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Direito Penal do Inimigo - Günther Jakobs e Manuel Cancio Meliá (Resenha)

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Resenha Forense — Empório do Direito 
#010 
 
Direito Penal do Inimigo, (o debate) de GÜNTHER JAKOBS e MANUEL CANCIO MELIÁ 
 
MARCELO PICHIOLI DA SILVEIRA 
Professor de direito processual civil. Membro da Associação Brasileira de Direito 
Processual (ABDPro). Parecerista da Revista Brasileira de Direito Processual Civil 
(RBDPro). 
 
* * * 
Confira a análise no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=hjWoLqyqHSQ 
 
Na resenha de hoje (já é a décima contribuição para o Empório do Direito!), 
comentamos a 4.ª edição de um famoso debate entre GÜNTHER JAKOBS e MANUEL CANCIO 
MELIÁ, publicada pela Livraria do Advogado e traduzida por ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e por 
NEREU JOSÉ GIACOMOLLI. 
A obra tem três capítulos: os dois primeiros de GÜNTHER JAKOBS (“Direito Penal do 
Cidadão e Direito Penal do Inimigo” e “Terroristas como Pessoas de Direito?”); o último é de 
MANUEL CANCIO MELIÁ (“De novo: «Direito Penal» do Inimigo?”). 
Sem medo de errar, é possível afirmar que o texto mais famoso deste “livrinho” é, 
mesmo, o 1.º capítulo, de GÜNTHER JAKOBS: “Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do 
Inimigo”, a tradução que acabou vingando entre nós para o paper intitulado Bürgerstrafrecht 
und Feindstrafrecht, publicado em 2004 pela HöchstRichterliche Rechtsprechung (HRR)-
Strafrecht. 
Logo na introdução do famoso texto (“Introdução: a pena como contradição ou como 
medida de segurança”), GÜNTHER JAKOBS aduz que, quando essa política criminal faz 
referência ao Direito Penal do Cidadão e ao Direito Penal do Inimigo, há a menção de dois tipos 
ideais “que dificilmente aparecerão transladados à realidade do modo puro”1. 
 
1 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, Manuel. 
Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 21. 
Portanto, o penalista de Bonn reconhece a plausibilidade de haver uma “mistura” entre 
ambos, e “inclusive no processamento de um fato delitivo cotidiano que provoca um pouco 
mais que tédio – Direito Penal do cidadão – se misturará ao menos uma leve defesa frente a 
riscos futuros – Direito Penal do inimigo”, de modo que, também, num caso concreto mais 
específico (o do terrorista, p. ex.), mesmo sendo ele um indivíduo “mais afastado da esfera 
cidadã”, sobrevém-lhe um tratamento que, “ao menos formalmente”, se aproxima dos direitos 
processuais de um acusado cidadão2. 
Portanto, a primeiríssima lição que se deve extrair dos escritos de GÜNTHER JAKOBS 
abarca a tese de que ambos os “Direitos Penais” (o do cidadão e o do inimigo) não podem ser 
descritos como duas esferas, contrapostas ou isoladas entre sim. São, isto sim, dois polos de um 
único mundo. São formas de exibição de duas tendências opostas em só contexto jurídico-penal. 
É possível demonstrar isso, com certa didática, na figura a seguir: 
 
 
 
O exposto demonstra, com certa clareza, a probabilidade de essas duas tendências se 
sobreporem, de modo “que se ocultem aquelas que tratam o autor como pessoas e aquelas que 
o tratam como fonte de perigo ou como meio para intimidação aos demais”3...“Que isso fique 
dito como primeira consideração”4. 
Em segundo lugar, “a denominação ««Direito Penal do Inimigo»» não pretende ser 
sempre pejorativa”5, e isso porque um Direito Penal do Inimigo indicaria uma “pacificação 
insuficiente”. Esta insuficiência, contudo, não deve necessariamente ser atribuída aos 
pacificadores, “mas pode-se referir também aos rebeldes”6. 
 
2 Idem, p. 21. 
3 Idem. p. 21. 
4 Idem. p. 21.. 
5 Idem. p. 21. 
6 Idem, p. 21-22. 
Ainda, um Direito (em itálico pelo próprio JAKOBS) Penal do inimigo pressupõe, no 
mínimo, uma atuação desenvolvida e embasada em regras, “em vez de uma conduta espontânea 
e impulsiva”7. 
Após tais reflexões iniciais, JAKOBS passa a tecer comentários sobre o que chama de 
“parte intermediária dos conceitos”, a pena: “a pena é coação [...] de diversas classes, mescladas 
em íntima combinação”. A coação abarca, em si, um sentido, portando uma resposta ao fato. O 
fato, sendo ato de pessoa racional, guarda o significado de algo, a desautorização da norma, 
“um ataque a sua vigência”, ao passo que a pena também significa algo: “que a afirmação do 
autor é irrelevante, e que a norma segue vigente sem modificações, mantendo-se, portanto, a 
configuração da sociedade”8. Nisto, não só o fato, como a coação penal, são meios de “interação 
simbólica”, sendo o autor considerado, de maneira seria, como pessoa, porquanto se incapaz 
fosse, não haveria a necessidade de negar seu ato. 
Além de seu significado, a pena ainda produz, fisicamente, algo: “assim, por exemplo: 
o preso não pode cometer delitos fora da penitenciária: uma prevenção especial segura durante 
o lapso efetivo da pena privativa de liberdade”9. 
Pode-se pensar ser improvável a pena privativa de liberdade se converter “na reação 
habitual frente a fatos de certa gravidade se ela não contivesse este efeito de segurança”10. Neste 
parâmetro, a coação não pretende ter alguma significação, objetivando, todavia, ser efetiva: sem 
se dirigir contra a pessoa em Direito (itálico de JAKOBS), mas contra o indivíduo que é perigoso. 
JAKOBS exemplifica isto com a legislação alemã (StBG, o CP alemão): 
 
Isto talvez se perceba, como especial clareza, quando se passa do efeito de 
segurança da pena privativa de liberdade à custódia de segurança, enquanto 
medida segurança (§ 61 núm. 3, § 66 StGB): nesse caso, a perspectiva não só 
contempla retrospectivamente o fato passado que deve ser submetido a juízo, 
mas também se dirige – e sobretudo – para frente, ao futuro, no qual uma 
«tendência a [cometer] fatos delitivos de considerável gravidade» poderia ter 
efeitos «perigosos» para a generalidade (§§ 66, parágrafo 1º, núm. 3 StGB)11. 
 
