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Fundamentos Metodológicos do Ensino de Ciências Fundamentos de Ciências Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Wanderli Cunha de Lima Revisão Textual: Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicaroni 5 • Educação, breve histórico • Construção do conhecimento • Concepções: Ciências e ciência escolar Nesta unidade, o tema central é o ensino de Ciências e os desafios a serem supridos para sua concretização. Você terá oportunidade de realizar um breve estudo sobre as tendências e concepções de educação em nosso país. Atente para a relação existente entre essas tendências de ensino e os enfoques dados ao ensino de Ciências. Observe que a didática está diretamente relacionada à aprendizagem dos alunos. E, ainda nesta unidade, você irá conhecer, um pouco mais, diferentes enfoques dados para o ensino de Ciências e as suas consequências para a construção do conhecimento científico. Na organização desta unidade, buscamos resgatar, de modo bem sucinto, a história da educação em nosso país. Apontamos, cronologicamente, a história do ensino de Ciências no Brasil a partir das tendências de ensino e das transformações sociais e políticas. A seguir, situamos a importância da construção do conhecimento como forma de promover o desenvolvimento educacional dos alunos e descrevemos os enfoques para o ensino de Ciências, que podem ser observados tanto nas salas de aula como nos laboratórios de pesquisa didática. · Estamos iniciando a unidade I “Fundamentos de Ciências”, pertencente à disciplina Fundamentos Metodológicos do Ensino de Ciências. · Nesta unidade, faremos um breve resgate histórico da educação e estudaremos as concepções de Ciências, a construção do conhecimento científico e os enfoques de ensino para a área de Ciências. As indicações de leitura darão subsídios para a realização das atividades propostas nesta unidade. Aproveite-as e bom estudo! Fundamentos de Ciências Atenção Fique atento aos prazos estabelecidos no cronograma. Participe do Fórum de Discussão, expondo seus pontos de vista e mostrando o que aprendeu a partir da leitura do material teórico e das demais leituras indicadas nesta unidade. • Enfoques para o ensino de Ciências 6 Unidade: Fundamentos de Ciências Contextualização Nesta unidade, buscamos fazer alguns apontamentos sobre o currículo de Ciências a partir do resgate histórico da educação no Brasil, perpassando pelas correntes teóricas. Abordaremos a concepção de Ciências, a concepção espontânea e a concepção de ciência escolar, a fim de revelar a função da Educação e da ação do educador para que haja construção do conhecimento. Espera-se que fique clara a diferença existente entre conhecimento científico e conhecimento espontâneo e que se compreenda que o processo de interação com o objeto de estudo favorece a construção das representações por parte dos alunos e, ainda, que a intervenção pedagógica contribui para esse processo. Também realizamos uma explanação sobre os diferentes enfoques para o ensino de Ciências, tentando esclarecer os pontos positivos e negativos existentes em cada um deles. Explore Para ilustrar nossos argumentos, sugerimos que assistam ao vídeo: “Escola, ideologia, currículo e poder”, o qual aborda as ideologias e conflitos visíveis no currículo escolar. http://www.youtube.com/watch?v=4xXGG5G1ZKI&list=PL2EA4AD4F922FC7A4 Nesta unidade, a atividade de aprofundamento a ser realizada será um fórum de discussão. Participe da discussão, colocando seu ponto de vista de maneira clara e objetiva, favorecendo a interação e contribuindo para a aprendizagem coletiva. Na atividade de sistematização do conhecimento, tire proveito da autocorreção; ela será importante para apreensão dos conteúdos da disciplina. Aproveite as indicações de sites, filmes e leituras para a ampliação do conhecimento; eles favorecerão a compreensão do conteúdo e auxiliarão na realização das atividades propostas. 