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Daniela Wortmeyer_Introducao perspectiva psicossociologica_REVISADO

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1 
 
INTRODUÇÃO A UMA PERSPECTIVA 
PSICOSSOCIOLÓGICA PARA O ESTUDO 
DAS FORÇAS ARMADAS1 
 
Daniela Schmitz Wortmeyer2 
 
1. Introdução 
 
O que define a identidade de uma organização? O que possibilita a seus 
integrantes identificarem-se e serem identificados como partes do todo 
organizacional, que os transcende? Quais os amálgamas que sustentam, com 
relativa estabilidade, essa entidade coletiva? Haveria um núcleo essencial das 
organizações, ou elas seriam configuradas por uma coleção de elementos? O 
que é necessário para se tornar “um dos nossos”, ou seja, para efetivamente 
ter acesso a uma comunidade organizacional? 
Estabelecer um equacionamento para questões como estas é tarefa 
fundamental para qualquer empreendimento voltado à pesquisa e 
intervenção em contextos organizacionais. Longe de se reduzir a estruturas 
formais, mais ou menos alinhadas ao modelo burocrático weberiano, a 
dinâmica das organizações contemporâneas articula-se em torno de diversos 
elementos, materiais e imateriais, racionais e afetivos, que conferem 
significação ao fazer coletivo e determinam seu campo de possibilidades. 
Elementos que, em consequência, intermedeiam as interações da organização 
com outros grupos e organizações, sua permeabilidade a mudanças, a lógica 
conferida às atividades que executa, entre muitos outros aspectos. 
Para Edgar Schein, 
todas as teorias grupais e organizacionais distinguem dois principais 
conjuntos de problemas com que todos os grupos, não importa seu 
tamanho, têm que lidar: (1) sobrevivência, crescimento e adaptação em seu 
ambiente e (2) integração interna que permita o funcionamento cotidiano e 
a habilidade de adaptar-se. (1992, p.11, tradução nossa). 
 
 
1 O presente artigo corresponde a uma adaptação de capítulos da dissertação de 
mestrado “Desafios da internalização de valores no processo de socialização 
organizacional: um estudo da formação de oficiais do Exército”, orientada pelo Prof. Dr. 
Wilson Moura e defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em junho de 2007. 
2 Graduada em Psicologia, Mestre em Psicologia Social, Capitão do Quadro 
Complementar de Oficiais do Exército. Atualmente atua na Academia Militar das Agulhas 
Negras. Principais interesses de pesquisa: socialização militar, internalização de valores 
em processos educacionais, cultura organizacional militar. E-mail para contato: 
educacaomilitar@uol.com.br. 
2 
 
Esse movimento grupal e organizacional de simultânea adaptação 
externa e interna revela-se como complexo e multifacetado, relacionando-se 
tanto a condições histórico-sociais em nível macro, quanto a aspectos 
psicossociais inerentes à existência humana compartilhada com outros. 
Somem-se a isso as particularidades do projeto comum a ser empreendido 
pelo grupo, que apresentará questões adicionais ligadas à natureza e 
significação da atividade, a serem resolvidas individual e coletivamente. 
Grosso modo, pode-se dizer que a organização dos seres humanos em torno 
de um fazer coletivo não é algo que está programado de antemão, em sua 
carga genética ou algum outro código predeterminado, e sim consiste em um 
grande desafio a ser resolvido na convivência social. 
Uma vez que um grupo conseguiu encontrar soluções para tal desafio, 
estruturando sua interação de modo a garantir a satisfação de determinadas 
necessidades comuns, tende a transformá-las em hábitos, empreendendo um 
processo de institucionalização de condutas que irá conferir estabilidade e 
previsibilidade à convivência social (BERGER; LUCKMANN, 1985). 
Paulatinamente, são construídos códigos que permitem a comunicação e a 
identificação no grupo. Estes se embasam em significados compartilhados, 
que conferem sentido e direção ao empreendimento comum. Temos, assim, a 
sedimentação de um processo de aprendizagem coletiva ao longo do tempo 
em uma cultura, que necessita ser transmitida às gerações vindouras para dar 
continuidade ao modo de vida que se consolidou como o mais adequado para 
aquele grupo. Existe, portanto, a necessidade de aculturação, de socialização 
dos novos membros, para que a cultura e o pacto social se perpetuem. 
O objetivo deste artigo é explorar possibilidades de análise das 
organizações, particularmente das forças armadas, introduzindo a ótica da 
cultura e dos consequentes processos de socialização de seus integrantes, 
segundo uma perspectiva oriunda da psicologia social das organizações. 
Nesse intuito, iniciaremos com uma breve revisão de conceitos originários da 
antropologia acerca da cultura, seguindo com a análise de concepções da 
cultura no campo organizacional e de referenciais teóricos voltados à sua 
interpretação. Por fim, esboçaremos uma interpretação de aspectos da cultura 
das organizações militares, em especial das forças armadas, e sinalizaremos 
implicações dessa perspectiva analítica para projetos de pesquisa e 
intervenção relacionados a este campo. 
 
2. Discussões sobre a substância da cultura 
 
Ao realizar uma revisão dos aspectos fundamentais da cultura 
comumente aceitos pelas principais tendências da antropologia, Omar Aktouf 
identificou que “a cultura implica uma interdependência entre história, 
estrutura social, condições de vida e experiências subjetivas das pessoas” 
(1996, p. 50). Isto é, a noção de cultura compreenderia praticamente tudo o 
3 
 
que implica a convivência social: das formas de produção dos bens materiais, 
sociais e imateriais, que incluem desde uma dada estrutura social, com seus 
papéis, normas e padrões de comportamento, conhecimentos e tecnologia, até 
as crenças, mitos, valores e símbolos. 
A cultura seria, portanto, um “complexo coletivo feito de 
„representações mentais‟ que ligam o imaterial e o material”(AKTOUF, 1996, 
p. 51). Assim, para compreender a cultura seria necessário considerar esse 
todo, que engloba o modo de vida e as representações da realidade 
compartilhadas por um dado grupo social e que o identifica em relação a 
outros grupos. Ou seja, estamos diante de um fenômeno que é, simultânea e 
indissociavelmente, objetivo e simbólico, e que necessita ser analisado à luz 
do processo histórico em que está inserido. 
“Se deixarmos de lado o aspecto físico, material e concreto de toda 
cultura, teremos ocasião de observar os elementos que exprimem sua 
especificidade e mais a desvendam ao observador externo: os mitos, os ritos, 
os rituais, os valores, os heróis, etc.”(AKTOUF, 1996, p. 52). Dentre os 
diversos elementos que constituem a cultura, Aktouf considera que os mitos 
contribuem profundamente para a constituição de crenças, valores e 
identidade. Eles estão ligados a significados ontológicos, ou seja, 
correspondem a teorias acerca das origens do homem, da natureza e do 
destino da atividade humana, das relações do homem com o mundo e dos 
homens entre si. 
O mito é uma tentativa de explicação das origens e do funcionamento do 
universo. Por intermédio das cerimônias e dos ritos, ele nos lembra 
constantemente quem somos e de onde viemos. Ele é a representação viva, 
através da reatualização cerimonial, do ato primordial. Ele é confirmação da 
identidade e das origens dos que oficiam ou dos que participam de uma 
cerimônia. Ele é, ao mesmo tempo, explicação e lembrança das origens e 
união-reabsorção dos contrários; ele concilia atos e crenças entre si. Ele 
proporciona tanto modelos para a conduta dos homens quanto „significado e 
valor para a existência‟. Ele é sempre, e sobretudo, „considerado como uma 
história sagrada‟ e, como consequência, como „uma história verdadeira‟.” 
(ELIADE, 1963 apud AKTOUF, 1996, p. 54). 
 
