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2017 - 02 - 13 Revista de Processo 2016 REPRO VOL. 257 (JULHO 2016) PROCESSO DE CONHECIMENTO Processo de Conhecimento 1. Procedimento comum: fase postulatória Common procedure: postulatória phase (Autor) LUIS GUILHERME AIDAR BONDIOLI Doutor e mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado. lgbondioli@stoccheforbes.com.br Sumário: 1 Introdução: as fases do procedimento comum 2 Objetivo: estudo pormenorizado da fase postulatória a partir das suas figuras centrais 3 Petição inicial 4 Citação 5 Audiência de conciliação ou de mediação 6 Contestação 7 Reconvenção 8 Conclusão 9 Bibliografia Área do Direito: Processual Resumo: O procedimento comum, no atualíssimo processo civil brasileiro, pode ser dividido em cinco fases: postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e liquidatária. Neste estudo, será analisada a fase postulatória do procedimento comum, a partir das suas cinco figuras centrais, quais sejam, a petição inicial, a citação, a audiência de conciliação ou de mediação, a contestação e a reconvenção. Abstract: The common procedure in the new Brazilian civil procedure can be divided into five phases: postulatória, ordinatória, instrutória, decisória and liquidatária. In this study common’s procedure postulatória phase will be examined from the perspective of its five central figures: complaint, summons, conciliation or mediation hearing, answer and counterclaim. Palavra Chave: Petição inicial - Citação - Audiência de conciliação ou de mediação - Contestação - Reconvenção Keywords: Inicial petition - Summons - Conciliation or mediation hearing - Answer - Counterclaim 1. Introdução: as fases do procedimento comum O art. 318, caput, do CPC estabelece que se aplica "a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei". Trata-se aqui de procedimento-modelo, pensado para as situações ordinárias da vida, que independem de atos ou ritos diferenciados para o exame e a satisfação do direito material trazido para o Poder Judiciário. Esse procedimento é caracterizado pela amplitude das garantias outorgadas às partes, das discussões permitidas no seu contexto, das provas que nele se podem produzir e dos meios disponibilizados para a impugnação das decisões proferidas no seu desenrolar. No Código de Processo Civil, o procedimento comum é objeto do Título I (Do Procedimento Comum) do Livro I (Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença) da Parte Especial. Ele compreende desde a petição inicial (arts. 319 e ss do CPC) até a liquidação de sentença (arts. 509 e ss do CPC). Ainda à luz do Código de Processo Civil de 1973, Cândido Dinamarco afirmou que "a estrutura do procedimento ordinário brasileiro costuma ser escandida pela doutrina mediante a indicação de quatro fases mais ou menos definidas, a saber: a) a postulatória, na qual se situam três dos cinco elementos estruturais dos procedimentos cognitivos (demanda, citação e resposta); b) a ordinatória, que culmina com o saneamento do processo na audiência preliminar; c) a instrutória, onde, como o nome diz, procede-se à instrução da causa; d) a decisória, em que tem lugar a sentença de mérito". 1 Essa visão clássica do procedimento ordinário nunca comportou um olhar estanque. Afinal, provas documentais deviam ser produzidas já na fase postulatória, para evitar percalços na juntada dos documentos ao processo (arts. 396 e 397 do CPC de 1973). 2 Ainda na fase postulatória, o juiz devia desde logo ter cuidado com a organização do processo. No seu primeiro contato com a petição inicial, antes mesmo de determinar a citação do réu, o magistrado devia determinar as necessárias emendas, para que se corrigissem "defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito" (art. 284, caput, do CPC de 1973). 3 Ademais, nem sempre o procedimento comum se desenrolava com todas aquelas quatro fases bem definidas e desenvolvidas na sua integralidade. É pensar em situação na qual a petição inicial estivesse eivada por vício insanável, o que remete ao caricato exemplo da mãe desgostosa com o genro que pede em juízo o divórcio da filha. Nessas circunstâncias, não havia o que organizar ou instruir; restava ao juiz apenas decidir, indeferindo de plano a petição inicial e extinguindo o processo sem julgamento do mérito (art. 267, I e VI, do CPC de 1973). 4 Fator de abalo à referida visão clássica do procedimento comum foi a criação de um processo absolutamente sincrético no Brasil, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, por ocasião do advento da Lei 11.232/2005. Essa lei inseriu no procedimento comum de então dois novos capítulos (Capítulos IX e X), trazendo para dentro deste a liquidação e o cumprimento de sentença. Em análise do cenário emergente da Lei 11.232/2005, Cândido Dinamarco disse que "no atual sistema processual brasileiro há um processo sincrético, que principia com as características de um processo de conhecimento, produz a sentença de mérito e depois passa à execução forçada - tudo em um processo só, sem a duplicação em dois como tradicionalmente era neste país". 5 E concluiu, logo adiante: "no modelo assim estruturado, falar nas clássicas fases postulatória, ordinatória, instrutória e decisória é, na realidade, falar em subfases, porque esses são os segmentos inerentes não ao procedimento como um todo, mas somente à primeira de suas fases, a de conhecimento". 6 No Código de Processo Civil de 2015, o cumprimento de sentença foi apartado do procedimento comum e ganhou título próprio (Título II) no Livro I da Parte Especial. Todavia, como já anunciado, a liquidação de sentença permaneceu no procedimento comum (Capítulo XIV), que tem assim cinco grandes fases no atualíssimo sistema processual civil brasileiro: (a) postulatória, (b) ordinatória, (c) instrutória, (d) decisória e (e) liquidatária. Registre-se que há duas modalidades de liquidação no Código de Processo Civil: "por arbitramento" (art. 509, I, do CPC) e "pelo procedimento comum" (art. 509, II). Curiosamente, a liquidação pelo procedimento comum, como o próprio nome permite antever, acaba reproduzindo dentro dela as quatro fases anteriores desse procedimento: postulatória, ordinatória, instrutória e decisória, sendo a primeira delas iniciada por requerimento de uma das partes (art. 509, caput, do CPC), similar a uma petição inicial, seguida da abertura de oportunidade para contestação (art. 511 do CPC), e "observando-se, a seguir, no que couber, o disposto no Livro I da Parte Especial deste Código" (ainda, art. 511 do CPC), ou seja, o procedimento comum. 2. Objetivo: estudo pormenorizado da fase postulatória a partir das suas figuras centrais Na fase postulatória do procedimento comum, objeto deste escrito, identificam-se no atual modelo legal do procedimento comum brasileiro cinco significativas figuras: a petição inicial, a citação, a audiência de conciliação ou de mediação, a contestação e a reconvenção. A petição inicial é disciplinada nos arts. 319 a 329 do CPC, com especial atenção para o pedido (arts. 322 a 329), que é a sua parte mais importante. A citação, por sua vez, é referida no art. 334, caput, do CPC e tratada de modo mais pormenorizado nos arts. 238 a 259 do CPC. Já a audiência de conciliação ou de mediação é regulada no art. 334 do CPC. A contestação vem regrada nos arts. 335 a 342 do CPC. Por fim, a reconvenção é objeto do art. 343 do CPC. Essas cinco figuras serão melhor analisadas nos tópicos subsequentes. É a partir delas que se discorrerásobre a fase postulatória do procedimento comum. 3. Petição inicial A petição inicial é a peça que faz nascer o processo. Ela serve de veículo para a demanda, que retira o Estado- juiz da inércia e provoca o exercício da atividade jurisdicional; traz a formulação da pretensão de uma pessoa em face de outra, para cuja satisfação se requer a intervenção do Poder Judiciário. Ao lado da sentença, a petição inicial é uma das peças mais importantes do processo. Ela norteia a atuação do juiz e o conteúdo da decisão a ser emitida ao fim da relação jurídica processual para debelar a crise de direito material trazida ao conhecimento do Poder Judiciário. Além disso, é à luz dela que o réu se defende e reage no processo, dando concretude ao contraditório. Daí ser fundamental que a petição inicial seja absolutamente inteligível, clara e com conteúdo bem definido, para que tanto o juiz quanto o réu compreendam perfeitamente o que o autor pretende em juízo. O julgador deve conceder ou negar exatamente aquilo que o autor solicita, à luz dos fundamentos fático-jurídicos por ele trazidos; o réu deve contestar ou concordar com a pretensão precisamente formulada, pelos motivos expostos na peça inaugural. Nada mais, nada menos do que isso. Nos processos regulados pelo Código de Processo Civil, a petição inicial deve ser apresentada por escrito. Nos litígios trazidos para os Juizados Especiais, há autorização para que o autor apresente sua pretensão na forma oral, com ulterior redução a escrito (art. 14, caput e § 3.