7 Educação, breve histórico Para contextualizar esta disciplina, optamos por iniciar com um breve resgate da história da educação em nosso país, no entanto sem nos atermos a maiores detalhes. É sabido que a educação, no Brasil, teve enfoques distintos em diferentes tempos. Entre as tendências liberais, encontramos o enfoque tradicional, centrado no saber do professor; a tendência renovadora progressiva, centrada no aluno (autoaprendizagem); a Escola Nova, centrada no aluno, porém com maior preocupação psicológica (percepções do aluno); o enfoque tecnicista, diretamente relacionado ao sistema produtivo de mão de obra qualificada; As tendências progressistas – pensando nas finalidades sociopolíticas da educação inerentes ao capitalismo – foram marcadas por três correntes: a libertadora (Pedagogia de Paulo Freire), que buscava a transformação social através da luta da classe oprimida; a libertária, aprendizagem vinculada ao uso prático (pois acreditava-se que só assim teria sentido para o aluno); e a histórico-crítica, com ênfase no conhecimento histórico. Então, o que vimos, desde as tendências liberais até as tendências progressistas, foi a “construção” da educação escolar a partir de ideologias e interesses. Revisitando o ensino de Ciências em nosso país, veremos que, na década de 1950 – período pós-Segunda Guerra Mundial, marcado pela industrialização e desenvolvimento científico e tecnológico – a educação brasileira buscava substituir o ensino tradicional pelo movimento da Escola Nova, visando dar aos alunos maior liberdade e autonomia. Contudo, sendo o ensino dessa época influenciado pelas literaturas europeias e norte- americanas, inclusive com a adoção de seus livros-textos, os quais, na maioria das vezes, eram traduzidos e descontextualizados, nada favorecia a melhora da qualidade do ensino de ciências (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009). Na década de 1960, o ensino de ciências refletiu as transformações políticas e sociais marcadas pela Guerra Fria. Nesse período havia uma preocupação em desenvolver atividades experimentais, priorizando o pensamento lógico e racional, a fim de favorecer a tomada de decisão e resolução de problemas por parte dos cidadãos comuns. Mas ainda se via uma formação de professores de Ciências de forma desordenada e “deficiente”, resultando no ingresso de profissionais com dificuldades de atuar em sala de aula. Apesar das inovações metodológicas, predominavam os questionários que deveriam ser respondidos de acordo com os livros-textos ou a posição do professor. Nessa época, “o conhecimento científico ainda era considerado neutro e inquestionável.” Entretanto, discussões ocorridas nesse período começaram a propiciar mudanças na mentalidade dos professores, mesmo que somente no campo teórico (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 17). A partir da década de 1970, iniciou-se o reconhecimento da não neutralidade da ciência, provocando mudanças na concepção de pesquisa e procedimentos de investigação entre cientistas e filósofos. Isso porque a crise energética e as agressões ambientais, decorrentes do desenvolvimento desordenado das indústrias, despertaram o interesse pela educação ambiental. Iniciou-se, nesse período, a produção de programas de ciências próprios e a tendência de ensino conhecida como ciência, tecnologia e sociedade (CTS), a qual se ampliou na década seguinte e se preserva até hoje (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009). 8 Unidade: Fundamentos de Ciências Na década de 1980, com o fim da ditadura militar, o crescimento da indústria e o início da informatização aumentou a necessidade de profissionais qualificados na área da educação e voltou-se a questionar o ensino de Ciências e das demais disciplinas curriculares. Surgiu a perspectiva construtivista do conhecimento científico apontando a existência de conceitos intuitivos, espontâneose alternativos antecedendo o conhecimento científico: “A contrapartida didática à pesquisa das concepções alternativas é o modelo de aprendizagem por mudança conceitual, núcleo de correntes construtivistas. São dois seus pressupostos básicos: a aprendizagem provém do envolvimento ativo do aluno com a construção do conhecimento e as ideias prévias dos alunos têm papel fundamental no processo de aprendizagem, que só é possível embasada naquilo que ele já sabe [...].” (BRASIL, 2001, p. 23). Segundo PORTO, RAMOS e GOULART (2009), nesse período, com o fim da ditadura militar, deu-se a abertura política e iniciou-se um processo de democratização nas escolas. Nessa década, “criou-se um novo projeto para melhoria do ensino de ciências e matemática, por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 20). “Esse projeto despertou o interesse da comunidade acadêmica e dos meios educacionais, derivando várias propostas de ensino de ciências com diferentes concepções. Entretanto, nas salas de aula, ainda persistiam os problemas relacionados ao despreparo dos professores.