Podemos observar, portanto, que o mito conserva relação com a 
experiência cotidiana da comunidade: “Existem relações estreitas entre a 
palavra, o mito, alenda sagrada de uma tribo, de um lado, e seus atos rituais, 
suas ações morais, sua organização social e mesmo suas atividades práticas, 
de outro lado.” (MALINOWSKI, 1975, apud AKTOUF, 1996, p. 54). 
Clifford Geertz (1989) defendeu que o conceito de cultura necessitava 
ser delimitado pela antropologia, a fim de preservar sua utilidade explicativa. 
Observou que Kluckhohn, em estudo clássico, conseguiu elencar onze 
definições para cultura, que compreendem desde “modo de vida global de um 
povo”, até “uma forma de pensar, sentir e acreditar”, “um celeiro de 
4 
 
aprendizagem em comum” e “comportamento aprendido”, entre outras 
(GEERTZ, 1989, p. 14). Geertz alerta para os perigos de um excessivo 
subjetivismo nos estudos sobre a cultura, assim como critica as tentativas de 
se impor um esquematismo despersonalizante ao fenômeno. Sua 
argumentação é em favor de um conceito essencialmente semiótico: 
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias 
de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas 
teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca 
de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. 
(GEERTZ, 1989, p. 15). 
 
[...] a cultura é melhor [sic] vista não como complexos de padrões concretos 
de comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos –, como 
tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de 
controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de 
computação chamam de “programas”) – para governar o comportamento. 
(Ibid., p. 56). 
 
Geertz ressalta, ainda, que “o homem é precisamente o animal mais 
desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, 
extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu 
comportamento” (1989, p. 56). O objetivo da antropologia interpretativa seria 
procurar compreender esse contexto simbólico que caracteriza a cultura, 
analisando o fluxo das ações sociais e as fórmulas que os homens utilizam 
para definir sua experiência cotidiana. Assim, a análise cultural intentaria 
estabelecer uma “conversa” com os grupos pesquisados, a partir da tentativa 
de interpretação de seus pressupostos, porém estaria fadada inevitavelmente 
à incompletude. 
Há uma série de caminhos para fugir a isso – transformar a cultura em 
folclore e colecioná-lo, transformá-la em traços e contá-los, transformá-la 
em instituições e classificá-las, transformá-la em estruturas e brincar com 
elas. Todavia, isso são fugas. O fato é que comprometer-se com um conceito 
semiótico de cultura e uma abordagem interpretativa do seu estudo é 
comprometer-se com uma visão da afirmativa etnográfica como 
“essencialmente contestável”[...]. (GEERTZ, 1989, p. 39, grifo no original). 
 
O estudo da cultura envolveria, por conseguinte, a abordagem de ações 
e significados, das relações entre o material e o imaterial, buscando 
compreender os sentidos das práticas sociais, no bojo da multiplicidade de 
manifestações que compõem a experiência compartilhada de uma 
coletividade. Trata-se de um fenômeno eminentemente complexo, que não 
pode ser reduzido aos elementos que o compõem, tampouco às 
representações mentais dos sujeitos que dela participam. 
Considerando o pensamento de Geertz de que “as formas da sociedade 
são a substância da cultura”, parece-nos pertinente fazer referência às 
5 
 
reflexões de Peter Berger e Thomas Luckmann, teóricos da sociologia do 
conhecimento, acerca da construção social da realidade e dos processos de 
socialização. 
Estes autores descreveram o percurso através do qual, no decorrer de 
um processo histórico, condutas que se revelaram funcionais para solucionar 
determinadas demandas da existência humana transformam-se em hábitos, 
que conferem estabilidade e previsibilidade à interação social e propiciam um 
equilíbrio psicológico aos sujeitos. Esse processo de tipificação de condutas é 
denominado institucionalização, sendo baseado na divisão das tarefas e na 
definição de papéis a serem desempenhados pelos indivíduos (BERGER; 
LUCKMANN, 1985). 
Selznick concorda que: 
Institucionalização é um processo. É algo que acontece a uma organização 
ao longo do tempo, refletindo a história distintiva da própria organização, as 
pessoas que têm estado nela, os grupos que ela abriga e os interesses 
adquiridos que eles criaram, e o modo como se adaptou ao seu ambiente. 
Naquilo que é talvez seu sentido mais significativo, “institucionalizar” é 
infundir valor através das exigências técnicas da tarefa à mão. (SELZNICK, 
1957 apud SCOTT, 1996, p. 18, tradução nossa). 
 
Desta forma, ao organizar-se em torno de uma tarefa, um grupo não 
atua apenas racionalmente, não desenvolve apenas relações instrumentais, 
mas estabelece vínculos (afetivos) e constrói uma história comum, ao longo 
da qual determinadas estruturas são impregnadas de valor. W. Richard Scott 
afirma que, “ao assumir um conjunto distintivo de valores, a organização 
adquire uma estrutura de caráter, uma identidade” (1996, p.18, tradução 
nossa). 
Berger e Luckmann analisam ainda o fato de que, ao longo do tempo, 
toda instituição produz um “conhecimento” que permite sua legitimação, isto 
é, a justificação de sua existência perante o corpo social, o qual deve ser 
transmitido às gerações posteriores para que seja garantida sua perpetuação. 
Tal conhecimento decorre da atitude reflexiva dos sujeitos sobre suas 
práticas, e não das práticas em si, ou seja, corresponde a uma representação 
mental, subjetiva, da realidade objetivada. Assume, porém, o caráter de 
verdade inequívoca, tornando-se naturalizado. “Os significados institucionais 
devem ser impressos poderosa e inesquecivelmente na consciência do 
indivíduo” (1985, p. 98), por meio de um processo educacional. Para Jodelet, 
“a posição ocupada pela representação no ajustamento prático do sujeito a 
seu meio fará com que seja qualificada por alguns de compromisso 
psicossocial” (2001, p. 28). 
No decorrer do processo em que o movimento instituinte (de criação 
de soluções e estruturas) de um grupo vai se cristalizando em instituições, 
existe uma tendência, como menciona Schein (1992), de que essas instituições 
percam sua perspectiva histórica, passando a ser concebidas como “produto 
6 
 
da natureza das coisas” (ENRIQUEZ, 1997, p.80) e não como uma construção 
humana. As instituições passariam a funcionar, portanto, como um sistema 
de normas e interdições, que estabelece ideais de conduta e confere uma 
identidade social aos indivíduos. A inserção dos sujeitos na cultura, portanto, 
implicaria a assimilação desses significados institucionalizados, com base nos 
quais seria constituída sua identidade, ainda que seja por oposição à norma. 
 