Logo, no lugar de uma pessoa, que é, de per si, capaz, e a que se contradiz através da 
pena, surge o indivíduo perigoso, ao qual se aplica não mais a pena, mas a medida de segurança, 
e de maneira fisicamente efetiva. É a luta contra um perigo (em lugar de comunicação). É 
Direito Penal do inimigo em vez do Direito Penal do cidadão, sendo o primeiro, neste 
 
7 Idem, p. 22. 
8 Idem, p. 22. 
9 Idem, p. 22. 
10 Idem, p. 22. 
11 Idem, p. 22-23. 
parâmetro, pelo menos um Direito Penal lato senso (“a medida de segurança tem como 
pressuposto a comissão de um delito”). “E a voz «Direito» significa, em ambos os conceitos, 
algo claramente diferente”12. 
JAKOBS faz um adendo crítico sobre isto: o que se pode apreciar na dogmática da 
atualidade a respeito dessas questões é pouco, tendendo ao nada: 
 
E que não se pode esperar nada daqueles que buscam razão em todas as partes, 
garantindo-se a si mesmo que a tem diretamente e proclamando-a sempre em 
tom altivo, ao invés de dar-se ao trabalho de configurar sua subjetividade, 
examinando aquilo que é e pode ser13. 
 
Seria a Filosofia da Idade Moderna a “ferramenta” que ensina o suficiente para, no 
mínimo, dar as condições que legitimam a abordagem deste problema. 
No item “2” do mesmo texto, JAKOBS inicia “alguns esboços jusfilosóficos”, 
postulando que por “Direito” se deve entender o vínculo entre pessoas se figuram como titulares 
de direitos e de deveres. A relação com um inimigo, no entanto, não se determina pelo Direito, 
e sim, pela coação. Apesar disto, o Direito se encontra vinculado de modo a autorizar o emprego 
da coação, sendo que a mais intensa das coações é aquela determinada pelo DireitoPenal14. 
Em consequência do raciocínio do parágrafo acima, cogitar-se-ia o argumento de que 
toda pena, ou, mesmo, toda legitima defesa se dirige contra um inimigo. “Tal argumentação”, 
diz JAKOBS, “em absoluto é nova, mas conta com destacados precursores filosóficos”15. 
Os autores que fundamentam o Estado de maneira estrita — com base em um contrato 
— compreendem o delito, o crime, no sentido de que o criminoso viola o contrato, já não 
participando mais, destarte, dos benefícios deste, deixando de conviver com os demais 
membros da sociedade no interior de uma relação jurídica. Foi neste sentido que ROUSSEAU 
afirmou que “qualquer «malfeitor» que ataque o «direito social» deixa de ser «membro» do 
Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra 
o malfeitor”16. Por consequente, “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como 
cidadão”17. 
 
12 Idem. p. 23. 
13 Idem, p. 23. 
14 Idem, p. 24. 
15 Idem, p. 24. 
16 ROUSSEAU, Staat und Gesellschaft. Contrato Social, traduzido e comentado por WEIGEND, 1959, p. 33 
(segundo livro, capítulo V) apud JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: 
______; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André 
Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 24. 
17 Idem, p. 24-25. 
No mesmo sentido, FICHTE: 
 
quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava 
com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, em sentido 
estrito perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa 
a um estado de ausência completa de direitos18. 
 
Completa JAKOBS: 
 
Fichte atenua tal morte civil como regra geral mediante a construção de um 
contrato de pertinência, mas não no caso do «assassinato intencional e 
premeditado»: neste âmbito, mantém-se a privação de direitos: «... ao 
condenado se declara que é uma coisa, uma peça de gado». Com férrea 
coerência, Fichte prossegue afirmando que a falta de personalidade, a execução 
do criminoso «não [é uma] pena, mas só o instrumento de segurança»19. 
 
Com este esboço, o que JAKOBS pretendeu foi, somente, demonstrar a plausibilidade 
de se pensar na ideia de que a condição, o status, de cidadão, não é, necessariamente, uma 
característica imperdível. Só isso. Ele próprio aduz que, sobre ROUSSEAU e FICHTE, “não é 
oportuno entrar em detalhes [...] com este breve esboço [...]”20. 
JAKOBS nega, outrossim, a pretensão em seguir ROUSSEAU e FICHTE: “não quero seguir 
a concepção de Rousseau e de Fichte”, justificando que esta “separação radical” entre o cidadão 
do Direito e entre o injusto do inimigo é algo muito abstrato: 
 
Em princípio [, justifica,] um ordenamento jurídico deve manter dentro do 
Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razão: [...] o delinquente 
tem o direito a voltar ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter seu 
status de pessoa, de cidadão, em todo caso: sua situação dentro do Direito. [...] 
o delinquente tem o dever de proceder à reparação e também os deveres têm 
como pressuposto a existência de personalidade, dito de outro modo, o 
delinquente não pode despedir-se arbitrariamente da sociedade através de seu 
ato21. 
 
Quem tinha consciência disto, segundo JAKOBS, era HOBBES, também um filósofo do 
contrato social, “mas materialmente é, preferentemente, um filósofo das instituições”. 
Completa JAKOBS: 
 
Seu contrato de submissão – junto a qual aparece, em igualdade de direito (!), 
a submissão por meio da violência – não se deve entender tanto como um 
contrato, mas como uma metáfora de que os (futuros) cidadãos não perturbem 
 
18 Idem, p. 25. 
19 Idem, p. 25. 
20 Idem, p. 25. 
21 Idem, p. 25-26. 
o Estado em seu processo de auto-organização. De maneira plenamente 
coerente com isso, Hobbes, em princípio, mantém o delinquente, em sua 
função de cidadão: o cidadão não pode eliminar, por si mesmo, seu status. 
Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de uma 
alta traição: «Pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que 
significa uma recaída no estado de natureza... E aqueles que incorrem em tal 
delito não são castigados como súditos, mas como inimigos»22. 
 
E, “para Rousseau e Fichte, todo criminoso é, de per si, um inimigo”23. Em HOBBES, 
no entanto, pelo menos o réu “de alta traição” o é24. 
KANT, por sua vez, fez uso do Contratualismo como uma “ideia reguladora na 
fundamentação e na limitação do poder do Estado”, focando a problemática “na passagem do 
estado de natureza (fictício) ao estado estatal”. 
A construção teórica de KANT implica na tese de que toda pessoa estaria autorizada a 
obrigar qualquer outro indivíduo a adentrar em uma “constituição cidadã”. Assim é que JAKOBS 
propõe a discussão: “o que diz Kant àqueles que não se deixam obrigar?”, respondendo que 
KANT, 
 
em seu escrito «Sobre a paz eterna», dedica uma extensa nota, ao pé de página, 
ao problema de quando se pode legitimamente proceder de modo hostil contra 
um ser humano, expondo o seguinte: «Entretanto, aquele ser humano ou povo 
que se encontra em um mero estado de natureza, priva .... [da] segurança 
[necessária], e lesiona, já por este estado, aquele que está ao meu lado, embora 
não de maneira ativa (ato), mas sim pela ausência de legalidade de seu estado 
(statu iniusto), que ameaça constantemente; por isso, posso obrigar que, ou 
entre comigo em um estado comunitário-legal ou abandone minha 
vizinhança»25. 
 
