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I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 1 A COMIDA DE RUA COMO FERRAMENTA NA PRESERVAÇÃO DOS ALIMENTOS TRADICIONAIS Antonia Lucia de Souza Eloy Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC antonya@bol.com.br Renata Ramos Vieira dos Reis Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, IF Baiano, Campus Uruçuca renatarvr@yahoo.com.br GT 01 – A Produção de Alimentos Tradicionais nos Territórios Rurais e Urbanos Resumo A apropriação do espaço público por ambulantes que comercializam alimentos prontos para o consumo atrai variados públicos durante diversas horas do dia. O objetivo principal deste estudo foi relacionar alimentos tradicionais, no serviço de alimentação considerado street food. Aplicou-se a amostra não probabilística por julgamento aos ambulantes, executores de produção, para listar iguarias ofertadas e, aos consumidores, recorreu-se à amostra não probabilística intencional para identificar práticas alimentares. O estudo apontou que 57% das iguarias disponíveis para a demanda, são de fabricação própria, sendo ao acarajé impetrada a primazia de 14 %, o espetinho 10% e o beiju (tapioca) representou 4% da preferência do consumidor. Os resultados apontaram que, apesar da globalização, a produção de alimentos tradicionais perdura num fazer artesanal da comida de rua. Palavras-chave: globalização; cultura alimentar; street food. 1. Introdução O município de Itabuna, situado na região denominada grapiúna, constituído a partir da primeira metade do séc. XIX, surgido de um empório comercial, está localizado no centro de uma região produtora de cacau às margens do Rio Cachoeira, ao Sul da Bahia, nordeste brasileiro. Situado a 416 km de sua capital, Salvador, ao qual se liga através da BR-101, na Costa do Cacau, é um importante centro comercial, industrial, educacional e de serviços no estado da Bahia. I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 2 Dentre os locais mais procurados para compras estão a Avenida do Cinquentenário - versada como o coração econômico da cidade, a Rua Paulino Vieira, o Calçadão da Rui Barbosa, o Shopping Jequitibá e a Praça José Bastos, que está situada no centro da cidade e que acumula clínicas médicas, instituição de ensino, lojas, restaurantes, bares, e uma chamada “praça de alimentação a céu aberto”, que consiste em uma área com diversas barracas padronizadas que comercializam alimentos e bebidas. O comércio de alimentos em espaços públicos, nos centros urbanos, coloca o consumidor em contato sensorial com as preparações culinárias locais. Permitindo, desse modo que o alimento tradicional também integre a oferta por ambulantes. Baseado em Ribeiro e Martins (1995) que definem alimentação tradicional como produto gerado pelo emprego de matérias- primas, e produção regionais e conhecimentos aplicados, que recebem, entre outras, as denominações de local, artesanal ou regional é questionado: o que existe de tradicional nas preparações culinárias comercializadas na Praça José Bastos? Com o objetivo de identificar preparações culinárias tradicionais negociadas na Praça José Bastos por meio dos serviços de alimentação rápida considerados comidas de rua (street food), recorreu-se à amostra não probabilística por julgamento aplicada aos ambulantes; ao estudo do tipo transversal com os consumidores, somando-se a estes a amostra não probabilística intencional, utilizando como instrumento de coleta, o questionário e a entrevista. A estrutura do trabalho consolidou-se com a revisão de literatura analisando a globalização da cultura alimentar; o que contam sobre a gastronomia grapiúna e o que se come nas ruas, apresentando análise dos resultados obtidos. 2. Revisão de literatura A subjetividade veiculada nas práticas alimentares estende-se dos procedimentos de preparação ao consumo e inclui identidade cultural, condição social, religião e memória familiar. O processo de industrialização e o conseqüente aceleramento da vida moderna causaram alterações importantes em relação aos hábitos alimentares da humanidade. A exemplo das grandes distâncias entre o trabalho e as residências, que faz com que cada vez mais pessoas se alimentem fora de suas casas, consumindo alimentos produzidos nas ruas. I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 3 Observa-se também um crescimento na produção de alimentos industrializados, bem como um grande apelo midiático, que leva à população ao consumo da street food, como um hábito corriqueiro