Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O PAPEL DO FESTIVAL DO BEIJU DE IRARÁ NA PROMOÇÃO DOS OFÍCIOS FEMININOS DA MANDIOCULTURA BAIANA EDNILSON DA SILVA ANDRADE Pós-graduando em Gestão da Qualidade em Gastronomia pela Estácio FIB, Bacharel em Turismo pela Faculdade de Turismo da Bahia (FACTUR/FAMETTIG) e Professor de Gastronomia da Universidade Salvador – UNIFACS, Salvador, BA. E-mail: ed_andrade@bol.com.br. Introdução O ano de 2014 foi declarado pela Organização Mundial das Nações Unidas, ONU, como o Ano da Agricultura Familiar, devido à importância socioeconômica e ambiental desta atividade, ao empregar grande número de trabalhadores no campo, produzir alimentos para o mercado interno e garantir a subsistência e a renda para agricultores e suas famílias (1). O desenvolvimento pleno da agricultura familiar no Brasil vai além do simples reconhecimento legal deste trabalho. Embora este fato que em si já tenha grandes méritos, sua afirmação depende de propostas sustentáveis, que alinhem esforços econômicos, políticos e sociais, em prol de criar atividades benéficas para a sociedade, o mercado e o meio ambiente, ao longo do tempo e do espaço. Muito além de um paradigma, a sustentabilidade se apresenta como valor e condição fundamental para todas as atividades sociais, econômicas e culturais (2). E vale ressaltar a necessidade da valorização dos ofícios femininos neste cenário, haja vista que muitos deles representam a maior parte da mão de obra efetiva na agricultura familiar, em especial da mandioca, dimensão na qual as mulheres são de extrema importância e significado (3). Neste sentido, festivais gastronômicos temáticos, em seu cerne, se apresentam como ferramentas de marketing promocional para a geração de riqueza e renda, criação de conceito, valorização de marcas e organizações, pessoas, produtos e serviços (4). O objetivo principal dos eventos, neste caso, os festivais gastronômicos, é a promoção institucional e sistemática, por se associar seus apoiadores e beneficiados a um evento de sucesso, visando uma melhor comunicação com o mercado-alvo dos parceiros, ou seja, seus clientes potenciais (5, 6, 7). Contudo, o desafio de apresentar ao público e aos parceiros um ambiente singular, tradicional, mas economicamente viável, ecologicamente responsável e eticamente correto, trazem à tona a necessidade de se analisarem premissas e fundamentos para tal atividade, alinhadas aos ditames da sustentabilidade, do planejamento à organização do evento, em todas as fases de sua gestão (2, 6, 7). O presente estudo visa apresentar os pressupostos atuais da gestão de festivais gastronômicos sustentáveis em ambientes rurais da agricultura familiar de mandioca, com ênfase para a atividade das beijuzeiras, um ofício feminino tradicional da Gastronomia Baiana. Também propõe uma análise estratégica da aplicação prática dos festivais gastronômicos na promoção da sustentabilidade e do desenvolvimento regional, com base em arranjos produtivos locais, fomentando o desenvolvimento econômico, o espírito empreendedor e a valorização do legado cultural. Metodologia Este estudo segue a linha da revisão de literatura, a partir de pesquisa bibliográfica dedutiva, pesquisa documental, seguida de estudo de caso. Para tanto, toma como base as considerações de autores relevantes sobre os conceitos fundamentais e caracterizações sobre Eventos, Eventos Promocionais, no âmbito da Gastronomia Sustentável, envolvendo a Agricultura Familiar e o Turismo em Ambiente Rural. Também, apresenta um estudo sobre a mandiocultura, suas características e os seus aspectos socioeconômicos que lhes conferem valor turístico, com ênfase para a produção de beiju na cidade baiana de Irará e os processos socioeconômicos que levaram à criação do Festival do Beijú da cidade. Daí, discutem-se as realidades, potencialidades e particularidades que devem ser consideradas para que o evento gere o efeito promocional sustentável a que se