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Página 1 de 6 FONÉTICA E FONOLOGIA NO LIVRO DIDÁTICO: ANÁLISE SOBRE O TRABALHO COM A “CANÇÃO DO EXÍLIO”, DE GONÇALVES DIAS Adriana Paula Hoff (UNIOESTE)1 Kelly Cristina Heck Assunção (UNIOESTE)2 Orientador(a): Clarice Braatz Schmidt Neukirchen (UNIOESTE)3 Resumo: O presente estudo objetiva analisar o conteúdo relacionado à fonética e à fonologia no primeiro capítulo do livro didático Português Linguagens (CEREJA; MAGALHÃES, 2013), que é utilizado por turmas de 2º ano do Ensino Médio da rede pública estadual do Paraná. As teorias aqui empregadas condizem com as áreas da fonética e da fonologia (SANTOS; SANTOS; COSTA, 2013; SILVA, 2003; SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011), bem como da literatura (WERNEY,2009; CAGLIARI, 1984), de forma a comparar os campos já mencionados com o gênero poema. O trabalho foi realizado a partir do confronto entre as teorias em questão e o primeiro capítulo do livro de Cereja e Magalhães (2013). Os resultados demonstram que o conteúdo apresentado pelo material didático é incompleto quanto a explicação da relação entre o poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, e os processos fonéticos e fonológicos envolvidos na produção de ritmo do texto, assim como da relação destes com a língua portuguesa do Brasil. Palavras-chave: Livro didático; fonética e fonologia; gênero poema. Considerações Iniciais O propósito deste estudo é analisar um capítulo do livro didático (doravante LD) Português Linguagens 2 (CEREJA; MAGALHÃES, 2013) partindo de pressupostos teóricos das áreas da fonética, fonologia e literatura. Esta é uma forma de avaliar como o LD apresenta questões relacionadas aos campos mencionados, bem como refletir sobre a importância de considerar tais áreas no estudo da literatura e da língua. Para este estudo comparamos bases teóricas diversas, inclusive as estudadas durante as aulas da disciplina de Fonética e Fonologia no 2º ano do curso de Letras, na qual se insere esta atividade. Também relacionamos os estudos teóricos com o LD que está em uso na rede pública estadual do Paraná, nos 2º anos do Ensino Médio. 1 Graduanda do 2º ano de Letras – Português/Inglês, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Marechal Cândido Rondon. 2 Graduanda do 2º ano de Letras – Português/Inglês, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Marechal Cândido Rondon. 3 Mestra em Letras – Linguagem e Sociedade, professora Assistente do curso de Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Marechal Cândido Rondon. Página 2 de 6 Este resumo está estruturado de forma que iniciamos com a fundamentação teórica aplicada por nós na análise do LD. Em seguida, fazemos a descrição do corpus utilizado no trabalho, sendo ele o primeiro capítulo do LD já mencionado. Por fim, realizamos a análise a partir da comparação de teorias com o corpus. Fundamentação Teórica Para este estudo usaremos conceitos pensados pela Fonética e pela Fonologia. Cabe, então, primeiramente identificar e diferenciar estas duas áreas que estão relacionadas ao estudo da fala. Segundo Seara, Nunes e Lazzarotto-Volcão (2011), a Fonética estuda a parte fisiológica da produção de sons, como também os sons executados pelos órgãos do aparelho fonador. Já a fonologia “pode ser vista como a organização da fala focalizando línguas específicas” (SEARA; NUNES, LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2011, p.12, grifos dos autores). Silva (2003, p.23, grifo da autora) afirma que “a fonética é a ciência que apresenta os métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala”. A autora também ressalta que nenhum órgão é responsável única e somente pela fala, mas sim todo o aparelho fonador, que é composto pelos sistemas respiratório, fonatório e articulatório. Por outro lado, a fonologia, segundo Callou e Leite (1990), se refere aos estudos dos traços distintivos, isto é, à diferenciação de significado proporcionada pela modificação dos fonemas. De acordo com as mesmas autoras, o fonema é a menor unidade da língua, diferentemente, dos sons ou fones, que são a menor unidade referentes à fala. Dentro da área da fonologia encontramos os processos fonológicos, que se referem às modificações dos sons produzidos durante a fala. Isto porque, em qualquer momento, quando se combinam elementos para formar palavras ou frases ocorre uma série de modificações, determinadas por fatores fonéticos, morfológicos e sintáticos. Fatores prosódicos como o acento da palavra ou da frase, a entoação ou a velocidade da elocução são aspectos que também devem ser levados em consideração (CALLOU; LEITE, 1990, p.44). Destacamos, dentre os processos fonológicos, os fenômenos de: alteamento da vogal, vocalização e juntura intervocabular, que são pertinentes ao estudo aqui realizado. Segundo Santos, Santos e Costa (2013), o alteamento da vogal se dá pela troca das vogais /E/ e /O/, por /I/ e /U/, respectivamente, que é muito comum na oralidade