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MORFOGÊNESE DA FACE 1) Embriologia Humana O desenvolvimento pré-natal é dividido em três fases. As duas primeiras fases constituem o período embrionário e a terceira o período fetal. A primeira fase inicia com a fertilização e estende- se até a 4a semana de desenvolvimento. Nesta fase predominam proliferações e migrações celulares. A segunda fase ocorre nas quatro semanas seguintes, sendo caracterizada por grande parte da diferenciação das estruturas externas e internas (morfogênese). A partir da 8a semana até o final da gestação, predominam crescimento e maturação e o embrião passa ser chamado de feto. 2) Células da Crista Neural Durante a formação do tubo neural, início da quarta semana de desenvolvimento, um grupo de células separa-se do neuroectoderma, constituindo as células da crista neural. Estas células têm a capacidade de migrar e se diferenciarem intensivamente no embrião em desenvolvimento. Na região da cabeça, as células da crista neural têm um importante papel, participam da formação dos gânglios sensitivos craniais, das cartilagens dos arcos branquiais, ossos e tecido conjuntivo da cabeça, como polpa dental, dentina, cemento, ligamento periodontal e osso alveolar. O tecido conjuntivo embrionário dos outros locais é derivado do mesoderma, sendo denominado mesênquima, enquanto o da cabeça denomina-se ectomesênquima, considerando sua origem no neuroectoderma. Na região orofacial, a migração adequada das células da crista neural é essencial para o desenvolvimento da face e dos dentes. 3) Arcos branquiais (faríngeos) e a boca primitiva Na quarta semana de desenvolvimento, o estomodeo inicialmente é delimitado pela eminência encefálica e caudalmente pela placa cardíaca. A membrana bucofaríngea separa o tubo digestivo do estomodeo, mas esta logo se rompe permitindo a comunicação entre estomodeo e intestino anterior. Lateralmente o estomodeo é limitado pelo primeiro arco branquial. Os arcos branquiais formam-se na parede da faringe como resultado da proliferação do mesênquima e subsequente reforço pela migração das células da crista neural. Assim, formam-se seis arcos cilíndricos que se expandem a partir da parede lateral da faringe. Os arcos branquiais são nitidamente observados como protuberâncias laterais no embrião sendo separados externamente pelas fendas branquiais. Na face interna da parede faríngea observam-se depressões correspondentes denominadas bolsas faríngeas, que separam os arcos internamente. Cada arco branquial possui uma estrutura básica. A face interna é revestida pelo endoderma (ectoderma no caso do primeiro arco, pois este se forma na frente da membrana bucofaríngea) e a superfície externa pelo ectoderma. A região central consiste em mesênquima derivado do mesoderma, circundado pelo ectomesênquima derivado da crista neural. O ectomesênquima condensa-se para formar um bastão cartilaginoso. A cartilagem do primeiro arco é denominada de cartilagem de Meckel e a do segundo cartilagem de Reichert. A musculatura do primeiro arco origina os músculos da mastigação e do segundo arco os músculos da expressão facial. Cada arco contém também uma artéria e um nervo. O nervo possui dois componentes: um motor e um sensitivo. O nervo do primeiro arco é o quinto nervo craniano (ou trigêmeo); o do segundo arco é o sétimo nervo craniano (ou facial); o do terceiro arco é o nono nervo craniano (ou glossofaringeo). As estruturas derivadas de qualquer arco levam com elas o suprimento nervoso do arco. Portanto, os músculos da mastigação são inervados pelo trigêmeo e os músculos da expressão facial, pelo nervo facial. Aproximadamente em vinte e quatro dias o primeiro arco branquial constitui o processo maxilar, de forma que o estomodeo torna-se limitado cranialmente pela proeminência frontal, lateralmente pelo processo maxilar e ventralmente pelo processo mandibular. 