Logo, diz JAKOBS, sobre este raciocínio, 
 
quem não participa na vida em um «estado comunitário-legal» deve retirar-se, 
o que significa que é expelido (ou impelido à custódia de segurança); em todo 
caso, não há que ser tratado como pessoa, mas pode ser «tratado», como anota 
expressamente Kant, «como um inimigo»26. 
 
Em KANT, portanto, o trato de “pessoa” inexiste para quem «me ameaça... 
constantemente», ou seja, aquele que “não se deixa obrigar a entrar em um estado cidadão”27. 
 
22 Idem, p. 26. 
23 Idem, p. 26. 
24 Idem. Ibidem. Loc. cit. 
25 Idem, p. 27. 
26 Idem, p. 27. 
27 Idem, p. 28. 
Similarmente, HOBBES despersonaliza aquele réu de “alta traição”, porque este nega a 
constituição existente. Logo, JAKOBS dita: “Hobbes e Kant conhecem um Direito Penal do 
cidadão – contra pessoas que não delinquem de modo persistente por princípio – e um Direito 
Penal do inimigo contra quem se desvia por princípio”28. O Direito Penal do cidadão deixa ilesa 
o status de pessoa, sendo “Direito também no que se refere ao criminoso. Este segue sendo 
pessoa”. O Direito Penal do inimigo exclui, “mas [...] é Direito em outro sentido”29. 
É direito do Estado – prossegue Jakobs – a busca de segurança frente aos indivíduos 
que, com persistência, reincidem no cometimento de delitos. “Afinal de contas, a custódia de 
segurança é uma instituição jurídica”. E os cidadãos do Estado têm a faculdade, o direito, de 
exigir deste a tomada de medidas que sejam adequadas para tal fim. Os cidadãos “têm um 
direito à segurança”, dado este em que Hobbes fundamenta e limita o Estado: finis 
oboedientiae est protectio30. Porém, neste direito de exigir do Estado tais objetivos, não se 
incluem o réu de alta traição (HOBBES), e não se incluem aqueles que permanentemente 
ameaçam (KANT). É um direito dos demais: 
 
O Direito Penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito Penal do inimigo é 
daqueles que o constituem contra o inimigo: frenteao inimigo, é só coação 
física, até chegar à guerra (destaque de JAKOBS)31. 
 
Tal coação física pode ficar limitada em um duplo sentido. No primeiro sentido, o 
Estado não excluirá, necessariamente, o inimigo de todos os direitos, ficando o sujeito 
submetido à custódia de segurança e “incólume em seu papel de proprietário de coisas”. 
No segundo sentido, 
 
o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-
se, em especial, para não fechar a porta a um posterior acordo de paz. Mas isso 
em nada altera o fato de que a medida executada contra o inimigo não significa 
nada, mas só coage32. 
 
Logo, o Direito Penal do cidadão existe para manter a vigência normativa. Já o Direito 
Penal do inimigo encontra o escopo de combater perigos, considerando-o num sentido amplo, 
 
28 Idem, p. 28. 
29 Idem, p. 27. 
30 Idem, p. 28. 
31 Idem, p. 28. 
32 Idem, p. 29. 
isto é, com a inclusão do Direito das medidas de segurança. “Com toda certeza existem 
múltiplas formas intermediárias”33. 
Após essas exposições supra, JAKOBS indaga: “por que Hobbes e Kant realizam a 
delimitação como se tem descrito?”, aduzindo que sua resposta terá formas, por ele dadas, de 
teses. A leitura é um pouco confusa: “nenhum contexto normativo, e também o é o cidadão, a 
pessoa em Direito, é tal – vigora – por si mesmo. Ao contrário, há de determinar, em linhas 
gerais, a sociedade. Só então é real”34. Ao que parece, JAKOBS quis dizer que nenhum contexto 
normativo vigora por si próprio, sendo que a pessoa “em Direito” (= o cidadão) não é tal qual 
lhe descreva o contexto normativo próprio, devendo-se precisar a sociedade em linhas gerais 
para que o a normatividade seja, então, real. 
Para a explicação, então, desta tese, aduz Jakobs, “começarei com algumas 
considerações acerca do que significa – sit venia verbo – o caso normal da sequência de delito 
e pena”. Os delitos não existem em circunstâncias caóticas. Os delitos existem como violação 
de normas de uma ordem praticada. “Ninguém tem desenvolvido isso com tanta clareza como 
Hobbes”, filósofo que confere a todos os seres humanos em estado de natureza um ius naturale 
a tudo. Na “terminologia moderna”, isso significa só um ius assim denominado, o qual não se 
encontra harmonizado com uma obligatio, um dever de outrem, mas que, contrariamente, “só 
é uma denominação da liberdade normativamente ilimitada, unicamente circunscrita pela 
violência física de cada indivíduo, de fazer e deixar de fazer o que se queira, contanto que se 
possa”. Quem quer, quem almeja, quem aspira, quem deseja e pode, logrando faculdade, pode 
matar alguém sem causa alguma. Este é seu ius naturale, a constatação expressa Hobbes. Isso 
não tem paralelo nenhum com um delito, porque no estado de natureza, ao qual falta uma ordem 
definida, “de maneira vinculante”, não se pode dizer que há violação de normas em tal ordem35. 
Isto posto, os delitos só ocorrem, para Jakobs, em uma comunidade que seja ordenada 
– Estado – “do mesmo modo que o negativo só se pode determinar ante a ocultação do positivo 
e vice-versa”36. 
O delito, assim, não surge “como princípio do fim da comunidade ordenada”. É o 
delito uma infração da comunidade, um “deslize reparável”37. JAKOBS exemplifica: 
 
Para esclarecer o que foi dito, pense no sobrinho que mata seu tio, com o 
objetivo de acelerar o recebimento da herança, a qual tem direito. Nenhum 
 
33 Idem, p. 29. 
34 Idem, p. 30. 
35 Idem, p. 30. 
36 Idem, p. 30. 
37 Idem, p. 30. 
Estado sucumbe por um caso destas características. Ademais, o ato não se 
dirige contra a permanência do Estado, e nem sequer contra a de suas 
instituições. O malvado sobrinho pretende amparar-se na proteção da vida e da 
propriedade dispensadas pelo Estado; isto é, comporta-se, evidentemente, de 
maneira autocontraditória. Dito de outro modo, opta, como qualquer um 
reconheceria, por um mundo insustentável. E isso não só no sentido do 
insustentável, desde o ponto de vista prático, em uma determinada situação, 
mas já no plano teórico. Esse mundo é impensável38. 
 
