Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A Cozinha Quilombos: Sabores, territórios e memórias dos A Cozinha Quilombos: Sabores, territórios e memórias The Quilombo’s cuisine: flavors, territories and memories dos Ficha técnica Credit title Coordenação: Marinêz Teodoro Fernandes Projeto e Coordenação Editorial: Márcia Teodoro Fernandes Assistente de Coordenação Operacional: Aline Mara Ribeiro e Ane Caroline Teixeira Designer e Diagramação: Wagner de Paula Solo Comunicação Versão para Inglês- Oseas dos Santos Júnior Revisão de Texto: Isadora Marques de Paula Textos e pesquisa: Mariléa Almeida Coordenação de Pesquisa: Sheyla Yassue Yatsugafu e Juliana Pereira de Carvalho Transcrições: Bruno Fernandes, Camila Araújo e Priscila Cristine Controle e Prestação de Contas: Janaina de Souza Foto Capa: Wallace Feitosa Fotografia: Davy Alexandrisky Quilombos Aleluia, Baía Formosa, Barrinha, Batatal, Boa Esperança, Botafogo, Cabral, Cambucá, Campinho da Independência, Caveiras, Botafogo, Conceição do Imbé, Cruzeirinho, Deserto Feliz, Ilha da Marambaia, Machadinha, Maria Joaquina, Maria Romana, Pedra do Sal, Preto Forro, Rasa, Sacopã, Santana, São Benedito e Sobara. 8 Fred Borba Quilombos Boa Esperança, Maria Conga, Santana e Tapera. Wallace Feitosa Quilombos Alto da Serra, Boa Esperança, Santana, Santa Rita do Bracuí e São José da Serra. Estagiário de Fotografia/Cinema: Bruno Teodoro Fernandes Produtora: Patrícia Araújo Colaboradoras: André Felipe Chaves, Maristela Araújo e Marcelo Fernandes. Impressão e Acabamento Gráfica Ediouro Instituto Dagaz Volta Redonda- Rio de Janeiro- Brasil. Presidente: Marinez Fernandes Vice-presidente: Douglas Alves Brigida Direção Administrativa e Financeira Camila Aparecida Bispo Conselho Fiscal: Adeline da Silva Ribeiro, Marcelo Lima Laureano e Suellen Serrat. www.institutodagaz.org institutodagaz@hotmail.com Índice Apresentação Introdução ..................................................................................... Light Quilombo Aleluia Quilombo Alto da Serra do Mar .................................................. Quilombo Baia Formosa Quilombo Barrinha Quilombo Batatal Quilombo Boa Esperança ............................................................ Quilombo Botafogo ..................................................................... Quilombo Cabral ......................................................................... Quilombo Cambucá .................................................................... Quilombo Campinho da Independência .................................... Quilombo Caveiras Botafogo ...................................................... Quilombo Conceição do Imbé .................................................... Quilombo Cruzeirinho ................................................................ Quilombo Deserto Feliz .............................................................. Quilombo Iha da Marambaia ...................................................... Quilombo Machadinha ............................................................... Quilombo Maria Conga .............................................................. Quilombo Maria Joaquina .......................................................... Quilombo Maria Romana .......................................................... Quilombo Pedra do Sal .............................................................. Quilombo Preto Forro ............................................................... Quilombo Rasa .......................................................................... Quilombo Sacopã ...................................................................... Quilombo Santa Rita Bracuí ..................................................... Quilombo Santana .................................................................... Quilombo São Benedito ........................................................... Quilombo São José da Serra ..................................................... Quilombo Sobara ...................................................................... Quilombo Tapera ....................................................................... Receitas Adicionais .................................................................... Making of .................................................................................. Referências Bibliográficas .......................................................... Agradecimentos .......................................................................... ................................................................................. 10 12 .............................................................................................. 13 ......................................................................... 14 20 .............................................................. 26 ...................................................................... 32 ......................................................................... 38 44 50 56 62 68 74 80 86 92 98 104 110 116 122 128 134 140 146 152 158 166 172 178 184 190 210 212 215 9 Index Presentation Introduction .................................................................................. Light Aleluia´sAlto da Serra do Mar´s ............................................... Baia Formosa´s Barrinha´s Batatal´s Boa Esperança´s ........................................................ Botafogo´s .................................................................. Cabral´s ...................................................................... Cambucá´s .................................................................. Campinho da Independência´s ................................. Caveiras Botafogo´s ................................................... Conceição do Imbé´s ................................................. Cruzeirinho´s ............................................................. Deserto Feliz´s ........................................................... Iha da Marambaia´s ................................................... Machadinha´s ........................................................... Maria Conga´s .......................................................... Maria Joaquina´s ....................................................... Maria Romana´s ........................................................ Pedra do Sal´s ........................................................... Preto Forro´s ............................................................ Rasa´s ....................................................................... Sacopã´s .................................................................... Santa Rita Bracuí´s ................................................. Santana´s ................................................................ São Benedito´s ........................................................ São José da Serra´s .................................................. Sobara´s .................................................................. Tapera´s ..................................................................................... Additional Recipes .................................................................... Making of .................................................................................. Bibliographic References .......................................................... Acknowledgements ................................................................... .................................................................................. 10 12 .............................................................................................. 13 Quilombo ...................................................................... 14 Quilombo 20 Quilombo........................................................... 26 Quilombo ................................................................. 32 Quilombo ..................................................................... 