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 20). No final dos anos de 1980, com a aprovação da Carta Magna (1988), ocorreram grandes mudanças na sociedade, assim como na educação brasileira. Surgiram as exigências de uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDBEN). Os órgãos internacionais também contribuíram para as mudanças. Na década de1990, iniciou-se o desenvolvimento do Plano Decenal da Educação e publicaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 20). Carta Magna: outro nome pelo qual é conhecida a Constituição Brasileira. “Por exigência dos organismos internacionais que acompanham o crescimento de países em desenvolvimento, inclusive com recursos financeiros do Banco Mundial, a década de 1990 iniciou-se sob a influência do Plano Decenal da Educação, que estabelecia metas a serem implementadas com prazos preestabelecidos e avaliações sistêmicas, que pretendiam conhecer melhor a realidade educacional brasileira nos seus diferentes níveis e modalidades de ensino. Nesse cenário, publicaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) – MEC/SEF, 1997, 10 volumes – como orientadores de propostas curriculares nos diferentes campos que integram o ensino fundamental em nosso país.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 21). Glossário 9 PORTO, RAMOS e GOULART (2009) consideram que, nos dias de hoje, o que se vê no ensino de Ciências é a tentativa de se realizar a práxis, ou seja, trazer a teoria para a prática. Porém, a dificuldade de entender a base teórica compromete a prática, não favorecendo mudanças nas salas de aula, de maneira que persistem as velhas práticas. Mas o que se pretende atualmente é a construção coletiva e permanente da escola vinculada às questões sociais e aos valores democráticos, de modo a agir significativamente sobre a formação dos alunos. Dessa forma, o conhecimento é visto como uma construção histórica e social. Dentro desta perspectiva, faz-se necessário ressignificar a unidade entre o ensino e a aprendizagem, visto que um não existe sem o outro (BRASIL, 2001). Pode-se afirmar que é no processo de interação com o objeto de estudo que o aluno constrói suas representações, as quais se orientam por uma lógica interna que favorecerá a construção e a reconstrução do conhecimento através de aproximações sucessivas entendidas como erros construtivos. Daí, a necessidade da intervenção pedagógica contribuir para esse processo, partindo do conhecimento do aluno e atuando dentro de uma perspectiva de “ajuda educativa” dentro do processo de modificação e reorganização e construção do conhecimento (BRASIL, 2001). Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) apontam que: “O processo de atribuição de sentido aos conteúdos escolares é, portanto, individual; porém, é também cultural na medida em que os significados construídos remetem formas e saberes socialmente estruturados.” (BRASIL, 2001, p. 52). Assim, o projeto educacional desenvolvido na escola deve “preocupar-se em preservar o desejo de conhecer e de saber com que conhecimento todas as crianças chegam à escola” (BRASIL, 2001, p. 54). Enveredando por esse caminho, podemos partir do conhecimento de mundo que o aluno traz para a escola para fazê-lo avançar na construção do conhecimento. Contudo a aquisição do conhecimento científico não é algo inato ou espontâneo, ao contrário, é uma construção social – ou reconstrução – a qual só pode ser alcançada por meio de um ensino eficaz que favoreça o enfrentamento das dificuldades desse aprendizado (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009). Construção do conhecimento 10 Unidade: Fundamentos de Ciências “Partindo do conceito Vygotskiano de zona de desenvolvimento proximal, assumimos que o trabalho da educação científica é conseguir que os alunos construam, nas salas de aula, atitudes, procedimentos e conceitos que não conseguiram elaborar sozinhos em contextos cotidianos e que, sempre que esses conhecimentos sejam funcionais, saibam transferi-los para novos contextos e situações.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 244-245). Para tanto, faz-se necessário o entendimento, por parte dos educadores, da concepção de Ciência e ciência escolar, para que se realize a transposição didática de modo a favorecer a aquisição de conhecimentos dos alunos, através do processo de ensino e aprendizagem. “Em cada uma de nossas aulas, se quisermos realmente que nossos alunos aprendam o que ensinamos, temos que criar um ambiente intelectualmente ativo que os envolva, organizando grupos cooperativos e facilitando o intercâmbio entre eles. [...]”