º, da Lei 9.099/1995). Em qualquer situação, a postulação deve ser feita em língua portuguesa, nos termos do art. 192 do CPC. Em conformidade com o disposto nos arts. 133 da Constituição Federal, 103 do CPC e 1.º e ss da Lei 8.906/1994, a confecção e a apresentação da petição inicial ficam a cargo de advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Em sede de Juizados Especiais, o art. 9.º da Lei 9.099/1995 libera a parte de contar com a assistência de advogado nas causas de valor até vinte salários mínimos. O advogado que confecciona e apresenta a petição inicial deve trazer com esta a procuração que o habilita a postular em juízo, nos termos do art. 104 do CPC. Quando postular em causa própria, basta que o causídico informe na petição inicial os dados constantes do art. 106, I, do CPC. Além da forma escrita, da língua portuguesa e do advogado no regular exercício da profissão, para a viabilidade do processo, a petição inicial deve atender às exigências estabelecidas nos arts. 319 e 320 do CPC. Em primeiro lugar, deve o autor indicar na petição inicial "o juízo a que é dirigida" (art. 319, I, do CPC), ou seja, o órgão jurisdicional para o qual se encaminha a demanda. 7 Em seguida, cabe ao autor identificar precisamente os ocupantes dos polos ativo e passivo do processo, fornecendo os seguintes dados: "os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu" (art. 319, II, do CPC). Esses dados têm importância para uma série de coisas: circunscrever a tutela jurisdicional precisamente às pessoas referidas na peça inaugural, permitir a comunicação dos atos processuais, definir o juízo competente para o julgamento da causa (por exemplo, art. 46 do CPC), avaliar a necessidade de autorização para demandar ou de integração de pessoas a determinados processos (por exemplo, art. 73 do CPC). 8 Perceba-se que o fornecimento dos dados de identificação do autor e do réu não deve se transformar num obstáculo intransponível para o ingresso em juízo. 9 Inclusive, o art. 319, §§ 1.º a 3.º, do CPC procura facilitar o acesso a esses dados. O § 1.º prevê que o autor possa "requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção". E os §§ 2.º e 3.º preveem a superação da falta de dados, quando "possível a citação do réu" ou quando a exigência deles "tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça". Uma vez endereçada a petição inicial e qualificadas as partes, deve o autor indicar "o fato e os fundamentos jurídicos do pedido" (art. 319, III, do CPC), isto é, apontar os eventos da vida que amparam sua pretensão, enquadrando-os ao direito. Em outras palavras, tem-se aqui determinação para que o autor decline a causa de pedir. Na precisa lição de Calmon de Passos, "os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, por conseguinte, nada mais significam do que a descrição clara e precisa do(s) acontecimento(s) como a razão de ser da demanda, bem como a tipificação jurídica correspondente". 10 Os fatos que devem constar da petição inicial são os chamados fatos essenciais, que são "aqueles que têm o condão de delimitar a pretensão". 11 Libera-se o autor da narrativa de fatos secundários. No tocante aos fundamentos jurídicos, impõe-se que o autor indique as razões de direito que levam à procedência da sua demanda. Deve, assim, relacionar aqueles fatos a uma categoria jurídica, revelando as suas consequências aos olhos do direito, de modo afinado com o que se postula. O autor está dispensado de trazer na petição inicial os artigos de lei que fundamentam sua pretensão, ou seja, os fundamentos legais. Prestigiam-se no ordenamento jurídico nacional a teoria da substanciação e as máximas iura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius. Logo, o juiz fica autorizado a dar aos fatos narrados pelo autor outra qualificação jurídica, desde que compatível com a causa de pedir constante da petição inicial e com o que foi ali pedido. Todavia, isso está longe de dispensar o autor de mencionar na peça inaugural os fundamentos jurídicos do seu pedido, inclusive para permitir a aferição da referida compatibilidade. Registre-se que a aplicação prática das referidas máximas iura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius deve ser precedida de contraditório, à luz do disposto no art. 10 do CPC ("o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício"). Fornecidas as razões de fato e de direito pela qual se pede, cabe então ao autor pedir, isto é, formular "o pedido com as suas especificações" (art. 319, IV, do CPC). Trata-se aqui do item mais importante da peça inaugural, na medida em que aponta o efetivo bem da vida pretendido pelo autor e a correlata medida solicitada ao Estado-juiz, expressando a razão de ser do ingresso em juízo. 12 O pedido "deve ser certo" (art. 322, caput, do CPC) e, em regra, "determinado" (art. 324, caput, do CPC). Afinal, tanto o juiz quanto o réu devem conhecer perfeitamente o que o autor pede, para que a sentença seja aderente ao pedido e o réu possa exercer adequadamente o seu direito de defesa. Todavia, a formulação de pedido genérico é admitida pelo legislador em três hipóteses, considerando que existem situações da vida cujas repercussões não são conhecidas por inteiro pelo autor no momento do ingresso em juízo. Essas hipóteses estão arroladas no art. 324, § 1.º, do CPC: "nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados" (inciso I); "quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato" (inciso II); "quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu" (inciso III). Nada melhor do que um exemplo paraa compreensão desse estado de coisas. Descumprido um contrato de fornecimento e sendo o prejuízo limitado ao valor pago pelos bens não entregues, a demanda indenizatória deve trazer pedido de condenação a ressarcir aquele exato valor. Porém, se o descumprimento da referida avença teve maiores proporções, a ponto de a mercadoria não entregue ter atrapalhado até o funcionamento da empresa contratante, desencadeando lucros cessantes de dimensões ainda desconhecidas, o correlato pedido indenizatório pode (rectius: deve) ser formulado em juízo de forma genérica, com amparo no art. 324, § 1.º, II, do CPC. Registre-se que o legislador dispensa o autor da formulação de pedido para a obtenção de determinados bens da vida. Nesse sentido, o art. 322, § 1.º, do CPC dispõe: "compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios". Na mesma linha, o art. 323 do CPC prevê que, "na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor". Fora do Código de Processo Civil, o art. 7.º da Lei 8.560/1992 garante que, na ação de investigação de paternidade julgada procedente, o filho receba alimentos provisionais ou definitivos independentemente de pedido, quando deles necessitar. Consigne-se que apenas os juros legais são considerados compreendidos no pedido (art. 322, § 1.º, do CPC). Juros contratuais dependem de pedido da parte para sua inclusão na sentença. 13 Para a formulação do pedido, pode o autor contar com a importante regra do art. 322, § 2.º, do CPC: "a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé". Com isso, o pedido deve ser compreendido e dimensionado de modo a lhe conferir efetividade, considerando a petição inicial no seu todo, e não só o capítulo da peça inaugural destinado aos requerimentos, mas sem a criação de surpresas ou armadilhas e com respeito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LV, da Constituição Federal), isto é, sem elastérios indevidos e prejudiciais ao exercício do direito de defesa. Consoante autorizada lição, deve-se extrair do pedido "tudo quanto nele se contém e só o que nele se contém". 14 A petição inicial pode trazer mais de um pedido do autor, quer para o acolhimento concomitante de todos eles (cumulação própria), quer para o acolhimento de apenas parte deles (cumulação imprópria). 15 O art. 327 do CPC regula a cumulação simples de pedidos, modalidade de cumulação própria, e estabelece algumas diretrizes para a cumulação de pedidos em geral. De acordo com seu caput, "é lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão". Tornando ao exemplo do descumprimento do contrato de fornecimento, imagine-se que, além dos danos emergentes e dos lucros cessantes, o fornecedor inadimplente tenha causado também danos morais à empresa contratante. Ao ingressar em juízo, esta empresa pode cumulativamente pedir na petição inicial a reparação dos danos patrimoniais e a neutralização dos abalos extrapatrimoniais, sendo ambas as pretensões concomitantemente queridas pelo demandante. Considerando que na cumulação simples o autor tenciona obter simultaneamente tudo o que pediu, é requisito para a convivência das pretensões no mesmo processo que "os pedidos sejam compatíveis entre si" (art. 327, § 1.