38 Quilombo 44 Quilombo 50 Quilombo 56 Quilombo 62 Quilombo 68 Quilombo 74 Quilombo 80 Quilombo 86 Quilombo 92 Quilombo 98 Quilombo 104 Quilombo 110 Quilombo 116 Quilombo 122 Quilombo 128 Quilombo 134 Quilombo 140 Quilombo 146 Quilombo 152 Quilombo 158 Quilombo 166 Quilombo 172 Quilombo 178 184 190 210 212 215 APRESENTAÇÃO A Cozinha dos Quilombos Quando foi proposta pela equipe do Instituto Dagaz a pesquisa de comunidades remanescentes de escravos para a formatação de um livro sobre os quilombos e sua cultura por meio da culinária, fomos indagados do porquê da escolha por essa abordagem. Para nós, não foi difícil responder. Em nossas famílias, em nossos grupos de amigos e, com certeza, nas famílias e grupos de amigos da maioria do povo brasileiro, mesmo com toda essa loucura do cotidiano, ainda há a tradicional reunião em volta da mesa para um “bate papo informal”, no qual, muitas das vezes, surgem grandes histórias e ideias. Essa informalidade nos traz aconchego, descompromisso, mas acima de tudo é uma forma de unir e fortalecer laços. O que vimos nesses meses de trabalho foi esse laço de sangue manifestado de diversas formas, a afetividade e a resistência da memória ao tempo e às adversidades históricas. A comida, o alimento é combustível de vida, uma luta intermitente pela sobrevivência. Rio de Janeiro, cidade maravilhosa, estado maravilhoso de rios, montanhas, mares e estradas. Estradas estas que percorremos ao encontro das comunidades quilombolas para ouvir histórias e relatos. Acima de todo e qualquer planejamento, comungamos com Mestres Griôs, brincamos com crianças, passamos por porteiras e dividimos o “pão”, o alimento com pessoas singulares em territórios que jamais sonhamos existir, percebendo também que nesse estado multifacetado, multicolorido de diversidade ainda se pode conhecer a tristeza do passado na memória do presente. O que sonham essas famílias além da terra de direito? Cidadania. Querem ser reconhecidos como cidadãos, ter seus direitos fundamentais reconhecidos. O sonho de liberdade ainda pulsa, uma liberdade sem paredes invisíveis, que dividem as camadas sociais do país. Caminhamos muito, sofremos com alguns, rimos com muitos, mas, acima de tudo, fica claro que as políticas públicas são ansiosamente esperadas por este povo. Em nome do instituto, agradeço muito a todas as portas, portões e porteiras abertas para nosso grupo, agradeço a confiança deposita em nós, agradeço por termos recebido tantos conhecimentos. Mas existe um porém, existe uma certa tristeza em nossa equipe, pois em alguns territórios visitados pudemos ver a extinção gradativa dos costumes guardados por uma minoria, o desconforto da juventude e o desânimo de alguns mestres. É necessário que a história não morra, é necessário que os tambores ecoem os cantos vindos nos navios; é necessário o dançar, é necessário o cantar, é necessário o reconhecimento, o pertencer, o tirar das amarras para que as vozes vindas da mãe África não se calem. No fogão, a lenha aquece a água, a madeira trepida e a fumaça sobe levando consigonosso olhar até que desapareça no ar. Que seja esta a brasa que queimará eternamente o calor da busca pelo reconhecimento de nossa brasilidade. Com os nossos pratos cheios de novas informações tentamos digerir todas as histórias contadas e nos fartar com tanta esperança na força da pele, na luta territorial, e, assim, declararmo-nos cidadãos brasileiros. Marinez Teodoro Fernandes, presidente do Instituto Dagaz. 10 PRESENTATION The Quilombo’s cuisine When it was proposed by the research team Dagaz Institute of remaining slave communities for formatting a book about the runaway slave and his culture through food, we asked for the reason for choosing this approach. For us, it was not difficult to answer. In our families, in our groups of friends and, of course, the families and groups of friends of the majority of the Brazilian people, even with all the craziness of everyday life, there is the traditional gathering around the table for an 'informal chat "in which, often, great stories and ideas arise. Such informality brings us warmth, lack of commitment, but above all it is a way to unite and strengthen ties. What we saw in these months of work was this blood tie manifested in various ways, affectivity and the strength of the memory time and historical adversities. The food, food is fuel for life, an intermittent struggle for survival. Rio de Janeiro, the wonderful city, wonderful state of rivers, mountains, seas and roads. These roads we traveled to meet the maroon communities to hear stories and reports. Above any and all planning, commune with Masters griots, we played with children, we went through the gates and shared the "bread", the food with individuals in territories that we believed it did not exist, realizing also that this multi-faceted, multicolor state of diversity still can meet the sadness of the past in the present memory. What these families dream beside their lands right? Citizenship. They want to be recognized as citizens, have their fundamental rights recognized. The dream of freedom still beats, a freedom without invisible walls that divide the social classes of the country. We walked a lot, suffer with some, laughed with many, but above all, it is clear that public policies are eagerly awaited by this people. On behalf of the institute, thanks for all doors, and open gates to our group, I appreciate the confidence placed in us, thank you for having received so much knowledge. But there's a catch, there is a certain sadness in our team, because in some areas we visited to see the gradual extinction of morals saved by a minority, the discomfort of youth and the dismay of some teachers. It is necessary that history does not die, it is necessary that the drums echo the chants coming from vessels; singing, dancing is required, it is necessary, it is necessary the recognition, belonging, the taking of bonds for the voices of mother Africa will not be silenced. On the stove, firewood heats water, wood shimmy and smoke rises taking with our eyes until it disappears in the air. Let the embers that burns eternally heat the quest for recognition of our Brazilianness. With our plates full of new information we try to digest all the stories and sate ourselves with so much hope in the strength of the skin, territorial fighting, and thus declare us Brazilian citizens. Marinez Teodoro Fernandes, president of the Institute Dagaz. 11 INTRODUÇÃO A Cozinha dos Quilombos: sabores, territórios e memórias percorreu paisagens da Região Metropolitana ao Centro Fluminense, sinuosas montanhas da Região Serrana ao Vale do Paraíba, exuberantes praias das Planícies Litorâneas à Região da Costa Verde, prados do Norte Fluminense às superfícies cristalinas do Noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Essas rotas foram orientadas pelos sabores, texturas e odores provindos das práticas culinárias de vinte e nove comunidades quilombolas do Estado do Rio de Janeiro. Local isolado constituído por negros fugidos: esse conceito de quilombo, que emergiu em 1740, transformou-se, ao longo do tempo, em um mito ainda presente em boa parte do imaginário popular. Entretanto, a partir do final da década de oitenta do século passado, a visão mitológica do quilombo passou a conviver com pesquisas acadêmicas reveladoras de que, mesmo ao longo do período escravista, grande parte dos quilombos já não se enquadrava naquela definição tradicional. Esse fato é um indicativo de que o isolamento, a marginalidade e a homogeneidade étnica e cultural são imagens românticas que nada informam sobre os modos de vida cotidianamente criados pelas experiências quilombolas, sejam elas ocorridas no passado escravista, sejam elas detectadas no presente. Na perspectiva da Antropologia contemporânea, que na década de noventa do século passado se envolveu com a regularização legal das comunidades de remanescentes de quilombos no Brasil, quilombo se aplica ao reconhecimento de grupos que desenvolveram experiências cotidianas de resistência por meio de práticas costumeiras e de consolidação de um território próprio. Essa nova definição provocou uma ressemantização do termo quilombo, de forma tal que ele não pode mais se referir a resíduos ou resquícios arqueológicos, ou a comprovações da Biologia. Igualmente, não se pode mais associar a palavra quilombo a grupos isolados, compostos por populações homogêneas do ponto de vista étnico, ou organizadas a partir de movimentos de revolta ou insurreição. Agora, as experiências compartilhadas entre pessoas que têm uma trajetória histórica comum é que caracterizam, a rigor, os quilombos. Ao folhear o livro, o leitor perceberá que as memórias evocadas sobre as práticas culinárias e gastronômicas são selecionadas e atravessadas pelas necessidades pessoais e coletivas do tempo presente. Ou seja, falar das receitas do passado é um agenciamento sobre o presente. Mariléa de Almeida Doutoranda em História Cultural pela UNICAMP INTRODUCTION The Quilombo’s cuisine: flavors, territories and memories traveled landscapes from Metropolitan Region to Center Fluminense, winding mountains from Highland Region to Paraíba Valley, lush beaches of the Sea Coastal Plains Region of Costa Verde, grassland from North Fluminense to the crystal surfaces to the Northwest State of Rio de Janeiro. These routes have been targeted by the flavors, textures and scents of cooking practices stemmed twenty-nine maroon communities of the State of Rio de Janeiro. Isolated Place consisting of runaway slaves: this concept of Quilombo, which emerged in 1740, became, over time, in a still present in much of the popular imagination myth. However, from the end of the eighties of last century, the mythological view of Quilombo started experiencing academic research revealing that even during the slavery period, much of the Quilombo now that did not fit the traditional definition. This fact is an indication that the isolation, marginalization and ethnic and cultural homogeneity are romantic images that tell nothing about the ways of life created by the Maroons daily experiences, whether they occurred in the past of slavery, whether detected at present. From the perspective of contemporary anthropology, which in the nineties of the last century became involved with the legal settlement of Quilombo communities in Brazil, Quilombo applies to the recognition of groups who