da modernidade. Os países em desenvolvimento sejam em fase de crescimento industrial, comercial ou urbano têm favorecido à proliferação do mercado informal de trabalho destacando-se neste, o segmento da comida de rua. A prática da comercialização de preparações culinárias em vias públicas é herança trazida pelos negros da Costa Ocidental da África onde as mulheres realizavam um tipo de comércio ambulante de produtos comestíveis (BEZERRA, 2008). A expressão comida de rua adotada neste estudo, adaptada de Lathan (1997); Matalas e Yannakoulia (2000) foi deliberada como alimentos e bebidas prontos para o consumo, preparados e/ou vendidos nas ruas (street food), para ingestão imediata ou posterior. 2.1 A globalização e a cultura alimentar A repercussão imediata na América do Sul de crises financeiras na Ásia, a fabricação de produtos de prestigiosas e influentes marcas européias ou americanas na Malásia e Tailândia, entre outros, e a formação de cadeias de televisão mundiais são aspectos de uma mesma tendência, a globalização. Este fenômeno decorre fundamentalmente da ampliação dos sistemas de comunicação por satélite, da revolução da telefonia e do comparecimento da informática na maior parte dos setores de produção e de serviços, inclusive por meio de redes globais como a internet. Hall (2006) ao referenciar Robins (1991), assinala que o fenômeno da globalização seja fundamentalmente ocidental apesar de, por significação, ser algo que afeta o globo terrestre na sua totalidade, correspondendo ao capitalismo global, por considerá-la como um processo de ocidentalização por meio da exportação de mercadorias, valores e das formas de vida orientais. Antropologicamente contextualizada, a globalização pode ser compreendida como modos disponíveis de organização de forma transnacional, internacional, nacional, municipal ou local gerando fragmentação e alterando a relação das pessoas com os lugares. A definição de lugar sustenta-se em Hall e Resende (2006) quando buscam relato da obra de Giddens (1990) I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 4 deliberando-o como específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que moldam os indivíduos e com as quais se encontram estreitamente ligados às identidades. No entendimento de Araújo (2009) referindo-se a Robertson (1997); Bestor (2005) e Miller (2005) a globalização não tem que necessariamente homogeneizar as diferenças culturais; o que se verifica é a contextualização local de uma forma global, para o desenvolvimento do capital humano e do conhecimento, estabelecendo relações intersetoriais através de efeitos multiplicadores. Apesar de assegurarque na história moderna as culturas nacionais têm dominado a modernidade e que as identidades nacionais aspiram sobrepor a outras fontes mais particularistas de identificação cultural, Hall (2006) mencionando Mcgrew (1992) discorre sobre a oportunidade de o termo globalização abreviar um complexo de processos e forças de mudança que deslocam as identidades culturais referindo-se àqueles procedimentos atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais integrando comunidades, combinando espaço-tempo e interconectando o mundo. Para Garcia (2003) a globalização atinge a indústria de alimentos, o setor agropecuário, a distribuição de alimentos em redes de mercados de grande superfície e em cadeias de lanchonetes e restaurantes. Estes elementos garantem Pinheiro (2005) e Vasconcelos (2011), atuam como fatores determinantes na modificação dos hábitos alimentares, gerando transformações no estilo de vida de, praticamente, toda a população mundial. Esta quebra de hábito dar-se-á mediante uma evolução nas informações transmitidas para que as pessoas façam uma tomada de decisão. Pressionadas pela publicidade e praticidade, pelo poder aquisitivo, as experiências alimentares vão se tornando permeáveis a mudanças, representadas pela incorporação de novos alimentos, formas de preparo, compra e consumo. No cenário urbano, no entendimento de Garcia (2003) e Braga (2004), acontecem estratégias de mobilização gerando articulação das características de urbanização que afetam o modus vivendi, ou seja, acomodam na disputa entre partes cujas opiniões diferem para permitir vida em conjunto e moldam a comensalidade contemporânea marcada pela escassez de tempo, diversidade e pela concentração de apelos publicitários. I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 5 Enquanto território cultural, segundo Araújo (2009, p.53), “a alimentação