3. Caminhos para análise da cultura em contextos 
organizacionais 
 
A problemática da organização e estruturação das sociedades, bem 
como da constituição, reprodução e transformação das culturas ao longo da 
história, tem sido largamente estudada por diversos autores, oriundos de 
disciplinas e escolas distintas. Tradicionalmente, a cultura é tema clássico da 
antropologia, etnologia e sociologia; da mesma forma o é sua transmissão 
através das gerações, mediante o processo de socialização dos novos membros 
de uma dada coletividade. Mais recentemente, conceitos como cultura e 
socialização foram apropriados por estudiosos do campo organizacional, de 
modo que a cultura organizacional passou inclusive a figurar como a nova 
“panaceia” para os problemas das organizações contemporâneas, muitas 
vezes à revelia da compreensão complexa do fenômeno já delineada 
extensamente pelos antropólogos. 
Aktouf observou que a emergência da noção de cultura organizacional 
ou cultura de empresa ocorreu a partir do final da década de 1970, assumindo 
por vezes configurações um tantoafastadas dos conceitos originais da 
antropologia. Este autor considera “abusivo” o uso do termo cultura por 
muitos teóricos, que a tomam como um fenômeno “diagnosticável, 
reconhecível e, desde que se tome certas precauções metodológicas, pode ser 
transformada, manipulada e mudada e até ser inteiramente criada por líderes, 
campeões, heróis e modelos, que lhe imprimem valores e símbolos”(AKTOUF, 
1996, p. 40). 
Aktouf chama a atenção para o fato de que uma cultura pressupõe a 
existência de um passado compartilhado, com memórias e representações que 
são retransmitidas às novas gerações. Ou seja, existe uma dimensão histórica 
que não pode ser olvidada, se o que se pretende é analisar uma cultura, e não 
um discurso superficial dos dirigentes da organização. A própria questão da 
dimensão mítica necessitaria ser analisada com cautela. Os mitos não são 
apenas historietas e anedotas, porém possuem um caráter sagrado, 
fornecendo uma explicação cosmológica à atuação dos indivíduos. Eles são 
constantemente revividos e atualizados na coletividade, produzindo uma 
intensa identificação entre seus membros. A mitogênese é um processo que 
não pode ser simplesmente imposto a um grupo, tendo sido gerado fora dele, 
da experiência vivida. Além disso, o conceito de cultura, tomado em toda a 
7 
 
sua profundidade, implica uma inter-relação entre as representações e as 
ações sociais em si: 
O problema essencial levantado pela questão da cultura reside, 
precisamente, na relação entre imaterialidade e materialidade, é neste ponto 
que a literatura e a prática da “cultura de empresa” parecem escorregar. 
Entretanto, praticamente todos os trabalhos de clássicos e especialistas no 
assunto que consultamos nos levam a aceitar que toda cultura é uma 
questão indissociavelmente material e imaterial. Trata-se de um fato social 
total em que a condição primordial é a coerência entre materialidade e 
imaterialidade, a concordância entre o que é histórico, a experiência vivida, 
os fatos e o axioma. (AKTOUF, 1996, p. 74). 
 
Isto significa que “as atitudes, crenças, valores, símbolos vêm depois, 
eles são gerados, alimentados e sustentados por todos estes elementos 
materiais” (Ibid., 76). Consideramos que a posição de Aktouf é coerente com a 
adotada por Geertz (1989), anteriormente explorada. A análise da cultura não 
pode se restringir a determinados elementos, muito menos ao discurso de 
determinados atores sociais. É preciso compreender a cultura em sua 
complexidade, atentando às sutis articulações que dão sentido à ação 
compartilhada entre os sujeitos. 
É também necessário considerar que qualquer organização está 
vinculada a uma cultura mais ampla, de cunho regional ou nacional, podendo 
inclusive amalgamar em seu interior grupos culturais distintos. Nesse 
sentido, Freitas assinala que “os valores transpostos para dentro das 
organizações encontram um respaldo, uma legitimação e uma sustentação 
nos valores culturais dessa sociedade mais ampla, não podendo ser estudados 
enquanto produções exclusivas das organizações, como se elas atuassem num 
vácuo” (FREITAS,1996 apud VIEIRA, 2002, p.5). 
Após atentar às advertências mencionadas, acreditamos ser frutífero 
revisar algumas tendências que se tornaram clássicas no estudo da cultura 
organizacional, que consideramos oferecerem elementos valiosos para a 
consecução do objetivo de análise das forças armadas. 
Edgar Schein (1992) desenvolveu uma perspectiva clínica de trabalho 
como consultor em organizações, baseada na análise e intervenção sobre os 
fundamentos motivacionais da cultura organizacional. Para Schein, a cultura 
não é apenas o que é compartilhado em um grupo, mas aquilo que lhe confere 
estabilidade estrutural. Tal estabilidade é fruto de aprendizagens construídas 
ao longo da história coletiva, sedimentadas em nível inconsciente, que 
permitem a integração e a comunicação no seio do grupo. 
Para o autor, uma cultura nasce a partir da atuação de lideranças em 
momentos críticos da história do grupo, diante de problemas de adaptação ao 
ambiente externo e de integração interna. Tais indivíduos teriam apresentado 
propostas de ação, inicialmente partindo de seu ponto de vista particular, as 
quais lograram ser adotadas pelo grupo e se revelaram eficazes no contexto 
8 
 
dado. O sucesso frequente de tais linhas de ação fez com que deixassem de ser 
debatidas ou questionadas e fossem assumidas como “verdadeiras” pelo 
grupo, tornando-se institucionalizadas e passando gradativamente a operar 
inconscientemente. Tais pressupostos passaram a ser julgados como certos e 
bons e a diferenciarem aquele grupo dos demais. E, no caso de serem 
questionados, tendem a ser imediatamente defendidos, devido ao forte 
investimento emocional relacionado. 
Schein ressalta que essa aprendizagem coletiva não ocorre apenas em 
um nível comportamental, pois envolve também um processo reflexivo, de 
atribuição de sentido à experiência, atingindo níveis abstratos. O resíduo da 
história comum pode ser definido como pressupostos básicos de pensamento, 
sentimento e ação, que passaram a atuar inconscientemente e a definir a 
identidade de um grupo, possibilitando a comunicação e a ação 
compartilhada. Em síntese, Schein define a cultura como: 
[...] um padrão de pressupostos básicos compartilhados, aprendidos pelo 
grupo na resolução de seus problemas de adaptação externa e integração 
interna, que atuou bem o suficiente para ser considerado válido e, então, 
para ser ensinado para novos membros como o modo correto de perceber, 
pensar e sentir em relação àqueles problemas. (1992, p.12, tradução nossa). 
 