Logo, o Estado moderno vislumbra no autor de um fato “normal” (sobre esta palavra, 
adverte JAKOBS: “de novo, uso esta palavra pouco exata...”), de maneira diferente do que se tem 
nos autores teóricos e estritos do contratualismo de ROUSSEAU e FICHTE. Não seria um inimigo 
a ser um destruído, mas um cidadão, uma pessoa, que por sua conduta danificou a vigência da 
norma e é chamado, então, de modo coativo, e mantendo a condição cidadã (≠ inimigo), a 
harmonizar o dano, e isto na vigência da norma. Esta postura é revelada com a pena, definida 
por JAKOBS como “a privação de meios de desenvolvimento do autor, mantendo-se a 
expectativa defraudada pelo autor, tratando esta, portanto, como válida, e a máxima da conduta 
do autor como máxima que não pode ser norma”39. 
Todavia, esse raciocínio só é assim, simples, ideal, quando o autor atua com fidelidade 
ao ordenamento jurídico, e isto porquanto “do mesmo modo que a vigência da norma, não pode 
manter-se de maneira completamente contrafática, tampouco a personalidade”. Completa 
JAKOBS: “tentarei explicar brevemente o que foi dito, abordando primeiro a vigência da 
norma”40. 
Se se pretende que uma norma paute e configure a sociedade, deve-se esperar de todas 
as condutas a conformidade, em todos os aspectos fundamentais, com a norma. Isto quer dizer 
que as pessoas devem partir da premissa de que todos se comportarão conforme a norma 
(precisamente: sem infringi-la). As normas de “certo peso”, pelo menos, merecem a expectativa 
de fidelidade, além de precisarem de uma “confirmação cognitiva” para poderem se converter 
em um dado real. JAKOBS exemplifica com um caso que ele próprio adjetiva ser “extremo”: 
 
quando é séria a possibilidade de ser lesionado, de ser vítima de um roubo ou 
talvez, inclusive, de um homicídio, em um determinado parque, a certeza de 
estar, em todo caso, em meu direito, não me fará entrar nesse parque sem 
necessidade. Sem uma suficiente segurança cognitiva, a vigência da norma se 
esboroa e se converte numa premissa vazia, na medida em que já não oferece 
uma configuração social realmente susceptível de ser vivida41. 
 
 
38 Idem, p. 30. 
39 Idem, p. 30-32. 
40 Idem, p. 32. 
41 Idem, p. 32. 
Em níveis teóricos, é possível afastar tal confirmação do normativo pelo fático, com a 
menção de que o que “não deve ser, não deve ser, embora provavelmente não vá ser”. Todavia, 
o que as pessoas querem não se reduz a “ter direito”, já que buscam a preservação do corpo (= 
sobrevivência como indivíduos necessitados)42. A confiança naquilo que “não deve ser” apenas 
denota uma orientação com a qual é possível sobreviver, de modo que tal orientação não é 
contraditória com tanta intensidade pelo conhecimento do que será. “É precisamente por isso 
que Kant argumenta que qualquer um pode obrigar a qualquer outro a entrar numa constituição 
cidadã”43. 
Isto não é diferente no caso da personalidade do autor de um delito. Nem mesmo a 
personalidade do autor de um fato delitivo pode permanecer de modo “puramente contrafático, 
sem nenhuma confirmação cognitiva”44. Quando se pretende a introdução de outrem no 
“cálculo como indivíduo”, numa apreciação de satisfação e insatisfação, tomando-o como 
pessoa, isto significa que se parte de sua orientação embasada na licitude e na ilicitude. Assim, 
esta expectativa normativa também deve se encontrar rígida (JAKOBS fala a palavra 
“cimentada”) em seus aspectos fundamentais, de maneira cognitiva, e isto numa proporçãomaior para as normas que encontram correspondência com pesos maiores45. E, prossegue: 
 
Já se tem mencionado o exemplo da custódia de segurança como medida de 
segurança. Há muitas outras regras do Direito Penal que permitem apreciar que 
naqueles casos nos quais a expectativa de um comportamento pessoal é 
defraudada de maneira duradoura, diminuindo a disposição em tratar o 
delinquente como pessoa. Assim, por exemplo, o legislador (por permanecer 
primeiro no âmbito do Direito material) está passando a uma legislação – 
denominada deste modo – de luta, por exemplo, no âmbito da criminalidade 
econômica, do terrorismo, da criminalidade organizada, no caso de «delitos 
sexuais e outras infrações penais perigosas», assim como, em geral, no que 
tange aos «crimes». Pretende-se combater, em cada um destes casos, a 
indivíduos que em seu comportamento (por exemplo, no caso dos delitos 
sexuais), em sua vida econômica (assim, por exemplo, no caso da 
criminalidade econômica, da criminalidade relacionada com as drogas e de 
outras formas de criminalidade organizada), ou mediante sua incorporação a 
uma organização (no caso do terrorismo, na criminalidade organizada, 
inclusive já na conspiração para delinquir, § 3º StGB) se tem afastado, 
provavelmente, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, 
isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um 
tratamento como pessoa46. 
 
 
42 Idem, p. 32-33. 
43 Idem, p. 33. 
44 Idem, p. 33. 
45 Idem, p. 33. 
46 Idem, p. 33-34. 
Essas reações conferidas pelo ordenamento jurídico, frente a esta criminalidade, são 
elementos caracterizadores, e isto pelo fato de não se tratarem, em primeira linha, de uma 
compensação de um dano à vigência da norma, mas, isto sim, da eliminação de um perigo. Há 
um avanço da punibilidade para um notável trecho da preparação, estando a pena dirigida à 
segurança de fatos futuros, e não mais à sanção de fatos cometidos. Em outras palavras, “a 
reflexão do legislador é a seguinte: o outro «me lesiona por... [seu] estado [em ausência de 
legalidade](statu iniusto), que me ameaça constantemente»”. Isto quer dizer, n’outra 
formulação, aquele raciocínio kantiano, no sentido de que um indivíduo que não admite a 
obrigação de entrar em um estado de cidadania não tem a faculdade, assim, de participar dos 
benefícios do conceito de pessoa. O estado de natureza, em sendo um estado de ausência de 
normas, acaba por ser de liberdade excessiva e de luta excessiva. Aquele que vence a guerra, 
diz JAKOBS, é quem determina o que é a norma, ao passo de quem a perde há de se submeter a 
esta determinação47. 
JAKOBS faz a famosa referência, então, à ocasião de 11 de setembro de 2001, cuja 
referência história segue com a seguinte reflexão: 
 
O que ainda se subentende a respeito do delinquente de caráter cotidiano, isto é, 
não trata-lo como indivíduo perigoso, mas como pessoa que age erroneamente, 
já passa a ser difícil, como se acaba de mostrar, no caso do autor por tendência48. 
 