permite ao ator social construir representações culturais, instrumentalizar memórias, exercitar práticas, trocar e negociar produtos e produzir discursos de pertença que articulam as noções de local e global”; e explica a cultura alimentar enquanto, Conjunto de práticas, conhecimentos, valores, crenças, técnicas e representações sobre a comida que existe numa determinada sociedade, [...] instrumentalizada em processos de patrimonialização que devem ser entendidos num quadro mais geral de globalização, transnacionalismo e reafirmação das especificidades locais (ARAÚJO, 2009 apud BLÁS, 2009, p.54). Os hábitos alimentares compõem a cultura alimentar, em um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, ou seja, “não diz respeito apenas àquilo que tem raízes históricas, mas, principalmente aos hábitos cotidianos, que são compostos pelo que é tradicional e pelo que se constitui como novos hábitos” assegura MINTZ (2001, p.42). Os alemães, por exemplo, se tornaram apreciadores do prato turco döner kebap e das relações antes não reveladas entre essa comida de imigrantes. Ao considerar que as comidas sempre seguiram os fluxos migratórios de distintos grupos, difundindo-se lentamente nas culturas urbanas, a globalização permitiu as cozinhas movimentarem-se mais velozmente do que os deslocamentos humanos, o que fez com que as comidas antes consideradas exóticas se tivessem tornado comuns (HARVEY, 2009). Surge então a familiarização com a diversidade por meio do território dos serviços rápidos de alimentação, do comer fora de casa, em pé e na rua que permitem experimentar a cozinha global. Assim, as fórmulas rápidas de comer representada pelo hambúrguer, a batata frita e a coca cola, aliados a outros produtos como a pizza americanizada, passa a constituir um conjunto alimentar de consumo em massa, atribuindo um novo sabor e causando uma verdadeira ruptura no comer tradicional, trazendo no seu bojo mudanças nos hábitos e práticas alimentares dos americanos. O serviço rápido de alimentação apresenta um aspecto funcional que satisfaz a necessidade atual de agilidade e responde à demanda de relações impessoais decorrentes da cultura urbana e de seu ritmo. Neste sentido, Franco (2006, p. 229) contribui ao alegar que a proliferação dos equipamentos de refeições rápidas se explica “pela distância entre a casa e os locais de I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 6 trabalho, estudo e lazer, bem como pela dessacralização da refeição em família na sociedade pós-industrial”. Certos países ocidentais, muito orgulhosos das suas culinárias, construíram ao longo da história, cozinhas de alta qualidade, verdadeiros patrimônios de memória gustativa. Nestas cozinhas prevaleceu a arte de elaborar os alimentos e de lhes dar sabor e sentido. Santos (2006) corrobora ao aludir que nestas cozinhas existem a familiaridade, os investimentos afetivos, simbólicos, estéticos e econômicos. Nesse sentido, a cozinha sempre foi um espelho da sociedade. Do exposto, em vez de falar em cozinha, é melhor falar em cozinhas, posiciona-se Lody (2008), porque elas se modificam graças às influências e os intercâmbios entre as populações, aos novos produtos e alimentos, graças às circulações de mercadorias. As cozinhas regionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que as culinárias revelem vestígios das trocas culturais. Desta forma é possível destacar que como o isolamento acentua as particularidades regionais, a dinamização das comunicações gera processo no sentido oposto. 2.2 A gastronomia grapiúna: o que contam na história e o que se come nas ruas A história do sul da Bahia, ligada diretamente à cultura do cacau, surge literalmente de um povo do meio do mato e, a implementação do poderoso fruto cria uma identidade regional determinada pelos habitantes que se aglomeraram à volta das plantações de cana-de-açúcar, milho, mandioca, dentre outras. Junto com o desenvolvimento, chegaram imigrantes de diversos lugares do mundo, principalmente turcos, que fundaram as primeiras casas de comércio de venda e compra de cacau. A presença desses imigrantes analisa Santana (2007, p.2), foi fundamental no processo da formação da região o qual possibilitou o desenvolvimento de uma sociedade que começava a instituir uma estrutura própria e diversificada. Conforme pondera Amado (1982), Em busca do El Dorado [...] chegava a mão-de-obra vinda do alto sertão das secas ou do Sergipe da pobreza e da falta de trabalho. Rapazola, meu pai abandonara a cidade sergipana de