º, I, do CPC). Ademais, são requisitos para toda e qualquer cumulação de pedidos que "seja competente para conhecer deles o mesmo juízo" (art. 327, § 1.º, II, do CPC) e "seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento" (art. 327, § 1.º, III, do CPC). A exigência da competência se satisfaz com a competência absoluta do juízo (art. 62 do CPC) para o julgamento de todos os pedidos cumulados, até porque a incompetência relativa (art. 63, caput, do CPC) é superável e depende da arguição do réu para o seu reconhecimento. Por sua vez, a compatibilidade procedimental tem um grande facilitador, qual seja, o art. 327, § 2.º, do CPC: "quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum". Embora não expressa em lei, é permitida na petição inicial, ainda, a cumulação sucessiva de pedidos, outra modalidade de cumulação própria, de modo que, acolhido um dos pleitos, o juiz passe à apreciação de outro. Aqui, a exemplo da cumulação simples, o autor tenciona o concomitante acolhimento de todos os pedidos formulados. Não há manifestação pela predileção de um pedido em relação aos demais. Todavia, sendo um pedido prejudicial ou acessório em relação a outro, reflexo do direito material trazido para o processo, impõe- se uma ordem na apreciação deles. E o que fica decidido em relação ao primeiro pleito interfere na sorte do segundo. A cumulação imprópria de pedidos está concentrada no art. 326 do CPC, em duas modalidades: subsidiária e eventual. O art. 326, caput, trata da primeira: "é lícito formular mais de um pedido em ordem subsidiária, a fim de que o juiz conheça do posterior, quando não acolher o anterior". Nessas condições, tendo o autor mais de uma pretensão em face do réu, cuja satisfação não é cumulativamente desejada, e havendo preferência por uma delas, permite-se que o autor insira ambas na petição inicial, estabelecendo uma ordem. Assim, pede-se preferencialmente o acolhimento de um dos pedidos formulados, que é o primeiro a ser analisado pelo juiz. Acolhido esse pedido preferencial, o pedido subsidiário simplesmente não é examinado. É apenas na hipótese de não acolhimento daquele pedido preferencial que o pedido subsidiário ganha relevância no processo, sendo então apreciado pelo julgador. A cumulação alternativa é disciplinada no art. 326, parágrafo único, do CPC: "é lícito formular mais de um pedido, alternativamente, para que o juiz acolha um deles". Aqui, o autor formula mais de um pedido na petição inicial, consignando que tenciona o acolhimento de apenas um deles, sem, contudo, manifestar qualquer preferência. É indiferente para o autor qual dos pedidos formulados será acolhido; basta que um deles o seja para se dar por satisfeita a sua pretensão. Não existe uma ordem para a apreciação dos pedidos pelo juiz, que pode livremente eleger qualquer deles; acolhido um, são considerados prejudicados os demais. Tanto na cumulação subsidiária quanto na cumulação alternativa de pedidos, o autor fica liberado da exigência de compatibilidade entre os pleitos formulados na petição inicial (art. 327, § 3.º, do CPC). Afinal, nessas circunstâncias, sequer é da intenção do autor a obtenção simultânea de tudo o que pediu. Querendo o autor o acolhimento, sobretudo, de um dos pedidos, e reservando o outro apenas para a hipótese de rejeição daquele, ou cumulando alternativamente mais de um pedido, de modo que o acolhimento de qualquer deles leve ao descarte dos demais, tolera-se a incompatibilidade entre os pleitos. Escolhido o juízo competente, identificadas as partes, declinada a causa de pedir e formulado o pedido, deve o autor atribuir à causa um valor (arts. 291 e 319, V, do CPC). O art. 292 do CPC prefixa o valor da causa nas hipóteses ali expressas e ajuda o autor no dimensionamento da sua pretensão. Existemno art. 319 do CPC duas exigências absolutamente dispensáveis para a petição inicial, cuja inobservância em nada compromete o recebimento desta. Fala-se, primeiramente, das "provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados" (inciso VI). A rigor, somente depois que o réu responde à demanda ou deixa de respondê-la, é que serão conhecidos os eventuais pontos controvertidos, bem como os fatos que eventualmente dependam de mais provas para a sua elucidação. Isso torna sem sentido exigir do autor que indique já na petição inicial as provas que tenciona produzir. Na prática, para atender à inconveniente exigência legal, o autor lança na petição inicial um protesto genérico pela produção de todas as provas em direito admitidas, conforme as necessidades do processo, que é perfeitamente descartável. 16 A segunda das dispensáveis exigências tem a ver com a "opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação" (art. 319, VII, do CPC). É que o autor somente é obrigado a dizer alguma coisa a respeito dessa audiência na petição inicial se ele não a desejar (art. 334, § 5.º, do CPC). Se o autor silenciar acerca do assunto, o juiz deve simplesmente obedecer ao roteiro traçado pelo art. 334, que leva à natural designação daquela audiência. Assim, se a petição inicial ignorar o tema da composição consensual, não cabe determinação para sua emenda nem o seu indeferimento; compete ao juiz simplesmente designar a audiência. A petição inicial deve ser acompanhada dos "documentos indispensáveis à propositura da ação" (art. 320 do CPC). De acordo com o magistério de Cândido Dinamarco, "são documentos indispensáveis à propositura da demanda somente aqueles sem os quais o mérito da causa não possa ser julgado, como a certidão de casamento na ação de separação judicial". 17 Logo, em matéria de petição inicial e documentos, deve-se exigir que aquela seja obrigatoriamente acompanhada apenas da documentação necessária ao exame da viabilidade da pretensão deduzida pelo autor. Não obstante o recebimento da petição inicial se garanta com a apresentação dos documentos indispensáveis à propositura da demanda, o autor não deve se ocupar apenas com eles ao instruir a peça inaugural, sobretudo quando se pensa num julgamento de mérito favorável. Os arts. 434 e 435 do CPC expressam manifesta intenção do legislador de concentrar a juntada de documentos na primeira fala substancial de cada parte no processo (petição inicial para o autor e contestação para o réu). Por isso, ao preparar a peça inaugural, deve o autor cuidar de trazer com ela toda a documentação já conhecida e disponível que tenciona inserir no processo, ainda que dispensável para o recebimento da petição inicial, a fim de evitar percalços para a sua ulterior juntada e criar melhores condições para a procedência da sua demanda. 18 Por fim, registre-se que a petição inicial pode ser objeto de aditamento ou alterações após sua apresentação em juízo, nos limites estabelecidos pelo art. 329 do CPC. Seu inciso I prevê que, até a citação, isso é possível "independentemente de consentimento do réu". Uma vez citado o réu, o aditamento ou a alteração ficam permitidos até o saneamento do processo, "com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar" (art. 329, II). Malgrado o art. 329 fale expressamente apenas de aditamento ou alteração do pedido e da causa de pedir, nele se compreende também a possibilidade de trazer novas pessoas para o polo ativo ou passivo do processo. 4. Citação Antes de proceder à citação do réu, o juiz deve fazer cuidadoso exame da petição inicial. Se detectar obstáculos intransponíveis para o exame do meritum causæ, deve desde logo por fim ao processo, com apoio no art. 485 do CPC. Processos absolutamente inviáveis devem ser trancados no nascedouro, inclusive para o descongestionamento do Poder Judiciário. Se o magistrado encontrar falhas sanáveis na observância dos comandos dos arts. 319 e 320 do CPC ou "defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito", que sejam passíveis de sanação, deve determinar a emenda ou a complementação da petição inicial, "no prazo de 15 (quinze) dias" (art. 321, caput, do CPC). O melhor momento para a emenda ou a complementação da petição inicial é o anterior à citação do réu. Nessa oportunidade, são possíveis todas e quaisquer modificações e acréscimos à peça inaugural, na medida em que a demanda ainda não se estabilizou (art. 329 do CPC). Além disso, a pronta eliminação de vícios da petição inicial, antes da integração do réu ao processo, contribui para o bom exercício do direito de defesa. Daí a importância que o juiz deve dispensar a essa verificação liminar da petição inicial. Se o autor não extirpar da peça inaugural o vício identificado pelo juiz, "o juiz indeferirá a petição inicial" (art. 321, parágrafo único). Afinal, repita-se, processos inviáveis devem ser trancados no nascedouro. Não é só com olhos para os requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito que o juiz deve mirar a petição inicial. O magistrado também deve procurar identificar se está diante de hipótese em que o legislador permite o enfrentamento do próprio mérito para julgar liminarmente improcedente a demanda, poupando o réu do processo e entregando-lhe a melhor das sentenças, sem que ele sequer seja convidado para se defender em juízo. O art. 332 do CPC autoriza o julgamento de improcedência inaudita altera parte quando a causa dispensar instrução e o pedido formulado na petição inicial atritar com: "enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça" (inciso I); "acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos" (inciso II); "entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência" (inciso III); ou "enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local" (inciso IV). Também fica autorizada a sentença liminar de improcedência quando caracterizada, "desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição" (art. 332, § 1.