propõe, à medida que se estabelece como um espaço de valorização da agricultura familiar da mandioca e dos ofícios femininos ligados à produção dos seus beijus. A pesquisa se respalda em entrevistas semiestruturadas com as organizadoras do evento, coleta de depoimentos com as beijuzeiras e vendedoras de beiju participantes do evento, sociedade civil local, setor público e privado apoiadores. As redes sociais do evento também foram analisadas, visando verificar o impacto sociocultural e de imagem causado. Ao final, apresentam-se um diagnóstico estratégico e propostas para o planejamento de suas futuras edições. Resultados e Discussão O estudo prova a viabilidade do Festival do Beiju, como uma ferramenta de promoção da mandiocultura baiana, em especial do ofício das beijuzeiras, à medida que oportuniza visibilidade social e de mídia, cria conceito e estabelece a imagem de organizações, produtos, serviços, ideias e pessoas, por meio de um acontecimento previamente planejado. Vale ressaltar que o evento, enquanto ação de marketing promocional, também cria ambientes interativos, nos quais negócios se juntam a consumidores potenciais, promovem marcas e aumentas as vendas. E o seu sucesso está relacionado à associação de sua realização a aspectos marcantes da mandiocultura local, desenvolvendo a cidadania, inclusão social e de gênero, aumentando a socialização e integração entre as pessoas, além de gerar emprego, renda, lazer e entretenimento. (4, 5, 6) As entrevistas com as organizadoras do evento mostraram que o Festival do Beiju de Irará surgiu em 2015, teve sua segunda edição em 2017 e segue o planejamento da terceira edição para 2018, voltado para valorizar o trabalho das mulheres do campo, produtoras de beiju, promovendo seus saberes e fazeres tradicionais, e gerando um espaço maior e mais lucrativo para a comercialização de sua produção. Como peculiaridade, o festival também ocorre num campo de produção de beiju, na Comunidade Candeal Moura, na qual existem seis casas de farinha comunitárias, construídas com apoio governamental e programas de incentivo específicos da agricultura familiar. Isso confere ao evento diferencial mercadológico, gerando mais atratividade e sustentabilidade econômica, ecológica e cultural. Por essas consecuções, as organizadoras do evento receberão, em 23 de fevereiro próximo, o Prêmio Berimbau de Ouro de Incentivo à Cultura, na Câmara dos Vereadores da Bahia, conferido pela Associação de Capoeira da Bahia Mestre Máximo Filho. Como potencialidades, as edições realizadas do evento trouxeram o aumento sucessivo nas vendas de beijus e dos demais 104 produtos locais derivados da mandioca; maior visibilidade da cidade e sua mandiocultura nas mídias digitais e tradicionais (rádio, jornais e TV); aumento da autoestima e do senso de pertencimento das beijuzeiras; aumento sucessivo na audiência do evento; apoio do poder público, do setor privado local, juntamente com a revisão profissional do lay out do evento e de seu plano de comunicação. Como fragilidades, o evento carece de maior apoio financeiro, institucional e parcerias de gestão; inclusão efetiva de todas beijuzeiras locais, visto que a maior comunidade produtora do município, Tapera Melão, havia ficado de fora da primeira edição, por questões políticas; e melhor agendamento, pois as datas das edições realizadas, 12 e 13 de dezembro de 2015 e 9 e 10 de dezembro de 2017, não favoreceram a participação mais efetiva do comércio local, tanto como expositores como enquanto apoiadores e parceiros. Os agricultores e as beijuzeiras reconhecem por unanimidade a necessidade de maior apoio para o evento e os comerciantes locais, embora não tendo sido muito favoráveis ao período de realização do evento, aqueles que apoiaramo evento reconheceram os ganhos institucionais obtidos, em termos de visibilidade de negócios e marca. A Prefeitura local reconhece o efeito positivo do evento, especialmente ao passo que suas organizadoras