Estância, civilizada e decadente, para a aventura do desbravamento do sul da Bahia, para implantar, com tantos outros participantes da saga desmedida, a civilização do cacau, forjar a nação grapiúna, deste modo, erguera sua casa mais I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 7 além de Ferradas, povoado do jovem município de Itabuna. Para Goldstein (2000) os grapiúnas são descritos por Jorge Amado como pessoas movidas pela ambição e fortemente ligados à terra, muitas vezes oriundas de outros estados e países, que acabaram por se integrar totalmente à civilização ilheense. A mulher da região sulbaiana, devido a influências externas, foi criada para o lar, educada para cuidar dos filhos, costurar e, principalmente, cozer, sustentada no modus vivendi do coronelismo e diante disso, o cozer era o que ela deveria saber fazer. A partir da análise de receitas, muitas vezes, originárias dos velhos cadernoscom as quais as famílias transmitiam de geração a geração a arte de cozinhar, observou-se que os títulos dessas receitas revelam questões relativas ao hibridismo étnico cultural (SANTANA, 2007). Para Santos (2003), decorrente das crises políticas que ocorriam em seus territórios e atraídos pela perspectiva do progresso que se evidenciava na região cacaueira, os Sírios e Libaneses chegaram ao Sul da Bahia ao final do século XIX e início do século XX. Este fenômeno migracional foi percebido pela comunidade local em função de hábitos e costumes diferenciados trazidos por esses povos. Os imigrantes da primeira geração passaram os conhecimentos a seus descendentes, deixando um legado significativo para a região principalmente no comércio e na gastronomia, que pode ser observado nos diversos restaurantes da culinária árabe, espalhados pela região. A partir desse momento então, pôde-se unir e criar pratos diversificados pelo saber de outras culturas quer indígena, européia, árabe, quer africana, sendo provavelmente esse o motivo de as receitas da região terem sabores diferentes, únicos, porque se pode encontrar nelas o passado e a cultura do povo grapiúna. Com isso, a cultura alimentar grapiúna se confunde com a culinária baiana na óptica de Querino apud Santana (2007) ao descrever que, A Bahia encerra superioridade, a excelência, a primazia, na arte culinária do país, pois que o elemento africano, com a sua condimentação requintada de exóticos adubos, alterou profundamente as iguarias portuguesas, resultando daí um produto todo nacional, saboroso, agradável ao paladar mais exigente, o que excede a justificada fama que precede a cozinha baiana. A comida de rua participa da trajetória social, cultural, nutricional e econômica de uma localidade; tanto os ambulantes quanto os consumidores são beneficiados. Um pela alternativa de trabalho, outro pela possibilidade de uma refeição rápida por um bom preço. No Brasil, I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 8 comida de rua constitui herança dos escravos que se acocoravam nas esquinas e praças com pitéus da senzala, da tradição portuguesa e da raiz indígena. Para Pinheiro; Silva (2011, p.1-2), desde a colonização do Brasil, viajantes, mercadores e peregrinos já se alimentavam nas ruas ao permanecerem longos períodos longe de seus lares e, dos engenhos de açúcar no nordeste saíram receitas que se multiplicaram e ganharam os tabuleiros, instituindo-se como atividade das senhoras de engenho, “espalhando-se esta influência à vida urbana, através dos bolos vendidos nas festas de rua e nas esquinas, em tabuleiros enfeitados”. No século XIX, a propriedade escrava foi conduzida para a produção e a venda de bens de consumo e de comidas para vender nas ruas, organizada em trabalho coletivo. Segundo Da Matta (1986), alimento é algo que diz respeito a todos os seres humanos por questões de sobrevivência, mas a comida é correspondente a de-comer, expressão equivalente a refeição, como remanescente é a palavra comida. Por outro lado, comida se refere a algo que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa. Se por um lado, afirma Araújo (2009) que é notória a tendência de adoção de novos hábitos alimentares criados pela indústria de informação global, por outro lado as localidades recriam- se enquanto novos territórios, e com isto transportam a comida, neste processo de re- territorialização, como ferramenta central. Na Praça José Bastos, no centro de Itabuna, os ambulantes montam seus estandes com diversas preparações, desvendando aos passantes a culinária