Isto acaba por dispor coisas de modo que umas se sobreponham em parte às outras, ou 
seja, em uma organização (que passa ao primeiro plano) para reagir ao perigo oriundo dessas 
condutas, repetidamente contrárias às normas. Seria o “terrorista” aquele cuja denominação se 
refere ao sujeito que, reiteradamente, rechaça, por princípio, o ordenamento jurídico em sua 
legitimidade. Todavia, “não se pretende duvidas que também um terrorista que assassina e 
aborda outras empresas pode ser punido por qualquer Estado que declare que seus atos são 
delitos. Os delitos seguem sendo delitos, ainda que se cometam com intenções radicais e em 
grande escala”49. 
Deve-se indagar, entretanto, se a fixação estrita e particular à categoria do delito não 
vincula o Estado a um liame (a necessidade de respeitar o autor como pessoa), o qual, frente a 
um terrorista, simplesmente resulta inadequado, porque não se justifica a expectativa de uma 
conduta geralmente pessoal. JAKOBS tenta explicar o raciocínio: 
 
47 Idem, p. 35. 
48 Idem, p. 35. 
49 Idem, p. 35. 
 
Dito de outro modo: quem inclui o inimigo no conceito de delinquente-cidadão 
não deve assombrar-se quando se misturam os conceitos «guerra» e «processo 
penal» [...]. Quem não quer privar o Direito Penal do cidadão de suas 
qualidades vinculadas à noção de Estado de Direito – controle de paixões; 
reação exclusivamente frente a atos exteriorizados, não frente a meros atos 
preparatórios; a respeito da personalidade do delinquente no processo penal, 
etc. – deveria chamar de outra forma aquilo que tem que ser feito contra os 
terroristas, se não se quer sucumbir, isto é, deveria chamar Direito Penal do 
inimigo, guerra contida 50. 
 
Destarte, é cognoscível que o Direito Penal possui dois polos, tendências, faces, em 
suas regulações (não violando o princípio da legalidade). 
Por um rumo, o tratamento com o cidadão, do qual se espera a exteriorização de sua 
conduta delitiva para reagir, efetivamente, contra isso, de modo a confirmar a estrutura 
normativa da sociedade. Exemplo de JAKOBS: “o tratamento dado a um homicida, que, se é 
processado por autoria individual só começa a ser punível quando se dispõe imediatamente a 
realizar o tipo (p. 22, 21 StGB)”. Por outro fluxo, há o tratamento ao inimigo, que é interceptado 
já no estado prévio, em combate que em\frenta a periculosidade. Exemplo de Jakobs: 
 
o tratamento dado ao cabeça (chefe) ou quem está por atrás 
(independentemente de quem quer que seja) de uma associação terrorista, ao 
que alcança uma pena só levemente mais reduzida do que corresponde ao autor 
de uma tentativa de homicídio, já quando funda a associação ou leva a cabo 
atividades dentro desta (p 129 a StGB), isto é, eventualmente anos anotes de 
um fato previsto como maior ou menor imprecisão. Materialmente, é possível 
pensar que se trata de uma custódia de segurança antecipada que se denomina 
«pena»51. 
 
Com efeito, JAKOBS reconhece que, se há um Direito Penal material do cidadão e um 
Direito Penal material do inimigo, há, também, o Direito Processual Penal do cidadão e o 
Direito Processual Penal do inimigo, “evidentemente”. O imputado é a pessoa que participa no 
processo, “sujeito processual”. “Isto é, precisamente, o que distingue o processo reformado do 
processo inquisitivo”. JAKOBS menciona, ilustrativamente, o direito à tutela judicial, o direito a 
solicitar a prática de provas, de assistir aos interrogatórios e, especialmente, a não ser enganado, 
coagido, e nem submetido a determinadas tentações (§ 136 a StPO)52. 
Noutro compasso, e perante esse lado pessoal — de sujeito processual — aparece em 
várias formas uma evidente coação, principalmente na prisão preventiva (§§ 112, 112 a StPO). 
Assim como na custódia de segurança, a prisão preventiva nada significa para o imputado, “mas 
 
50 Idem, p. 35-36. 
51 Idem, p. 36. 
52 Idem, p. 37. 
frente a ele se esgota numa coação física”53. E isto não pela justificativa de que o imputado 
deve assistir ao processo, mas, isto sim, porque há uma obrigação, mediante seu 
encarceramento54. 
Tal coação não é dirigida contra o sujeito em Direito, que não oculta provas; que não 
foge... Essa coação se dirige, pois, ao indivíduo, cujos instintos e medos colocam em risco a 
“tramitação ordenada do processo”, se conduzindo, assim, como inimigo55. E, prossegue 
JAKOBS: 
 
A situação é idêntica a respeito de qualquer coação a uma intervenção, por 
exemplo, a uma retirada de sangue (§ 81 a StPO), assim como a respeito 
daquelas medidasde supervisão das quais o imputado nada sabe no momento 
de sua execução porque as medidas só funcionam quando o imputado não as 
conheça. Neste sentido, há que mencionar a intervenção nas telecomunicações 
(§ 100 a StPO), outras investigações secretas (§ 100 c StPO), e a intervenção 
de agentes infiltrados (§ 110 a StPO)56. 
 
Logo, assim como no Direito Penal material, também no Direito Penal Processual 
ocorrem medidas que não têm lugar exterior ao Direito. Todavia, os imputados são excluídos 
de seu direito conforme o Estado intervenha no seu âmbito e elimine os direitos de modo 
juridicamente ordenado57. 
Como no Direito Penal material, as regras mais extremas, referentes ao “processo 
penal do inimigo”, objetivam eliminar os riscos terroristas58: 
 
Nesse contexto, pode bastar uma referência à incomunicabilidade, isto é, à 
eliminação da possibilidade de um preso entrar em contato com seu defensor, 
evitando-se riscos para a vida, a integridade física ou a liberdade de uma pessoa 
(§§ 31 e ss. EGGVG). Agora, este somente é um caso extremo, regulado pelo 
Direito positivo. O que pode suceder, a margem de um processo penal 
ordenado, é conhecido em todo o mundo desde os fatos do 11 de setembro de 
2001: em um procedimento em que a falta de uma separação do Executivo, 
com toda certeza não pode denominar-se processo judicial próprio, mas sim, 
perfeitamente, pode chamar-se um procedimento de guerra. Aquele Estado em 
cujo território se cometeram aqueles atos tenta, com a ajuda de outros Estados, 
em cujos territórios até o momento – e só até o momento – não tem ocorrido 
nada comparável, destruir as fontes dos terroristas e dominá-los, ou, melhor, 
matá-los diretamente, assumindo, como isso, também o homicídio de seres 
humanos inocentes, chamado dano colateral. A ambígua posição dos 
prisioneiros – delinquentes? prisioneiros da guerra? – mostra o que se trada de 
persecução de delitos mediante a guerra59. 
 
