em outras palavras, alternância de momentos bons e maus. Para Políbio a corrupção está implícita na humanidade, logo, toda forma de governo uma hora vai ser corrompida. As constituições sofrem de um vício, a falta de estabilidade. Outra observação que se pode fazer é a de que esta concepção da história é fatalista, no sentido de que a passagem de uma forma para outra parece predeterminada, necessária e inderrogável; parece também natural, no sentido de estar prevista pela natureza das coisas, isto é, de estar implícita na própria natureza dos governos, que não podem deixar de sofrer o processo de transformação - e também no sentido, ainda mais fértil, segundo o qual cada forma de governo só se pode converter em uma outra forma determinada. Da oclocracia se volta, com um salto, diretamente ao reino: da forma pior à melhor. A concepção que Políbio tem da história é cíclica; segundo ele, a história é uma repetição contínua de eventos que tornam sempre sobre si mesmos - o "eterno retorno do mesmo". A tese principal da teoria polibiana das constituições é sem dúvida a do governo misto. O governo misto é uma constituição que combine as três formas clássicas. O governo misto é, 17 G. Felipe Reis para Políbio, a forma de governo ótima e perfeita. O fato de os governos mistos serem mais estáveis não significa que eles são eternos e sim que eles duram mais que os governos simples. A composição das três formas de governo consiste no fato de que o rei está sujeito ao controle do povo, que participa adequadamente do governo; este, por sua vez, é controlado pelo senado. Como o rei representa o princípio monárquico, o povo o princípio democrático e o senado o aristocrático. 18 G. Felipe Reis Texto 5 – O príncipe, Nicolau Maquiavel Virtú → quem possui a virtú tem a capacidade de se antecipar ao fluxo da Fortuna. O homem de virtú tem o controle sobre o que virá, que age sobre o que há por vir (interfere e canaliza o curso da Fortuna) ao invés de deixar-se levar pelo fluxo dos acontecimentos. O homem de virtú tem a capacidade de se adaptar às circunstâncias, de agir de acordo com a necessidade. O homem de virtú age pelo bem do Estado. Fortuna → Imprevisibilidade (da ação política → não podemos prever o comportamento de todos os fatores que interferem na ação política). “É tudo aquilo que, presente e atuante no mundo humano, foge ao controle dos homens”. É a resultante das ações não coordenadas de milhares de pessoas que lutam por seus objetivos. Capítulo VI –Dos principados novos que se conquistam com as armas próprias e virtuosamente Elevar-se de particular a príncipe pressupõe ou virtude ou boa sorte, parece que uma outra dessas razões mitigue em parte muitas dificuldades. Aquele que menos se apoia na sorte retém o poder mais seguramente. Os homens que por suas virtudes tornam-se príncipes conquistam o principado com dificuldades, mas têm facilidade de conservar. Convém estar preparado para que, quando não acreditam mais, se possa fazê-los pela força. Daí resulta que todos os profetas armados venceram e os desarmados fracassaram. O poder se funda na força, mas é necessário virtude para manter o poder. Não adinata alcançar o poder se não consegue mantê-lo. O príncipe deve possuir a qualidade de saber agir conforme as circunstâncias. Capítulo VII – Dos principados novos que se conquistam com as armas e a fortuna dos outros. Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em príncipes, com pouca fadiga assim se transformam, mas só com muito esforço assim se mantêm: não encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque atingem o posto a voo; mas toda sorte de dificuldades nasce depois que aí estão. São aqueles aos quais é concedido um Estado, seja por dinheiro, seja por graça do concedente: como ocorreu a muitos na Grécia. Estes homens, que chegam ao principado dessa maneira – descrita anteriormente – estão submetidos à vontade e à fortuna de quem lhes concedeu o Estado, que são duas coisas 19 G. Felipe Reis grandemente volúveis e instáveis: e não sabem e não podem manter a sua posição. Não sabem, porque, se não são homens de grande engenho e virtude, não é razoável que, tendo vivido sempre em ambiente privado, saibam comandar; não podem, porque não têm forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Capítulo VIII – Dos que chegaram ao principado por meio de crimes. Além dos modos de chegar ao principado dito anteriormente, têm-se, ainda, quando por qualquer meio criminoso e nefário se ascende ao principado, ou quando um cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de seus concidadãos. Tem o posto concedido por alguém e o mantém por meio da violência; sendo assim, acaba conquistado o poder, mas não a glória; o temor, mas não o respeito. Os que chegaram ao principado através de crimes deve-se excluir a violência e crueldade para a manutenção do poder. Entretanto, uma vez aplicada a força, recomenda-se o uso contínuo dela até o seu fim, acabando de uma vez; entretanto, os benefícios de forma progressiva e lentamente, para ser apreciado aos poucos. Capítulo IX – Do principado Civil Quando um cidadão privado, não por perfídia ou outra intolerável violência, porém com o favor de seus concidadãos, torna-se príncipe de sua pátria, o que se pode chamar principado civil (para tal se tornar, não é necessária muita virtude ou muita fortuna, mas antes uma astúcia afortunada) digo que se ascende a esse