have developed resistance to everyday experiences through customary practices and consolidation its own territory. This sparked a new definition of the term Quilombo, such that he can no longer refer to waste or archaeological remains, or evidence of Biology. Also, we can no longer associate with the word Quilombo to isolated groups composed of homogeneous populations of ethnic point of view, or from organized movements of rebellion or insurrection. Now shared between people who have a common historicaltrajectory experiences is featuring, strictly speaking, the runaway slave. Paging through the book, the reader will notice that the memories evoked about the culinary and gastronomic practices are selected and permeated by personal and collective needs of the present time. Mariléa de Almeida PhD student in Cultural History at UNICAMP 12 Há mais de 100 anos presente na história do Rio de Janeiro, a Light tem um compromisso que vai além de prestar um serviço de qualidade à população. A empresa é também comprometida com o aprimoramento cultural e o desenvolvimento de toda sua área de concessão. E é por isso que a Light faz questão de investir em iniciativas que preservem a memória, os costumes, os gostos e os sabores da nossa região. Desta forma, ela mantém vivos os laços que contribuem para uma sociedade mais consciente de sua história e de seu papel no presente. Ao patrocinar o livro “A Cozinha dos Quilombos”, além de valorizar as deliciosas receitas Quilombolas, a Light conecta você à história de um povo que tem uma forte identidade cultural e uma culinária que encanta o mundo e que é, até hoje, utilizada como forma de expressão. Light. Conectada a você For more than 100 years in the history of Rio de Janeiro, Light has a commitment that goes beyond providing a quality service to the population. The company is also committed to the development and cultural improvement of all its concession area. And that is why Light is keen to invest in initiatives that preserve memory, habits, tastes and flavors of our region. Thus, it keeps alive the ties that contribute to a more conscious of their history and their role in this society. By sponsoring the book "The Quilombo's Cuisine", besides valuing delicious recipes, Light connects you to the story of a people who have a strong cultural identity and a cuisine that delights the world and is today used as form of expression. Light. Connected to you 13 Quilombo Aleluia Quilombo Aleluia Campos dos GoytacazesCampos dos Goytacazes Quilombo Aleluia Campos dos Goytacazes, North Fluminense Region Before the the abolition of slavery until the present day, the region of Imbé, located in the municipality of Campos dos Goytacazes, has been the scene of various social actors: enslaved Africans, the ones who found shelter in the quilombos, cane cutters settlers, land reform settlers, evangelical missionaries and quilombo remanescent. In 2005, communities Aleluia, Batatal, Cambucá and Conceição do Imbé asked the Palmares Cultural Foundation as self- recognition as Maroons. In this region of Imbé, in the North Fluminense, in the 9th District of Goytacazes, live approximately 170 families, a total of nearly 750 inhabitants. In ecological terms, it is worth noting that the territory of the communities are located within the State Park Desengano, environmental protection unit that has the last remaining continuous forest of the Atlantic Forest. Certainly, in such a densely occupied space, there are several interesting culinary practices. Luciana Delgado, 39, lives with her family in the Aleluia community and started cooking at the age of 12, when she became responsible for the creation of the brothers because of the loss of her mother. Revisiting difficult and important moments, Luciana talks about feeding during infancy: "we spent so much hard time in life that everything that came to us was good." For that, it served as a temporality reference of the plant: "We came from the mill... at the time of the plant, we shopped there, and everything that was new there for kids, we liked. It is not like today, children have everything. Today the kids have everything at hand. Yogurt, right? My girls are fifteen, sixteen, seventeen, still buy yogurt, I had nothing like that.” In a past lived with difficulties the existing plants in the yard need to be widely utilized for survival. Among them, we highlight the Bahian vegetable, dark green coloration, according to the customs and habits of the region, was pure or accompanied prepared. The Bahian as reinforces Luciana, "has lots of vitamin". Currently, people still consume vegetable; But nowadays, there are more difficult to find it, as Luciana warns: "Look, here [pointing to the backyard]at that time we had Bahia. It was not so difficult [...] because now, it is sometimes difficult; Today, I found in my sister's house [...].” Luciana proudly to have overcome difficult times of the past, concludes: "We like a lot of our cooking. There are people who know the area want to come to us, and we are happy. We have to offer to a tourist, a colleague, a friend [...] it previously did not have it, it was too much trouble. And we like it here, is ... to see the whole family together. Christmas bring us closely. And the community, thank God, everyone gets along very well. You will make a little get together and everbody knows each other... and for the rest, we keep living our lives. “ The manioc porridge a la Bahia, prepared by Luciana, leaves a little smoke which is an invitation to try it. Quilombo Aleluia Campos dos Goytacazes, Região Norte Fluminense Do período anterior à abolição da escravatura até os dias atuais, a região do Imbé, situada no município de Campos dos Goytacazes, tem sido palco de variados atores sociais: africanos escravizados, negros aquilombados, colonos cortadores de cana, assentados de reforma agrária, missionários evangélicos e remanescentes de quilombos. Em 2005, as comunidades Aleluia, Batatal, Cambucá e Conceição do Imbé solicitaram à Fundação Cultural Palmares o autorreconhecimento como quilombolas. Nessa região do Imbé, no Norte Fluminense, no 9º Distrito de Campos dos Goytacazes, ao todo, vivem, aproximadamente, 170 famílias, em um total de quase 750 habitantes. Em termos ecológicos, vale destacar que o território das comunidades está situado dentro do Parque Estadual do Desengano, unidade de proteção ambiental que tem o último remanescente florestal contínuo da Mata Atlântica. Certamente, em um espaço tão densamente ocupado, há diversas práticas culinárias interessantes Luciana Delgado, de 39 anos, vive com a família na comunidade de Aleluia e começou a cozinhar aos 12 anos de idade, quando se tornara responsável pela criação dos irmãos em virtude da perda de sua mãe. Revisitando momentos difíceis e marcantes, Luciana fala sobre a alimentação durante a infância: “a gente passava tanto sufoco na vida que tudo que vinha para gente era bom”. Para tanto, serviu-lhe como referência a temporalidade da usina: “A gente vinha da usina lá... na época da usina, a gente fazia compras lá, e tudo que tinha lá de novidade pra criança a gente gostava. Não é igual a hoje, que as crianças têm tudo. Hoje as crianças tem tudo à mão. Iogurte, né? Minhas meninas têm quinze, dezesseis, dezessete anos, ainda compro iogurte pra elas, eu não tinha nada disso.” Em um passado vivido com dificuldades, os vegetais existentes no quintal precisam ser largamente aproveitados para a sobrevivência. Entre eles, destaca-se o baiano, vegetal de coloração verde-escura que, de acordo com os costumes e hábitos da região, era preparado puro ou acompanhado. O baiano, como reforça Luciana, “tem muita vitamina”. Atualmente, as pessoas ainda consomem o vegetal; porém, hoje em dia, há mais dificuldade para encontrá-lo, conforme Luciana adverte: “Olha, aqui [apontando para o quintal], na época a gente tinha o baiano. Já... eu não tinha tanta dificuldade [...] porque, às vezes, é difícil; hoje, eu achei na casa da minha irmã [...].” Luciana, com orgulho ter superado os momentos difíceis do passado, conclui: “A gente gosta muito da nossa culinária. Tem gente que quer vir conhecer a área da gente, e a gente fica feliz. A gente tem pra oferecer a um turista, um colega, um amigo [...] antigamente não tinha isso, era muita dificuldade. E a gente gosta disso aí, é... de ver a famíliatoda unida. Natal a gente reúne todo mundo. E a comunidade, graças a Deus, é todo mundo unido. Você vai fazer um programazinho ali, tá todo mundo conhecido... e no mais, a gente vai vivendo a vida da gente.” Do angu com baiano, preparado por Luciana, sai uma fumaçinha que é um convite para experimentá-lo. 17 “Angu Com Baiano” Ingredientes: Molho: 200g de carne seca 200g de bacon 3 tomates cebolinha verde salsinha cebola Angu: alho (1 cabeça) 1 colher de cebola 2 tabletes de caldo de carne 5 colheres de sopa de fubá 300 g de baiano Modo de Preparo: Molho: “Ferventar” a carne seca por uns 10 minutos para tirar o sal; escorrer a água e depois fritar com alho e cebola. Picar os ingredientes do molho e adicioná-los à carne seca para cozinhar. Angu: Colocar a água para ferver. Dissolver o fubá numa xícara com água fria, para depois acrescentá-lo