Tal padrão atua no controle da ansiedade do grupo frente aos desafios 
da tarefa e da interação social. Por esse motivo, toda tentativa de mudança 
nos pressupostos básicos da cultura desperta uma série de resistências, 
provocando a mobilização de altos níveis de ansiedade. Schein chega a 
afirmar que a melhor forma de se conhecer os pressupostos subjacentes a 
uma cultura é por meio da tentativa de mudança. 
Este autor identifica a existência de três níveis na cultura 
organizacional. O primeiro nível seria acessível a um observador externo em 
seu primeiro contato com a organização, quando tem a possibilidade de 
detectar diversos elementos superficiais da cultura. São os chamados 
artefatos, que correspondem às estruturas e processos visíveis da 
organização, ligados à tecnologia, à arte, aos padrões de comportamento 
visíveis e auditivos, como procedimentos e rituais, entre outros indicadores. 
Embora sejam facilmente observáveis, tais elementos são difíceis de ser 
decifrados, exigindo um contato mais prolongado com a organização para que 
se possa apreender seu significado naquela cultura. 
No segundo nível da cultura encontrar-se-iam os valores manifestos, 
situados já em uma dimensão abstrata. São as estratégias, políticas, metas e 
filosofias da organização. São as justificativas adotadas para as práticas, além 
de idealizações e racionalizações, que podem apresentar maior ou menor 
congruência com os pressupostos mais profundos da cultura. 
Conforme já mencionado, o cerne da cultura, para Schein, está nos 
pressupostos básicos inconscientes que conferem estabilidade ao grupo. Tais 
pressupostos corresponderiam ao terceiro nível da cultura organizacional, 
9 
 
fonte última dos valores e das ações. São crenças, percepções, sentimentos e 
pensamentos acerca do mundo em suas diversas dimensões. Frequentemente 
lidam com aspectos fundamentais da vida, tais como: a natureza do tempo e 
do espaço; a natureza e a atividade humanas; a natureza da verdade e como 
alguém a descobre; o modo correto para o indivíduo e para o grupo se 
relacionarem um com o outro; a importância relativa do trabalho, da família e 
do autodesenvolvimento; os papéis próprios de homens e mulheres; e a 
naturezada família. Os pressupostos básicos seriam os mais difíceis de 
perceber na dinâmica da organização, pois tendem a ser protegidos e muitas 
vezes não estão claros para os próprios sujeitos envolvidos. Todavia, uma vez 
compreendidos, possibilitam a elucidação dos aspectos mais superficiais da 
cultura. 
Para Geert Hofstede, há alguns elementos comuns entre as diversas 
concepções existentes acerca da cultura organizacional: 
A maioria das diversas perspectivas [...] compartilham, ao menos em alguma 
extensão, muitos dos seguintes pressupostos sobre os fenômenos culturais: 
que eles são relacionados a história e tradição, têm alguma profundidade, 
são difíceis de compreender e esclarecer, e devem ser interpretados; que eles 
são coletivos e compartilhados por membros de grupos e primariamente 
ideativos em seu caráter, tendo que lidar com valores, compreensões, 
crenças, conhecimento e outros intangíveis; e que eles são holísticos e 
subjetivos, mais que estritamente racionais e analíticos. (HOFSTEDE et al., 
1990 apud ALVESSON, 1993, p. 2, tradução nossa). 
 
Hofstede (1997) define cultura como “a programação coletiva da mente 
que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas em face de 
outro” (p. 19). Para o autor, essa “programação mental” corresponde a 
padrões de pensamento, de sentimentos e de ação potencial, que são 
resultado de uma aprendizagem contínua no seio de determinados ambientes 
sociais. Ele afirma que 
quando certos padrões de pensamento, sentimentos e comportamentos se 
instalam na mente de cada um, torna-se necessário desaprender, antes de 
aprender algo diferente, e desaprender é mais difícil que aprender pela 
primeira vez (p. 18). 
 
Segundo Hofstede, a cultura pode ser descrita em sua totalidade por 
meio de quatro manifestações: símbolos, heróis, rituais e valores. Os 
símbolos, heróis e rituais podem ser conceituados como práticas, são visíveis 
ao observador externo e situam-se nos níveis mais superficiais da cultura. Seu 
significado, entretanto, é invisível e só pode ser compreendido enfocando-se a 
forma como essas práticas são interpretadas pelos indivíduos que pertencem 
à cultura. Os valores, por sua vez, situam-se no núcleo da cultura, referindo-se 
à tendência para se preferir certo estado de coisas em face de outro, ou seja, 
um sentimento orientado, com um lado positivo e outro negativo. Os valores 
começam a ser adquiridos muito precocemente, na infância, e geralmente são 
10 
 
inconscientes para o indivíduo. O autor destaca que pode haver contradições 
entre os valores manifestos como desejáveis, que correspondem mais à 
ideologia de um grupo social, e os valores efetivamente desejados pelos 
sujeitos, que correspondem às escolhas efetuadas em situações concretas. 
Observamos, portanto, que há diversas semelhanças entre as 
concepções acerca da cultura, de modo geral, e da cultura organizacional, 
especificamente, conforme acabamos de revisar. Vemos que a cultura é fruto 
da aprendizagem coletiva de um grupo, em que determinados modelos de 
conduta foram impregnados de valor e passaram a desempenhar uma função 
psíquica essencial, relacionada ao controle e à previsibilidade da interação 
social. É também semelhante entre as concepções aqui mencionadas a noção 
de que a cultura é um fenômeno complexo, que pode incluir uma rica gama de 
práticas compartilhadas, cuja raiz encontra-se em uma “programação mental” 
coletiva, definidora da visão de mundo própria do grupo, considerada como a 
forma correta de pensar, sentir, perceber e agir. 
A esse respeito, lembramos novamente uma advertência de Aktouf: 
“uma cultura não significa necessariamente unidade, homogeneidade ou 
monolitismo” (1996, p. 51). Pode haver (e geralmente há) paradoxos e 
oposições no seio da cultura, visões de mundo concorrentes, conflitos, jogos 
de forças. 
Podemos depreender ainda que, para os autores mencionados, um 
aspecto fundamental da cultura é a necessidade de sua transmissão para as 
gerações vindouras, por meio de um processo educacional. Por conseguinte, 
os novos membros do grupo devem ser socializados, para que possam se 
adaptar à cultura, através de sua internalização, e reproduzi-la, a fim de 
serem integrados à coletividade. 
Para Schein (1992), uma boa forma de decifrar os pressupostos básicos 
de uma cultura seria analisar o processo de socialização de seus novos 
membros. Este processo seria determinante para o ajustamento do 
comportamento do indivíduo à organização, pois lhe transmitiria o que é 
essencial naquele contexto. O ajustamento seria induzido por meio da 
transmissão de uma série de conteúdos que dizem respeito, basicamente, aos 
objetivos fundamentais da organização, aos meios escolhidos para alcançá-
los, às responsabilidades dos membros e aos padrões comportamentais 
necessários para um desempenho eficaz, assim como a todo um conjunto de 
regras ou princípios relativos à conservação da identidade e integridade da 
organização (SCHEIN, 1968 apud VIEIRA, 2002, p. 21). 
Contudo, Schein (1992) considera que a socialização inicial dos 
novatos, que ocorre geralmente de maneira formal, é superficial. Os “segredos 
grupais” só serão revelados aos que conseguirem ingressar nos círculos mais 
íntimos da cultura. Em consequência, os pressupostos básicos são 
transmitidos implicitamente ao longo da socialização, por intermédio dos 
mecanismos de controle social adotados pelos membros mais antigos em 
relação aos novatos. 
11 
 