. (CARVALHO et al., 2009, p. 14). Segundo Carvalho et al. (2009), a relação interpessoal é muito importante nos processos de ensino e aprendizagem na área de Ciências. Etimologicamente a palavra ciência vem do latim “scientia”, um substantivo cuja raiz é o verbo “scire”, que quer dizer saber. E esse termo ciência era utilizado, séculos atrás, com esse sentido: saber, conhecimento. Contudo esse significado não se aplica, atualmente, com a mesma ênfase, isso porque, hoje, há vários tipos de saber, apesar de somente um ter sido designado de científico: o que traz como consequência uma valorização do conhecimento científico sobre os demais. Para conhecer um pouco mais sobre a diferença entre o saber do senso comum e o saber científico, acesse o site abaixo: http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=nEMuGDhsnHk&feature=fvwp Concepções: Ciências e ciência escolar 11 Esse fato deve-se à realização bem sucedida do grande desenvolvimento tecnológico proporcionado pela ciência. “[...]. Por isso, socialmente, a ciência impõe-se não tanto pelo que ela é, mas, sobretudo, pelo que faz e permite fazer; isto é, ela é socialmente reconhecida pelas suas consequências bem visíveis no cotidiano do ser humano.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 12). Através da observação, da experimentação, de princípios e métodos de estudo, busca-se compreender as leis que regem, movimentam e produzem os fenômenos naturais. Antigamente, o conhecimento científico era dado como verdade absoluta; somente com a comprovação cientifica havia validade dos fatos. Mas sabe-se, hoje, que “a experimentação e a base lógica da ciência não lhe garantem a possiblidade de produzir conhecimentos inquestionáveis e verdades absolutas.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 12). Dessa maneira, na atualidade, vem se questionando a validade dos avanços científicos. Então, podemos apontar essas duas concepções de ciência as quais são aparentemente antagônicas, pois, uma coloca em questão a validade, tanto do ponto de vista prático como filosófico, da ciência, enquanto a outra ainda acredita, por vezes, na exatidão,na neutralidade e no benefício da ciência para a humanidade. É através da socialização do Homem com a natureza que ele age sobre ela e a transforma; daí dizermos que a espécie humana é um ser construído histórico e socialmente. O conhecimento científico também apresenta um percurso histórico, o qual foi produzido pela construção humana, portanto, passível de contradições. Então “a construção do conhecimento científico acompanha a história da humanidade.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 13). “Concebemos a ciência como a construção do conhecimento científico em um processo histórico, contextualizado em um tempo e espaço definidos, e, portanto, suscetível a mudanças. Entendemos que os conceitos científicos são elaborados pelo ser humano diante de suas necessidades concretas de existência e que, nesse processo de construção, cada novo conhecimento gera conflitos, exige escolhas.” (PORTO, RAMOS e GOULART, 2009, p. 12). E o que é a ciência escolar? Podemos afirmar que a ciência escolar é uma disciplina, ensinada na escola, que tem como referência o conhecimento científico. Contudo faz-se necessário que haja a transposição didática, para que o saber científico passe por transformações e adaptações, a fim de se constituir um saber escolar e, dessa forma, possa ser apreendido pelos alunos. Também é importante ressaltar a questão das concepções espontâneas, ou seja, os conhecimentos que os alunos trazem para sala de aula, oriundos de sua vivência social, a partir das interações que realizam com o mundo físico e social. É com esse conhecimento – que muitos chamam de “conhecimento prévio” – que os alunos ouvem e interpretam o que é ensinado na escola. Woodleywonderworks - Flickr.com 12 Unidade: Fundamentos de Ciências Vários pesquisadores do ensino de Ciências (Viennot, 1979; Clough & driver, 1986; Driver et al., 1989; Gil Pérez & Carrascosa, 1990) mostram, em seus resultados, que os alunos apresentam esquemas conceituais espontâneos. Bachelard (1938), há muitos anos, já chamava a atenção para a existência desses esquemas conceituais espontâneos e apontava a necessidade de mudar essa cultura de experimentação espontânea pela cultura de experimentação científica, a fim de contribuir para a construção do conhecimento dos alunos. Surpreendeu-me sempre que os professores de Ciências, mais que os outros, não compreendam que não se compreenda [...]