na água fervente já acrescida do caldo de carne, do alho e da cebola. Mexer por 10 minutos, colocar o baiano e deixar cozinhar por 40 minutos. Cozinheira: Luciana Delgado Onorato “Mashed Cassava a La Baiano” Ingredients: Sauce: 200g of jerked beef 200 g of bacon 3 tomatoes green onion parsley onion Mashed cassava: Garlic (1 head) 1 tablespoon of onion 2 beef stock cube 5 tablespoons of cornmeal 300 g of baiano* Preparation: Sauce: Heat the jerked beef for about 10 minutes to remove the salt, drain the water and then fry with garlic and onion. Mince the sauce ingredients and add the jerked beef to cook. Mashed cassava: Put water to boil. Dissolve the corn flour in a cup with cold water, then add it to the boiling water already with the beef stock, garlic and onion. Stir for 10 minutes, put the baiano and cook for 40 minutes. Cook: Luciana Delgado Onorato 18 Quilombo Alto da Serra do Mar Rio Claro Quilombo Alto da Serra do Mar Rio Claro Quilombo Alto da Serra do Mar Rio Claro, Região Médio Paraíba Tinha que ter tempero certo! Dona Terezinha e Seu Benedito são pessoas requisitadíssimas dentro do Quilombo Alto da Serra do Mar. O casal e os 220 moradores que vivem atualmente no quilombo, situado no Distrito de Lídice, em Rio Claro. Descendentes de um grupo familiar cujo sobrenome é Leite, oriundos de Bananal, em São Paulo, o grupo vivia da coleta da banana e do palmito, além da extração de madeira para a produção de carvão. Contudo, no final da década de 1950, com o esgotamento desses recursos na área paulista, migraram para Lídice, no Estado do Rio de Janeiro. Com voz tranquila e serena, Dona Tereza e Seu Benedito ensinam que o principal tempero de suas vidas é a gentileza, um aprendizado que ocorreu concomitantemente à prática culinária. A esse respeito, Dona Tereza conta que, no decorrer da separação de seus pais, ela e os irmãos ficaram aos cuidados do pai e do irmão mais velho. Em virtude disso, ela aprendera, aos dez anos de idade, a cozinhar por meio do auxílio dessas significativas figuras masculinas, conforme narra: “Então, meu irmão [Sebastião] ficou responsável a tomar conta de mim e ter aquele compromisso de perigo (cuidado) comigo, eu não ficar doente, gripada. De ficar prestando atenção, ficou na responsabilidade desse meu irmão mais velho.” A tranquilidade com que Dona Tereza fala torna-se mais fascinante quando contrastada com a agilidade do fazer culinário. Ela vem criando receitas diversas, como, por exemplo, bolos, doces, chás e salgados. Por isso, em Alto da Serra do Mar, quando se pensa em comida saborosa, a moradia de Dona Tereza e de Seu Benedito é roteiro certo. Isaias, filho do casal, confirma esse fato: “Eu gosto muito da galinha caipira [...]. De vez em quando, ela faz; aí, não sobra nada, vem todo mundo comer. O pessoal gosta muito!” O angu, que acompanha a receita do frango com quiabo, aciona a memória de Dona Tereza, que relembra: “Meu pai cozinhava. Ele fazia, tinha que ter o tempero certo, que nem o angu. Botasse o angu no prato, era só ele meter a colher que sabia se o angu tava cozido ou não.” Além do frango com quiabo e angu, Dona Tereza presenteia- nos com a receita do doce de mamão. Glossário: Embornal: Saco onde são colocados alimentos. Utilizados em cavalgaduras. Quilombo Alto da Serra do Mar Valença, Eastern Paraíba Region Had to have spice! Mrs Terezinha and Mr Benedito are sought-after within Quilombo Alto da Serra do Mar. The couple and 220 residents currently living in the Quilombo, located in the District of Lidice in Rio Claro. Descendants of a family group whose name is Leite, coming from Bananal in São Paulo, the group lived from the collection of banana and palm heart, besides logging for charcoal production. However, in the late 1950s, with the depletion of these resources in the São Paulo area, migrated to Lidice, in the State of Rio de Janeiro. With calm and serene voice, Mrs Tereza Mr Benedito teaches that the main spice in their lives is kindness, learning that occurred concurrently with practical cookery. In that regard, Mrs Tereza says that during the separation of her parents, and her siblings and her were left in the care of his father and older brother. As a result, she learned, at ten years of age, to cook through the aid of these significant male figures as narrates: "So, my brother [Sebastião] was responsible to take care of me and have that commitment of danger (caution ) with me, to not get me sick with the flu. Paying attention, was my older brother's responsibility.” Moreover, the ease which Mrs Tereza talks becomes more fascinating when contrasted with the agility to cook. She has created several recipes, such as cakes, pastries, teas and pastries. So, in Alto da Serra do Mar, when somoeone thinks about tasty food, Mrs Tereza's and Mr Benedito's house is the right script. Isaias, son of the couple, confirms: "I really like country chicken [...]. Occasionally, she does it; then, nothing remains, everyone is eating. They like a lot!” The manioc porridge goes with the recipe of chicken with okra, remembers Mrs Tereza, who recalls: "My dad cooked. He did, had to have the right seasoning like the manioc porridge.Just by putting the manioc porridge in the dish and scoop he would know if the manioc porridge was cooked or not. “ Therefore, besides the chicken with okra and manioc porridge , Mrs Tereza presents us with recipes such as the sweet papaya. Glossary: Scupper: bag where food is placed. It is used in mounts. 23 “Sweet Papaya – Sweet for Wedding” Ingredients: 900g of papaya (1 papaya) 2 cinnamon stick (if powder put after taking fire) 10 to 15 cloves 1 kg of granulated sugar 1 ½ liter of water 30g of desiccated coconut Preparation: Cut, remove the seed and grate the papaya. While grating, the syrup is on fire with sugar cinnamon and cloves. Place the grated papaya in a cloth, rinse under running water, rubbing it into the cloth. "Squeezing very well" to put the syrup to a boil, cooking over high heat for half an hour. Remove from heat and add the coconut. Stir and leave to cool uncovered. Cook: Terezinha Leite “Doce de Mamão - Doce de Casamento” Ingredientes: 900g de mamão (1 mamão) 2 cavaco de canela (se é em pó colocar depois de tirar do fogo) 10 a 15 cravos 1 kg de açúcar cristal 1 ½ litro de água 30g de coco desidratado Modo de Preparo: Cortar, tirar a semente e ralar o mamão. Enquanto rala, a calda fica no fogo com o açúcar, o cravo e a canela. Colocar o mamão ralado dentro de um pano, lavar em água corrente, esfregando-o dentro do pano. “Espreme bem espremidinho” para colocar na calda até ferver, cozinhando em fogo alto durante meia hora. Tirar do fogo e acrescentar o coco. Mexer e deixar esfriar sem tampar. Cozinheira: Terezinha Leite 24 Quilombo de Baia Formosa Búzios Quilombo de Baia Formosa Búzios Quilombo de Baia Formosa Armação de Búzios, Região das Baixadas Litorâneas O tempero da roça tem que ter alfavaca! Formoso:qualidade do que é harmonioso. As práticas culturais realizadas pelas pessoas que se autorreconhecem como pertencentes ao quilombo de Baia Formosa fazem jus ao nome. Atualmente, o grupo vive fora do território original onde habitaram os antepassados e tem tornado visível, por meio de cirandas e caxambus, o patrimônio cultural que receberam deles. Em 2011, a comunidade recebeu da Fundação Palmares a certidão de autorreconhecimento como quilombola. Entretanto, as 60 famílias cadastradas ainda vivem fora da área-alvo da titulação, haja vista que os quilombolas estão em um processo de reivindicação territorial em face do atual proprietário da fazenda. Nesse contexto, a culinária constitui-se como elemento central para suturar as relações entre as pessoas e a terra. Na entrevista com Elizabeth Fernandes Teixeira, liderança do quilombo, entrevemos uma diversidade de alimentos que compõe o repertório culinário do grupo. Em Baía Formosa, as sonoridades da cozinha e do quintal são mescladas, o que é representado prototípica e exemplarmente pela cocada de mamão. Ao ser interrogada sobre as tradições culinárias, Beth, como também é conhecida, responde sem titubear: “A gente lembra muito da cocada que a minha vó fazia: cocada com coco e mamão, que era uma delícia, né?” Tal qual o mamão, os ingredientes utilizados nas antigas receitas estavam disponíveis no território por meio da agricultura. Hoje, a prática é ameaçada devido à perda das terras pelo grupo, conforme relata Beth: “Hoje, a gente tem um local aqui onde nós moramos; lá, não tem tanto espaço pra plantar, e antes aqui tinha espaço. Nós nascemos aqui [Baia Formosa], [...] aí fomos expulsos pelo fazendeiro de não poder ficar morando. Ou você morria, né? Ou você escolhia sobreviver. Então, nós escolhemos. Meu pai escolheu sobreviver. Meu vô, são dez irmãos, né? Minha mãe foi mãe de dez filhos, e ela escolheu levar a gente daqui. E todo mundo saiu, e hoje a terra é vazia aqui em Baia Formosa... terra vazia, e nós estamos reivindicando essa terra pra que possamos ter o direito de voltar.” Certamente, as dificuldades de permanência do grupo no território e as transformações históricas favoreceram algumas mudanças. De qualquer forma, a alfavaca com sabor e aroma marcantes permanece com uso inalterado. Assim, com