º). Em todas essas situações, obtém-se o máximo de resultado (sentença de mérito, apta a eliminar de uma vez por todas o litígio) com o mínimo de atividade (uma petição e uma decisão), o que se afina com a noção de economia processual. Não havendo elementos para o indeferimento da petição inicial ou para o julgamento liminar de improcedência da demanda, deve então o juiz cuidar da citação do réu, conforme expresso no art. 334, caput, do CPC: "se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência". De acordo com o art. 238 do CPC, "citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual". Em consonância com o art. 334, caput, do CPC, o art. 239, caput, do CPC dispensa a citação nas "hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido". Nessas duas hipóteses, após o trânsito em julgado da respectiva sentença, o réu recebe mera comunicação a respeito (arts. 241, 331, § 3.º, e 332, § 2.º, do CPC), que não tem caráter de citação, até porque não há como integrar alguém auma relação processual já terminada. Tal comunicação tem por finalidade simplesmente dar conhecimento da sentença, a fim de que o réu possa utilizá-la em seu favor. Independentemente da modalidade citatória escolhida para a integração do réu ao processo, é indispensável que o ato faça chegar até ele "a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia" (art. 250, II, do CPC). Há incentivo legal para que a citação seja feita preferencialmente por meio eletrônico (art. 246, §§ 1.º e 2.º, do CPC). Percebendo o juiz que a causa não admite autocomposição, ele deve simplesmente determinar a citação do réu, sem designar a audiência de conciliação ou de mediação, conforme disposto no art. 334, § 4.º, I, do CPC. Consoante a lição de Cintra-Grinover-Dinamarco, a autocomposição "é admitida sempre que não se trate de direitos tão intimamente ligados ao próprio modo de ser da pessoa, que sua perda a degrade a situações intoleráveis. Trata-se dos chamados direitos da personalidade (vida, incolumidade física, liberdade, honra, propriedade intelectual, intimidade, estado etc.). Além dessas hipóteses de indisponibilidade objetiva, encontramos aqueles casos em que uma especial condição da pessoa impede a disposição de seus direitos e interesses (indisponibilidade subjetiva); é o que se dá com os incapazes e, em alguma medida, com as pessoas jurídicas de direito público". 19 Todavia, registre-se que a autocomposição não fica excluída das ações de família, ou seja, dos "processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação" (art. 693 do CPC). Ao contrário. Ela é incentivada pelo legislador nesses processos: "nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação" (art. 694, caput, do CPC). Dado o caráter sensível dos direitos em jogo nas ações de família, é prevista a participação do Ministério Público "previamente à homologação de acordo" (art. 698 do CPC). Essa participação do Parquet também tem lugar nas ações de família em que incapaz figure como parte, não só em razão do disposto no art. 698 do CPC, mas também por força da regra geral do art. 178, II, do CPC. Com a presença do Ministério Público no feito nessas circunstâncias, claramente orientada para zelar pela ordem jurídica, o legislador procura criar um ambiente seguro para a composição consensual mesmo em situações nas quais os direitos objeto do processo tenham traços de indisponibilidade. Quando a causa admitir autocomposição, no mesmo ato que determina a citação do réu, o juiz deve cuidar de designar audiência de conciliação ou de mediação. Não interessa que o autor tenha externado na petição inicial seu desinteresse na composição consensual (art. 319, VII, do CPC). Considerando que é preciso que todas as partes rejeitem essa composição para que não se realize a respectiva audiência (art. 334, §§ 4.º, I, e 6.º, do CPC), é preciso aguardar manifestação do réu nessa direção para que tal audiência seja abortada. Logo, mesmo que o autor rechace de plano a conciliação ou a mediação, a audiência deve ser designada, ficando a sua efetiva realização condicionada à ausência de oposição por parte do réu (art. 334, § 5.º, do CPC). Nesse cenário, o ato citatório deve ser acompanhado de "intimação do citando para comparecer, acompanhado de advogado ou de defensor público, à audiência de conciliação ou de mediação, com a menção do dia, da hora e do lugar do comparecimento" (art. 250, IV, do CPC). 5. Audiência de conciliação ou de mediação A criação de uma audiência exclusivamente para a composição consensual, em momento do processo no qual o litígio ainda não se encontra no ápice da sua exacerbação, tendo em vista que o réu não apresentou sua resposta à demanda do autor, foi uma das maiores novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Com isso, o legislador busca incentivar duas técnicas de solução de controvérsia, quais sejam, a conciliação e a mediação, com o escopo de estimular o fim mais célere do litígio e consequentemente do processo, inserindo no seu contexto "um terceiro facilitador para ajudar os próprios interessados a solucionar seu conflito". 20 A atenção dispensada pelo legislador à conciliação e à mediação não fica circunscrita à audiência. O rol de auxiliares da Justiça existente no art. 139 do CPC de 1973 foi encorpado com a inserção nele do mediador e do conciliador judicial (art. 149 do CPC). Além disso, o Código de Processo Civil de 2015 destina 11 artigos para regular a atividade dos conciliadores e mediadores (arts. 165 a 175). Afinal, não basta criar uma audiência voltada para a conciliação ou a mediação sem que se crie um ambiente adequado para a composição consensual, inclusive com a condução por pessoas capacitadas e treinadas para tanto. Nesse contexto, existe até um aspecto cultural a ser trabalhado, pois os brasileiros parecem mais orientados para litigar do que para se compor. É preciso fazê-los ver que, muitas vezes, mais vale um mau acordo do que uma boa briga. Com esse espírito, o art. 165, caput, do CPC prevê que "os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição". No art. 165, §§ 2.º e 3.º, do CPC, são fornecidas linhas gerais a respeito da atuação do conciliador e do mediador. De acordo com o referido § 2.º, "o conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem". Já o mencionado § 3.º prevê que "o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos". Essas linhas gerais se afinam com a doutrina: "a conciliação tende à obtenção de um acordo e é mais indicada para conflitos que não se protraiam no tempo (acidentes de veículo, relações de consumo). A mediação visa prioritariamente a trabalhar o conflito, consistindo na busca de um acordo objetivo secundário, e é mais indicada para conflitos que se protraiam no tempo (relações de vizinhança, de família ou entre empresas etc.)". 21 O art. 166, caput, do CPC traz importantes balizas para o desenvolvimento da conciliação e da mediação, ao dispor que elas "são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada". A aplicação prática desses princípios é fundamental para a criação daquele ambiente adequado para a composição consensual. É preciso garantir que as partes tenham total consciência do litígio e de todas as suas variáveis, sintam-se seguras para negociar, inclusive para abrir determinadas informações que não poderão ser utilizadas futuramente no processo, não sejam travadas por obstáculos procedimentais e tenham na condução das conversas alguém desinteressado na solução do litígio. 22 Aodesignar a audiência, cabe ao juiz definir provisoriamente se ela será de conciliação ou de mediação, à luz do disposto no art. 165, §§ 2.º e 3.