. Não reflitam sobre o fato de que o adolescente chega à aula de Física com conhecimentos empíricos já constituídos: trata-se, assim, não de adquirir uma nova cultura experimental, e sim mais precisamente de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já acumulados pela vida cotidiana (BACHELARD, 1939, p. 18). Atingir esse objetivo não é tarefa fácil; trata-se de uma questão metodológica ou da mudança metodológica no ensino de Ciências, incluindo a proposição de situações problemáticas interessantes para os alunos, a fim de propiciar essa passagem da experimentação espontânea para a experimentação científica. “A aquisição do conhecimento científico exige uma mudança profunda das estruturas conceituais e das estratégias geralmente utilizadas na vida cotidiana.” (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009, p. 244). Em outras palavras, a aquisição do conhecimento científico exige uma construção social ou reconstrução, que só é possível com um ensino eficaz (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). Para que o ensino se torne eficaz, ou seja, para que promova o aprendizado do aluno, é importante que se diminua a distância existente entre os professores que ensinam e os alunos que aprendem, pois, dependendo das estratégias e dos enfoques do ensino de Ciências, a aprendizagem pode, ou não, ser favorecida (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). Enfoques para o ensino de Ciências 13 A aprendizagem de Ciências, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, deve promover a compreensão dos fenômenos naturais. Para isso, os conteúdos propostos em sala de aula precisam desestabilizar os conhecimentos que os alunos trazem do cotidiano – a experimentação espontânea – para que eles possam buscar novas informações e (re)construir e ampliar seus conhecimentos científicos – experimentação científica. Logo, os conteúdos devem apresentar um problema a ser resolvido. “O professor poderá promover a desestabilização dos conhecimentos prévios, criando situações em que se estabeleçam os conflitos necessários para a aprendizagem – aquilo que estava suficientemente explicado não se mostra como tal na nova situação apresentada. Coloca-se, assim, um problema para os alunos, cuja solução passa por coletar novas informações, retomar seu modelo e verificar o limite dele.” (BRASIL, 2001, p. 117). Os diferentes enfoques do ensino de Ciências estão diretamente relacionados com a concepção educacional que cada professor detém. Como já citado anteriormente, o ensino de Ciências, em nosso país, já foi abordado de diferentes formas e em diferentes tempos. Esses enfoques no ensino de Ciências apresentam relação direta com a formação dos professores e com a própria cultura educacional de cada momento histórico. Isso, para não falar das crenças que cada professor traz consigo, as quais fazem parte de sua experiência do tempo em que eram alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental: se na sua época aprendia-se dessa maneira, também hoje os alunos podem aprender (CURI, 2005; LIMA, 2010). Dentre os enfoques do ensino de Ciências, temos: o tradicional; o ensino por descoberta; o expositivo; os ensinos por meio do conflito cognitivo, por meio da pesquisa dirigida e por explicação e contraste de modelos. No enfoque do ensino tradicional da ciência – em que a transmissão de conhecimentos conceituais é privilegiada –, o enfoque é meramente reprodutivo, sendo o professor o provedor de conhecimentos e o aluno o consumidor desse conhecimento pronto e acabado. Embora essa concepção seja pouco sustentável atualmente, devido aos “novos modelos” de desenvolvimento da aprendizagem, ela ainda continua muito presente nas salas de aula. Explore Este vídeo faz referência ao que é possível conseguir a partir da Ciência. http://www.youtube.com/watch?v=BkcDr0fkY0E 14 Unidade: Fundamentos de Ciências Dentro desse enfoque – ensino tradicional – o saber científico é assumido como um saber absoluto; daí, aprender ciência é saber o que os cientistas sabem sobre a natureza. Os conteúdos são organizados no currículo, visando ao conhecimento disciplinar, e são ensinados não pelo seu valor formativo, mas porque são conteúdos essenciais da ciência (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). “Tudo o que o aluno precisa fazer é reproduzir esse conhecimento, ou, caso prefira, incorporá-lo na memória. E a via mais direta para conseguir isso será apresentar ao aluno, mediante uma exposição a mais clara e rigorosa possível, esse conhecimento para ele aprender. Para isso, é preciso seguir um roteiro, a lógica marcada pelos próprios saberes disciplinares, tanto na formação dos professores – que também deve ser baseada na apresentação dos últimos avanços científicos – como no próprio desenvolvimento do