bastante entusiasmo, Beth revela e reforça: “E uma das coisas que a gente sempre tem pelo menos plantado no nosso quintal é a alfavaca [...] porque quando você coloca uma carne, um frango com aipim, com bastante alfavaca, é tudo! Alguém passa na rua, chama a atenção é o que dá o diferencial [...] o tempero da roça tem que ter alfavaca.” Glossário Alfavaca: erva medicinal utilizada como tempero culinário. Caxambu: tipo de dança brasileira de origem africana. Cará: um tipo de cassava Quilombo Baia Formosa Armação dos Búzios, Coastal Lowlands Region The seasoning of the garden must have basil! Lovely: quality that is harmonious. Cultural practices by people who know themselves as belonging to the Quilombo of Baia Formosa are entitled to the name. Currently, the group lives outside the original territory where their ancestors lived and has made visible through ring a ring o' Roses and caxambus, cultural heritage that they received from them. As the above verse, composed by Miriam Lima Fernandes, the cuisine is a legacy that stands out. In 2011, the community received from Palmares Foundation the certificate of self-recognition as maroon. However, the 60 enrolled families still live outside the target area of the titration, considering that the Maroons are in a process of territorial claims in the face of the current owner of the farm. In this context, the cuisine was established as a central element for suturing the relationships between people and the land. In the interview with Elizabeth Fernandes Teixeira, leadership Quilombo, we glimpse a variety of foods that make up the culinary repertoire. In Baia Formosa, the sounds of the kitchen and backyard are merged, which is represented by prototypical and exemplary coconut candy with papaya. When questioned about the culinary traditions, Beth, as it is also known, answered without hesitation: "We remember a lot the coconut candy that my grandmother did: coconut candy with papaya, which was delightful, right?” Like the papaya, the ingredients used in ancient recipes were available in the territory through agriculture. Today, the practice is threatened due to loss of land by the group, as Beth says: "Today, we have a place here where we live; there is not much room to grow, and before it had space here. We were born here [Baia Formosa], [...] then we were driven by the farmer and we could not live. Or you die, right? Or you choose to survive. So we chose. My father chose to survive. My grandfather, ten brothers, right? My mother was the mother of ten children, and she chose to take us out. And everybody went, and today the land is empty here in Baia Formosa ... empty land, and we are claiming this land so we can have the right to return.” Certainly, the difficulties of staying in the territory of the group and the historical transformations favored some changes, such as, replacement of hunting for another type of meat. Anyway, with the basil flavor and aroma remains unchanged striking in use. So with great enthusiasm, Beth reveals and reinforces: "And one of the things that we always have at least planted in our backyard is the basil [...] because when you place a beef, one chicken with yuca with enough basil , is everything! Someone passes on the street, call the attention is the differential [...] the seasoning of basil every garden must have.” Glossary: Alfavaca: medicinal herb, used like a spice. Caxambu: type of dance, a Brazilian dance with African origin. Cará: A kind of cassava. 29 “Escondidinho de Carne Seca” Ingredientes: • 1kg de carne seca • Molho de tomate • Tomate • Pimentão • Cebola • Alho • 250g de queijo mussarela • Leite • Manteiga • Cheiro verde • Queijo parmesão ralado Modo de preparo: Dessalgar a carne seca, fervendo. Colocar para cozinhar em panela de pressão com outra água, para amolecer. Desfiar e refogar com cebola picada e um fio de azeite. Fazer um molho com o tomate, molho pronto de tomate, pimentão, cebola e alho. Descascar, cortar e cozinhar o aipim com sal. Amassar e adicionar manteiga e leite para fazer a massa. Numa forma ou refratária, montar o escondidinho: colocar uma camada fina de massa de aipim. Rechear com a carne seca, o molho e o queijo e colocar o restante da massa para cobrir. Colocar o queijo ralado sobre a massa para gratinar no forno. Cozinheiros: Elizabeth Fernandes Teixeira e Renan Teixeira Fernandes “ ” Ingredients: 1kg of jerked beef Tomato sauce tomato Bell pepper onion garlic 250g of mozzarella cheese milk Butter Parsley Grated parmesan cheese Preparation: Desalt the jerked beef in boiling water. Put to cook in a pressure cooker with other water to soften. Shred and chopped onion and stir-fry with a little olive oil. Make a sauce with tomatoes, tomato sauce, bell peppers, onions and garlic. Peel, cut and cook the cassava with salt. Knead and add butter and milk to make the dough. In one form or refractory: place a thin layer of dough cassava. Fill with jerked beef, sauce and cheese and put the remaining dough to cover. Place the grated cheese over the dough in the oven for browning. Cooks: Elizabeth Fernandes Teixeira and Renan Teixeira Fernandes Hidden jeked beef 30 Quilombo Barrinha São Francisco de Itabapoana Quilombo Barrinha São Francisco de Itabapoana Quilombo da Barrinha São Francisco de Itabapoana, Região Norte Fluminense Olha, eu tenho um peixinho ensopado... O aroma que exalava das ervas medicinais e das especiarias que temperavam o peixe se misturava às sonoridades das histórias e dos versos dos jongos.Esse acontecimento singular, que não pode ser traduzido em palavras, aconteceu na casa de Dona Lídia, no Quilombo da Barrinha, no Município de São Francisco de Itabapoana. Que sorte essa experiência ser captada pelos sentidos e ficar guardada em nossos corpos! A residência de Dona Lídia, presidente da Associação Remanescente do Quilombo de Barrina, situa-se na comunidade da Barrinha, em um quilombo à beira-mar, onde ela e mais de 80 famílias vivem. Ao lado desse local, em que hoje estão as terras da comunidade, havia um cemitério dos chamados “pretos novos” no período escravista, onde eram sepultados os corpos dos negros recém-chegados da África que não suportavam a penosa travessia do Oceano Atlântico. Nesse espaço, ao longo de várias gerações, estabeleceu-se uma comunidade de parentesco. Feijão, preto, ensopado de mamão e abóbora, mocotó, abóbora com carne foram alguns alimentos que Dona Lídia recorda da infância. Entretanto, o peixe era o elemento central nos pratos cotidianos, sendo consumido, até mesmo, durante o café da manhã: “Na minha casa, era um fogão de lenha [...]. Botava [a mãe] uns morobás na chapa, umas carazinhas; aí, depois a minha mãe fazia uma água de sal, um depósito, uma água uma cumbuca, porque nem prato a gente tinha. Aí botava o peixe lá, salgava, aí deixava lá direitinho, tampadinho pra de manhã. Aí, de manhã, meu pai, a gente acordava, era café de cana, o café não era de açúcar [...]. Aí, meu pai, a gente já tinha moído a cana no moinho; aí sentava todo mundo na mesa, não era mesa, era um banco com umas tábuas em cima, ali era nossa mesa. [...] Meu pai botava um café de cana, eu não gostava de café de cana, porque eu sempre, eu fui pobre, eu sou pobre, mas eu tinha um espírito que ia longe.” Sempre que se reúnem, o peixe ensopado marca presença: “Tem um senhor, Ademir, que também é uma pessoa antiga da nossa comunidade, que quando eu vou na casa dele é a maior festa, porque o dia a dia da gente é corrido. E aí, quando eu vou, é aquela tradição que tem, que junta um pouquinho.” Referindo-se desta forma quando se chega à casa de Seu Ademir, Dona Lídia diz: “Olha, eu tenho um peixinho ensopado.” Segundo ela, para fazer o ensopado, os principais peixes são traíra, sairú,, cará e morobá. A energia contagiante de Dona Lídia ensina que a vida tem remédio, mas, for necessária uma ajudinha extra, ela recomenda as ervas que estão no quintal de sua casa. Capim limão e boldo para problemas digestivos; cidreira pra pressão alta e ansiedade; folha de abacate para pedra nos rins; folha de amora para reposição de hormonal; arnica para boa cicatrização, entre outras. Sem medo, conforme o jongo por ela cantado, “vou botar meu tambor na ladeira porque quero aprender a rolar, aprender a rolar...”. Glossário: Morobá: Peixe fluvial; espécie de traíra. Traíra: Peixe fluvial; um dos mais populares no Brasil. Sairú: Peixe fluvial; também conhecido como sauá. Cará: Peixe comum em lagoas; também conhecido como acará. Quilombo Barrinha São Francisco de Itabapoana, North Fluminense Region Look, I've got a fish stew... The aroma that exuded from medicinal herbs and spices that were used to season the fish mingled to the sounds of stories and verses of jongos. This singular event that cannot be translated into words, happened at the home of Mrs Lídia, the Quilombo of Barrinha, in São Francisco de Itabapoana. What a luck that experience was captured by the senses and get stored in our bodies! The house of Mrs Lídia, president of the Remnant Association Quilombo Barrinha, is located in the Barrinha community, in a Quilombo seaside, where she and more than 80 families live. Beside that location, which today are community land was a cemetery called the "new black" in the slave period, where were buried the bodies of newcomers from Africa that blacks could not endure the grueling crossing of the Atlantic Ocean. In this space, over several generations, established a community of kinship. Black beans, papaya and pumpkin stew, mocotó pumpkin with meat were some foods that Mrs Lídia recalls from her childhood. However, the fish was the central element in the everyday dishes being consumed, even for breakfast: "In my house, there was a wood stove [...]