º, do CPC, e selecionar um profissional para capitaneá-la (art. 334, § 1.º, do CPC), dentro dos cadastros previstos no art. 167 do CPC. Não se trata de uma definição ou de uma seleção engessada, até porque cabe às partes definir as regras procedimentais para a autocomposição (art. 166, § 4.º, do CPC) e mesmo a pessoa que a capitaneará (art. 168 do CPC). Logo, as partes podem, diante da designação da audiência para uma determinada finalidade (por exemplo, conciliação), requerer previamente a alteração dessa finalidade (por exemplo, mediação, em vez de conciliação), inclusive indicando o terceiro com que tencionam contar para conduzir a composição consensual. A designação da audiência deve respeitar o disposto no art. 334, § 12, do CPC: "a pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte". Com isso, pretende-se que seja reservado tempo suficiente para que cada audiência se desenvolva na sua plenitude, com espaço compatível para a aplicação prática das técnicas de conciliação ou mediação à luz das particularidades do caso concreto, sem que haja sobreposição na pauta e consequentemente precipitação danosa do fim da audiência. O autor é comunicado da data designada para a audiência por meio de intimação dirigida ao seu advogado (art. 334, § 3.º, do CPC). O réu, como já dito, é cientificado da audiência concomitantemente com a sua citação (art. 250, IV, do CPC). Entre a data da designação da audiência e a data para ela programada deve haver intervalo mínimo de 30 dias (art. 334, caput, do CPC). Mais importante do que o respeito a esse intervalo é a observância do intervalo entre a data da citação e a data marcada para a audiência, que deve ser de "pelo menos 20 (vinte) dias" (art. 334, caput, do CPC). Tal observância é essencial para que o réu disponha de tempo para inteirar-se do litígio, avaliar se quer ou não a composição consensual, organizar-se para comparecer à audiência e contratar advogado. O autor também deve ser comunicado com a devida antecedência da data designada para a audiência, sugerindo-se para essa antecedência, no silêncio do legislador, os mesmos 20 dias previstos no art. 334, caput, do CPC. O legislador expressamente prevê a possibilidade de serem marcados novos encontros entre as partes com a finalidade de conciliação ou mediação, além da audiência (art. 334, § 2.º, do CPC). Esses novos encontros não precisam ser prefixados no momento da designação da audiência, até porque sua realização depende do desenrolar dos trabalhos voltados à composição consensual. O art. 334, § 2.º, sugere que tais novos encontros se realizem em até "2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão". Entretanto, não se trata aqui de prazo inflexível. Afinal, se o legislador autoriza a convencional suspensão do processo por até seis meses (art. 313, II e § 4.º, do CPC), não há obstáculo para que as atividades de conciliação ou mediação estendam-se para além daqueles dois meses, desde que respeitado o mencionado limite semestral. O discrímen para a realização de novas sessões de conciliação ou mediação, inclusive após o prazo de dois meses, reside, pois, na sua necessariedade para a composição das partes (art. 334, § 2.º). Enquanto houver perspectiva de composição consensual, ela deve ser tentada, desde que respeitadas certas balizas, como a do referido prazo de seis meses, inclusive em respeito à garantia da razoável duração do processo (art. 5.º, LXXVIII, da CF). Uma vez citado e intimado da audiência de conciliação ou mediação, cabe ao réu atentar para o disposto no art. 334, § 5.º, do CPC: "o autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência". Sempre que o autor não tiver manifestado na petição inicial desinteresse na autocomposição, caberá ao réu apenas comparecer à respectiva audiência, pouco importando que a composição consensual não lhe interesse. Afinal, para que tal audiência não aconteça, é preciso que todas as partes a rejeitem expressamente (art. 334, §§ 4.º, I, e 6.º, do CPC). Logo, diante de uma manifestação positiva ou até mesmo do silêncio do autor, é ociosa qualquer petição do réu para tentar abortar a audiência. Em caso de litisconsórcio passivo, tal petição também será ociosa, se os outros corréus não se manifestarem no mesmo sentido; basta que um deles não se oponha à audiência para que ela se realize, ainda que contra a vontade do autor e dos demais litisconsortes passivos. Os marcos estabelecidos no art. 334, § 5.º, do CPC para que as partes manifestem seu desinteresse na realização da audiência de conciliação ou mediação não devem ser vistos de forma absoluta. Mesmo que o autor tenha silenciado na petição inicial sobre o assunto ou até mesmo manifestado expresso interesse na realização da audiência, ele pode ulteriormente se posicionar de forma contrária a esta e esse posicionamento ulterior pode levar ao seu cancelamento. Caso o desinteresse superveniente seja manifestado antes da citação, a questão é de simples solução e se insere no contexto da ampla liberdade que o autor tem para acréscimos ou alterações na petição inicial (art. 329 do CPC), que chegarão ao conhecimento do réu naturalmente por ocasião da sua integração à relação processual. Depois da citação, é preciso maior cuidado do autor para externar inédita oposição à audiência, pois é preciso fazer com que ela chegue ao conhecimento do réu e não cause prejuízo a este. Nessas circunstâncias, deve-se exigir que tal oposição seja comunicada ao réu não só antes do esgotamento do prazo decendial previsto no art. 334, § 5.º, mas também com antecedência suficiente para o cumprimento desse prazo. Aliás, considerando que essa oposição do autor somente ganha repercussão prática se acompanhada do desinteresse do réu na audiência, aconselha-se que ela venha externada conjuntamente com este, na petição atrelada ao decêndio do art. 334, § 5.º. Feito isso, o cancelamento da audiência é automático e independe de qualquer deliberação do juiz a seu respeito. A inobservância pelo réu do decêndio previsto no art. 334, § 5.º, do CPC é superável se ele cuidar de fazer chegar seu desinteresse na composição consensual ao autor e ao juiz com antecedência suficiente para possibilitar o cancelamento da audiência, sem qualquer prejuízo. O autor, que já manifestara seu desinteresse na audiência, dificilmente se insurgirá contra esse cancelamento. E o juiz, diante do difuso desinteresse pela composição consensual, deve chancelar a vontade das partes, se não houver qualquer dano. Quando transcorrido in albis o prazo decendial do art. 334, § 5.º, vale conselho dado acima, no sentido de que a tardia manifestação do réu seja formulada em petição subscrita também pelo autor. Aqui, o cancelamento da audiência depende de expressa decisão judicial para a sua eficácia. A diligência das partes para o prévio e eficiente cancelamento da audiência tem sua razão de ser. De acordo com o art. 334, § 8.º, do CPC, "o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida emfavor da União ou do Estado". No tocante à realização da audiência, importante registrar que ela pode ser feita "por meio eletrônico, nos termos da lei" (art. 334, § 7.º, do CPC). Valem para tanto as disposições do art. 236, § 3.º, do CPC, que remetem ao uso de "videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real". Orientação semelhante existe nos arts. 385, § 3.º, e 453, § 1.º, do CPC, para o depoimento pessoal e a oitiva de testemunha a distância. De acordo com o art. 335, § 9.º, do CPC, "as partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos". Elas podem se fazer representar na audiência por pessoa munida de "procuração específica, com poderes para negociar e transigir" (art. 335, § 10, do CPC). Havendo sucesso na composição consensual, ela é "reduzida a termo e homologada por sentença" (art. 335, § 11, do CPC). Trata-se aqui de sentença que resolve o mérito, com fundamento no art. 487, III, b, do CPC, e põe fim ao processo. Se a autocomposição fracassa, deflagra-se automaticamente o prazo para contestação, nos termos do art. 335, I, do CPC. O prazo para contestação também é automaticamente deflagrado quando o réu peticiona manifestando eficazmente seu desinteresse na autocomposição, consoante disposto no art. 335, II, do CPC. 6. Contestação A contestação consiste no veículo para a reação defensiva do réu diante da demanda do autor. Trata-se do mais importante desdobramento da garantia constitucional do contraditório (art. 5.