53 Idem, p. 37. 
54 Idem, p. 37. 
55 Idem, p. 38. 
56 Idem, p. 38. 
57 Idem, p. 38. 
58 Idem, p. 38. 
59 Idem, p. 38-39. 
 
O Estado, então, poderia atuar de duas maneiras com aqueles que cometem delitos: a) 
vê-los como pessoas que cometem crimes, que tenham cometido um erro; b) vê-los como 
indivíduos que merecem o impedimento de destruir o ordenamento jurídico, mediante coação. 
Tais perspectivas têm, em determinados âmbitos, seus respectivos e legítimos lugares, “o que 
significa, ao mesmo tempo, que também possam ser usadas em um lugar equivocado”60. 
Quer se exibir que, neste contexto, a personalidade enquanto construção 
exclusivamente normativa é irreal. Só será real quando as expectativas dirigidas a uma pessoa 
também se realizarem em planos essenciais61. 
É claro que uma pessoa também pode ser construída contrafaticamente, como pessoa; 
todavia, não de maneira permanente, destacada ou preponderante. Aquele que não presta 
suficiente segurança cognitiva de um comportamento pessoal perde a faculdade de esperar ser 
tratado ainda como pessoa. Além disso, o Estado não tem laços deontológicos; não deve; tratá-
lo como pessoa, porque uma atitude contrária vulneraria das demais pessoas o direito à 
segurança 62. 
Assim, diz JAKOBS, “seria completamente errôneo demonizar aquilo que aqui se tem 
denominado Direito Penal do inimigo”63. Sem ele, ficaria impossível a resolução do problema 
ao tratamento conferido aos indivíduos que não se permitem incluir em uma constituição 
cidadã. “Como já se tem indicado, KANT exige a separação deles, cujo significado é de que 
deve haver proteção frente aos inimigos”. 
Entretanto, sob outro viés, nem todo criminoso é, a princípio, necessário adversário do 
ordenamento jurídico. “Por isso, a introdução de um cúmulo – praticamente já inalcançável – 
de linhas e fragmentos de Direito Penal do inimigo no Direito Penal geral é um mal, desde a 
perspectiva do Estado de Direito”64. JAKOBS exemplifica tal assertiva com um caso envolvendo 
a “preparação do delito”65. O Código Penal prussiano de 1851 e o Código Penal do Reich de 
1871 não vislumbravam uma punição de atos isolados de preparação de um delito. Mas, durante 
a Kulturkampf (= “Luta Cultural”66), um estrangeiro, o belga Duchesne, se apresentou para as 
altas instituições eclesiásticas estrangeiras (na Bélgica, o “provincial dos jesuítas”) para 
assassinar BISMARCK, o chanceler do Reich, em troca de um valor alto, e a legislação da época 
 
60 Idem, p. 40. 
61 Idem, p. 40. 
62 Idem, p. 40. 
63 Idem, p. 40. 
64 Idem, p. 41. 
65 Idem, p. 41. 
66 Definida por Jakobs como “uma luta do Estado pela secularização das instituições sociais” (Idem p. 41). 
acabou por absorver um preceito que ameaçava tais atos de preparação de delitos gravíssimos, 
com pena de três meses até cinco anos de prisão. “No caso de outros delitos, com pena de prisão 
de até dois anos (§§ 49 a, 16 RStGB depois da reforma de 1876)”67. Foi uma regulação de penas 
pouco elevadas, e que, por evidência, não levavam em conta a periculosidade que pode vir a 
ser um inimigo, mas, isto sim, aquilo que o autor já tenha atacado até esse momento, ao 
concretizar a conduta: a segurança pública. 
JAKOBS cita então outro caso, desta vez datado de 1943 (inserindo um ponto de 
exclamação, “!”, neste tópico), de quando se agravou esse e outros aspectos, de modo a vincular 
a pena ao fato planejado. O delito contra a segurança pública, assim, se transformou uma 
legitimação de punição de atos preparatórios, e essa modificação legal subsiste até hoje68. 
“Portanto”, prossegue, “o ponto de partida ao qual se ata a regulação é a conduta não realizada, 
mas só planejada, isto é, não o dano à vigência da norma que tenha sido realizado, mas o fato 
futuro”69-70. Noutras palavras, o local do dano atual à vigência normativa é preenchido pelo 
perigo de danos futuros. Eis uma regulação própria do Direito Penal do inimigo: 
 
O que, no caso dos terroristas – em princípio, adversários – pode ser adequado, 
isto é, tomar como ponto de referência as dimensões do perigo, e não o dano à 
vigência da norma, já realizada, se traslada aqui ao caso do planejamento de 
qualquer delito, por exemplo, de um simples roubo. Tal Direito Penal do 
inimigo, supérfluo – a ameaça da pena desorbitada carece de toda justificação 
–, é mais danoso para o Estado de Direito que, por exemplo, a falta de 
comunicação antes mencionada, pois neste último caso, não se trata como 
pessoa ao – suposto – terrorista, no primeiro, qualquer autor de um delito em 
sentido técnico e qualquer indutor (§§ 12, parágrafo 1º, 30 StGB), de maneira 
que uma grande parte do Direito Penal do cidadão se entrelaça com o Direito 
Penal do inimigo71. 
 
Prosseguindo, JAKOBS adentra em um tópico mais complexo e que utiliza um confuso 
conceito de “personalização contrafática”, atrelada à noção de “inimigos como pessoas” 72. Para 
completar tudo o que foi exposto e explicar esse subitem, diz: “só é pessoa quem oferece uma 
garantia cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, e isso como consequência da ideia 
que de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real”73. 
 
67 Idem, p. 41. 
68 Idem, p. 41. 
69 Idem, p. 41-42. 
70 “Apesar de considerar-se, geralmente, que uma delimitação clara de atos preparatórios e tentativa constitui um 
postulado de primeira classe num Estado de Direito, está ausente qualquer consideração crítica da punibilidade da 
preparação dos delitos conforme o § 30 StGB, uma pluralidade que – a respeito dos delitos no caso de autoria e 
indução – marginaliza quase que por completo a relevância dolimite; do novo” (Idem, p. 42). 
71 Idem, p. 42. 
72 Idem, p. 43. 
73 Idem, p. 43. 
O que JAKOBS tenta deixar claro é a ideia de que o ordenamento jurídico é imposto 
somente se sua vigência ultrapassa o “ideal”, e chega ao patamar do “real” (= aparentemente, 
do que é “efetivo”). Criticando aqueles que vão contra essa sua noção de contratualismo (diga-
se: apegado ao peso da norma), JAKOBS aduz o seguinte: 
 
Contrariamente a essa posição se encontra, entretanto, na atualidade, a suposta 
corrente de que em todo o mundo existe uma ordem mínima juridicamente 
vinculante no sentido de que não devem tolerar-se as vulnerações dos direitos 
humanos elementares, independentemente de onde ocorram, e que, ao 
contrário, há que reagir frente a tais vulnerações, mediante uma intervenção e 
uma pena74. 
 