4) Formação da face No 28o dia de desenvolvimento, início da quinta semana, surgem espessamentos no ectoderma da proeminência frontal, denominados placóides olfatórios. Ocorre rápida proliferação do mesênquima subadjacente em torno dos placóides produzindo uma saliência em forma de ferradura, que transforma o placóide olfatório em fosseta nasal. O braço lateral de cada ferradura é denominado processo nasal lateral e o braço medial de processo nasal medial. A área entre os dois processos nasais mediais é denominada processo frontonasal. O crescimento medial dos processos maxilares “empurra” os processos nasais mediais em direção à linha média eliminando o processo frontonasal. A fusão dos processos nasais mediais resulta na formação de parte da maxila, que contem os dentes incisivos, o palato primário, a porção média do nariz e a porção média do lábio superior. Os processos maxilares formam o restante da maxila e lábio superior, palato secundário, zigomático e parte petrosa do osso temporal. Os processos mandibulares formam a mandíbula, lábio inferior e parte inferior da face. 5) Formação da língua A língua começa a desenvolver-se na quarta semana. Proliferações localizadas do mesênquima originam saliências no assoalho da boca. Inicialmente, uma dilatação (tubérculo ímpar) aparece na linha média do processo mandibular, sendo ladeadas por duas outras dilatações, as saliências linguais. Rapidamente as saliências linguais aumentam de volume e fundem entre si e com o tubérculo ímpar para formar os dois terços anteriores da língua. A raiz da língua é formada a partir de uma grande saliência (eminência hipobranquial) na linha média desenvolvida a partir do mesênquima do segundo, terceiro e quarto arcos. A língua separa-se do assoalho da boca por um crescimento ectodérmico em torno de sua periferia cujas células centrais degeneram para formar o sulco lingual. O epitélio e o tecido conjuntivo da língua (mucosa) derivam do primeiro arco branquial. Os músculos da língua possuem uma origem diferente: formam-se a partir dos somitos occipitais que migram para frente na área da língua, levando consigo o suprimento nervoso, o 12o nervo craniano (hipoglosso). O desenvolvimento incomum da língua explica sua inervação. A mucosa dos dois terços anteriores derivada do primeiro arco é suprida pelo trigêmeo, exceto a região das papilas valadas que é inervada pelo glossofaríngeo. A mucosa do terço posterior, derivada do terceiro arco é suprida pelo glossofaríngeo. A parte posterior extrema recebe inervação do nervo laríngeo superior, ramo do vago (4oarco). O suprimento motor para os músculos é fornecido pelo hipoglosso. 6) Formação do palato Inicialmente, existe uma cavidade oronasal comum limitada anteriormente pelo palato primário e ocupada principalmente pela língua em desenvolvimento. A formação do palato secundário ocorre entre a sétima e a oitava semanas de desenvolvimento, resultado da fusão das cristas formadas de cada processo maxilar. Essas cristas ou processos palatinos são inicialmente direcionados para baixo de cada lado da língua. Após a sétima semana as cristas se elevam e se fundem acima da língua e com o palato primário. 7) Ossificação endocondral e intramembranosa O tecido ósseo é um tecido conjuntivo especializado mineralizado. Todos os ossos apresentam uma densa camada externa de osso compacto e uma cavidade medular central. In vivo essa cavidade é preeenchida por medula óssea vermelha ou amarela. A cavidade medular é interrompida em sua extensão, particularmente nas extremidades dos ossos longos, por uma malha trabecular óssea (osso esponjoso). Esse trabeculado interno suporta a camada cortical (mais espessa) de osso compacto. O osso maduro, quer seja compacto ou trabeculado, são histologicamente idênticos, por serem constituídos de camadas ou lamelasmicroscópicas, as quais no osso compacto estão densamente arranjadas. O osso compacto é revestido por uma membrana de tecido conjuntivo osteogênico denominado periósteo, que possui duas camadas. A camada interna, próxima à superfície óssea, é mais rica em células, principalmente osteoprogenitoras, e um rico suprimento vascular, enquanto a camada externa é mais fibrosa. A superfície interna do osso compacto, assim como a do osso esponjoso são recobertas por camada única de células ósseas, o endósteo, que separa a superfície óssea da medula óssea contida em seu interior. A formação óssea pode ocorrer por dois mecanismos: ossificação intramembranosa, onde a formação óssea se faz diretamente no interior de uma membrana conjuntiva (mesênquima) e ossificação endocondral, que ocorre a partir de um molde cartilaginoso, que é substituído por osso. Nos locais de ossificação intramembranosa ocorre multiplicação e condensação de células mesenquimais (blastema ósseo). Com a vascularização aumentada nessas regiões ocorre a diferenciação dos osteoblastos, que produzem a matriz óssea. Isto ocorre em vários locais dentro da membrana conjuntiva. Uma vez iniciada, a ossificação intramembranosa processa-se em velocidade muito rápida. Nos locais