se mantinham neutras nas questões políticas. Isso também estimulou o Governo do Estado, através de suas secretarias locais, a apoiar o evento. Tanto nas emissoras de rádios e televisão locais, jornais e redes sociais, os depoimentos defendiam o Festival do Beiju de Irará como o primeiro evento local que realmente valoriza o talento dos pequenos produtores. E as organizadoras do evento reconhecem o seu potencial de crescimento, a partir de maior investimento público e privado, de investimentos na infraestrutura e em mão de obra especializada. Também planejam a manutenção do foco do evento na agricultura familiar, no turismo rural e na agregação de valor ao evento, com a promoção de oficinais, visitas técnicas, palestras e parcerias institucionais e mercadológicas, para o desenvolvimento profissional dos munícipes na gastronomia regional da mandioca. O planejamento do evento, por sua vez, para ganhar mais significado e repercussão, deve ser feito com vistas ao desenvolvimento regional, adequado para as propriedades agrícolas familiares locais de mandiocultura, aproveitando as características e atividades já realizadas pela comunidade, sua matriz cultural e sua capacidade de organização e mobilização. As características peculiares da mandiocultura e do ofício das beijuzeiras, relacionadas à sua força, resistência e autonomia, conferem singularidade ao evento com atrativo cultural, apontando para novos vetores de desenvolvimento socioeconômico, especialmente festivais gastronômicos, que possuem grande atratividade para o turismo rural (5, 6, 7, 8). Contudo, ainda há a necessidade de maior valorização e visibilidade do evento para a economia local e da Bahia, como alternativa de lazer, proposta de sustentabilidade para propriedades rurais e municípios e base para projetos de eventos gastronômicos que valorizem esses saberes e ofícios tradicionais locais. Vale destacar também que uma proposta sustentável neste sentido também promove o resgate do orgulho da cultura local na comunidade, valorizando suas tradições, hábitos, saberes e costumes (9, 10). E promove, portanto, o resgate da dignidade da comunidade local e incentiva-a a práticas de ações cidadãs. Tal fato é de grande relevância, haja vista que, ao longo do tempo, a cultura e consumo de alguns derivados da mandioca, como a tapioca e o beiju, ficaram relacionados no Nordeste à pobreza, à discriminação e à baixa autoestima (10, 11). Considerações Finais De fato, este estudo demonstra que o Festival do Beiju de Irará se apresenta como uma ferramenta mercadológica e social importante na promoção da agricultura familiar da mandioca e do ofício das beijuzeiras baianas. O incentivo à criação de festivais gastronômicos sustentáveis, com base em arranjos produtivos locais, para as propriedades familiares da mandiocultura na Bahia, se apresenta como um vetor viável para o desenvolvimento econômico, a valorização da atividade e a manutenção do patrimônio cultural. Especialmente em função da necessidade cada vez mais presente da sustentabilidade nas práticas econômicas e sociais diárias, o seu desenvolvimento passa então a ser visto como uma opção real de sobrevivência para as comunidades agrícolas da mandiocultura, em especial estas que, devido ao processo histórico, estiveram por muito tempo à parte dos benefícios econômicos e sociais do progresso, por questões econômicas, sociais e de gênero. E suas propostas devem contemplar ações integradas, diferenciadas, inovadoras, multidisciplinares e convergentes, envolvendo todos os seus atores sociais e promovendo benefícios múltiplos e duradores para todos, ao longo do tempo e do espaço. Contudo, apesar dos festivais gastronômicos serem atividades relevantes para o setor de serviços, ainda há a necessidade se conscientizar a comunidade e o trade local, sobretudo no meio rural, a respeito da importância dos eventos gastronômicos para a economia local e da Bahia, como alternativa de lazer, como proposta