principado ou com o favor do povo ou com aquele dos grandes. O principado é constituído ou pelo povo ou pelos grandes, conforme uma ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes não lhes ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao seu apetite; o povo, também, vendo não poder resistir aos poderosos, volta a estima a um cidadão e o faz príncipe para estar defendido com a autoridade do mesmo. O que chega ao principado com a ajuda dos grandes se mantém om mais dificuldades daquele que ascende ao posto com o apoio do povo, pois se encontra príncipe com muitos ao redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, não podem nem governar nem manobrar como entender. Mas aquele que chega ao principado com o favor popular, aí se encontra só e ao seu derredor não tem ninguém ou são pouquíssimos que não estejam preparados para obedecer. 20 G. Felipe Reis Quem se torna príncipe a favor dos grandes, deve assumir a proteção do povo e apoio deste para si. Tendo o povo como amigo, poderá manter o poder em momentos de adversidades. Capítulo XII – De quantas espécies são as milícias, e dos soldados mercenários. As armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis. A razão disto é que elas não têm outro amor nem outrarazão que as mantenha em campo, a não ser um pouco soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora. O príncipe deve ir pessoalmente com as tropas e exercer as atribuições do capitão: a República deve mandar seus cidadãos e, quando enviar um que não se revele valente, deve substitui-lo, quando animoso deve detê-lo com as leis para que não avance além do limite. Por experiência se vêm príncipes sós e repúblicas armadas fazerem grandes progressos, enquanto se vêm tropas mercenárias não causarem mais do que danos. Capítulo XVII – Da crueldade e da piedade: se é melhor ser amado que temido, ou antes temido que amado. É preferível que cada príncipe deve ser tido como piedoso e não como cruel: não obstante isso, deve ter o cuidado de não usar mal essa piedade. É muito mais seguro ser temido do que amado. Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta. Concluo, pois, voltando à questão de ser temido e amado, que um príncipe sábio, amando os homens como a eles agrada e sendo por eles temido como deseja, deve apoiar-se naquilo que é seu e não no que é dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio, como foi dito. 21 G. Felipe Reis Capítulo XXV – De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir. O príncipe que se apoia totalmente na sore arruína-se segundo as variações destas. É preciso acomodar o modo de proceder com o momento que se atravessa: dois indivíduos agindo por diferente tendência podem alcançar o mesmo objetivo, ao passo que se dois operarem igualmente, pode ser que um alcance o mesmo efeito e outro não. Se o príncipe mudar sua natureza de acordo com os tempos e com as coisas, a sua sorte não modificará. Considero seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles que procedem friamente. A sorte, porém, como mulher, sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam. 22 G. Felipe Reis Texto 6 – Teoria Política Moderna, Macfarlane Hobbes Não considerava a razão uma graça divina, mas a recompensa dos que faziam o esforço necessário para alcança-la. Para ele o homem se faz a si mesmo. As crianças nascem com “a possibilidade aparente de usar a razão no futuro”, mas essa possibilidade latente pode não se realizar na vida adulta. . Para Hobbes, os movimentos dos homens são de duas categorias: I. Voluntários: resultam da “previsão do fim ou consequência das coisas” e assume a forma de movimentos e direção à fonte ou estímulo dos sentidos ou na direção contrária. Movimento do apetite ou desejo. II. Involuntários: Leviatã se interessa por esse. Esse movimento é do tipo aversão ou o ódio. Por natureza os homens são seres que afirmam sua vontade preocupam-se com a autogratificação e auto-realização que se manifesta num “desejo perpétuo e sem descanso do poder pelo poder, que só desaparece com a morte”. Essa busca incessante do poder, transforma cada homem no inimigo de todos os outros homens – “o homem é o lobo do homem”. O homem, no entanto, não é um escravo completo da sua própria natureza. Possuindo a razão, reconhece que a consequência da concentração de todos os seus esforços no sentido da auto- realização, às custas dos demais, é a anulação desses desejos. A razão sugere um caminho para sair de uma situação de insegurança e morte, porque torna possível ao homem determinar o que lhe é verdadeiramente vantajoso. Hobbes constrói e justifica a sociedade civil com bases em três leis. Sem essas, a sociedade dos homens viveria na miséria pois estariam no estado da natureza, onde todos os homens têm direito a tudo, pois têm a liberdade de utilizar seu poder da forma que lhe pareça mais vantajosa. O direito de usar o poder como lhe convém. Não há pretensões injustas, porque o próprio conceito de justiça não tem sentido quando não há quem possa estabelecer o que pertence a cada um. 23 G. Felipe Reis Sendo assim, enquanto perdura esse direito natural de cada homem a todas as coisas, ninguém pode ter a segurança de viver o tempo que a natureza atribui ordinariamente à vida do homem. 