currículo.” (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009, p. 248). “[...], esse modelo tradicional é pouco funcional no contexto das novas demandas e cenários de aprendizagem que caracterizam a sociedade de hoje.” (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009, p. 250). Essa pouca funcionalidade está relacionada ao fato de não se conseguir utilizar esse conhecimento fora da sala de aula, gerando problemas e dificuldades dentro da sala de aula devido à falta de contextualização no ensino. O enfoque do ensino por descoberta traz a ideia de que a melhor forma de aprender ciência é fazendo ciência; daí o ensino ser baseado em experiências que permitam aos alunos investigar e reconstruir as principais descobertas científicas. O professor é um facilitadordessa aprendizagem, planejando as experiências e as atividades didáticas, e, aos alunos, cabe a tarefa de viver e agir como pequenos cientistas. Nota-se que não é algo simples ou fácil de colocar em prática. Da mesma forma como no enfoque tradicional, os conteúdos seriam elaborados exclusivamente em conhecimentos disciplinares, com uma variante: não se constituem em saberes estáticos e acabados; ao contrário, é preciso buscar soluções para problemas apresentados (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009). Por conseguinte, de acordo com Pozo e Gómez Crespo (2009), esse enfoque situa o aluno no papel de cientista, porém, por mais desejável que isso seja, parece ser algo distante da realidade da capacidade dos alunos, visto que não usamos o raciocínio científico como forma de resolver os problemas do cotidiano. Portanto, esse modelo de ensino seria acessível para bem poucos alunos. E, ainda, se o ensino se faz por descoberta, qual é o papel do professor? Se ele se tornar um mero facilitador da aprendizagem, corre-se o risco de tirá-lo de cena e, nessa perspectiva, perde-se também boa parte do próprio trabalho pedagógico. Nyc-MetroCard - Flickr.com Sridgway - Flickr.com 15 “[...]. O enfoque da descoberta desenfoca completamente o professor, e com ele, como se pode imaginar, o próprio trabalho educacional, que perde boa parte de sua função social de transmitir a cultura aos futuros cidadãos, deixando que sejam eles próprios que, de modo mais ou menos autônomo, descubram a cultura.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 258). O enfoque do ensino expositivo tem sua base na teoria ausubeliana, que aponta que os problemas gerados pelo ensino tradicional não residem no fato de seu enfoque ser expositivo, mas no modo inadequado de se fazer os processos de aprendizagem, os quais não propiciam a aprendizagem significativa. Para isso é preciso melhorar a eficácia da exposição, em vez de se recorrer tanto à descoberta (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). Teoria Ausubeliana: teoria de Ausubel, a qual prioriza a Aprendizagem Cognitiva, que é a integração do conteúdo aprendido numa edificação mental organizada, a Estrutura Cognitiva, privando pela aprendizagem significativa. Destarte, o aprendizado da ciência consiste em fazer com que os alunos assumam, como próprios, os significados científicos, e isso se faz através da aproximação progressiva das ideias dos alunos aos conceitos científicos. Nesse enfoque, o importante é a transmissão da estrutura conceitual das disciplinas científicas, relegando ao segundo plano o desenvolvimento dos conteúdos atitudinais e procedimentais. Isso parte da suposição de que o aluno possui uma lógica própria que serve de ponto de partida para o ensino de ciências apoiado na lógica das disciplinas. Para tanto, o currículo deveria partir do geral para o específico, seguindo uma estrutura hierárquica, de modo a evitar a desagregação dos conteúdos. Todavia, devido à necessidade de um nível de desenvolvimento cognitivo e de domínio da terminologia científica, o próprio Ausubel assume que isso só seria eficaz a partir da adolescência (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). Outro enfoque é o ensino por meio do conflito cognitivo. Neste, o aprendizado é alcançado por meio de uma descoberta pessoal do aluno, embora possa contar com a instrução direta do professor. “[...]. O que se tenta é partir das concepções alternativas dos alunos, para, confrontando-as com situações conflitivas, conseguir uma mudança conceitual, entendida como sua substituição por outras teorias mais potentes, ou seja, mais próximas do conhecimento científico. Apesar de o próprio aluno dever tomar consciência desse conflito e resolvê-lo, os professores podem utilizar todos os recursos, expositivos e não-expositivos ao seu alcance para fazer com que ele veja as insuficiências de suas próprias concepções.