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GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA 2017 13 CAPÍTULO 1 TERCEIRIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA 1.1 CONCEITO E DISTINÇÃO A terceirização pode ser entendida como a transfe- rência de certas atividades da empresa tomadora (ou contratante) a empresas prestadoras de serviços espe- cializados. A terceirização, como se pode notar, envolve uma relação trilateral entre o empregado, a empresa presta- dora de serviço (empregador) e a empresa tomadora (contratante dos serviços). Entre a empresa tomadora (contratante) e a presta- dora de serviço é firmado um contrato de natureza civil ou empresarial (contrato de prestação de serviços). Diversamente, entre a empresa prestadora de ser- viço e o empregado é firmado o contrato de trabalho. O vínculo de emprego, assim, existe entre o em- pregado e a empresa prestadora de serviço, mas aquele presta o serviço à empresa tomadora (contratante). TERCEIRIZAÇÃO – Gustavo Filipe Barbosa Garcia 14 A terceirização não se confunde com a intermedia- ção de mão de obra, a qual, em regra, é vedada pelo sistema jurídico, uma vez que o trabalho não pode ser tratado como mercadoria, o que seria contrário ao seu valor social e à dignidade da pessoa humana1. Nesse sentido, conforme a Súmula 331, item I, do TST: “I - A contratação de trabalhadores por empresa in- terposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de traba- lho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)”. Ainda assim, também apresenta conotação trilateral o trabalho temporário, em que a empresa tomadora con- trata a empresa de trabalho temporário para que sejam fornecidos trabalhadores temporários, pelo prazo e nas hipóteses excepcionalmente admitidas pelo sistema ju- rídico2. A rigor, a terceirização se distingue do trabalho tem- porário, pois enquanto aquela diz respeito à prestação de determinados serviços por empresa especializada, neste há o fornecimento de mão de obra à tomadora por meio de empresa interposta (ou seja, pela empresa de trabalho temporário)3. 1. Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do tra- balho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 416. 2. Cf. CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. A terceirização das rela- ções laborais. São Paulo: LTr, 1996. p. 50. 3. Cf. JOÃO, Paulo Sergio. O que muda com o projeto de lei so- bre trabalho temporário e terceirização. Consultor Jurídico, 24 de março de 2017: “Terceirização pressupõe especialização nos serviços e autonomia na sua execução. A diferença fundamental Cap. 1 • TERCEIRIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA 15 1.2 ÂMBITO INTERNACIONAL A análise da terceirização, em especial quanto à sua licitude, aos seus limites e aos seus efeitos, está intima- mente relacionada com o valor social do trabalho, que não pode ser tratado como mercadoria, sob pena de afronta à dignidade da pessoa humana. Nesse enfoque, no âmbito da doutrina social da Igreja, merece referência a Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII, do ano de 1961, ao assim prever: “18. Dizem respeito, primeiramente, ao trabalho que deve ser considerado, em teoria e na prática, não mer- cadoria, mas um modo de expressão direta da pes- soa humana. Para a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência. Por isso, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade, que, em caso contrário, fi- cariam profundamente lesadas, ainda mesmo que o contrato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas as partes” (destaquei)4. entre o regime jurídico do trabalho temporário e a prestação de serviços é que no primeiro caso há cessão de mão de obra e, no segundo, o objeto é a prestação de serviços especializados a car- go e responsabilidade da empresa prestadora”. Disponível em: �KWWS���ZZZ�FRQMXU�FRP�EU������PDU����UHÀH[RHV�WUDEDOKLVWDV- -muda-pl-trabalho-temporario-terceirizacao>. Acesso em: 07 abr. 2017. 4. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/docu- ments/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html>. Acesso em: 07 abr. 2017. TERCEIRIZAÇÃO – Gustavo Filipe Barbosa Garcia 16 Na mesma linha, na esfera da Organização Interna- cional do Trabalho, criada em 1919, destaca-se a seguin- te previsão de sua Constituição e Anexo (Declaração de Filadélfia, referente aos fins e objetivos da Organização, de 1944): “A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização, principal- mente os seguintes: a) o trabalho não é uma merca- doria” (destaquei)5. Em razão desse mandamento universal, proíbe-se, em regra, a intermediação de mão de obra, na qual a em- presa intermediária apenas fornece trabalhador à empre- sa tomadora. Como mencionado anteriormente, essa prática não se confunde com a terceirização, em que certas ativida- des são transferidas pelo contratante a empresas pres- tadoras de serviços determinados e específicos, permi- tindo que aquele se dedique aos principais aspectos de seu objetivo social6. 5. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_ work/doc/constituicao_oit_538.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2017. 6. Cf. MANNRICH, Nelson. A modernização do contrato de tra- balho. São Paulo: LTr, 1998. p. 117: “Quando se fala em ativi- dade econômica, não há vinculação, necessariamente, à ideia de lucro, mas de produção de bens e serviços. Daí a necessidade de a empresa contratada possuir certa especialidade, uma atividade GH¿QLGD��QRV�WHUPRV�GR�FRQWUDWR�VRFLDO��,QH[LVWLQGR�WDO�DWLYLGD- GH��RX��TXDQGR��DR�FRQWUiULR��XPD�LQ¿QLGDGH�GH�REMHWRV�DSDUHFH� no contrato social, há indícios de mera intermediação ilegal ou WUi¿FR�GH�PmR�GH�REUD��HVSHFLDOPHQWH�VH�KRXYHU�¿QDOLGDGH�OXFUD- tiva. A ilegalidade não decorre diretamente de expressa vedação Cap. 1 • TERCEIRIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA 17 1.3 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS A Constituição Federal de 1988, ao tratar dos princípios fundamentais, dispõe que a República Fe- derativa do Brasil constitui-se em Estado Democráti- co de Direito e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político (art. 1º). No âmbito dos direitos fundamentais de natureza social, o art. 7º da Constituição Federal de 1988 ar- rola os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de assegurar outros direitos que visem à melho- ria de sua condição social. Observa-se, assim, o reconhecimento do princípio da proteção, inerente ao Direito do Trabalho, notada- mente quanto à prevalência da norma mais favorável ao empregado7. Portanto, a correta interpretação do sistema jurí- dico indica que a relação de emprego, a qual é dis- ciplinada pelo Direito do Trabalho, merece ênfase e recebe prioridade constitucional, por ser o víncu- lo que efetivamente garante os direitos trabalhistas, legal, mas, indiretamente, do nosso sistema jurídico, seja do con- FHLWR�GH�HPSUHJDGRU��TXH�QmR�VH�DMXVWD�DR�GH�WUi¿FR�GH�PmR�GH� obra, seja do conceito de empregado (art. 3º da CLT), devendo- -se considerar, também, o art. 9º, da CLT”. 7. Cf. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do tra- balho. Tradução e revisão técnica: Wagner D. Giglio. Tradução das atualizações: Edilson Alkmim Cunha. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 85. TERCEIRIZAÇÃO – Gustavo Filipe Barbosa Garcia 18 permitindo a redistribuição de renda e que se alcance a justiça social. A garantia da relação de emprego é essencial para que o modo de produção capitalista observe os limi- tes necessários à preservação da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho. Dessa forma, apesar da existência de outras mo- dalidadesde relações de trabalho (como o autônomo, o eventual, o voluntário e o estagiário), o vínculo de emprego é apto a conferir, em termos globais, à cole- tividade de trabalhadores o tratamento jurídico ne- cessário à concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3º da Constituição Federal de 1988, quais sejam: cons- truir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconcei- tos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou- tras formas de discriminação. Frise-se ainda que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con- forme os ditames da justiça social (art. 170 da Cons- tituição Federal de 1988). Do mesmo modo, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193 da Constituição da República). Logo, a terceirização de serviços, embora fun- dada na livre iniciativa, objetivando alcançar mais eficiência, produtividade, redução de custos e Cap. 1 • TERCEIRIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA 19 competitividade à empresa8, não pode ser admitida em contrariedade ao valor do trabalho, à dignidade humana e à justiça social. 8. Cf. MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do tra- balho. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 22: “O objetivo principal da terceirização não é apenas a redução de custos, mas WDPEpP�WUD]HU�PDLRU�DJLOLGDGH��ÀH[LELOLGDGH�H�FRPSHWLWLYLGDGH�j� empresa. Esta pretende com a terceirização a transformação de VHXV�FXVWRV�¿[RV�HP�YDULiYHLV��SRVVLELOLWDQGR�R�PHOKRU�DSURYHL- tamento do processo produtivo, com a transferência de numerá- rio para aplicação em tecnologia ou no seu desenvolvimento, e também em novos produtos”.
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