As consequências dessa suposição, para JAKOBS, são o Tribunal para a antiga 
Iugoslávia em Haia, o estatuto de Roma e o CP internacional75. O exame das jurisdições 
internacional e nacional permitiria demonstrar justamente essa tese — por ele criticada, como 
visto na citação supra —de que a percepção de que a pena passa do caráter “manutenção” da 
vigência normativa para ser uma forma de “criação” de vigência normativa76. 
Isto não deve ser encarado, prossegue JAKOBS, como um trato inadequado, sendo 
necessário identifica-lo e processá-lo teoricamente. Defende ainda ser sabido que em várias 
localizações ocorrem vulnerações extremas aos direitos humanos elementares, e que isso 
acontece porque, nesses locais, os direitos humanos não estavam, no momento, estabelecidos 
“no sentido de que fossem respeitados em linhas gerais, pois ao contrário, também nesses 
territórios seriam entendidas as vulnerações como perturbações da ordem estabelecida e seriam 
sancionadas, sem necessidade de uma jurisdição exterior”77. Alguns Estados ocidentais 
afirmam uma vigência global de direitos humanos, sendo que tal vigência é negada no lugar de 
comissão de atos, e isso de um modo radical e exitoso, “ao menos por parte dos autores” 78: 
 
Agora, o autor sempre nega a vigência da norma que proíbe o fato a respeito 
da conduta que planeja; pois ao contrário, não poderia praticar o ato. Em 
consequência, parece que em todo caso – tanto no caso de uma vulneração de 
direitos humanos em qualquer lugar do mundo como na hipótese básica de um 
delito dentro do Estado – o autor se dirige contra a norma proibitiva e que a 
vigência da norma, afetada por ele, é confirmada em sua intangibilidade pela 
pena. Entretanto, esta equiparação suporia desconsiderar diferenças 
essenciais79. 
 
 
74 Idem, p. 43. 
75 Idem, p. 43. 
76 Idem, p. 43-44. 
77 Idem, p. 44. 
78 Idem, p. 44. 
79 Idem, p. 44 
No caso do delito, em um Estado, em linhas amplas e individualmente, uma ordem 
estabelecida é vulnerada. O Estado possui o monopólio da violência a seu favor, estando este 
autor vinculado, submetido, também já antes do seu ato80. E “Kant formulou isso afirmando 
que no «estado comunitário-legal» a «autoridade» tem «poder» tanto quanto sobre o autor 
quanto sobre sua vítima” 81. Assim, fala-se — de modo muito confuso — de um status de 
certeza, onde o Estado presta segurança suficiente às expectativas das normas da vítima frente 
ao autor, de maneira que, se apesar disso se produzir um fato, o fato próprio se figura como 
peculiar, e não considerado no “cálculo cognitivo”, havendo a possibilidade de ser neutralizado 
com a imputação ao autor, punido. Essa consideração, de um estado de vigência real do 
ordenamento jurídico (= “no Estado em funcionamento”), “há de bastar”, diz JAKOBS82. 
O contexto difere no que se refere à vigência global dos direitos humanos. Não é 
possível afirmar, sob nenhuma hipótese, de que existe um estado real de vigência do Direito, 
além apenas de seu postulado de realização. Essas postulações até podem ter perfeita 
fundamentação, mas isto não implica uma necessária realização, “do mesmo modo que uma 
pretensão jurídico-civil não se encontra realizada só porque esteja bem fundamentada”83. Em 
outras palavras, não se tem uma manutenção de um estado “comunitário-legal”, mas, antes, o 
seu estabelecimento, sendo que essa situação é a anterior do próprio estado “comunitário-legal”, 
o estado de natureza, onde não há personalidade84. “Em todo caso, não existe uma personalidade 
assegurada”85. É por isso que frente aos autores de vulnerações de direitos humanos se permite 
a utilização de tudo o que for necessário e devido para assegurar tal âmbito “comunitário-
legal”: 
 
isto é de fato o que se sucede, conduzindo primeiro uma guerra, não enviando 
como primeiro passo à polícia para executar uma ordem de detenção. Agora, 
uma vez que se tem o infrator, trocam-se o Código Penal e o Código de 
Processo Penal, como se fosse um homicídio por raiva ou de cidadãos parciais 
destas características. Portanto, declara-se ser o autor uma pessoa para poder 
manter a ficção da vigência universal dos direitos humanos. Seria mais sincero 
separar esta coação na criação de uma ordem de direito a manter uma ordem: 
o «cidadão» Milosevic faz parte daquela sociedade que o coloca ante um 
tribunal como o era o «cidadão» Capeto. Como é evidente, não me dirijo contra 
os direitos humanos com vigência universal, porém seu estabelecimento é algo 
distinto de sua garantia. Servindo ao estabelecimento de uma Constituição 
mundial «comunitário-legal», deverá castigar aos que vulneram os direitos 
humanos; porém, isso não é uma pena contra pessoas culpáveis, mas contra 
 
80 Idem, p. 44. 
81 Idem, p. 44. 
82 Idem, p. 44-45. 
83 Idem, p. 45. 
84 Idem, p. 45. 
85 Idem, p. 45. 
inimigos perigosos, e por isso deveria chamar-se a coisa por seu nome: Direito 
Penal do Inimigo86. 
 
Apreciações críticas: como se sabe o texto em que as bases do chamado “Direito 
Penal do Inimigo” foram lançadas estão concentradas — disse-se acima —, principalmente, no 
pontapé inicial de GÜNTHER JAKOBS sobre o assunto: um artigo — não muito longo — que foi 
traduzido, no Brasil, para “Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo” (no alemão: 
Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht). A primeira lição a respeito já vem anunciada de modo 
claro, como já se mencionou: há “dois tipos ideais”87 de Direito Penal. Um do “cidadão”, outro 
do “inimigo”. Essa observação, embora pareça simples, se observada com muito rigor e cautela 
pode lançar várias anotações de extrema importância. 
Como deve um penalista brasileiro interpretar o termo “dois tipos ideais”? Na verdade, 
o modo como foi traduzido (ou, pelo menos, como se costuma traduzir) o texto dá a entender a 
perfeita noção de que, aqui, o termo “tipo” (claro, de “tipos ideais”) não tem apego à tipicidade, 
tal como estudada na teoria do delito (tatbestant)88, ao menos se se levar em conta os estudos, 
p. ex., de LUIZ LUISI ao que ele próprio denominou “a doutrina do ‘tatbestand’”89. LUIZ LUISI, 
com apego às lições de M. JIMÉNEZ HUERTA e de G. BETTIOL, ensina que essa dogmática 
significou a consagração do adágio nullum crimen sine lege ou, mais precisamente, do princípio 
da legalidade90. A tradução, no Brasil, de tabestand para “tipo” é confirmada por SÉRGIO DE 
OLIVEIRA MÉDICI, para quem daí decorre, também, “o neologismo tipicidade”91, que ainda 
avisa: na “Argentina, utiliza-se com frequência o termo hecho (fato)” e, na Itália, “a palavra 
fattispecie”92. O que importa dizer, em síntese, é que este é o termo “original” e genérico de 
qualquer teoria do tipo, cuja origem remonta, ao que parece, à obra de ERNST VON BELING, Die 
Lehre vom Tatbestand (1906). 
Essa tese — a de que o termo “tipos ideais”não tem relação direta ou necessária com 
a teoria do tipo, ou, nos dizeres de LUIZ LUISI, com a “doutrina do ‘tatbestant’” — se comprova 
 