º, LV, da CF), pautada pelo binômio informação-reação. A reação diante da demanda do autor também se apresenta como um ônus para o réu, 23 que, uma vez inerte, fica exposto aos efeitos da revelia, com destaque para a presunção de veracidade das "alegações de fato formuladas pelo autor" (art. 344 do CPC). O prazo para contestar é, em regra, de 15 dias (art. 335, caput, do CPC). Trata-se de prazo preclusivo, que, uma vez não observado, faz com que o réu não mais possa contestar eficazmente (preclusão temporal). Esse prazo orienta-se pelas regras que disciplinam os prazos em geral, por exemplo, no tocante ao tempo (arts. 212 a 216 do CPC), à dobra (arts. 180, 183, 186 e 229 do CPC), à contagem (arts. 219 e 224 do CPC), à suspensão (arts. 220 e 221 do CPC) e à justa causa (art. 223 do CPC). O termo inicial do prazo para contestar está sujeito a algumas variáveis, relacionadas com a designação da audiência de conciliação ou de mediação, a modalidade do ato citatório e a existência no processo de litisconsórcio passivo. Se o juiz designar a audiência de conciliação ou de mediação e esta não vier a ser cancelada, o prazo para contestar tem como termo a quo a data "da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição" (art. 335, I, do CPC). Por "última sessão de conciliação", leia-se última sessão de conciliação ou de mediação. Não custa relembrar de que as atividades para a composição consensual podem se estender no tempo e demandar mais de um encontro (art. 334, § 2.º, do CPC). Quando isso acontecer, é na data designada para o último encontro que se inicia o referido prazo. Esse prazo é deflagrado automaticamente, independentemente de nova comunicação, e é contado a partir do primeiro dia útil seguinte ao da audiência ou da última sessão, mesmo que o réu não compareça ao ato programado. Se a audiência de conciliação ou de mediação for designada, mas vier a ser efetivamente cancelada, o prazo para contestar será contado do primeiro dia útil seguinte ao "protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4.º, inciso I" (art. 335, II, do CPC). Em complemento, o legislador prevê que, "no caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6.º, o termo inicial previsto no inciso II será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência" (art. 335, § 1.º, do CPC). A vinculação entre a apresentação do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação e a deflagração do prazo para contestar não pode ser vista de forma absoluta. A rigor, o que deve fazer disparar o prazo para contestar nessas condições é o eficaz cancelamento da audiência. Logicamente, havendo o autor previamente manifestado na petição inicial seu desinteresse na composição consensual e existindo apenas um réu no processo, que externa igual manifestação de vontade respeitando o decêndio do art. 334, § 5.º, do CPC, aquela vinculação se faz presente com toda a força e o prazo para contestar passa a ser contado do primeiro dia útil seguinte ao protocolo da petição do réu. Afinal, aqui, o pedido de cancelamento, por si, é causa eficiente para o aborto da audiência. Porém, se o autor nada diz na petição inicial sobre a audiência ou expressa seu desejo pela autocomposição, a manifestação isolada do réu é ineficaz para o cancelamento daquela audiência e insuficiente para deflagrar o prazo para contestar. No caso de litisconsórcio passivo, pode acontecer de um único réu se manifestar contrariamente à audiência de conciliação ou de mediação e de os demais silenciarem. Nessas circunstâncias, a audiência de conciliação ou de mediação será realizada e não há motivo para considerar previamente deflagrado para aquele único réu o prazo para contestar, até porque isso atentaria contra o espírito da conciliação ou da mediação, no sentido de estimular a composição enquanto não intensificado o litígio pela oferta da resposta. Assim, enquanto não houver certeza em torno do cancelamento da audiência, não há como considerar iniciado o prazo para contestar. Ocorre que tal certeza somente é alcançada com o protocolo da petição de todos os réus manifestando desinteresse na autocomposição. Se eles se manifestarem isoladamente, será sempre preciso aguardar o que dirá - ou não dirá, já que seu silêncio equivale à concordância com a audiência - o último deles. Isso torna letra morta o art. 335, § 1.º, do CPC, que cede também diante de uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil, no sentido de que o prazo para contestar é sempre iniciado conjuntamente em caso de litisconsórcio passivo (art. 231, § 1.º, do CPC). Na prática, quando designada a audiência liminar e o autor não tiver se oposto à sua realização, a melhor maneira de lidar com o litisconsórcio passivo e o prazo para contestar consiste na reunião de todos os réus para que manifestem conjuntamente, numa só petição, seu desinteresse na autocomposição. Assim, tem-se evento único e certo para a deflagração do prazo para contestar e não há dúvida para a fixação do seu termo a quo. Na hipótese de autor e réu peticionarem conjuntamente pedindo o cancelamento da audiência após o decêndio do art. 334, § 5.º, do CPC e o juiz deferi-lo, o prazo para contestar deve ser contado da intimação do réu acerca desse deferimento. Se o juiz não designa a audiência de conciliação ou de mediação, por considerar que o litígio não comporta autocomposição (art. 334, § 4.º, II, do CPC), o prazo para contestar orienta-se pelo disposto "no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação" (art. 335, III, do CPC). Por exemplo, se a citação for pelo correio, o termo inicial do prazo para contestar é "a data de juntada aos autos do aviso de recebimento" (art. 231, I, doCPC). Em matéria de litisconsórcio passivo, vale menção ao art. 231, § 1.º, do CPC: "quando houver mais de um réu, o dia do começo do prazo para contestar corresponderá à última das datas a que se referem os incisos I a VI do caput". Quando não designada a audiência de conciliação ou de mediação, o litisconsórcio passivo comporta atenção especial na hipótese de desistência da demanda em face de algum ou alguns dos réus. De acordo com o art. 335, § 2.º, do CPC, "quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4.º, inciso II, havendo litisconsórcio passivo e o autor desistir da ação em relação a réu ainda não citado, o prazo para resposta correrá da data de intimação da decisão que homologar a desistência". Isso somente acontece quando a desistência envolver todos os réus com citação ainda pendente, inclusive em razão da necessidade de se fixar um novo momento para a oferta da contestação que não prejudique os réus que aguardavam legitimamente o início do prazo para tanto, apoiados no art. 231, § 1.º, do CPC. Se a desistência da demanda não abarcar todos os réus por citar, o início do prazo para contestar observará normalmente o art. 231, § 1.º, do CPC, aguardando-se o aperfeiçoamento da citação do último deles. No tocante ao conteúdo da contestação, o art. 336 do CPC dispõe: "incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir". O extenso rol do subsequente art. 337 do CPC ajuda a compreender e dimensionar a contestação, que se presta tanto para a oferta das defesas processuais quanto de mérito. Em diversas passagens, o Código de Processo Civil programa para a contestação outras medidas que o réu deve tomar diante da demanda do autor, dentro da ideia de concentração da reação à petição inicial numa mesma peça. No art. 126, prevê que o réu que tenciona se valer da denunciação da lide, isto é, da ação de garantia em face de quem deve suportar as consequências da sua possível sucumbência no processo, deve fazê-lo na contestação. No art. 131, caput, dispõe que o chamamento ao processo também tenha lugar na contestação, para que o réu possa ter na relação jurídica processual outras pessoas que juntamente com ele devem suportar os resultados da procedência da demanda do autor. Nos arts. 338 e 339, determina que o réu que argui sua ilegitimidade para figurar no polo passivo do processo indique, na medida do possível e já na contestação, quem deve figurar no seu lugar na relação jurídica processual. No art. 430, estabelece que a arguição de falsidade dos documentos juntados com a petição inicial deve ser formulada na contestação, inclusive para que o réu possa contar com a formação da coisa julgada em torno do assunto. 24 Em razão da concentração da defesa num único ato processual e da futura eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508 do CPC), merece destaque em matéria de contestação o princípio da eventualidade. De acordo com esse princípio, o réu fica autorizado a se defender inclusive com base em argumentos incompatíveis entre si, já que boa parte das matérias defensivas não poderá ser eficazmente veiculada em outra oportunidade, quer no processo em curso, quer em outro feito que venha a ser futuramente instaurado. Coerentemente com a ideia de concentração da defesa, o art. 342 do CPC prevê que, "depois da contestação, só é lícito ao réu deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito ou a fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição". Como já anunciado, o art. 337 do CPC traz um extenso rol de matérias processuais que o réu deve alocar na parte preliminar da sua contestação. 