1. Primeira lei da natureza: “todos os homens devem procurar a paz, enquanto tiverem a esperança de obtê-la; quando não puderem alcança-lá devem procurar, e utilizar, todos os auxílios e vantagens da guerra”. Ela abrange tanto a necessidade que os têm os homens de viver em paz quanto o direito de se defenderem contra os que ameaçarem essa paz. 2. Segunda lei da natureza: lei da autopreservação, a qual estabelece que devemos estar prontos a abandonar nosso direito a todas as coisas, em benefício da paz, contentando- nos em ter com relação aos demais a liberdade que eles têm conosco. Hobbes vê essa “lei” essencialmente como uma regra de aceitação mútua pela qual os homens podem aumentar sua felicidade pessoal deixando de interferir uns com os outros. 3. Terceira lei da natureza: derivada das duas anteriores, estabelece que os homens cumpram os contratos que fazem. As duas primeiras leis da natureza mostram a necessidade de se criar uma força capaz de postular regras que sejam suficientemente precisas e se apoiem em sanções a fim de assegurar que os homens não apenas desejam realizá-las de modo geral, mas que sejam obrigados a agir de acordo com elas. Com base nas 3 leis, Hobbes faz a exigência não qualificada de que sejam abandonados todos os direitos que prejudiquem a paz e a segurança coletiva. Pressupõe a existência de um “poder comum exercido sobre todos os direitos e força suficientes para assegurar a obediência”. Hobbes distingue o acordo (covenant) de outras formas de contrato, afirmando que uma das partes só está obrigada depois de que a outra cumpre sua obrigação. Assim, ao proclamar que os acordos devem ser cumpridos, Hobbes exige, com sua terceira lei da natureza, a criação de uma sociedade civil, necessária para dar segurança aos acordos. Estado da natureza como um estado de Guerra. É o abismo em que os homens correm o risco de cair, e provavelmente cairão, se não aprenderem a aplicarem as lições do Leviatã. Os homens devem viver numa sociedade civil organizada com o poder de ditar as leis apoiadas pela força. Todos os homens querem a paz, mas a condição natural não a leva a sua realização porque as vontades pessoais e as diferenças de opinião geram concepções diversas do bem e do mal. 24 G. Felipe Reis Para Hobbes, “a única forma de estabelecer um poder comum capaz de oferecer segurança é confiar todo o seu poder e sua força numa pessoa, ou assembleia, que reduza suas vontades a uma só vontade”. A não delegação total será insuficiente para moderar as paixões naturais dos homens e evitar o perigo de que a vida social se transforme no estado de guerra. Os acordos não são obrigatórios se não houver previamente um poder comum que force sua execução. Não pode haver um acordo para estabelecer a comunidade, pois ele pressupõe uma comunidade. Hobbes não defende entrega de todos os direitos ao Estado, aqueles necessáriospara se viver satisfatoriamente deveriam ser mantidos com os indivíduos. Essa transferência limitada representa que a vontade soberana age apenas em certos campos definidos. O poder soberano é instituído para assegurar a segurança do povo e o soberano não tem responsabilidade perante ao povo e sim à Deus. O soberano não pode descumprir o acordo, pois desse modo o indivíduo também não o pode fazer. Locke Locke segue o exemplo de Hobbes ao tentar deduzir a natureza da sociedade política a partir do homem no estado natural, isto é, o homem abstraído da sociedade política em que normalmente vive. Locke apresenta limites da autoridade política e ataca a ideia de direito divino dos monarcas (x Hobbes). O homem no estado de natureza desfruta de uma liberdade perfeita. A principal característica do homem é a racionalidade. A racionalidade, junto com a parcialidade, são as características permanentes dos homens; “a faculdade discursiva da mente, que progride das coisas conhecidas para as desconhecidas e conduz os argumentos de um ponto a outro, segundo uma ordem fixa e definida de proposições”. “Porque o homem foi feito como é dotado de razão e de suas outras faculdades e destinado a viver este tipo de ida, de sua constituição inata resultam necessariamente alguns deveres específicos, que não podem ser diferentes do que são. Os homens tendem a defender seus interesses pessoais, e essa parcialidade os impede de agir segundo os princípios de verdadeira razão, fazendo-os preferir a satisfação imediata às 25 G. Felipe Reis vantagens de longo prazo. Assim, Locke afirma que mesmo os homens destinados a aplicarem a justiça pode cometer injustiças, diferente de Hobbes. Tanto a racionalidade quanto a parcialidade são vistos como características permanentes dos homens. O estado da natureza propriamente dito é aquele em que os homens vivem juntos segundo os ditames da razão, sem uma autoridade na Terra que julgue suas disputas. O estado de guerra é a força ou o propósito declarado de usar a força sobre outrem, não existindo uma autoridade na Terra à qual se possa apelar para obter socorro. Locke deixa claro que o estado de guerra tanto pode existir numa sociedade política e entre sociedades políticas quanto fora dela. Segundo Locke, a “Lei Fundamental da Natureza” dá ao homem o direito de preserva sua própria vida pela destruição dos que contra ele fazem guerra, desde que seja a parte inocente. Nesse contexto, se levar em conta os homens que estão em um estado de guerra para com seus governantes, esses têm direito de se livrar dele. Autoridade política por ineficiente ou corrupta. Os homens podem viver em um estado de natureza unidos em grupos familiares. Embora