. Would put [the mother] morobás on a plate, a carazinhas; then after my mother made a salt water, a deposit, one bowl of water, because we did not have dishes too. Then would put the fish there, salted, then left there pretty good, tampadinho for the morning. Then, in the morning, we woke up, it was coffee cane, it was not sugar in the coffee [...]. Then my father, we had already crushed the cane at the mill; everyone sat around the table, there was no table, it was a bench with some boards on top, there was our table. [...] My father would put a coffee cane, I did not like coffee cane because I always, I was poor, I'm poor, but I had a spirit that was going away. “ Whenever we get together, the fish stew is there: "There's a gentleman, Ademir, who is also a former member of our community, and when I go to his house is the biggest party, because day by day people are gone. And then, when I go, it has this tradition that joins a little "Referring this way when it comes to the house of Mr Ademir, Mrs Lídia says." Look, I've got a fish stew "According to her, to make the stew, the main fish are traíra, sairú, yams and morobá. The contagious energy of Mrs Lídia teaches that life is hopeless, but a little extra help is needed, she recommends the herbs that are in her backyard. Lemon grass and bilberry for digestive problems; Balm for high blood pressure and anxiety; Avocado leaf for kidney stone; Mulberry Leaf hormone replacement; arnica for good healing, among others. Fearless as jongo sung by her, "I'll put my drum on the slope because I want to learn to roll, learn to roll ...". Glossary: Morobá – Type of fish from river Traíra – Type of fish from river Sairú – Type of fish from river Cará – Type of fish from lagoons Mocotó - term used in Brazil for cow's feet 35 “Ostra com Limão” Ingredientes: ostras frescas limão a gosto Modo de preparo: Retirar as ostras da concha, ferver e servir com limão. Pode ser servida fresca, sem ferver, direto na concha. “Oyster With Lemon” Ingredients: fresh oysters lemon to taste Preparation: Remove the oysters from the shell, boil and serve with lemon. It can be served fresh, without boiling, direct on the shell. 36 Quilombo Batatal Campos dos GoytacazesCampos dos Goytacazes Quilombo do Batatal Campos Goytacazes, Região Norte Fluminense A gente tinha a comida vinda da lavoura... Na cozinha do polo da Fundação Municipal Zumbi do Palmares, destinado às comunidades do Imbé, Dona Berenice, de 54 anos, mais conhecida como Bidi, preparou a receita do ensopado de carne de porco com inhame e falou a respeito de suas experiências. Como referência temporal de partida, Dona Bidi utilizou o período de constituição do Assentamento Novo Horizonte: “Aí, eu passei um vida assim muito sacrificada. Meu esposo foi operado de coluna, tudo o que fazia não dava, né? Mas, aí, eu gostava de usar as coisas que eram mais fáceis para mim. Eu procurava pescar, fazer um ensopadinho de banana, um peixinho frito, ensopadinho de inhame rosa pra comer com aqueles peixinhos maiores [...] Minha comida mais era essa na época que eu passei a crise. Na época que eu vim pra reforma agrária [Assentamento Novo Horizonte], eu comia arroz de novo, que eu plantei com meu esposo, a gente colheu, feijão...” Sobre os ingredientes utilizados na receita do ensopado de carne de porco com inhame, Dona Berenice explica: “Bom, a história que eu tenho é a seguinte... É que na época, a minha mãe e meu pai gostavam muito de lavoura, faziam muita lavoura, e ele tinha muita quantidade de inhame plantada, né? Não tinha escolha, qualquer tipo de inhame ele plantava na terra, e eles criavam muito porco. Então, na épocaera difícil as coisas, mas, como a gente fazia lavoura, não era difícil criar um porco [...] Era tudo fácil, porque aquelas coisas que a gente plantava serviam pra alimentar a gente e servia também pra tratar dos porcos. Aí, a gente tinha a comida vinda da lavoura e tinha a carne que era a carne do porco. Aí, era mais fácil pra nós. Então, minha mãe gostava sempre de fazer ensopadinho, ela [a carne de porco] fritinha, assadinha no forno de lenha, tudo isso.” Quilombo Batatal Campos dos Goytacazes, North Fluminense Region We had the food coming from the farming... In the kitchen from the Zumbi of Palmares Municipal Foundation, earmarked for the communities from Imbé, Mrs Berenice, 54, known as Bidi, prepared the stew pork recipe with yam and spoke about her experiences. As a timeframe starting, Mrs Bidi used the period of formation of the Novo Horizonte Settlement: "Then I spent a very sacrificed life. My husband had a column cirury, everything he did it was not possible anymore, right? But then, I liked to do things that were easier for me. I used to fish, make a banana stew, a fried goldfish, pink yam stew to eat with those larger fishes [...] That was my food when we went through the crisis. At the time that I came to the reform land [Novo Horizonte Settlement], I ate rice again, I planted with my hubby, we harvested, beans... “ About the ingredients used in the pork stew with yam recipe, Mrs Berenice explains: "Well, the story I have is this ... is that at the time, my mother and my father loved to tillage, were a lot of farming, and he had large amounts of yams planted, right? He had no choice, any type of yam he planted in the ground, and they had a lot of pigs. So at the time things were difficult, but as we were farming was not difficult to create a pig [...] It was easy, because those things we planted, served to us and also served the pigs. Then, we had the food coming from the and we had meat that was the meat of the pig. Then, it was easier for us. So my mother always liked to make stew, it [the pork] fried, roast in the oven, all that. " 41 “Ensopado de Carne de Porco com Inhame” Ingredientes: 2 kg de costelinha fresca 2 cebolas 2 cabeças de alho 2,5 kg de inhame alho a gosto alfavaca a gosto Modo de preparo: A costelinha deve ficar de molho durante 15 minutos na água com vinagre. Escorrer a água e cozinhar por 15 a 20 minutos na panela até dourar/ fritar na cebola e nos alhos picados. Cozinhar o inhame na panela de pressão por 15 minutos, ou até desmanchar, e adicionar à carne. Cozinheira: Berenice de Souza Silva Viana “Pork Stew with Yam” Ingredients: 2 kg of fresh ribs 2 onions 2 heads of garlic 2.5 kg yam garlic to taste basil to taste Preparation: The ribs should be soaked for 15 minutes in water with vinegar. Drain the water and cook for 15 to 20 minutes in a pan until golden brown / fry the onion and minced garlic. Cook the yams in a pressure cooker for 15 minutes and add to the meat. Cook: Berenice de Souza Silva Viana 43 Quilombo Boa Esperança Areal Quilombo Boa Esperança Areal Quilombo de Boa Esperança Areal, Região Centro Sul Fluminense Me criei com isso! Seu João da Cruz Fonseca, antigo morador do Quilombo de Boa Esperança - situado no Município de Areal -, é um contador de histórias com um repertório que combina lendas, contos e fatos sobre alimentação do grupo. Por meio dos “causos” de Seu João, a narrativa explica, além da peculiar vida da comunidade, a origem do nome do quilombo: “Boa Esperança surgiu dos escravos. Ainda na escravidão, esses escravos que ficaram como herdeiros, um deles comentou com os outros que tinha uma esperança de liberdade, de ser dono da vida dele, de fazer o que quiser da vida dele. Aí foi... foi... foi... veio a liberdade. Aí, os outros escravos que escutaram ele falar aquilo falaram com ele: Você viu, que boa esperança você teve? De ser libertado. Aí, ficou o nome do lugar de Boa Esperança.” No arquivo de Seu João, também existem algumas histórias de assombração, como, por exemplo, a lenda do lobisomem, a qual se relaciona à culinária: “Mangalô é que a gente come, a gente planta ele e sobe na árvore [...]