25 Nas palavras de Cândido Dinamarco, "preliminar é defesa indireta, de natureza processual, destinada a impedir ou retardar o julgamento do mérito, não a influir em seu teor". 26 Questionamentos em torno da jurisdição e da competência do juízo para o julgamento da causa devem ser formulados pelo réu com apoio em "convenção de arbitragem" (art. 337, X, do CPC), "incompetência absoluta e relativa" (art. 337, II, do CPC) ou "conexão" (art. 337, VIII, do CPC). A convenção de arbitragem e a incompetência relativa devem ser realçadas, pois a contestação é a única oportunidade de que o réu dispõe para eficazmente invocar essas matérias. Consoante disposto no art. 337, § 5.º, do CPC, "excetuadas a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo". Em reforço, o art. 337, § 6.º, do CPC prevê que "a ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral". Na mesma linha, o art. 65, caput, do CPC dispõe: "prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação". Em contrapartida, o art. 64, § 1.º, do CPC, diz que "a incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício". Nesse contexto, é da maior importância a distinção entre incompetência absoluta e incompetência relativa, a fim de determinar as matérias cognoscíveis de ofício e arguíveis a qualquer tempo no processo, em contraposição àquelas superáveis pela falta de arguição na contestação. A competência absoluta relaciona-se com o disposto no art. 62 do CPC: "a competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes". Já a competência relativa vincula-se às disposições do art. 63, caput, do CPC: "as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações". O réu que veicula em sua contestação o tema da incompetência do juízo pode se valer da prerrogativa outorgada pelo art. 340, caput, do CPC para a oferta da sua contestação: "havendo alegação de incompetência relativa ou absoluta, a contestação poderá ser protocolada no foro de domicílio do réu, fato que será imediatamente comunicado ao juiz da causa, preferencialmente por meio eletrônico". Havendo alguma deficiência na capacidade de o autor ser parte, estar em juízo ou postular (arts. 70 a 75 e 103 a 106 do CPC), deve o réu apontar o correspondente defeito, com apoio no art. 337, XI, do CPC, e pedir que o juiz determine sua eliminação, nos moldes do art. 76 do CPC. Deve apontar, também, a "inépcia da petição inicial" (art. 337, IV, do CPC), que se faz presente, de acordo com o art. 330, § 1.º, do CPC, quando: "faltar pedido ou causa de pedir" (inciso I); "o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais" (inciso II); "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão" (inciso III); houver "pedidos incompatíveis entre si" (inciso IV). Deve apontar, ainda, a "ausência de legitimidade ou de interesse processual" (art. 337, XI, do CPC). Afinal, "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (art. 17 do CPC). Sempre que uma demanda previamente ajuizada for repetidamente trazida para o Poder Judiciário, cabe ao réu chamar a atenção para isso, invocando a litispendência ou a coisa julgada (art. 337, VI e VII, do CPC). O art. 337, §§ 1.º a 4.º, do CPC fornece um bom panorama a respeito do assunto: "verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada"(§ 1.º); "uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido" (§ 2.º); "há litispendência quando se repete ação que está em curso" (§ 3.º); "há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado" (§ 4.º). A coisa julgada material, fundada em resolução de mérito (arts. 487 e 502 do CPC), sempre impede a repetição da demanda anterior. Todavia, a coisa julgada formal anterior também pode levar a esse resultado, "no caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485", quando não se corrige o "vício que levou à sentença sem resolução do mérito" (art. 486, § 1.º, do CPC). Nesse contexto, aliás, é pertinente destacar a "perempção" (art. 337, V, do CPC), outra matéria preliminar de contestação, que vem retratada no art. 486, § 3.º, do CPC: "se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto". Mais uma matéria preliminar de contestação é a "inexistência ou nulidade da citação" (art. 337, I, do CPC). Quando argui esse tipo de vício, o réu deve já cuidar de contestar, apresentando sua contestação nos 15 dias subsequentes à arguição da inexistência ou nulidade da citação. É que, nos termos do art. 239, § 1.º, do CPC, "o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução". Antes de encerrar a parte preliminar de sua contestação, deve o réu ainda tratar de eventuais "incorreção do valor da causa" (art. 337, III, do CPC), "falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar" (art. 337, XII, do CPC) e "indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça" (art. 337, XIII, do CPC). No mérito, cabe ao réu negar os fatos invocados pelo autor ou as consequências jurídicas deles extraídas, bem como opor fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do seu adversário. 27 Nessa empreitada, deve o réu cuidar para que nenhum fato escape da sua contestação, considerando o ônus da impugnação específica, expresso no art. 341, caput, do CPC: "incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas". Entretanto, a ânsia defensiva não pode descambar para a litigância de má-fé; a defesa no processo encontra limites na boa- fé (art. 5.º do CPC). Merece atenção na contestação o comando para que o réu especifique "as provas que pretende produzir" (art. 336 do CPC). O réu tem mais condições do que o autor para anunciar na sua fala inicial as provas que tenciona produzir no processo, pois, conhecendo a sua resposta, consegue identificar melhor o litígio e os pontos controvertidos que exigirão atividade probatória. Todavia, quando há na contestação alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor ou invocação de matéria arrolada nos incisos do art. 337 do CPC, o contraditório se estende (arts. 350 e 351 do CPC) e o réu não tem como avaliar de plano tudo que depende de prova. Nas situações em que o réu reconvém, também é comum que ele não consiga no momento da sua resposta, antes da contestação à reconvenção, dimensionar todas as provas que deseja produzir. Por isso, existem brechas para que o réu anuncie ulteriormente interesse em novas provas. Por fim, além do anúncio das provas que pretende produzir, o réu deve cuidar já na contestação da produção da prova documental, para evitar ulteriores percalços. 28 Tal qual estabelecem para o autor em relação à petição inicial, os arts. 434 e 435 do CPC orientam o réu para que traga com a contestação toda a documentação já conhecida e disponível. 7. Reconvenção A reconvenção é o mecanismo instituído para a formulação de pretensão pelo réu dentro de processo já instaurado por iniciativa do autor, a fim de obter tutela jurisdicional diversa daquela inerente ao julgamento da demanda inicial. Por meio da reconvenção, o réu amplia o objeto do processo, trazendo para este novo bem da vida, que ele não receberia ou não necessariamente receberia com o simples deslinde da demanda ajuizada pelo autor. Tal deslinde, como é cediço, é sempre apto a trazer alguma coisa de útil ao réu, ainda que este não se defenda nem formule pedido algum no processo. Fala-se, no mínimo, do reconhecimento da falta de requisitos para o exame do pedido formulado pelo demandante (sentença terminativa) ou de uma declaração negativa do direito que o autor diz ter na sua petição inicial (sentença de improcedência). É precisamente para obter algo mais do que isso no processo pendente que se presta a reconvenção. De acordo com o art. 343, caput, do CPC, "na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa". Como se percebe, tanto a reação defensiva quanto a reação ativa do réu são programadas para uma mesma peça. Todavia, não deve ser causa de indeferimento da reconvenção a sua oferta em peça apartada, desde que no prazo para contestar. A possibilidade de reconvir independentemente de contestar reforça isso (art. 343, § 6.º, do CPC). O mero desdobramento da resposta em duas peças, uma para a contestação e outra para a reconvenção, seria, na pior das hipóteses, inofensiva irregularidade formal, sem qualquer consequência negativa para o réu. É requisito substancial para a viabilidade da reconvenção sua conexão com a demanda inicial ou com a defesa diante desta (art. 343, caput, do CPC). Nas conhecidas palavras de Barbosa Moreira, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, "deve ter-se por suficiente para satisfazer o requisito do art. 315 o vínculo, ainda que mais tênue, existente entre as duas causas". 