seja possível viver fora da sociedade política, os riscos de cair em um estado de guerra são permanentes. Estado de natureza propriamente dito → homens vivem juntos, seguem a razão e não têm uma autoridade em comum. Não considera a parcialidade e a busca pelas paixões. Estado de natureza ordinária → cada homem tem a liberdade de determinar por conta própria quando seus direitos são contrariados e tomar medidas que julgar necessárias para protege-los. No estado de natureza falta: – Uma lei estabelecida como padrão do que é certo e do que é errado; – Um poder para sustentar a sentença justa e garantir sua execução; – Um juiz imparcial com autoridade para suprimir todas as disputas de acordo com a lei estabelecida. E, por faltar esses elementos, os homens são conduzidos à sociedade 26 G. Felipe Reis A única maneira pela qual alguém abre mão de sua liberdade natural é através de um acordo com outros homens para se unirem em uma sociedade pacífica e segura. Desse modo, para Locke, o consentimento é a única base da obediência política Governos que nasceram da força não têm direito de reivindicar obediência dos súditos O consentimento deve ser renovado a cada geração porque um homem não pode obrigar os filhos ou a posterioridade a cumprir o acordo por ele feito Rousseau A abordagem de Rousseau com respeito à natureza do homem assemelha-se à de Aristóteles, que se baseou no potencial de realização do homem em condições ótimas, e não no caráter real do homem comum. O homem natural de Rousseau é o homem como poderia ser, não é como é; o homem é naturalmente bom e, através das instituições, que eles se tornam maus. Existência nos homens de duas forças ou sentimentos básicos: i. Amour de soi: o auto interesse esclarecido; embora em essência expressa simplesmente a ânsia de sobreviver, constitui a fonte de tudo que tem valor na vida, tudo que dá satisfação real e duradoura tanto à própria pessoa quanto aos demais. ii. Amour-propre: o interesse egoístico; esse sendo uma forma degenerada do anterior e se revela como a busca de vantagens às expensas de outrem. Ao desenvolver sua concepção do estado da natureza, ”que não mais existe, talvez jamais haja existido e provavelmente nunca existirá”. Rousseau ataca o modo pelo qual o conceito foi tratado pelos autores que o antecederam – os quais “transferiram para o estado da natureza ideias adquiridas na sociedade, de tal forma que, ao falar de selvagens, descreveram o homem social”. Rousseau desenvolve uma crítica aguda e eficaz da concepção hobbesiana do estado da natureza, mostrando como ali são atribuídos ao homem natural vícios e paixões que só poderia ter adquirido nas condições estáveis e confinadas da vida social. O homem natural de Rousseau não é um ser dotado de razão, inteiramente consciente das exigências da lei da natureza, mas uma criatura tímida, solitária e indolente, preocupada apenas em satisfazer as necessidades básicas de alimentação, sono e prazer sexual. Tais 27 G. Felipe Reis apetites são facilmente satisfeitos pelo homem primitivo, e não dão origem seja ao estado de guerra seja à vida social estável. Segundo Rousseau, o homem natural é impelido por dois instintos ou faculdades – a autopreservação e a compaixão. Compartilha com outros seres vivos dessas faculdades, mas só no homem elas assumem forma nítida. A faculdade de autopreservação é a fonte do amour de soi; todavia, enquanto em outras criaturas tal faculdade é puramente instintiva, no homem ela está sujeita a sua vontade. A faculdade da compaixão, é para Rousseau “a única virtude natural” do homem, temperando e restringindo a ânsia de autopreservação quando ela se faz às expensas de outrem. A compaixão tem o poder de transformar o amour de soi de um simples desejo egoísta de autopreservação numa virtude social positiva, fazendo com que cada homem se identifique com toda a espécie humana. O estado natural, para Rousseau, não é uma condição estática, mas um longo e penoso período de mudança gradual, embora cada vez mais acelerada, que culmina no estabelecimento de sociedades estáveis. As primeiras alterações importantes na condição natural do homem resultam da crescente inter-relação social e do contato com seus semelhantes em virtude do crescimento demográfico. Época da primeira revolução: inaugura a vida familiar estável, fonte dos “mais elevados sentimentos conhecidos pela humanidade – o amor conjugal e a afeição paterna”; de outro lado, gera os rudimentos da propriedade e um sentimento real de posse, “em si mesmo a origem de incontáveis disputas e conflitos” O estado social do homem é visto por Rousseau como semelhante ao estado de guerra hobbesiano, pois o homem preocupa-se em proteger o que é seu e arrebatar o que é do outro. O homem, assim, não mais se apresenta como a criatura silenciosae triste, a vagar sem repouso, mas como um ser social que deriva prazer da companhia de seus semelhantes e tem consciência de que é necessário não lhes causar danos. Broome → contrato anti-social: institui a sociedade política com base no interesse egoísta dos ricos, e não no auto-interesse de todos – caminho da tirania: ○ Primeiro estágio → convenções de caráter geral que todos se obrigavam a cumprir 28 G. Felipe Reis ○ Segundo estágio → designação de magistrados para aplicar a lei ○ Terceiro estágio → magistrados se tornam governantes hereditários dando lugar à tirania. Domínio da vontade de um homem sobre as vontades dos demais. Tirania social → critica à passividade com que os homens aceitavam e à incapacidade de reconhecer a sujeição O homem, mesmo na sociedade corrupta, deve fazer do bem público seu próprio bem e estar preparado para sacrificar seus interesses em favor da comunidade. O verdadeiro contrato social → alienação total do eu em favor da comunidade. É condição para a criação da sociedade ideal, impossível de ser alcançada. O ideal dá lugar ao viável, mas permanece como fonte de inspiração para o que cumpre realizar. O homem foi corrompido pela sociedade; porém, como sua natureza é maleável, ainda pode ser redimido. O retorno à condição primitiva é não apenas impossível como indesejável. 