John Van Maanen considera que “a socialização organizacional ou 
„processamento de pessoas‟ refere-se à maneira pela qual as experiências de 
aprendizagem de pessoas que assumem novos cargos, status, ou papéis nas 
organizações são estruturadas por outras pessoas dentro da 
organização”(1989, p. 45). 
Seja de modo formal ou informal, sistemático ou assistemático, um 
processo de ensino e aprendizagem sempre se põe em curso quando um 
indivíduo atravessa fronteiras organizacionais. E, de um modo ou de outro, a 
tendência dos membros mais experientes da cultura é buscar ajustar os 
iniciantes à lógica institucional preexistente, às crenças e valores que 
conferem estabilidade ao grupo. 
Embora fuja aos objetivos deste artigo abordar em profundidade o 
desenvolvimento dos processos de socialização organizacional, 
mencionaremos sumariamente alguns aspectos que têm se destacado em 
pesquisas contemporâneas acerca do tema. 
A multidimensionalidade dos processos de socialização organizacional 
tem sido evidenciada pelas tendências de pesquisa das últimas duas décadas, 
que se propuseram a investigar diversos fatores que engendram esse 
complexo fenômeno. Verificou-se que as táticas de socialização utilizadas 
pelas organizações desempenham um importante papel nos resultados da 
socialização, que tendem a ser mais homogêneos quanto maior for a 
institucionalização do processo (KIM; CABLE; KIM, 2005). Constatou-se, 
ainda, que comportamentos pró-ativos adotados pelos novatos interferirão 
em sua interpretação sobre as próprias táticas de socialização e sobre a 
realidade organizacional, com reflexos em seu ajustamento ao novo ambiente. 
As estratégias desenvolvidas por um novato para administrar a ansiedade 
decorrente da transição organizacional podem envolver comportamentos de 
busca de informação sobre diversos aspectos de seu papel (KIM; CABLE; 
KIM, 2005; THOMAS; ANDERSON, 2002), a qual frequentemente ocorre 
por meio de relacionamentos interpessoais informais estabelecidos com 
pares, subordinados e superiores - cuja perspectiva estará mais ou menos 
alinhada aos objetivos formais propostos pela organização (CALATAYUD; 
LERÍN; PLANES, 2000). 
Aspectos como motivações para a carreira, informações obtidas 
previamente ao ingresso na organização (socialização por antecipação), a 
evolução do ajustamento das expectativas dos novatos frente às perspectivasefetivamente encontradas na organização (CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 
2000), as percepções acerca do contrato psicológico (DE VOS; BUYENS, 
2004), entre outros, contribuirão para que a socialização dos indivíduos seja 
bem-sucedida ou não, com efeitos sobre sua satisfação no trabalho, seu 
comprometimento com os valores e objetivos da organização e suas intenções 
de abandonar o emprego (IRVING; CAWSEY; CRUIKSHANK, 2002). 
Ao analisarmos os encaminhamentos das pesquisas sobre o tema, 
patenteia-se que a socialização organizacional está muito longe de ser um 
12 
 
fenômeno do tipo causa e efeito, em que os sujeitos envolvidos responderiam 
passivamente às tentativas de aculturação empreendidas formalmente pela 
organização. Mais do que um simples treinamento, a socialização 
organizacional é efetivamente a aprendizagem de uma cultura, implicando a 
internalização de valores, crenças, normas e práticas fundamentais para o 
ajustamento do indivíduo a seu papel na organização. 
 
4. Aspectos da cultura organizacional das forças 
armadas 
 
Ao abordarmos particularmente um contexto organizacional militar, a 
fim de compreender as práticas empreendidas e os sentidos que adquirem 
para seus integrantes, faz-se necessário mapear as alternativas encontradas 
pela organização para lidar com as ansiedades e exigências práticas 
decorrentes de sua tarefa, assim como com as demandas decorrentes da 
convivência social em torno de um dado objetivo, que se converteram em 
valores organizacionais com o passar do tempo. 
Evidentemente, as forças armadas de cada país apresentam os 
contornos da cultura nacional. Porém, entendemos que a natureza da 
atividade desempenhada nesse tipo de organização permite identificar 
algumas características, em princípio, similares em termos de estruturas e 
valores organizacionais. Nesse intuito, procuraremos a partir de agora, de 
modo genérico e introdutório, elencar alguns traços distintivos da cultura 
organizacional das forças armadas. 
Samuel Huntington, estudioso da problemática das relações entre civis 
e militares nos Estados Unidos, esboça uma concepção da cultura militar: 
As pessoas que agem da mesma forma durante um longo período de tempo 
tendem a desenvolver hábitos característicos e persistentes de pensamento. 
A singular relação que elas mantêm com o mundo lhes dá uma peculiar 
perspectiva desse mundo, levando-as a racionalizar o próprio 
comportamento e o próprio papel. Isso é particularmente verdadeiro onde 
esse papel é um papel profissional. Uma profissão é mais estritamente 
definida, mais intensa e exclusivamente procurada e mais claramente 
isolada de outras atividades humanas do que o é a maioria das ocupações. O 
contínuo desempenho objetivo da função profissional dá origem a uma 
contínua weltanschauung [sic] ou “mentalidade” profissional. Nesse 
sentido, a mentalidade militar consiste dos valores, atitudes e perspectivas 
inerentes ao desempenho da função militar e que se deduzem da natureza 
dessa função. A função militar é desempenhada por um técnico de profissão 
pública burocratizada, especialista na administração da violência e 
responsável pela segurança militar do Estado. Um valor ou uma atitude só 
faz parte da ética profissional militar se for deduzido ou derivado da 
especialização, da responsabilidade e da organização peculiares da profissão 
militar. (HUNTINGTON, 1997, p. 79). 
13 
 