. Ele dá aquela vargem, igual feijão. A pessoa colhe, vem verde, e faz pra comer. Tempera igual feijão. A gente chama de comida de lobisomem.” Além do epíteto de “comida de lobisomem”, as leguminosas enriquecem o imaginário familiar, sobre o que Seu João relembra: “Na época, era guando, né, quando minha mãe fazia. A fava, o mangalô, feijão miúdo era aquele, muito gostoso.” No ínterim dessa mesma conversa, Celso Fonseca, de 56 anos, filho de Seu João, acrescenta: “Eu lembro muito do feijão miúdo, da fava, guando. Minha mãe fazia, eu gostava muito.” Além deles, Rosemere Fonseca, de 33 anos, neta Seu João e filha de Celso, atualiza o status da fava: “Eu vi que o quilo da fava é muito caro. Mais caro que um pacote de um quilo de feijão.” Igualmente, com açúcar e com afeto, a rapadura emerge com um dos alimentos para a família. Sobre essa iguaria regional, Celso explica: “A rapadura foi um meio de sobrevivência. De alimentação também. Minha vó fazia rapadura, vendia e, com esse dinheiro, comprava roupa para a gente, né? Ela ajudava muito o meu pai. Meu pai também ajudava a comprar roupa para a gente. Então, esse dinheiro era mais pra sobrevivência mesmo, mais pra comprar roupa. Ela já aprendeu com os pais dela, né? Aí meu pai aprendeu, eu aprendi também. Os pais dela, né?... e os anteriores já sabiam fazer também. Então, essa cultura, a gente não perdeu não, continua com a gente até hoje... da rapadura.'' Outro uso da cana-de-açúcar realizado pela comunidade era no café da manhã, conforme diz Celso: “[...] café de garapa. Esse é o nosso”. Nesse sentido, reforça Seu João: “[o café] Era feito com caldo de cana. Um dia, era mandioca, aipim; outro dia, era batata doce; outro dia, era inhame, banana cozida. Era assim. Gostoso [...] Me criei com isso.” Glossário: Mangalô: árvore leguminosa no Brasil; tipo de feijão. Quilombo Boa Esperança Areal, South Central Fluminense Region I grew up with it! Mr João da Cruz Fonseca, former resident of the Quilombo of Boa Esperança located in the city of Areal, is a storyteller with a repertoire that mixes legends, tales and facts on feeding of the group. Through the "stories" of Mr João, the narrative, beyond the peculiar life of the community, explains the origin of the name of the Quilombo "Good Hope came from slaves. Even in slavery, those slaves who were heirs, one of them said to the others who had hope of freedom, to be master of his life, doing what you want in his life. There was ... was ... was ... freedom. Then the other slaves who heard him saying that spoke to him:Did you see that good hope you had? Being released. Then was the name of the place of good hope (Boa Esperança).” In Mr João's file, there are also some stories of ghosts, for example, the legend of the werewolf, which is related to cooking: "Peas is what we eat, we plant it and it climbs the tree [... ]. It is equal as beans. The person reaps, and makes to eat. We prepare like beans. We call werewolf food. “ Besides the epithet "food werewolf", legumes enrich the the imaginary family, about what His John recalls: "At the time, it was fava beans, right, when my mother cooked. Every type of beans it was very yummy "In this same conversation, Celso Fonseca, 56,Mr João's son adds:" I remember the fava beans, butter beans. My mother used to cook, I really liked "Besides them, Rosemere Fonseca, 33, his granddaughter and João Celso's daughter, updates the status of the bean". I saw that a pound of fava beans is very expensive. More expensive than a pack a pound of black beans. “ Also, with sugar and with affection, panela emerges as one of the food for the family. About this regional delicacy, Celso explains: "The panela was a way of survival.Supply also. My grandmother had brown sugar, and sold, with the money, bought clothes for us, right? She helped my father a lot. My father also helped her buying clothes for us. So that money was more for survival than to buy clothes. She has learned from her parents, right? Then my father learned, I learned too. Her parents, right? ... And the previous knew already how to do well. So this culture, we have not lost, it is still with us today ... the panela.” Another use for the sugar cane juice held by the community was at breakfast, as Celso says: "[...] coffee syrup. This is ours. "In this sense, reinforces Mr João: "[the coffee] was made with sugar cane juice. One day was cassava; other day, was sweet potato; other day, it was yam, boiled banana. It was like that. Tasty [...] I grew up with it. " Glossary Canguro: A Bantu root, the word means pig or piglet. 47 “Rapadura” Ingredientes: 150 litros de caldo de cana 15 litros (medidos no balde) de mamão verde ralado Preparo: Colocar o a garapa coada no tacho; “com o tempo o fogo vai fervendo e vai saindo, vai saindo a água e vai ficando o melado, então, arriou o tacho, coloca mais garapa ali, enche de novo, daqui a pouco vai arriando de novo até chegar no melado.” Enquanto o caldo “apura”, tirar a espuma com uma escumadeira grande, com certa frequência, e também controlando a fervura do caldo para não transbordar. Ralar, lavar, secar e acrescentar o mamão verde. Quando estiver no ponto*, tirar do fogo e continuar mexendo para resfriar (se estiver muito quente ao levar à forma, não endurece) e colocar na forma de madeira dividida por taliscas dando o molde da rapadura em barras quadradas de cerca de 7cm. *O ponto é verificado em uma caneca com água fria onde se coloca um pouco da rapadura: “se endurecer na água e formar a bala, está no ponto!” Cozinheiros: Celso da Cruz Fonseca João da Cruz Fonseca Hermogênia Barbosa Fonseca “Panela” Ingredients: 150 liters of sugarcane juice 15 liters (measured in the bucket) of grated green papaya Preparation: Put the strained syrup in a pan, "over time boiling and the fire will go out, go out and the molasses will stay, then sank the pot, put more sugarcane juice there, refills, soon it will get to the molasses again . "While the juice" clears ", take the foam with a large slotted spoon with some frequency, so by controlling the boiling juice to not overflow. Grate, wash, dry and add the green papaya. When it's ready*, take from the heat and continue whisking to cool (if it is too hot to put in a pan, it will not get hard) and put in the baking pan of wooden divided by wood sliver giving the mold of molasses into square bars of about 7cm. * It is ready when it seens in a mug with cold water where it puts a bit of brown sugar: "if it gets hard in the water, it forms a candy, it is ready” Cook: Celso da Cruz Fonseca João da Cruz Fonseca Hermogênia Barbosa Fonseca 49 Quilombo Botafogo Cabo Frio Quilombo Botafogo Cabo Frio Quilombo Botafogo Cabo Frio, Região das Baixadas Litorâneas Tudo vem da terra! Cantores de música gospel, cruzada evangélica de pastores, concurso de beleza, roda de capoeira, quadrinha, jongo, atividades recreativas e esportivas foram algumas das atrações da 4ª edição da tradicional festa Quilombos Unidos em Ação, promovida, em 2013, pelo Quilombo Botafogo. A programação da festa exemplifica o hibridismo cultural constituinte dos quilombos do Estado do Rio de Janeiro. Nesses dias, a feijoada e outros pratos típicos da comunidade engrossam esse caldeirão cultural. Sobre o grupo, em 1999, o território do Quilombo Botafogo, situado na Cidade de Cabo Frio, região das Baixadas Litorâneas do Estado do Rio de Janeiro e onde vivem mais de 100 famílias, foi reconhecido como pertencente à comunidade remanescente de quilombos. Relatos históricos sugerem que as pessoas da comunidade descendem dos escravos da antiga Fazenda Campos Novos, unidade jesuítica que, no século XVII, se localizava entre os municípios de Cabo Frio e de São Pedro da Aldeia. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês de Pombal, as terras passaram para o domínio do Estado. Na primeira metade do século XIX, arrendatários e ocupantes que atuavam no comércio clandestino de escravos passaram ocupar a região, onde se formou um grande contingente de campesinato negro. Em termos atuais, de certa forma, a expressiva densidade demográfica da região explica a diversidade cultural interna do quilombo, bem como as diferentes matrizes religiosas e culturais que convivem. Para conversar a respeito, o casal Josué e Maria Cristina abriram as portas de sua casa, onde também estava Dona Elícia, de 67 anos, outra liderança da comunidade. Naquela varanda, durante a primeira rodada de conversa, Maria Cristina, mais conhecida como Cristina, trouxe uma travessa de um aipim que derretia na boca. Em meio a esse saboroso prólogo, Josué aproveitou para se posicionar sobre a importância de as pessoas conhecerem suas histórias e suas tradições. Por isso, ressaltou a importância das práticas culinárias e gastronômicas, enfatizando a relação intrínseca entre o que se come e o que se planta. Sobre a relação entre saber culinário e a terra, Dona Elícia ensina de modo didático: “Quando se fala em culinária, é ligada à terra; não tem jeito, porque tudo vem da terra, né? Na questão da terra, eu ainda muito criança já produzia, eu já plantava. Plantava amendoim [...] quando colhia, vendia pra minha mãe comprar as coisinhas pra gente. Isso era o costume, entendeu? Eu participei muito de casa de farinha com minha mãe, raspando mandioca, fazendo farinha, fazendo tapioca, fazendo biju, tudo isso é tradição da terra, dessa terra nossa. Pra você ter uma ideia, essa nossa terra aqui já teve muita casa de farinha, já se produziu aqui muita farinha. A nossa farinha era uma farinha muito conhecida na região, chamava Farinha do Botafogo, entendeu? E a gente vivia disso, vivia da agricultura, vivia da roça, a gente não trabalhava fora vivia da roça.” Quilombo Botafogo Cabo Frio, Coastal Lowlands Region Everything comes from the ground! Singers of gospel music, gospel crusade pastors, beauty contest, capoeira rings, jongo, recreational activities and sports were some of the attractions of the 4th edition of the traditional festival Quilombos States in Action, promoted in 2013 by Quilombo Botafogo. The programming of the constituent party exemplifies cultural hybridity