de sustentabilidade para propriedades rurais e seus municípios e como base para projetos de educação ambiental e preservação dos recursos naturais e culturais locais, no sentido mais amplo dos seus significados. Também, é preciso despertar o interesse e incentivar ações proativas por parte dos poderes públicos para o desenvolvimento do mercado de eventos gastronômicos com base em valores regionais, não só como prática econômica viável, mas também como processo de conservação e preservação dos recursos naturais e culturais, segundo os valores éticos do Desenvolvimento Sustentável. Neste sentido, é digno de nota que eventos gastronômicos, como o Festival do Beiju de Irará, ainda carecem de ações integradas, de uma base filosófica e operacional realista e viável, de envolvimento comunitário efetivo e de divulgação promocional, tanto no próprio Estado como fora dele. Vale destacar também que este estudo deixa claro que uma proposta sustentável de festivais gastronômicos no ambiente rural na Bahia também promovem o resgate do orgulho em relação à cultura local na comunidade, valorizando suas tradições, hábitos, saberes e costumes. E promove, portanto, o resgate da dignidade da comunidade local e incentiva-a na prática de ações cidadãs. E isso é de grande relevância, no combate à imagem da mandiocultura e do ofício das beijuzeiras atrelada sempre à pobreza, à discriminação e à baixa autoestima. Portanto, conclui-se que a realização de festivais gastronômicos ligados à mandiocultura, com base em arranjos produtivos locais, envolvendo o ofício das beijuzeiras baianas, constitui-se numa importante ferramenta promocional do desenvolvimento econômico regional, da valorização da agricultura familiar e manutenção do patrimônio cultural. Mantendo este foco, estes promoverão também ações integradas, diferenciadas, inovadoras, multidisciplinares e convergentes, envolvendo todos os seus atores sociais e promovendo benefícios múltiplos e duradores para todos os setores da comunidade local, ao longo do tempo e do espaço. Referências (1) SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Agricultura familiar: gestão e trabalho. Bahia Análise e Dados. Salvador, 2015, v. 24, n. 3, Jul./Set. 2014, Trimestral. (2) TALAVERA, Augustin S. O rural como produto turístico: algo de novo brilha sob o sol. In: SERRANO, C., BRUNHNS, H. T.; LUCHIARI, M. T. D. P. (orgs). Olhares contemporâneos sobre o turismo. Campinas: Papirus, 2000. (Coleção Turismo). (3) SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Mulheres e mercado de Trabalho: autonomia e empoderamento. Bahia Análise e Dados. Salvador, 2015, v. 24, n. 3, Jul./Set. 2014, Trimestral. (4) HOYLE JR, Leonard H.. Marketing de eventos: como promover com sucesso eventos, festivais, convenções e exposições. São Paulo: Atlas, 2013. (5) ZANELLA, Luiz C. Manual de organização de eventos: planejamento e operacionalização. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. (6) MATIAS, Marlene. Organização de eventos: procedimentos e técnicas. 6. ed. Baurueri: Manole, 2013. (7) GARRIDO, Inez Maria D. A. Modelos multiorganizacionais no turismo: cadeias, clusters e redes. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, 2002. (Coleção Selo Turismo). (8) LEITE, Aldryne; Sousa, Marco A.M. Casa de farinha: fábrica de sonhos. São Paulo: Gregory, 2014. (9) CASCUDO, L. da C. História da alimentação no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Global, 2011. 960 p. (10) PINTO, Maria Dina N. Mandioca e farinha: subsistência e tradição cultural. Universidade Federal doRio de Janeiro. Disponível em: < http://www.mao.org.br/wp-content/uploads/pinto_01.pdf>. Acesso em: 31 de mar. 2017. (11) SILVA, H. A. da. Mandioca, a rainha do Brasil: Ascenção e queda da Manihot esculenta em São Paulo. 2008. 168 p. Tese (Doutorado em Filosofia, Letras e Ciências Humanas) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v9n1/04.pdf>. Acesso em: 15 de set. 2015.
Compartilhar