 
Assim, a cultura organizacional das forças armadas pode ser entendida 
a partir da análise das soluções encontradas pela organização para resolver 
seus problemas de adaptação interna e externa, ao longo de um processo 
histórico. Para alguns autores, toda tentativa de organização pode ser 
considerada como uma modalidade de defesa contra a ansiedade. Na 
concepção de Eugène Enriquez, além de uma modalidade de defesa contra a 
ansiedade, a estrutura organizacional é, “ao mesmo tempo, a forma pela qual 
a organização visa uma certa eficácia no trabalho (adaptação ao real) e 
favorece ou coloca no lugar um certo modelo de controle social”(1997, p. 28). 
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos tentar dimensionar a 
intensidade que assume a estrutura defensiva em uma organização cuja 
finalidade de existência liga-se ao enfrentamento do perigo da morte. Uma 
organização3 militar impõe literalmente a seus membros o sacrifício da 
própria vida em prol de seus objetivos, compromisso que assumem 
publicamente em juramento diante da bandeira nacional, símbolo maior da 
Pátria, e cujo cumprimento, severamente regulado por dispositivos legais, 
precede a quaisquer interesses individuais, em nome da coletividade da 
Nação. Citando Clausewitz, Huntington afirma que “a guerra é a província da 
incerteza”, e ainda que “toda guerra pressupõe fraqueza humana e contra ela 
é dirigida”(1996, p. 81). Diante da incerteza que circunscreve sua atuação, 
diante de ameaças potenciais de diversas ordens (que não provêm apenas do 
inimigo, mas da imprevisibilidade das reações dos próprios aliados, em suas 
“fraquezas humanas”), as forças armadas buscam elementos estáveis nos 
quais possam se apoiar. 
Para Morris Janowitz, “a doutrina dogmática é uma típica reação 
reflexa organizacional a incertezas futuras. O que sucedeu no passado vem a 
ser um poderoso precedente para realizações futuras.”(1967, p. 28). Desta 
forma, o culto às tradições, a rigidez de fórmulas doutrinárias e a 
normalização minuciosa das condutas a serem adotadas por seus membros 
nas mais diversas situações surgem como mecanismos organizacionais para o 
controle da ansiedade, buscando a previsibilidade como forma de evitar a 
surpresa ameaçadora. 
Janowitz destaca a importância do companheirismo a esse respeito: 
“Os conceitos de honra e espírito marcial estão fundamentados em rituais de 
companheirismo. Esses rituais são apenas um dentre os meios de uma 
profissão que tem de controlar sua ansiedade decorrente de sua preocupação 
com a morte.”(1967, p. 195). Huntington também ilumina este aspecto, 
afirmando que: 
 
3 Utilizamos aqui o termo “organização” em sentido amplo, seguindo a definição proposta 
por Scott (1996, p. 18): “estruturação de ações racionais, voltadas a determinados 
objetivos”. 
14 
 
o militar enfatiza a importância do grupo contra o indivíduo. O sucesso em 
qualquer atividade exige a subordinação da vontade individual à vontade do 
grupo. Tradição, esprit, unidade, comunidade – essas coisas têm alta 
conotação no sistema militar de valor. (1996, p. 82). 
 
Tillich contribui para a análise do tema, afirmando que “tem sido 
observado que a ansiedade da morte aumenta com o aumento da 
individualização e que os povos nas culturas coletivistas são menos dados a 
este tipo de ansiedade”(1976, p. 33). Portanto, a constituição da profissão 
militar como uma “corporação” ou “fraternidade”, que coloca os interesses da 
coletividade acima dos individuais e desenvolve elevado grau de 
homogeneidade e coesão entre seus membros, é em parte esclarecida como 
estratégia de defesa contra a ansiedade. 
Nessa direção, a disciplina, baseada no respeito às normas 
estabelecidas e no pronto cumprimento das ordens emanadas das autoridades 
hierárquicas, também se caracteriza como elemento que confere estabilidade 
à organização: 
A profissão militar existe para servir ao Estado. A fim de prestar o mais 
elevado serviço possível, todos os profissionais das armas e a força militar 
que comandam devem se constituir em um eficiente instrumento de política 
estatal. Como a direção política só vem da cúpula, isso significa que a 
profissão tem que se estruturar numa hierarquia de obediência. E para que a 
profissão desempenhe sua função, cada escalão dela deve ser capaz de 
merecer a obediência leal e instantânea dos subordinados. Sem esse 
relacionamento, o profissionalismo militar éimpossível. Em conseqüência, 
lealdade e obediência são as virtudes militares mais altas [...]. Quando o 
militar recebe uma ordem legal de um superior autorizado, ele não discute, 
não hesita nem altera sua própria opinião; obedece instantaneamente. Ele é 
julgado, não pelas políticas que implementa, mas sim pela presteza e 
eficiência com que as executa. (HUNTINGTON, 1996, p. 91, grifo nosso). 
 
A obediência é considerada por Huntington como “a essência da 
competência militar”, pois apenas a execução fiel das diretrizes estabelecidas 
em níveis políticos e estratégicos asseguraria o êxito das operações. Por meio 
dela, aliada a outros aspectos que asseguram a vinculação dos indivíduos à 
identidade grupal, busca-se garantir a conformação e a uniformidade no seio 
da organização. 
Entretanto, a ideologia da disciplina nas forças armadas 
norteamericanas passou por uma reconfiguração após a Segunda Guerra 
Mundial, retratada nos estudos de Janowitz. Este autor estabelece um 
contraste entre a disciplina militar característica do final do século XIX, 
baseada na dominação autoritária, e as concepções de disciplina que 
começaram a emergir no início do século XX, caracterizadas pela utilização de 
“manipulação, persuasão e consenso grupal”(JANOWITZ, 1967, p. 40). 
15 
 
O oficial tático já não corresponde mais à imagem do oficial de cavalaria de 
voz ríspida, bradando ordens para homens que ele supunha ignorantes. Ao 
invés disso, [...] é um “junior executive”, confrontado com a tarefa de 
coordenar especialistas e demonstrar pelo exemplo que é competente para 
dirigir uma batalha. Quando a disciplina militar se baseava na dominação, 
os oficiais tinham de demonstrar que eram diferentes dos homens a quem 
comandavam. Hoje, os líderes devem continuamente demonstrar sua 
competência e capacidade técnica, para que possam comandar sem recorrer 
a sanções arbitrárias e extremas. Antigamente, o lema nas forças armadas 
era “Faça continência às divisas, e não ao homem”, porquanto a autoridade 
era formal. Os papéis militares contemporâneos, porém, dependem das 
qualidades dos homens que ocupam posições profissionais. (JANOWITZ, 
1967, p. 46-47). 
 
Para o autor, a necessidade de alteração das táticas de disciplinamento 
militar decorreu das mudanças operadas na estrutura social, no perfil da 
população e na tecnologia da guerra, entre outros fatores. 
A demanda popular de igualdade de tratamento cresce com a 
industrialização. À medida que aumenta o padrão de vida, diminui a 
tolerância aos desconfortos da vida militar. O ceticismo da vida urbana é 
levado para as forças armadas em grau maior que em gerações anteriores, de 
modo que os homens já não atuarão mais às cegas, mas exigirão alguma 
espécie de explicação de seus comandantes. Relações sociais, liderança 
pessoal, benefícios materiais, doutrinação ideológica e a justiça e o 
significado dos objetivos da guerra, tudo isso agora faz parte do moral 
militar. (Ibid., p. 41). 
 