africana, italiana, árabe, indígena, americana, japonesa, brasileira e baiana; representadas lado a lado por caldos de mariscos, escondidinho, hamburgers, tortas, empadas, mingaus, pipocas, quibes, churrasquinhos, pizzas, acarajés, abarás, água de coco, doces, dentre outros. Comidas de rua como o acarajé, herdada dos escravos negros, indissociável da cultura do candomblé, e a tapioca (beiju, grifo nosso) resultante da goma da mandioca fazem parte do patrimônio cultural da região na compreensão de Lody (2008) e, essas comidas típicas, conectam-se densamente com a história da gastronomia brasileira e da cozinha baiana. I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 9 3. Metodologia Com localização privilegiada no centro urbano de Itabuna, encontra-se instalada na Praça José Bastos uma instituição particular de ensino superior - Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) - com intensa movimentação noturna, que atraiu ambulantes da economia informal e pequenos empresários para sua calçada, onde laboram vendedores de produtos alimentícios em sua maneira designada de “comida de rua”, numa praça de alimentação a “céu aberto”, em espaço público. Este estudo, quanto aos objetivos, pautou-se na pesquisa exploratória por proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explícito no momento em que se apreciou a população de ambulantes e consumidores e, ao estabelecer tempo e periodicidade necessários para levantar os dados primários. Na compreensão de Gil (2002), o levantamento de dados primários consiste na interrogação direta dos indivíduos na expectativa de conhecer o seu comportamento e os dados secundários são capturados por meio da pesquisa bibliográfica ao consultar referências teóricas publicadas por meios escritos e eletrônicos, permitindo ao pesquisados conhecer o que já se estudou sobre o assunto. A pesquisa transversal foi realizada com a população de consumidores que compravam ou degustavam o produto no local do estudo, no espaço temporal de 15 dias, que segundo Pereira (1995) os dados são coletados em um determinado ponto no tempo e sintetizado estatisticamente. Neste quesito, recorreu-se a uma amostra não probabilística intencional, onde, segundo Maia Neto e Bêrni (2002), as pessoas escolhidas são aquelas que estão ao alcance do pesquisador e dispostas a responder o questionário. Aos ambulantes utilizou-se a amostra não probabilística por julgamento, que no entendimento destes autores compreende a amostragem por escolhas racionais no momento em que as unidades selecionadas para a entrevista atendem critérios de ordem prática, permitindo ao pesquisador estabelecer parâmetros em função dos problemas e objetivos do estudo. Após a coleta, os dados foram analisados pelo método discritivo-estatístico que, no entendimento de Barroco (2010), corresponde à interpelação de variáveis e indicadores (%) que venham responder ao problema de pesquisa; concepção esta já defendida por Espírito Santo (1992, p.147), como estatística descritiva referindo-se a “um conjunto de conceitos e métodos usados na organização, resumo, tabulação, representação e descrição de uma coleção I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 10 de dados” onde os resultados da pesquisa são representados de forma numérica, gráfica ou tabular. 4. Resultados e discussão A preservação da cultura tradicional, como certos tipos de alimentos e culinárias típicas e o local de aquisição, é um importante aspecto dentro do mercado informal de alimentos. No Brasil, comida de rua constitui herança dos escravos, da tradição portuguesa e da raiz indígena, a exemplo da prática dos índios de assarem nos espetos peixes e carnes, que segundo Cascudo (2004),deu origem ao churrasco brasileiro. A gastronomia sulbaiana, movida por movimentos migratórios, por meio de técnicas de transformação dos alimentos sazonais, incutiu novas práticas alimentares aos produtos consumidos pela comunidade, acrescidos de simbologias e do imaginário das suas práticas culturais. Dito isso, a etnoculinária traçada pelo acarajé na concepção de Lima (1998), instala a iguaria no binômio clássico sagrado/profano, constituindo-se na merenda mais frequente nas esquinas e praças, nas principais cidades da Bahia; fato este constatado na pesquisa realizada no centro urbano de Itabuna, que demonstrou que dos 245 respondentes 14 % preferem o acarajé, seguido de 10 % que preferem o churrasquinho (espetinho). Este fato direciona ao entendimento de que algumas comidas populares ou típicas, comercializadas como comidas de