e pode ser refletida na escrita. Já na vocalização, a consoante /L/ é substituída pela vogal /U/ (na escrita) Página 3 de 6 ou semivogal /W/ (na fala). Por fim, a juntura intervocabular ocorre quando não há marcação da divisão das palavras. Além de considerar as teorias que envolvem fonética e fonologia propriamente ditas, é preciso levar em conta as teorias que relacionam o campo linguístico com o gênero poético, principalmente aquelas voltadas aos poemas do português brasileiro. Para Cagliari (1984, p.75), “a poesia é uma forma literária feita principalmente para ser declamada, isto é, dita em voz alta, é claro que ela deve ser feita levando em consideração as propriedades fonéticas da língua”. Mais adiante e consoante a isto, o autor afirma que o português é uma língua de ritmo acentual, ou seja, sua sonoridade vêm do contraste entre sílabas tônicas e átonas que se repete com certa regularidade. Ainda segundo Cagliari (1984), devido seu caráter acentual, na língua portuguesa a quantidade de sílabas poéticas não interfere tanto na produção sonora dos poemas, “apesar disso, até hoje se ensina a escandir versos, contando o número de sílabas” (CAGLIARI, 1984, p.76). Concordando com Cagliari (1984), Werney (2009) afirma que nos poemas o ritmo é gerado pela sequência de acentuação e pontuação presente nos versos. A acentuação é relacionada com a intensidade, que é a amplitude das vibrações das cordas vocais ou, então, a força da produção do som. Werney (2009) ainda considera o Romantismo e o Simbolismo como correntes literárias percursoras na expressividade musical, deixando um pouco de lado a sintaxe linguística. “O fato é que a partir do Romantismo os compositores passaram a utilizar o timbre [fonte sonora] e a intensidade [força] com mais cuidado, tratando-os como elementos essenciais da arquitetura da composição” (WERNEY, 2009, p.10). Corpus O LD selecionado para o presente estudo é “Português Linguagens”, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, que está sendo utilizado em turmas do 2º ano do Ensino Médio da rede estadual de ensino do Paraná, desde o ano de 2015, sendo que seu uso se encerrará neste ano, 2017. Já na apresentação do LD, os autores afirmam que um dos objetivos da obra é o de ajudar os estudantes a “compreender o funcionamento e a fazer o melhor uso possível da língua portuguesa, em suas múltiplas variedades, regionais e sociais, e nas diferentes situações sociais de interação verbal” (CEREJA, MAGALHÃES, 2013, p.3). Página 4 de 6 O LD apresenta quatro unidades, pautadas em conteúdos de literatura (Romantismo – poesia e prosa,Realismo e Simbolismo) e, dentro destes assuntos, trata de aspectos da linguagem. Além disso, as unidades são divididas em capítulos, cada qual com temas mais específicos. O capítulo escolhido para a análise foi o primeiro da unidade I, nomeado de “A linguagem do Romantismo”, que aborda a leitura e estudo da linguagem da “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, apresentando a comparação entre Arcadismo e Romantismo e o levantamento do contexto histórico da época do movimento literário em questão. Logo no início do capítulo, há o momento de leitura do poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, guiado por uma breve explicação do contexto de produção. Em seguida, são propostas oito questões de estudo da linguagem empregada na obra lida. Dentre estas questões, destacamos duas que pertencem ao conteúdo aqui exposto. A primeira questão solicita a escansão dos versos da cantiga de roda “Sete e sete são catorze, com mais sete vinte e um” e do poema de Gonçalves Dias. Por outro lado, a questão de número três enfoca na forte musicalidade do poema estudado, provocada pela quantidade de rimas e ritmo, solicitando que os alunos observem a acentuação nos versos do poema. Depois desta questão, o LD apresenta um quadro informativo intitulado “O Romantismo e a fala brasileira”, na qual se explica que a “Canção do Exílio” possui características da fala brasileira. Além disso, há a informação de que o movimento Romântico quebrou com os modelos clássicos das poesias. Mais à frente, no subcapítulo “O texto e o contexto em perspectiva multidisciplinar”, no quadro “O Romantismo no Brasil”, é apresentada uma breve fala sobre como o referido movimento literário foi diferente no Brasil, inclusive na língua, “pois o português falado no Brasil e por brasileiros sofria modificações e não podia ser igual ao que se falava em Portugal” (RONCARI, 1995, p.288-9 apud CEREJA; MAGALHÃES, 2013, p.21). É a partir deste capítulo que analisaremos os aspectos fonéticos e fonológicos já mencionados durante a fundamentação teórica. Análise Apesar do capítulo não abordar diretamente a Fonética e a Fonologia, não usando estas nomenclaturas ou aprofundando as questões pertinentes às áreas, o capítulo trabalha com algumas atividades que dependem de aspectos fonéticos e fonológicos para sua realização. Tais atividades já foram levantadas durante a descrição do