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 264). Glossário 16 Unidade: Fundamentos de Ciências Portanto, parte de uma postura construtivista, já que o aluno deve elaborar e construir seu próprio conhecimento, além de tomar consciência de suas limitações e buscar resolvê-las. Dentro deste enfoque, a meta é mudar as concepções intuitivas, substituindo-as pelo conhecimento científico. O currículo é organizado de modo a viabilizar a mudança conceitual do aluno, e os conteúdos atitudinais e procedimentais praticamente não desempenham papel algum na organização do currículo; os conteúdos conceituais destacam-se como eixo principal do mesmo. De qualquer maneira, essa proposta de ensino não difere muito das já citadas – ensino tradicional e ensino expositivo (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). No enfoque do ensino por meio da pesquisa dirigida assume-se que, para que ocorram mudanças conceituais nos alunos, são indispensáveis também as mudanças metodológicas e atitudinais, situando-os num contexto de atividade similar ao de um cientista, porém com a atenta direção do professor, atuando como um coordenador de pesquisa. Portanto parte de novos postulados didáticos e epistemológicos, afastando-se das crenças indutivistas do modelo de descoberta (POZO e GÓMEZ- CRESPO, 2009). “[..]. Poderíamos dizer que o que muda de um enfoque para outro é a própria concepção da pesquisa científica – que nesse novo postulado é concebida como um processo de construção social – e com ela a forma de levar essa pesquisa para a sala de aula como guia do trabalho didático.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 270). O trabalho realizado neste enfoque situa-se na resolução de problemas por parte do professor e dos alunos, integrando aspectos qualitativos e quantitativos dentro da realização de pequenas pesquisas. Segundo Pozo e Gómez Crespo (2009), um dos problemas mais importantes desse enfoque é a exigência do professorado, o que dificulta sua generalização. Isso, porque “requer uma mudança radical na forma de conceber o currículo de ciências e suas metas.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 273). Essa exigência de esforço adicional por parte do professor, no geral, não é favorecida pelas estruturas organizativas das escolas e nem pela tradição educacional, tornando-se uma dificuldade. É inerente à adoção de postura construtivista. Outro problema a ser enfrentado nesse enfoque diz respeito às diferenças existentes entre os contextos sociais em que os alunos e os cientistas constroem seus conhecimentos. Woodleywonderworks - Flickr.com 17 “[...]. Mesmo que se afaste dos pressupostos indutivistas em que estava baseado o ensino por descoberta, o fato de assumir o isomorfismo entre a pesquisa e aprendizagem da ciência não deixa de apresentar dificuldades conceituais e práticas. [...], é duvidoso que os processos construtivos no aprendizado dos conteúdos científicos devam ser similares aos que os cientistas usam para elaborar ou construir esses mesmos conteúdos.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 273). Visto que cientistas e alunos vivem em mundos distintos, o que pode ter sentido para um pode não ter para o outro. Dessa forma, dificilmente os alunos poderão agir como pequenos cientistas, em especial os que se encontram nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, sendo a pesquisa científica um objetivo do Ensino Médio. E, ainda, o professor deve ter domínio de conhecimento disciplinar da ciência para poder subsidiar a aprendizagem do aluno. E, por fim, o enfoque do ensino por explicação e contraste de modelos, sobre o qual Pozo e Gómes Crespo (2009) afirmam: “[...], esse enfoque assume que a educação científica constitui um cenário de aquisição do conhecimento completamente diferente da pesquisa e, portanto, é dirigido a metas diferentes e requer atividades de ensino e avaliação diferentes.