29 Assim, a ideia de conexão desponta aqui com conotação mais semântica do que técnica, no sentido de representar simples ligação, nexo, relação, que pode se manifestar de modo bastante sutil. Basta que a demanda inicial ou a defesa diante desta e a reconvenção remetam a um contexto fático-jurídico residualmente comum para a admissão da demanda do réu no processo. Todavia, não se trata de algo desprezível. Cumulação de pedidos sem conexão alguma só é autorizada para o autor (art. 327, caput, do CPC). Na condição de demanda, a oferta da reconvenção faz surgir no processo uma cumulação de pedidos, ainda que formulados por pessoas diferentes (parte pelo autor e parte pelo réu). Isso atrai para a admissibilidade da reconvenção exigências processuais constantes do art. 327 do CPC para a convivência de mais de um pedido no mesmo processo, caso da competência absoluta do juízo para o julgamento de todos eles (art. 327, § 1.º, II) e da adoção de um procedimento compatível para a totalidade dos pleitos (art. 327, § 1.º, III), o que é facilitado pelo disposto no art. 327, § 2.º. Naturalmente, não se exige para a admissão do pedido reconvencional que ele seja compatível com o pedido formulado na demanda inicial. Afinal, os pleitos são apresentados por sujeitos distintos e é legítimo até que o reconvinte pretenda, com seu pedido, criar cenário incompatível com o acolhimento do pedido do autor. Dois outros requisitos processuais para a admissão da reconvenção relacionam-se com a litispendência e a tempestividade. A litispendência atrela-se à exigência de que exista no momento da resposta do demandado um processo pendente,validamente instaurado e até então não encerrado nem programado para se encerrar, ao qual possa se integrar a demanda reconvencional. Isso significa que, por ocasião da oferta da reconvenção, a demanda do autor deve ainda estar viva, sem que exista uma sentença a seu respeito. Restou-se aperfeiçoada integral desistência da demanda por parte do autor ou se os litigantes celebraram transação que compreende todo o objeto do processo ou se a demanda inicial já foi integralmente julgada, com ou sem apreciação do mérito, não há mais espaço para a reconvenção. Por sua vez, o requisito da tempestividade em matéria de reconvenção vincula-se à obediência do prazo assinado pelo legislador para a reação do réu diante da demanda do autor, que é, em regra, de 15 dias (art. 335 do CPC). Considerando a orientação legal para a inserção da reconvenção na mesma peça da contestação (art. 343, caput, do CPC), o prazo para contestar baliza o prazo para reconvir. Como já dito, esse prazo é preclusivo; sua inobservância faz com que o réu não mais possa reconvir eficazmente (preclusão temporal). Após o esgotamento do prazo quinzenal para responder à demanda do autor, tudo o que resta ao réu que também quer demandar é dar vida a um novo processo. Além dos requisitos substanciais e processuais específicos para a admissão da reconvenção, como demanda que é, ela deve atender a todos os requisitos usualmente colocados para a admissibilidade do julgamento do mérito. Por exemplo, a peça que veicula a demanda reconvencional deve atender às exigências dos arts. 319 e 320 do CPC. Sempre que o juiz identificar alguma falha no atendimento dessas exigências ou "defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito" da reconvenção, deve determinar que o reconvinte "a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado" (art. 321, caput, do CPC). A exemplo do que foi dito para a petição inicial, o momento ideal para a emenda ou complementação da reconvenção é anterior à intimação para a resposta diante dela, pois, até esse instante, há amplo espaço para aditamentos ou alterações (art. 329, I e parágrafo único, do CPC). É perfeitamente admissível que a reconvenção traga novas pessoas para o processo, quer ao lado do reconvinte (art. 343, § 4.º, do CPC), quer ao lado do autor-reconvindo (art. 343, § 3.º). A reconvenção subjetivamente ampliativa pode ter lugar mesmo nos casos de litisconsórcio meramente facultativo. 30 Outras pessoas além do originário réu do processo podem ofertar reconvenção. O assistente litisconsorcial do réu (art. 124 do CPC), o denunciado à lide pelo réu (art. 128, I, do CPC) e o chamado ao processo (art. 130 do CPC) também podem reconvir em face do autor, na condição de litisconsortes do réu originário. Para tanto, devem ajuizar sua reconvenção no prazo para resposta. No caso do assistente litisconsorcial, o prazo para reconvir é orientado pelo prazo que o assistido tem para responder à demanda do autor. 31 Nos casos de substituição processual, é válida a lembrança do disposto no art. 343, § 5.º, do CPC: "se o autor for substituto processual, o reconvinte deverá afirmar ser titular de direito em face do substituído, e a reconvenção deverá ser proposta em face do autor, também na qualidade de substituto processual". Não interessa para a admissão da reconvenção que ela não envolva todos os sujeitos parciais do processo. Assim, é viável a demanda reconvencional ajuizada por apenas parte dos réus em face de somente alguns autores. Também desinteressa para a admissão da reconvenção que o réu não conteste. O art. 343, § 6.º, do CPC, aliás, é expresso a esse respeito: "o réu pode propor reconvenção independentemente de oferecer contestação". A ideia de que, "na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção" (art. 343, caput, do CPC), não é absoluta. Contestação e reconvenção estão programadas para um mesmo momento, qual seja, o da reação diante da demanda do autor (art. 335 do CPC), mas são institutos independentes. É possível contestar sem reconvir e reconvir sem contestar. Aliás, quando se limitar a reconvir, o réu não deve rotular sua peça como contestação; deve simplesmente ofertar reconvenção. Uma vez presentes os requisitos para a admissão da reconvenção, o juiz deve determinar seu processamento e intimar o autor, "na pessoa de seu advogado, para apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias" (art. 343, § 1.º, do CPC). Para que essa intimação se aperfeiçoe, não é exigível que do mandato do advogado do autor constem poderes especiais. Quando o réu propuser reconvenção "contra o autor e terceiro" (art. 343, § 3.º, do CPC), este, logicamente, não será meramente intimado na pessoa do advogado para responder. O terceiro precisa ser integrado à relação jurídica processual e sequer conta com patrono constituído nos autos. Aqui, o caso é de citação (arts. 238 e ss do CPC). Perceba-se que a intimação prevista no art. 343, § 1.º, do CPC é para resposta, e não para mera contestação. Logo, a reconvenção da reconvenção é admissível, desde que residualmente conexa com os fatos objeto da reconvenção ou da contestação a esta e respeitada a estabilização das demandas anteriores. 32 No Código de Processo Civil, quando o legislador não quis permitir a reconvenção da reconvenção, ele o fez expressamente. Fala-se do art. 702, § 6.º, do CPC, que, em matéria de ação monitória, assim dispõe: "na ação monitória admite-se a reconvenção, sendo vedado o oferecimento de reconvenção à reconvenção". A contestação à reconvenção deve ser feita com o mesmo cuidado de quem contesta uma demanda inicial. Afinal, a inércia do autor-reconvindo implica presunção de veracidade das "alegações de fato formuladas" pelo reconvinte (art. 344 do CPC). O ônus da impugnação específica dos fatos (art. 341 do CPC) também se aplica em matéria de reconvenção. Todavia, deve-se registrar que, quando há reconvenção no processo, a falta de formal e completa contestação à demanda inicial ou à demanda reconvencional fica atenuada, na exata medida da relação entre essas demandas. Em outras palavras, a reação ativa diante de uma demanda pode contribuir para a defesa do demandado. Demanda inicial e reconvenção são, por si, independentes. O art. 343, § 2.º, do CPC, reforça essa independência: "a desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção". O mesmo vale, naturalmente, para a desistência ou qualquer outra forma de extinção prematura da reconvenção, que não impede o prosseguimento do processo no tocante à demanda inicial. Por fim, registre-se que demanda inicial e reconvenção não estão atadas para julgamento de mérito conjunto. Conforme previsto no art. 356, caput, do CPC, "o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355". Logicamente, isso permite que o magistrado julgue por inteiro e desde logo uma das demandas existentes no processo (por exemplo, a reconvenção), ao mesmo tempo em que abre a fase instrutória para preparar o futuro julgamento da outra (por exemplo, a demanda inicial). 8. Conclusão Com a oferta da contestação pelo réu, tende a se encerrar a fase postulatória do procedimento comum. Todavia, como visto, isso não acontece quando o réu reconvém. Nesse caso, a fase postulatória ganha
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