29 G. Felipe Reis Módulo 2 Texto 8 – Ideologias políticas, Carlos Sell o Conceito de Ideologia A palavra ideologia possui um significado variado de acordo com a teoria e o autor que a utiliza. Mas, de forma geral, é possível perceber no uso da categoria duas acepções principais que poderiam ser esquematizadas como segue: Ideologia no sentido negativo: falsas ideias Ideologia no sentido positivo: projeto político O principal autor a utilizar o conceito de ideologia no sentimento negativo é Karl Marx. Para o filósofo e pensador alemão, ideologia significa um conjunto de falsas representações que tem como objetivo primordial difundir os interesses das classes dominantes. De acordo com Marx, as ideologias são justamente as ideias que as classes proprietárias dos meios de produção difundem para legitimar e perpetuar a sua dominação. Na tradição do pensamento marxista, o conceito de ideologia costuma ser pensado segundo duas interpretações. Para uma visão que poderíamos chamar de “instrumentalistas”, as ideologias são visões de mundo e representações da realidade elaboradas por agentes das classes dominantes para legitimar seu domínio e mascarar os reais fundamentos da sociedade. Já para uma visão “sistémica”, a ideologia é entendida como “ilusão socialmente necessária” De acordo com Bobbio, ideologia no sentido positivo “designa o genus ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de ideias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos”. Neste segundo sentido, ideologia significa um conjunto de propostas ou de projetos políticos. o Os ideais políticos da primeira modernidade 30 G. Felipe Reis As ideologias políticas da primeira modernidade estavam relacionadas com os interesses de diferentes grupos sociais (classes) a respeito da organização e do rumo da sociedade industrial. As ideologias possuem pontos de contato e podem compartilhar de determinados traços comuns, chegando até a identificar-se. Vários autores têm mostrado que as diferenças entre a extrema-esquerda e extrema-direita desaparecem quando se percebe seu fundamento comum: o fundamentalismo e o uso da violência como estratégia política. Liberalismo Podemos dizer que o liberalismo possui duas variantes principais, representadas a seguir: 1. Liberalismo Político (John Locke) – O Estado existe somente para garantir as liberdades fundamentais (propriedade, vida e liberdade) 2. Liberalismo Econômico (Adam Smith) – O Estado tem a função apenas de proteger a propriedade privada e garantir segurança aos cidadãos. Enquanto o liberalismo político reflete especialmente sobre a relação indivíduo e Estado, o liberalismo econômico procura refletir primordialmente sobre a relação entre mercado e Estado. Enquanto o liberalismo político defende a superioridade do indivíduo em relação ao Estado, o liberalismo econômico defende a superioridade do mercado ante o Estado. O liberalismo, de forma geral, defende a ideia do “Estado mínimo”, ou seja, ainda que o Estado seja necessário, sua interferência na vida pessoal e econômica deve ser a menor possível. Quanto menor a interferência do poder político nestas duas esferas, maior será o espaço de liberdade dos indivíduos. Crises do liberalismo: A teoria econômica liberal regulou o funcionamento do capitalismo por quase todo século XIX. Mas, na primeira metade do século XX, dois fatores levaram a uma crise das ideias do liberalismo econômico. 1. O primeiro fator é de ordem empírica e tem a ver com a crise do capitalismo que se acentua no decorrer dos anos 20 e 30. Esta crise, por sua vez, pode ser atribuída a duas causas principais. Do ponto de vista externo, o capitalismo estava sendo ameaçado pela concorrência das economias socialistas. Do ponto de vista interno, o capitalismo também vivia um momento de depressão e retratação da economia. 31 G. Felipe Reis 2. O segundo fator que levou à crise do liberalismo econômico é de ordem teórica e está relacionado com as ideias do economista Keynes. Ele afirmava que era preciso abandonar os pressupostos da teoria econômica liberal e resolver a crise do capitalismo com a intervenção direta do Estado no funcionamento do mercado. No decorrer dos anos 70, uma nova onda de transformações econômicas levou a profundas mudanças no funcionamento do capitalismo. Neste período começam a emergir as características do capitalismo contemporâneo, marcado especialmente pela globalização e pela informatização do sistema produtivo. As transformações no sistema produtivo também provocaram uma profunda crise nas formas de regulação estatal do capitalismo, especialmente das ideias do intervencionismo estatal e do Estado de Bem-Estar Social inspiradas nas premissas keynesianas. É nesse