de ossificação endocondral, nas fases iniciais do desenvolvimento embrionário, ocorre adensamento de células mesenquimais (blastema condilar). Estas células diferenciam-se em células cartilaginosas e segue-se um rápido desenvolvimento da cartilagem embrionária. O modelo cartilaginoso sofre modificações e gradativamente é substituído por osso. Essas modificações podem ser separadas em dois eventos: alterações da cartilagem e formação do tecido ósseo. As alterações da cartilagem compreendem: multiplicação e hipertrofia dos condrócitos; mineralização da matriz cartilaginosa e morte dos condrócitos (por falta de nutrição). A formação do tecido ósseo compreende: invasão de vasos sanguíneos e células osteoprogenitoras no arcabouço de cartilagem mineralizada; diferenciação dos osteoblastos e síntese de matriz óssea. Independente do tipo de ossificação, o primeiro tecido ósseo formado é do tipo primário ou imaturo, onde as fibrilas colágenas não se arranjam em lamelas organizadas e ocorre inclusão de muitos osteócitos na matriz formada. O osso imaturo, por atividade osteoclástica, logo é substituído pelo osso maduro, que apresenta organização lamelar, é mais mineralizado e possui menor número de osteócitos incluídos na matriz, quando comparado ao imaturo. 8) Desenvolvimento da mandíbula Com seis semanas de desenvolvimento, a cartilagem de Meckel estende-se a partir da região de desenvolvimento do ouvido até a linha média. As duas cartilagens (uma de cada lado) não se encontram na linha média, sendo separadas por uma estreita faixa de mesênquima. O ramo mandibular do nervo trigêmeo possui uma estreita relação com a cartilagem de Meckel. Durante a sexta semana de desenvolvimento ocorre uma condensação de mesênquima próxima a superfície da cartilagem de Meckel, no ângulo formado pela divisão do nervo alveolar inferior em seus ramos incisivo e mentoniano. Com sete semanas a ossificação intramembranosa inicia-se nessa condensação e estende-se rapidamente para a linha média e em direção posterior. A maior parte da cartilagem de Meckel não está envolvida na formação do osso da mandíbula, mas serve de suporte para a ossificação intramembranosa. Apenas uma pequena parte da cartilagem de Meckel na região da sínfise contribui com a formação da mandíbula por ossificação endocondral. O ramo da mandíbula desenvolve-se por uma rápida expansão para trás da ossificação do processo mandibular, afastando-se da cartilagem de Meckel. Esse ponto de divergência é marcado na mandíbula do adulto pela língula. Com dez semanas, uma mandíbula rudimentar está formada quase inteiramente por ossificação intramembranosa. A continuação do crescimento da mandíbula até o nascimento é fortemente influenciada pelo desenvolvimento de inserções musculares e o aparecimento de três cartilagens secundárias (de crescimento): a cartilagem condilar, a cartilagem coronóide e a cartilagem da sínfise. Essas cartilagens exibem organização histológica diferente da cartilagem primária de Meckel, pois possuem células maiores e menor quantidade de matriz intercelular. A cartilagem condilar aparece durante a 12a semana de desenvolvimento e produz uma massa em forma de cone que ocupa a maior parte do ramo em desenvolvimento. Rapidamente essa cartilagem sofre ossificação endocondral de forma que na 20a semana somente uma delgada camada de cartilagem permanece na cabeça do côndilo, persistindo até a segunda década de vida, aproximadamente. A cartilagem coronóide aparece em torno do 4o mês de desenvolvimento, recobrindo a borda anterior e a extremidade do processo coronóide. Trata-se de uma cartilagem de crescimento transitória e desaparece bem antes do nascimento. As cartilagens sinfisárias aparecem no tecido conjuntivo entre as extremidades das cartilagens de Meckel, porém totalmente independentes, concluindo sua ossificação no primeiro ano após o nascimento. 9) Desenvolvimento da maxila A maxila desenvolve a partir de um centro de ossificação no mesênquima do processo maxilar do primeiro arco. Semelhante à mandíbula, o centro de ossificação aparece no ângulo de divisão de um nervo (onde o nervo alveolar anterior superior se origina do nervo infraorbitário). A partir desse centro a ossificação estende-se em todas as direções. Uma cartilagem secundária também contribui para o desenvolvimento da maxila. Essa cartilagem denominada malar ou zigomática aparece no processo zigomático em desenvolvimento e por um breve período auxilia o desenvolvimento da maxila.