Janowitz observa que a evolução da tecnologia da guerra representou 
um aumento do poder de fogo e a necessidade de maior especialização dos 
combatentes. Para fazer frente ao poder destrutivo dos novos armamentos, as 
tropas foram levadas à descentralização (a fim de reduzir a exposição ao 
perigo), o que gerou a necessidade de maior autonomia e iniciativa dos 
militares dispersos. A proficiência técnica passou a ser um fator de 
dependência mútua entre os militares, interferindo na estrutura disciplinar 
formal: 
A tecnologia da guerra é tão complexa que a mera disciplina autoritária não 
é garantia da coordenação de um complexo grupo de especialistas. Os 
membros de um grupo militar reconhecem que sua dependência mútua 
baseia-se mais na proficiência técnica de cada um de seus membros que na 
estrutura disciplinar formal. (Ibid., p. 43). 
 
Assim, os comandantes seriam levados cada vez mais a evidenciar sua 
qualificação técnica perante seus comandados, a fim de transmitir-lhes 
segurança e credibilidade em relação às ordens emitidas. 
16 
 
A psicologia aplicada às relações humanas na organização militar teria 
conduzido a um modelo de chefia que busca equilibrar sanções negativas e 
estímulos positivos. Ou seja, embora se admita que a violência e a crise 
extrema, que caracterizam as situações de combate, justifiquem o direito ao 
exercício de sanções drásticas por parte da autoridade militar, este exercício 
não deve ser incompatível com a “ênfase em objetivos de grupo” e o “uso de 
técnicas indiretas de controle”. Desta forma, “„comando‟ dá lugar à „liderança‟ 
na linguagem das forças armadas”(JANOWITZ, 1967, p. 45). Um dos 
objetivos da disciplina seria, por exemplo, que o indivíduo internalizasse as 
normas sob um enfoque positivo, compreendendo que elas o protegem e o 
apóiam. 
Contudo, Janowitz ressalta que essa transição não é isenta de 
resistências no seio da organização: 
Todas as organizações mostram pressões inerentes para a inércia humana. 
Nas instituições militares, em particular, a inovação tecnológica marcha 
mais depressa e com maior eficiência que a transformação organizacional. 
[...] Talvez a maior tensão com que se confronta o “administrador” militar 
seja o caráter episódico do combate. O sentimento de urgência, a realidade 
do combate imediato, é um estímulo que torna a autoridade militar efetiva. 
Na guerra fria, removida a pressão imediata do combate, há uma tendência 
para o retrocesso a velhos padrões de disciplina autoritária, não mais 
efetiva. (Ibid., p. 48-49). 
 
O autor menciona ainda a dificuldade de aceitação dos novos padrões 
de disciplina por determinados segmentos, mais conservadores, da 
organização. Por exemplo, uma das mudanças nas forças armadas 
norteamericanas acarretou a restrição da liberdade de comandantes táticos na 
aplicação de punição “por companhia” ou “coletiva”, o que, além de alterar 
formas tradicionais de disciplina, foi percebido como uma perda de 
prerrogativas por parte dos oficiais. Isto é, fatos dessa natureza vieram a ser 
interpretados como um “enfraquecimento da autoridade” por parte de oficiais 
em nível companhia. Janowitz realiza uma leitura taxativa a esse respeito: 
“Esses oficiais demonstraram maior disposição para atribuir esse declínio de 
autoridade a mudanças em regulamentos formais do que para admitir que a 
tarefa do comandante tático se modificara e exigia qualificações 
administrativas mais complexas.” (Ibid., p. 52). 
Prosseguindo na análise de alguns traços da cultura organizacional 
militar, acrescentaríamos ainda, parodiando Clausewitz, que “a guerra é a 
província do não-ser”. A ameaça de aniquilação do ser em sua totalidade 
torna necessária a referência a uma ordem estabelecida, que proporcione um 
mínimo de organização diante do caos. 
Há um momento em que a auto-afirmação do homem comum se torna 
neurótica: quando mudanças da realidade, à qual está ajustado ameaçam a 
coragem fragmentária com a qual ele tem dominado os costumeiros objetos 
17 
 
de medo. [...] Os perigos relacionados com a mudança, o caráter 
desconhecido das coisas por vir, a escuridão do futuro fazem do homem 
comum um fanático defensor da ordem estabelecida. (TILLICH, 1976, p. 
53). 
 
Em nome da causa nacional, os militares devem colocar em risco sua 
segurança pessoal. Contudo, embora a integridade física esteja em risco, o 
mesmo não pode ocorrer no campo psicológico, sob o ônus da perda da 
motivação para o combate. É importante ressaltar que rondam na guerra, real 
ou imaginada, ameaças abrangentes de finitude, de insignificância da 
existência, culpas e outros temores, tornando necessário infundir nos 
membros da organização a identificação com valores e crenças que apaziguem 
tais ansiedades e forneçam um sentido para a tarefa desempenhada. Para 
Enriquez, 
[...] esses grupos [o Exército e a Igreja] funcionamna crença, reforçam em 
cada um a ilusão da imortalidade ou da onipotência do narcisismo, 
desempenham um papel capital na canalização das pulsões sexuais, 
habituam as pessoas a exorcizarem a realidade da morte ao prometer-lhes 
uma vida heróica ou uma vida eterna plena de felicidade. (1997, p. 27). 
 
Assim, práticas como o culto a vultos heróicos e diversos 
procedimentos cerimoniais e rituais contribuem para que o grupo se vincule a 
uma vívida instância mítica, que remete a um sentido transcendente para a 
existência e para a imolação em prol da causa comum. Enriquez destaca que: 
A organização não pode viver sem segregar um ou mais mitos unificadores, 
sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem formar os 
seus heróis tutelares (colhidos com frequência entre os fundadores reais ou 
os fundadores imaginários da organização), sem narrar ou inventar uma 
saga que viverá na memória coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm por 
função sedimentar a ação dos membros da organização, de lhes servir de 
sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida às 
suas práticas e à sua vida. Ela pode então se oferecer como objeto a 
interiorizar e a fazer viver. Ela formula as suas exigências, impõe a cada um 
ser movido pelo orgulho do trabalho a cumprir, verdadeira missão de 
vocação salvadora. (1997, p. 34). 
 
Ao analisar a constituição do oficialato como profissão, Huntington 
distingue como competência desta categoria a “administração da violência”: 
“A direção, a operação e o controle de uma organização humana cuja 
principal função consiste na aplicação da violência é a qualidade peculiar do 
oficial.” (1996, p. 29). Sobre o processo de socialização organizacional para o 
exercício deste papel profissional, Janowitz mencionou a importância das 
academias militares: 
18 
 
A educação numa academia militar é a primeira e a mais crucial experiência 
de um soldado profissional. As experiências educacionais de um cadete não 
obliteram seus antecedentes sociais, mas deixam impressões fundas e 
duradouras. Embora nem todos os generais e almirantes tenham 
frequentado academias militares, estas fixam os padrões de comportamento 
para toda a profissão militar. São elas a fonte da difundida “igualdade de 
sentimento” a respeito de honra militar e do sentido de fraternidade que 
prevalece entre os militares. (JANOWITZ, 1967, p. 129). 
 