contexto que a teoria econômica e os próprios atores políticos iniciam uma retomada das premissas do liberalismo econômico. Daí a expressão “neo” atribuída ao liberalismo. A liberdade econômica e o mercado são os fundamentos da liberdade política, o capitalismo é condição necessária para a democracia Hayek → crítica aos regimes totalitários: seu fundamento é a planificação da economia que leva à tirania. Incompatibilidade entre planificação e democracia (vale para o Estado de Bem-Estar Social) Decisões de mercado: feitas por agentes econômicos individuais ● Balanço do liberalismo: Segundo uma interpretação marxista mais ortodoxa, o liberalismo político seria produto ideológico da burguesia na sua tentativa de consolidar seu poder político diante da aristocracia e seu poder econômico diante do proletário. O problema do liberalismo é que ele não garante por si só uma existência socialmente digna para os indivíduos. Em outros termos, o liberalismo não contempla em sua teorização o problema da justiça social. Dessa forma, a ideia de liberdade fica sendo abstrata e meramente formal, o que levou certos autores a imaginarem – erroneamente – que as ideias liberais se tratavam de mecanismos de legitimação burgueses do mundo. Embora as ideias neoliberais estejam corretas ao demonstrar o descompasso entre a concepção de um Estado projetado para regular economias nacionaise a existência de um 32 G. Felipe Reis mercado globalizado, o princípio de que o mercado é auto-regulável e conduz sempre ao equilíbrio econômico contradiz a própria ordem dos fatos. Não é suficiente para garantir uma sociedade bem ordenada → precisa ser complementado por outros princípios e valores. o Socialismo O socialismo se definiu como um programa político que tinha na superação do capitalismo seu objetivo central. Logo, todas aquelas forças que lutam pela superação do capitalismo e pela construção de um sistema social alternativo seriam as forças de esquerda. Modelo de Marx Dois fatores explicam o caráter vago e amplo com que Marx nos descreve a futura sociedade comunista. I. Por um lado, ele estava preocupado em distanciar-se dos socialistas utópicos que imaginavam modelos ideias de sociedade que não tinham aplicação prática, além de experiências localizadas. II. Por outro lado, Marx buscava ser fiel aos procedimentos científicos que buscavam descrever o presente e indicar tendências para o futuro, mas não o adivinhar. Apesar destas dificuldades, os estudiosos de Marx tendem a concordar que dois elementos são essenciais para entender o modo como ele imaginava a futura sociedade comunista: 1) a abolição das classes sociais; 2) a abolição do Estado. Marx afirma que “o que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade privada em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. Ele afirma também que “em lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”. Na visão do autor, com a superação da propriedade privada, desaparecia também o fundamento da divisão da sociedade em classes sociais. Com a supressão das classes sociais, Marx afirmava que o Estado também deveria ser superado. Afinal, o Estado é um instrumento da luta de classes. A abolição do Estado, portanto, seria a segunda condição necessária para o comunismo. Marx destacou a necessidade de práticas de democracia direta e a substituição do mandato representativo pelo mandato imperativo (onde os representantes apenas executam as ordens da 33 G. Felipe Reis base). No entanto, antes que esta suposta forma de “democracia proletária” pudesse instalar- se, Marx também advogou a necessidade de um período de transição do capitalismo ao comunismo – o socialismo – no qual deveria vigorar a ditadura do proletariado: período de transformações revolucionárias da primeira na segunda. ○ O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade privada e sim da propriedade burguesa → gera a abolição de classes sociais. Socialismo Real – Modelo Soviético Revolução bolchevique (1917), Revolução chinesa (1949) e a Revolução sandinista (1979) foi o conjunto de experiências políticas que buscavam concretizar as ideias socialistas de uma sociedade igualitária que os estudiosos passaram a chamar de “socialismo real” ou socialismo realmente existente. Do ponto de vista de sua estrutura, a organização social do regime socialista soviético assentava-se sobre dois elementos fundamentais. 1. Do ponto de vista econômico, todo o conjunto das atividades produtivas de iniciativa privada foi eliminado e sua propriedade passou para o Estado (socialização dos meios de produção); 2. Do ponto de vista político, a espinha dorsal da experiência soviética foi o controle do Estado a partir do partido único. A direção do Estado sob as mãos do secretário- geral do Partido Comunista da União Soviética também era acompanhada por uma série de mecanismos de controle social, como imprensa estatal, massiva propaganda ideológica mesclada com o culto ao líder e uma forte repressão a cargo da polícia política. Para certos autores, por exemplo, o socialismo soviético era a própria negação das ideias de Marx, pois contrariava o reino de liberdade e igualdade proposto por aquele autor. Apesar das contradições do socialismo real, isto não quer dizer que a ideologia socialista não tenha trazido suas contribuições. Duas são particularmente importantes: 1. Em primeiro lugar, o socialismo serviu como uma forma de os trabalhadores se organizarem e lutarem pelos seus direitos. 