rua têm maior aceitação perante outras preparações disponibilizadas. Assim, constatou-se que o que leva o indivíduo a consumir um alimento em detrimento ao outro é o sabor, representado por 35% da demanda, seguido da variedade das iguarias que corresponde a 25%. Em tempos de globalização, em que há uma oferta maciça e padronizada de alimentos industrializados, há pessoas que ainda preferem consumir alimentos tradicionais vendidos nas ruas, a exemplo 74% dos indivíduos entrevistados que ocupam a faixa etária de 15 a 35 anos, população jovem e ativa, que mesmo com a expansão da comida americanizada que arrasta multidões para consumirem o repertório de sabores ligado a estímulos decorrentes da vida moderna, ainda prevalece a escolha do alimento tradicional nos serviços de alimentação considerados street food. I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 11 Observou-se também que dos indivíduos pesquisados, 40% cosome a comida de rua de 1 a 2 vezes por semana e 30% consome de 3 a 4 vezes por semana, movidos pela falta de tempo de retornarem aos seus lares, representados por 56% dos entrevistados que permanece fora de suas casas entre 7 e 12 horas, necessitando assim cosumir o alimento pronto das ruas. Outro fato relevante da pesquisa é que 63% dos entrevistados consome o alimento no mesmo local de aquisição, o que torna possível interpretar que o comer de pé no balcão traduz a pressa do consumidor em exercer outras atividades posteriormente. A dimensão da ocupação cotidiana de espaço público por ambulantes imprime rede de relações e delimitam um lugar impondo um novo uso, ao atravessar barreiras do planejamento urbano, criando um espaço singular que aglomera pessoas. Dos 15 pontos de venda da área estudada que possui uma gastronomia bastante diversificada, a culinária regional é a que predomina. Desse modo, 77% dos vendedores pesquisados têm produtos de fabricação própria e 67% das barracas possuem alimentos que são considerados tradicionais e regionais representados por 3 estandes de comida árabe, 4 indígena, 2 africana e 1 portuguesa. 5. Considerações Finais A estética da comida regional não é apenas a da comida nativa. Consiste em uma fusão cultural de formação, colonização ou da própria evolução. Neste sentido, os hábitos alimentares das populações das grandes cidades abarcaram imensa variedade de produtos e usufruem da modernidade e da flexibilidade do mundo contemporâneo. A compreensão de novas características temporais e espaciais suscita efeitos da globalização sobre as identidades culturais. Dito isto, esse espaço-tempo encurta distâncias e torna o mundo menor onde os acontecimentos de uma localidade, mesmo imensamente afastada, estampam efeitos imediatos sobre os indivíduos espacialmente distantes. Assim, a globalização cultural é percebida como um elemento positivo para a revitalização das formas de arte local - dentre elas a arte culinária-, criando vida cultural mais plural, democrática e multicultural. O alimento regional fabricado de forma artesanal encontra-se traduzido no espaço gastronômico a “céu aberto”, por meio do acarajé, espetinhos (churrasquinho), quibe, pipoca, beiju, esfiha e doces que, mesmo com oferta diversificada, submete-se à escolha do I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 12 consumidor por encontra-se atrelada às suas tradições e práticas alimentares. Este evento está demonstrado pela frequência de consumo e critérios de seleção das iguarias. Então, o que se come na Praça José Bastos representa os indígenas, africanos, portugueses, turcos e sírio- libaneses, predecessores da culinária grapiúna. Cabe entender que as cozinhas regionais são produtos de miscigenação cultural atreladas aos novos hábitos que distanciam os indivíduos do lar e que o alimento tradicional é produzido em um determinado lugar, com determinadas características que os distingue quanto aos aspectos sensoriais como sabor, aroma e textura ligados à cultura gastronômica da população. Neste contexto, torna-se imprescindível criar estratégias para que a comida de rua continue se constituindo num importante instrumento de preservação de alimentos tradicionalmente consumidos recorrendo ao saber fazer dos ambulantes e dos hábitos e costumes de um povo. 6. Referencias Bibliográficas AMADO, J. O menino grapiúna. Ilustração de Floriano Teixeira. Rio de Janeiro: Record, 1982. ARAÚJO, Wilma, M, C. MONTEBELLO Nancy di Pilla; BOTELHO, Raquel B. A; BORGO, Luiz Antonio. 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