Para o autor, o processo de socialização dos cadetes envolve valores, 
atitudes e normas, que devem ser internalizados para o desempenho de seu 
papel profissional: 
O oficial profissional ingressa numa carreira em que uma autoridade única 
regulamenta todas as oportunidades de sua existência. Com efeito, o 
aspirante verifica que todo o ciclo de sua vida diária está sob o controle desta 
autoridade única, pois a vida militar é uma vida institucional. Além das 
qualificações técnicas que ele adquire, as academias devem prepará-lo para 
o estilo de vida peculiar ao militar e doutriná-lo quanto à importância da 
liderança heróica. Devem procurar enfraquecer laços regionais e 
desenvolver um sentido de identidade nacional mais ampla. Admitido o 
oficial em potencial, e sobrevivendo este às provas de iniciação, a finalidade 
de uma academia militar consiste em transformá-lo num membro da 
“fraternidade” profissional. (Ibid., p. 130). 
 
Tais aspectos relacionados à formação de oficiais são aqui 
mencionados apenas para ilustrar a relação entre a socialização dos membros 
das forças armadas e a cultura da organização. Obviamente, há outros papéis 
profissionais exercidos no seio das organizações militares, por exemplo, por 
recrutas e praças, e mesmo em se tratando do oficialato existem 
especialidades distintas, que implicam processos de socialização 
relativamente diferenciados. Entretanto, a despeito dessa diversidade, os 
valores essenciais da organização necessitam ser transmitidos a todos os seus 
integrantes, no intuito de garantir sua coesão interna, sua produtividade e, 
em última análise, sua sobrevivência. 
 
5. Considerações finais 
 
Intentamos ao longo do presente artigo introduzir uma perspectiva 
psicossociológica voltada ao estudo das forças armadas, com foco na análise 
da cultura organizacional e, como desdobramento, dos processos de 
socialização de seus integrantes. 
Para tanto, revisamos antecedentes antropológicos do estudo acerca do 
fenômeno cultural, para em seguida detalharmos possibilidades de análise da 
cultura organizacional sob um enfoque psicossociológico, com destaque para 
a abordagem clínica desenvolvida por Schein (1992). Finalmente, procuramos 
19 
 
interpretar alguns traços distintivos da cultura das forças armadas, no intuito 
de ilustrar a aplicação da perspectiva proposta a este campo de pesquisa. 
A partir das tendências teóricas revisadas, podemos vislumbrar alguns 
desafios para projetos de pesquisa e intervenção relacionados às forças 
armadas, como objeto multi e interdisciplinar. 
Primeiramente, constatamos que as práticas perceptíveis por um 
observador externo, em seus primeiros contatos com a organização, 
correspondem a aspectos superficiais da cultura, cujo significado para a 
coletividade militar só poderá ser perscrutado mediante um contato mais 
prolongado, que permita desvendar os valores implícitos em tais 
manifestações. Os símbolos, ritos, heróis, mitos, estruturas arquitetônicas, 
indumentárias, gestos, cerimônias, jargões, entre outros artefatos que se 
verificam em profusão nas organizações militares, possuem funções que 
extrapolam o simples ornamento, relacionando-se a pressupostos básicos da 
cultura em pauta. Nesse contexto, apresenta-se um desafio ao pesquisador: 
como ultrapassar os níveis mais superficiais de percepção da cultura 
organizacional militar e acessar seus pressupostos básicos, compreendendo 
efetivamente o que dá sentido às práticas compartilhadas? 
Prosseguindo, constatamos que “cultura implica um nível de 
estabilidade estrutural no grupo. Quando nós dizemos que algo é „cultural‟, 
nós implicamos que isto não é apenas compartilhado, mas profundo e 
estável”(SCHEIN, 1992, p.10, tradução nossa). Portanto, a cultura tende à 
resistência à mudança, principalmente em seus pressupostos básicos. Vimos 
também que a cultura militar inclina-se a ser especialmente rígida, dadas as 
características da tarefa à qual se relaciona e às ansiedades que necessita 
administrar. Em decorrência, entendendo o processo de socialização como o 
ensino- aprendizagem da cultura, pode-se verificar que há uma tendência à 
reprodução dos aspectos que conferem estabilidade estrutural e identidade ao 
grupo nos cursos de formação dos quadros militares. 
Assim, quaisquer propostas de mudança em processos organizacionais 
necessitam considerar os elementos fundamentais da cultura implicados, pois 
do contrário não atravessarão o nível superficial, sendo posteriormente 
reinterpretados e ressignificados segundo os pressupostos arraigados. Eis 
mais um desafio: como fazer frente às resistências e desencadear efetivas 
mudanças na cultura organizacional militar? 
Outra implicação que merece destaque relaciona-se ao caráter 
heterogêneo da cultura. A cultura de grandes organizações costuma abrigar 
em seu interior subculturas diversas, oriundas, por exemplo, de subgrupos 
ocupacionais. Tal diversidade pode acarretar inclusive pontos de vista 
antagônicos e dificuldades de integração de determinados segmentos da 
organização. No caso das forças armadas, há comumente uma miríade de 
diferenciações que podem converter-se em subculturas, tais como: círculos 
hierárquicos, cursos realizados, especializações, formas de ingresso na 
carreira, estabilidade no serviço, experiência profissional, etc. Por 
20 
 
conseguinte, emerge mais uma questão a ser colocada: de que maneira as 
diferentes subculturas articulam-see determinam a dinâmica das forças 
armadas? E mais: em que medida seria coerente buscar mapear a identidade 
do militar integrante de uma força armada, considerando-o como membro de 
uma cultura monolítica e olvidando as diferentes identidades construídas no 
contexto das organizações militares? 
Muitas outras questões e desafios apresentam-se ainda diante da 
complexidade do objeto de investigação proposto. O objetivo maior deste 
trabalho foi ressaltar a importância da cultura, como conjunto de práticas e 
significados compartilhados no seio de uma coletividade, para a definição da 
identidade de uma organização e para a mediação de suas relações internas e 
externas. Em consequência, uma abordagem das forças armadas segundo 
essa perspectiva implica reconhecer que seus valores, crenças, normas e 
práticas diversas estão imbricados a soluções construídas historicamente por 
seus integrantes para lidar com os desafios decorrentes de sua tarefa comum, 
as quais são transmitidas às novas gerações em sua socialização. Que estão 
relacionados a pressupostos inconscientes, os quais conferem sentido e 
relativa estabilidade ao empreendimento organizacional e tendem a ser 
intensamente defendidos pelo grupo diante de tentativas de mudança. 
Ademais, interpretar uma cultura organizacional edificada, muitas 
vezes ao longo de séculos, em torno das ansiedades humanas despertadas 
pelo risco da morte em combate, é tarefa que exige persistência e 
sensibilidade do observador, dada a rigidez da estrutura defensiva em 
questão. Mais ainda, se o que se pretende é desvendar fragilidades e 
limitações e propor transformações, visando à adaptação das estruturas 
cristalizadas para a atuação em novos cenários. 
 
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Dissertação de Mestrado. 
 
 
* O presente artigo encontra-se publicado no livro: SVARTMAN, E.; 
D´ARAÚJO, M.C.; SOARES, S.A. (Orgs.) Defesa, Segurança Internacional e 
Forças Armadas. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2009.

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