2. Em segundo lugar, o socialismo ajudou a consolidar um valor importante no mundo moderno: o valor da igualdade. 34 G. Felipe Reis o Social-democracia Se as ideologias de esquerda partem do princípio de que o capitalismo é um sistema econômico que deve ser eliminado e substituído, os grupos social-democratas concordam que ele possui deficiências. A social-democracia também é conhecia como ideologia reformista, pois ela defende a ideia de que o capitalismo pode ser humanizado pela ação consciente de forças políticas. Para essa corrente de esquerda, a estratégia política para a conquista do poder passava pela participação dos partidos proletários nas eleições. À medida que os partidos operários fossem chegando ao poder (apoiados pelos votos dos partidos operários), eles adotariam como estratégia econômica um programa de reformas que fosse eliminando os fundamentos da sociedade capitalista e introduzindo, aos poucos, as características de uma sociedade socialista. Surge da divergência de modelos quanto a forma de se chegar ao resultado final: o comunismo ○ Revolução/insurreição → socialismo revolucionário (Revolução Russa 1917); ○ Reformas/participação → socialismo social-democrata. A participação dos partidos social-democratas na vida política da sociedade europeia alterou profundamente os rumos do movimento socialista e da própria formação econômica capitalista. A principal realização dos partidos social-democratas na Europa foi a construção do Estado de Bem-Estar Social. Mais do que uma mudança drástica da economia, o que importava era administrar o Estado em prol dos trabalhadores, garantindo-lhes benefícios e, principalmente, uma ampla proteção social. Foi assim que se consolidou na Europa o “Estado de Bem-Estar Social” (Welfare State). Com os social-democratas no poder, a ideia de que o Estado deve garantir a igualdade entre os indivíduos passou a ser vista como um direito do cidadão. Surge como resultado de lentas reformas para mudar os fundamentos da sociedade de tal forma a levá-la para o socialismo. Mais que uma mudança econômica, o importante era administrar o Estado em prol dos trabalhadores. 35 G. Felipe Reis A estrutura dos sistemas capitalistas instituídos pelos social-democratas foi a seguinte: 1. O Estado responsabiliza-se pelas atividades que não são lucrativas para as empresas privadas, mas que se fazem necessárias para a economia como um todo; 2. O Governo regula, especialmente por meio de políticas anticíclicas, o funcionamento do setor privado; 3. O Estado, aplicando medidas pautadas pela teoria do bem-estar, atenua os efeitos distributivos do funcionamento do mercado. Os social-democratas adotaram um “programa político” de controle do Estado sobre o mercado e um “programa social” fundado no atendimento de direitos básicos (saúde, educação, transporte, previdência social, proteção contra o desemprego, etc.). A maior parte dos investimos com direitos sociais era retirada dos impostos, que eram revertidos em benefícios sociais. Usando de uma metáfora, podemos dizer que o Welfare State era um “Estado Robin Hood”: ele tirava dos ricos (através dos impostos) para dar aos pobres (através de benefícios sociais). Porém, como consequência de todo esse processo,os social-democratas abandonaram seu objetivo inicial: a construção do socialismo. Durante a década de 7, devido às mudanças nos padrões produtivos, os gastos com o Estado de Bem-Estar Social acabaram colocando em xeque os fundamentos das políticas sociais. O Welfare State se viu diante de um duplo dilema: suas fontes de renda diminuíram e os seus dependentes aumentaram. Para reagir diante dessa situação, os partidos social-democratas europeus resolveram mudar seus programas e adaptar a social-democracia às características da sociedade contemporânea marcada pelos fenômenos da informatização e da globalização. Os social-democratas passaram a adotar o discurso da Terceira Via: se refere a uma estrutura de pensamento e de prática política que visa adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao logo das duas ou três últimas décadas. É uma terceira via no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social-democracia do velho estilo (Segunda Via) quanto o neoliberalismo (Primeira Via). Terceira Via (Giddens) → estrutura de pensamento e de prática política que visa adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou (“governo progressista”) 36 G. Felipe Reis Surge em meio a um contexto de “crise fiscal do Estado” que se dá devido à diminuição das fontes de renda e ao aumento de dependentes do Estado. o A Segunda Modernidade e a Crise das Ideologias Do ponto de vista empírico, a segunda modernidade é marcada pelo que ficou conhecido como a crise das ideologias. A clivagem esquerda x direita é cada vez menos relevante para o comportamento político dos cidadãos ocidentais. (Raymond Aron, Edward Shils, Daniel Bell e Saymour Martin Lipset). Os critérios culturais e pessoais passam a guiar a escolha política dos eleitores. Para Bobbio, todas aquelas propostas políticas que se inspiram no valor fundamental da igualdade são ideologias de esquerda, caracterizando-se a direita pelo fato de tolerar a desigualdade em nome de outros valores e princípios. Giddens insiste na ideia que as duas ideologias – direita e esquerda – trocaram suas posições. Atualmente, é a esquerda que se tornou força conservadora, enquanto a direita, inspirada no neoliberalismo, possui uma proposta para o futuro do capitalismo. Enfraquecimento dos ideais políticos da primeira modernidade: 1. Excesso → os valores de igualdade e liberdade, defendidos pela esquerda e pela direita, estão consolidados no imaginário ocidental, logo não provocam divisões, pois são aceitos por todos. 