corpus. Página 5 de 6 Referente à questão de número um, o LD não apresenta como realizar a escansão e os nomes dos versos de acordo com quantidade silábica, sendo que o aluno deve já saber, ou então, o docente precisa trabalhar o conceito a partir de outros materiais. Além disso, a escansão é utilizada para verificar a quantidade de sílabas por verso, visto que, como apresenta a consigna, os Românticos inovaram neste quesito. A problemática, no caso acima, reside no fato de fazer o aluno procurar pela quantidade de sílabas, mas não fazê-lo relacionar com a interferência (ou não) na sonoridade do poema. Vale lembrar que Cagliari (1984) afirma que o português é acentual, portanto a quantidade de sílabas poéticas não interfere na sonoridade e no ritmo de poemas na língua portuguesa. Também, no caso da escansão, outro fator que não é bem explorado pelo LD é a inovação que os Românticos propuseram na quantidade de sílabas poéticas por verso. Por outro lado, a terceira questão acerta ao afirmar que “no 1º verso, o ritmo decorre do fato de serem acentuadas (pronunciadas de maneira forte) a 3ª e a 7ª sílabas” (CEREJA; MAGALHÃES, 2013, p.16). Esta atividade não só apresenta um modelo de como ocorre a acentuação, como pede para que o aluno verifique as sílabas tônicas dos outros versos do poema. Também, trabalha com o conceito de rima, solicitando que os alunos encontrem as palavras que terminam com sons parecidos. Podemos constatar, então, que a questão três trabalha com a Fonética e a Fonologia muito bem, apesar de não utilizar a nomenclatura das áreas. Já os dois quadros selecionados para a realização do trabalho. “O Romantismo e a fala brasileira” e “O Romantismo no Brasil”, apresentam breves explicações sobre a interferência do português brasileiro na “Canção do Exílio” e no movimento Romântico em geral. Porém, não há explicação das diferenças do português do Brasil nas produções poéticas. Neste caso, o livro poderia ter apresentado, mesmo que não usando os termos oficiais, os processos fonológicos presentes na fala dos brasileiros, tais como alteamento da vogal, vocalização e juntura intervocabular, que podem ser encontrados, inclusive, na obra de Gonçalves Dias. A juntura intervocabular também poderia ser trabalhada pela primeira questão, para a escansão de versos, visto que algumas sílabas poéticas ficam entre duas palavras devido a pronúncia contínua entre elas. Página 6 de 6 Considerações finais Realizando a análise do capítulo de um livro didático de Língua Portuguesa, por meio de pressupostos teóricos das áreas de Fonética e Fonologia, foram notados alguns equívocos, como a falta de menção direta às questões relacionadas a Fonética e Fonologia, além da pouca explicação sobre como o movimento Romântico se diferenciou no Brasil graças à língua falada pelo povo e de como essa língua portuguesa brasileira se constitui para ocasionar tais diferenciações. Além disso, em uma das questões o LD preocupou-se com a quantidade de sílabas poéticas e não com a sonoridade do poema, não explicando como a escansão pode ou não contribuir na produção de ritmo. Em paralelo, a outra questão analisada enfoca na acentuação de algumas sílabas dos versos, que, segundo Cagliari (1984), é a melhor forma de analisar a língua portuguesa, devido seu caráter acentual. Dessa maneira, conclui-se que são poucas as atividades e informações referentes às áreas da Fonética e da Fonologia no capítulo analisado, além de não haver menção direta aos seus aspectos. Sobre as questões aqui descritas, uma está incompleta, mas pode ser aprofundada pelos docentes, com o trabalho sobre os processos fonológicos, as tradições na literatura e a escansão de versos. Por outro lado, a segunda atividade vai de encontro com as teorias discutidas neste artigo. Referências CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise fonética do ritmo em poesia. Estudos Portugueses e Africanos, nº 03, 1984. p.67-96. CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Fonologia. In: Iniciação à fonética e à fonologia. 11 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2009, p. 35-47. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens, 2. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. SANTOS, Camila Fernandes dos; SANTOS, Robervaldo Correia dos; COSTA, Geisa Borges. Processos fonológicos: um olhar sobre a escrita de alunos das séries iniciais. In: Revista Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos. Vol. XVII, n. 08. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xvii_cnlf/cnlf/08/06.pdf>. Acesso em: 01/03/2017. SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTTO-VOLCÃO, Cristiane. Fonética e fonologia do português brasileiro: 2º período. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011. SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2015. WERNEY, Alfredo. Música na literatura: Extratos musicais na construção de sentido do texto poético. Revista dEsEnrEdoS, ano I, nº01, Teresina (PI), jul./ago. 2009.