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 273). Este enfoque entende que o aluno não é um “cientista mirim”, já que vive em um contexto diferente do do cientista e é a partir desse contextoque ele – o aluno – irá buscar resolver os problemas com base nos modelos e teorias elaboradas pelos cientistas. Da mesma forma, o professor não é visto como um coordenador de pesquisa, já que apresenta uma função social muito diferente da do cientista. Ou seja, o professor não precisa produzir conhecimentos novos – como fazem os cientistas –; sua função é a de auxiliar seus alunos a reconstruírem o que foi descoberto pelos cientistas – ou reconstruírem o conhecimento científico. Assim, o aluno não precisa, necessariamente, seguir os mesmos passos que o cientista. Antes, o que deve ser feito é a reconstrução e integração dos valores, métodos e sistemas conceituais que foram produzidos pela ciência, no decurso de modelos alternativos para interpretação e compreensão dos fenômenos estudados. James Gathany - cdc.gov Pennstatenews - Flickr.com 18 Unidade: Fundamentos de Ciências Nesse enfoque o professor assume o papel de mediador da aprendizagem através de suas explicações, facilitando a compreensão dos alunos e favorecendo a relação entre os conhecimentos, contrastando-os. Logo, mostra respeito à aprendizagem dos alunos, dentro de uma postura claramente construtivista (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009). “[...], a partir desse enfoque se assume que a meta da educação científica deve ser que o aluno conheça a existência de diversos modelos alternativos para a interpretação e compreensão da natureza e que a exposição e o contraste desses modelos irão ajudá-lo não só a compreender melhor os fenômenos estudados, mas, sobretudo, a natureza do conhecimento científico elaborado para interpretá-los.” (POZO e GÓMEZ CRESPO, 2009, p. 276). Porém, esse enfoque também traz algumas dificuldades ao processo de ensino e aprendizagem. Podemos citar que se situar dentro de uma concepção construtivista trará dificuldades derivadas dessa concepção, entre elas, a exigência no trabalho docente. E da mesma forma que nos outros enfoques – já assinalados –, há uma aproximação maior do conhecimento conceitual do que dos conhecimentos atitudinais e procedimentais. Esses diferentes enfoques apresentam-se tanto nas salas de aula como nos laboratórios de pesquisa didática. Cabe ao professor a análise desses diferentes enfoques, a fim de que contribuam para sua prática educativa no ensino de Ciências. Para Pozo e Gómes Crespo (2009), o ideal seria a integração entre os enfoques, ou seja, os expositivos – centrados no trabalho do professor – e os centrados no trabalho de pesquisa e descoberta pelos alunos, propondo um ensino em que seja possível observar os múltiplos papéis do professor. Dessa forma, o ensino partiria da proposição do conflito cognitivo com o enfoque de explicação e contraste de modelos. 19 Material Complementar Agora, que tal colocar em prática todos esses conhecimentos na realização de suas atividades? Explore Para refletir acerca do conteúdo estudado nesta unidade, assista ao vídeo “Introdução: o conheci- mento (filosofia)”, que aponta a importância do conhecimento para a vida humana e como, a cada descoberta, novas perguntas são suscitadas. Para isso, visite o site: http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=pVHv-cnz_Z0 Para conhecer um pouco mais sobre o ensino de Ciências voltado para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, acesse: www.cienciashoje.Uol.com.br e tenha acesso a artigos publicados por: Ciência Hoje das crianças. Para complementar seus estudos, visite o site abaixo e leia o artigo: “Construindo o conhecimento científico em sala de aula” (DRIVER, R. et al.) http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc09/aluno.pdf 20 Unidade: Fundamentos de Ciências Referências BACHELARD, Gaston (1938). A formação do espírito científico. RJ: Contraponto, 2003, 316 p. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução. - 3. ed. - Brasília, DF: MEC, 2001. v.1. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria do Ensino Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais. - 3. ed. - Brasília, DF: MEC, 2001. v.4. CARVALHO, Ana Maria Pessoa de; Et al. Ciências no ensino fundamental: o conhecimento físico. São Paulo: Scipione, 2009. CURI, Edda. A matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa Editora, 2005. LIMA, Wanderli Cunha de. Crenças de professores dos anos iniciais do ensino fundamental com relação à matemática e seu ensino e influências na prática. 2010. 227 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática)- Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2010. PORTO, Amélia; RAMOS, Lizia; GOULART, Sheila. Um olhar comprometido com o ensino de ciências. – 1 ed. – Belo Horizonte: Editora FAPI, 2009. POZO, Juan Ignácio; GÓMEZ CRESPO, Miguel Ángel. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico; tradução FREITAS, Naila. – 5. ed. Porto Alegre: Artemed, 2009. 21 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000
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