2. Carência → problemas de organização coletiva que não podem ser respondidos pelas ideologias tradicionais. Ponto de vista normativo: As ideologias totalitárias e seus reflexos mostram que o exagero na valorização das ideologias pode levar a política na direção do fundamentalismo. Ideologias têm valor enquanto dão, à política, princípios e valores. 37 G. Felipe Reis Texto 9 – A Democracia Liberal-Pluralista, Danusa Marques Max Weber → pessimismo na participação democrática – pouco espaço para a participação e desenvolvimento individual e coletivo o Democracia como um sistema de mercado, um mecanismo institucional para eliminar os fracos e estabelecer os competentes na busca por poder o Massa de cidadãos é voluntariamente passiva → logo Weber se preocupa na garantia de estabilidade entre a autoridade política e a accountability, sem a participação popular Schumpeter → “modelo realista da democracia” – democracia concorrencial o Afirma que participação política não é necessariamente ligada à democracia o Insuficiência das doutrinas clássicas da democracia → insuficiência do pensamento político que considerava como elementos democráticos a busca pelo bem comum e a ideia de virtude cívica o A democracia existe apenas como valor moral e teve o papel de substituir a religião como valor central o Ao contrário do que diziam os teóricos da democracia representativa clássica (modernos) os indivíduos, para Schumpeter, não são totalmente racionais na vida pública, só importam as elites e não existe o bem comum o Problemas da doutrina clássica → visão estática da política (para ele a política é circunstancial); crença da existência de razão objetiva (para ele cada 38 G. Felipe Reis indivíduo tem uma concepção diferente de bem comum); errônea consideração de vontade geral (para ele há uma diferença entre a vontade de maiorias) o Democracia → confiança que o povo deposita no governo. O máximo que o povo pode fazer é delegar poder aos representantes e confiar no governo eleito o Princípio justificador da democracia → confiança no governo o O apoio das maiorias não garante a melhor opção de governo, pois as massas são irracionais, incapazes de decidir e compreender as consequências das decisões políticas, por causa da distância em relação ao sistema político As massas tem baixo senso de responsabilidade e de interesse pelas questões políticas o Democracia concorrencial → processo democrático corresponde à competição pela liderança. Critérios: liderança, sistematização de interesses genuínos de grupos, capacidade de produzir efeitos políticos o O povo não é decisor. As coletividades não possuem identidade própria, mas são reativas o Finalidades x Atividades → mesmo que o ideal da política seja legislar e administrar para o bem comum (atividades), os fins reais da política se relacionam à busca pelo poder, justificada pelos princípios (morais) Robert Dahl → pluralista – democracia como meio de seleção de líderes políticos (Schumpeter) o Muitos centros de poder na sociedade (Weber) e interesses diversos o Foco dos pluralistas: atividade dos indivíduos juntando forças em grupos para competir em favor de seus interesses o O papel do governo é garantir a liberdade de associação e ação das facções, que são fonte de estabilidade e expressão cultural da democracia o Estado age como árbitro entre os grupos de poder o Indivíduos maximizam interesses pessoais no mercado → maximizam interesses comuns na política o O poder é estabelecido competitivamente o Garantia da democracia → desagregação do poder, pois uma vez dividido entre grupos de distintos interesses, há um equilíbrio na competição Propensão de um grupo equilibrar o poder do outro 39 G. Felipe Reis o Dahl → democracia como um ideal, o real é a poliarquia → múltiplos centros de poder Premissas: liberdade, indivíduos racionais e autônomos, limitação de abusos de poder do Estado o Inovação da poliarquia → grupos como atores políticos, o indivíduo agregado ao grupo é mais forte na ação política; resolve os abusos de poder o A ação política é garantida através da coalizão de minorias → o conflito se dá em relação às metas e não sobre as regras do sistema (há um consenso sobre as normas do sistema poliárquico) o Democracia implica em accountability e a proximidade entre representante e representado → responsividade do governo Sustentada por critérios de igualdade formal: oportunidade plena de formular preferências, de expressá-las e de se fazer ouvir pelo governo o Critérios de garantia da democracia → livre associação, liberdade de expressão, direito de voto, direito de ser eleito, fontes alternativas de informação, eleições livres e legítimas, instituições fortes (garantir mandatos e eleições), sistema de checks and balances entre os 3 poderes e a burocracia administrativa e um sistema eleitoral competitivo o Democracia para Dahl: competição (sistema) e participação (cidadãos) → vínculo entre as duas é o voto. Problemas: redução da questão democrática a critérios quantitativos; uniformização de preferências