of Quilombo the State of Rio de Janeiro. During those days, the feijoada and other typical dishes of the community thicken this cultural melting pot. About the group, in 1999, the territory of the Quilombo Botafogo, located in the city of Cabo Frio, Coastal Lowlands Region, in the State of Rio de Janeiro and where more than 100 families live, was recognized as belonging to the remaining Quilombo community. Historical accounts suggest that people in the community are descendants of the former slaves from the old farm of Campos Novos, Jesuit unit that, in the seventeenth century, was located between the towns of Cabo Frio and São Pedro da Aldeia. With the expulsion of the Jesuits in Brazil by the Marquis of Pombal, the lands passed into the domain of the State. In the first half of the nineteenth century, tenants and occupants who worked in the clandestine slave trade began to occupy the region, where it formed a large contingent of black peasantry. In today's terms, the significant population density of the region explains the internal cultural diversity of the Quilombo, as well as the different religious and cultural matrices that coexist. To talk about, the couple Josué and Maria Cristina opened the doors of theirhouse, where it was also Mrs Elícia, another community leader. On that balcony, during the first round of conversation, Maria Cristina, better known as Cristina, brought a platter of a cassava that melted in the mouth. Amidst this tastyprologue, Josué took the opportunity to position themselves on the importance of people knowing their stories and traditions. Therefore, he stressed the importance of culinary and gastronomic practices, emphasizing the intrinsic relationship between what you eat and what you plant. About the relationship between knowledge and culinary and the land, Mrs Elícia teaches: "When it comes to cooking, it is linked to the ground; no way, because everything comes from the ground, right? On the question about the land, I have produced since I was a child, I have planted. I planted peanuts [...] when I harvested, I sold so my mother could buy things for us. It was the usual, you know? I attended lots of flour house with my mother, scraping manioc, making flour, doing tapioca, doing manioc cake, this is all tradition of the land, this land of us. For you to have an idea, our land had many flour mills, has been produced a lot of flour. Our meal was a meal well known in the region, called Botafogo flour, understand? And we lived it, lived from agriculture, lived on the farm, we did not work outside the garden.” 53 54 “Farofa de Banana” Ingredientes: 500g de farinha de mandioca 3 cabeças de banana 2 cebolas 8 dentes de alho 4 “dedos” de óleo Modo de Preparo: “Pique a cebola, o alho e a casca da banana bem miúdos; menor que vinagrete. Em uma panela aqueça o óleo. Depois de quente, coloque o alho, a casca da banana, a cebola e frite. Depois, acrescente a farinha e acerte o sal. Pode guardar por 3 meses em ambiente fresco.” Variação: “Essa receita também pode ser feita com cenoura crua ralada.” Cozinheira: Maria Cristina Rodrigues Nascimento da Costa “Toasted Manioc Flour with Banana” Ingredients: 500g of cassava flour banana 2 onions 8 cloves of garlic oil Preparation: “Chop the onion, garlic and the banana peel cutted in very tiny pieces. In a saucepan heat the oil. Once hot, place the garlic, banana peel, onion and fry, the oil must cover them. Then add the flour and the salt... You can save for 3 months in a cool area. " Change: "This recipe can also be made with grated raw carrot.” Cook: Maria Cristina Rodrigues Nascimento da Costa 55 Quilombo Cabral Paraty Quilombo Cabral Paraty Quilombo Cabral Paraty, Região da Costa Verde É como o mar para os barcos... Em tempos de transformações tsumâmicas que tensionam a continuidade de práticas camponesas, os hábitos alimentares, apesar incorporarem mudanças inerentes à dinâmica cultural, funcionam como âncoras para a manutenção de valores costumeiros. No Quilombo Cabral, Seu Domingos, de 73 anos, que há dez anos atua como liderança do grupo, está no leme da embarcação e posiciona a rota da bússola para valorizar as permanências: “[...] antigamente, se fazia as coisas pra durarem. Hoje, já fazem pra durar pouco”. Nesse sentido, a transmissão da experiência torna-se uma tática cotidiana para driblar as marés mais aceleradas. Conseqüentemente, personagens como Seu Domingos são protagonistas essenciais, haja vista que ele considera que os saberes relativos ao artesanato, por exemplo, devem ser transmitidos de geração para geração. Com base nesse valor, ele guarda, com zelo, o fuso de madeira que construiu: “O fuso eu fiz por necessidade, não podia comprar e precisava. Então, tive que aprender a fazer [...]. Vamos arrumar madeira, e eu mostro pra você como é que faz, participo. E não ensino a pessoa falando não, porque tem muita gente que fala faz assim, assim, assim..., né? O melhor de aprender é ver fazer, mostrando como é que faz, né?” Igualmente artesanal, o trabalho com a terra exige paciência e dedicação, como também exemplifica Seu Domingos ao falar sobre o cultivo do feijão: “É colhido aqui mesmo [...]. Esse feijão é velho. Em Paraty, é mais velho do que andar pra frente. [...] Planta, dá também com três meses, e aqui a gente espalha no terreiro, né? Mete a vara nele [...].” Além das artes da terra, o Quilombo Cabral é conhecido em virtude das artes da culinária. Na casa de Dona Maria e de Seu Benedito, preparou-se o feijão Serra Azul (tutu) com arroz, jiló e costela de boi. Enquanto Dona Maria cozinhava, Fábio, filho de Seu Benedito e enteado de Dona Maria, mencionou as transformações ocorridas no preparo desse prato. Segundo ele, antigamente, comia-se carne de caça, que acompanhava o feijão. Mesmo com a mudança da tipologia da carne, por conta da necessidade da preservação do tatu, o modo de preparo se manteve: “E cozendo, cozendo até secar a água, se não tiver ainda legal no garfo, bota mais um pouquinho. Vai virando, virando, virando... e fica uma carne assada de panela, né? Isso é muito bom!” Em relação aos temperos, conclui: “Alho, hortaliça, alfavaca, manjericão, a salsa, hortelã também e alho, né? Cebola, que é o coração de qualquer comida. Cebola, isso sempre tinha com fartura lá em casa.” Nesse ínterim, Seu Benedito, trazendo o jiló para ser preparado por Dona Maria, une-se à conversa para ressaltar as festividades existentes no quilombo, como, por exemplo, a celebração em homenagem a Nossa Senhora de Sant'ana, em 26 de junho. Assim, por intermédio de um simples prato, pode-se entrever como a alimentação é uma prática tensionada entre os maremotos que impulsionam as rupturas e as ondas mais tranquilas sugeridas pela permanência das práticas. Quilombo Cabral Paraty, Costa Verde Region It's like the sea for the boats ... In times of big changes that tighten the continuity of farming practices, eating habits, despite incorporate changes inherent in cultural dynamics, serve as anchors for the maintenance of customary values. In Quilombo Cabral, Mr Domingos, 73, who for ten years serves as the group's leadership, is at the helm of the vessel and the route of the compass positions to enhance the stays: "[...] once, people did things to last. Today, they do have to be short. “ In this sense the transmission of experience becomes an everyday tactic to circumvent the more accelerated tides. Consequently, characters like Mr Domingos are key players, given that he believes that knowledge relating to craft, for example, must be transmitted from generation to generation. Based on this value, it saves with zeal, spindle wood built: "I did because of necessity, I could not afford and I needed. So I had to learn how to make it [...]. Let's get wood, and I'll show you how it's done. And, I do not teach the person just speaking, because a lot of people just say..., right? The best to learn is by seeing, showing how it is, right?” Equally craft, working with the land requires patience and dedication, but also exemplifies Mr Domingos to talk about the growing beans: "It is harvested right here [...]. This bean is old. In Paraty, is older than walk forward. [...] Plant, also gives three months, and here we spread the yard, huh? Put a stick in it [...]” In addition to the arts of the land, the Quilombo Cabral is known because of the culinary arts. In the house of Mrs. Maria and Mr Benedito, they prepared Serra Azul beans (refried) with rice, scarlet eggplant and prime rib of beef. While Mrs. Maria cooked, Fabio, Benedito's son and his Mrs. Maria's stepson, mentioned the changes in the preparation of this dish. He in the old days ate up bushmeat, which accompanied the beans. Even with the change of the type of meat, due to the necessity of preserving the armadillo, the way of preparation continued: "And goes baking, baking until it dries the water, if it is not nice in the fork keep a little longer. and turn, turn, turn... and gets a pot roast pot, right? ! It is very good "Regarding spices, concludes: "Garlic, herb, basil, parsley, mint too, right? Onion, which is the heart of any food. Onion, it always had in abundance at home.” Meanwhile, His Benedito bringing
Compartilhar