86 Idem, p. 45-46. 
87 Idem, p. 21. 
88 “[...] esta expressão é usada por Jakobs, e o termo ‘tipos’ não deve se confundir com a terminologia ‘tipo’, usada 
na teoria do delito (no alemão, tatbestand)” (SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Direito Penal do Inimigo e Europol: 
uma correlação possível a nível supranacional. Delegação da União Europeia no Brasil, 2013). 
89 LUISI, Luiz. A doutrina do “tatbestand”. In: ______. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. 
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 13-30. 
90 LUISI, Luiz. A doutrina do “tatbestand”. In: ______. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal. 
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 13. 
91 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais – Parte Especial do Direito Penal. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2004, p. 100. 
92 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Teoria dos tipos penais – Parte Especial do Direito Penal. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2004, p. 100. 
facilmente com a leitura do texto original de JAKOBS. Fala-se, de fato, em “zwei Idealtypen”93, 
e não de “zwei Tatbestandtypen”, que significaria “dois tipos de tipo”. Apesar de isso estar 
notório, não deixa de ser interessante, ao menos do ponto de vista da especulação, uma 
investigação dos tipos penais, ao fim de encontrar, com alguma cautela científica — se possível 
for — uma “direção típica” ao “inimigo” ou ao “cidadão”. Isso fica como uma primeira 
observação. 
Outra tradução chama atenção: a do nome de Direito Penal “do Cidadão”, que se 
origina da Komposita94 Bürgerstrafrecht. Sendo uma Komposita, pode-se dividir a palavra em: 
Bürger + straf + recht. As duas últimas significam Direito Penal (Strafrecht). O ponto mais 
notável, aqui, é o termo Bürger, traduzido para “Cidadão”. É de se defender, porém, que a 
tradução mais adequada de Bürgerstrafrecht95 seria “Direito Penal do Civil”, porque o termo 
“Bürger” tem um significado, no Ordenamento Alemão, que não pode ser ignorado: o Código 
Civil Alemão, “BGB” (acrônimo de Bürgerliches Gesetzbuch) é o principal norte dessa “tese” 
aqui defendida. Não fosse assim e o BGB poderia ser traduzido também para “Código 
Cidadão”, o que demonstra como a tradução tem peso significativo nos estudos96-97. Por mais 
peculiar que possa parecer, a distinção pode ter forte consequência prática, porque permite 
aproximar, em alguns pontos, o Direito Penal do “Civil” dos diplomas aplicados aos civis e o 
Direito Penal do Inimigo, p. ex., às Leis Militares, como o Código Penal Militar. 
Independentemente disso, o certo é que o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal 
do Cidadão/Civil são “dois polos de um só mundo”, duas “tendências opostas” de “um só 
 
93 JAKOBS, Günther. Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht. HRRS HRR-Strafrecht – Onlinezeitschift für 
Höchstrichterliche Rechtsprechung im Strafrecht, Hamburg, p. 88-95, mar. 2004, p. 88. 
94 Palavras compostas na língua alemã. 
95 Aqui e na Espanha lido, respectivamente, como “Direito Penal do Cidadão” e “Derecho Penal del Ciudadano” 
96 Por isso, daqui em diante, usar-se-á o termo “Direito Penal do Cidadão/Civil”, apenas para melhor situar o leitor, 
sem, no entanto, se desapegar à defesa de que a tradução mais precisa é “Direito Penal do Civil”. 
97 Outro exemplo interessante, fora do assunto deste trabalho mas muito convincente no que se refere ao relevo 
que as traduções têm, é dado pelo português ANTÔNIO MANUEL DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO, jurista que, 
após fazer um apanhado geral de toda e qualquer menção do instituto da boa-fé no Código Civil Português 
(passando pela respectiva Parte Geral; pelo Direito das Obrigações; pelo Direito das Coisas; pelo Direito da família 
e pelo Direito das sucessões), arremata que “a consideração destes preceitos [legais] permite intuir uma 
diversidade de significados, pelo menos aparente, da boa fé”, sendo que isso acaba se vislumbrando não só nas 
esferas material X processual, mas, também, nas terminologias adotadas nas diversas codificações. No Direito 
Alemão, p. ex., a mera análise do BGB, em seu § 242 (Leistung nach Treu und Glauben = “atuação de boa-fé”), 
demonstra que uma obrigação assumida por um devedor o obriga a “atuar de boa-fé” em relação às exigências 
dos usos e costumes. Por outro lado, em uma apreciação muito densa sobre a boa-fé germânica e acolhendo os 
estudos linguísticos de ULRICH PRETZEL e HANS NEUMANN (1959); as teses de KLAUS NESEMANN e o 
aprofundamento de HANS-WOLFGANG STRÄTZ (1974), CORDEIRO demonstra uma espécie de dualização – no 
Direito Germânico – acerca da boa-fé. Sobre o assunto, cf. CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. 
Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 19-23 e 162-163. 
contexto jurídico-penal”98. Apesar de serem marcadamente antagônicos entre si, os “Direitos 
Penais” do Inimigo e do Cidadão/Civil “dificilmente aparecerão transladados à realidade do 
modo puro”99. 
“Inimigo” é termo impactante: pode-se admitir que, talvez, quando JAKOBS fez esses 
primeiros escritos sobre o assunto, escolheu a terminologia inimigo para causar algum impacto 
na literatura político-criminal. Não é sem razão que PIETRO COSTA aduz que “o sucesso da 
fórmula – o direito penal do inimigo – é em parte devido também ao seu caráter 
provocatório”100. 
Isso, certamente, não é o que faz o mérito do jurista alemão, cujo nome, hoje, já angaria 
várias mentes que se dedicam aos estudos de Direito Penal (propriamente dogmático ou, ainda, 
no aspecto político criminal). Porém, é inegável que a primeira impressão, de quem se depara 
com o termo “inimigo” para “um” Direito Penal pode soar como algo agressivo ou pejorativo. 
Não é o caso porque o próprio Jakobs avisa, repise-se, que “a denominação «Direito Penal do 
Inimigo» não pretende ser sempre pejorativa”101, e, também, porque a ideia, como visto, é 
abarcada pelos dois “tipos ideais” mencionados: um Direito Penal do Cidadão/Civil, e outro, 
do Inimigo102. Não deixa de ser verdade, reconhece JAKOBS, que a existência de um Direito 
Penal do Inimigo está a indicar “uma pacificação insuficiente”103. 
O problema do “inimigo” na teoria do delito e na teoria da norma penal: afinal de 
contas, o que é (ou o que deve ser) o Direito Penal do Inimigo? E o Direito Penal do 
Cidadão/Civil? Torna-se necessária uma pesquisa no âmago ontológico104 e deontológico (se 
 
98 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, 
Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 21. 
99 Idem, p. 21. 
100 COSTA, Pietro. O criminoso como inimigo: imagens da justiça e dispositivos de exclusão entre medievo e 
modernidade. In: ORDENAMENTOS JURÍDICOS E A DIMENSÃO DA JUSITÇA NA EXPERIÊNCIA 
JURÍDICA MODERNA CONTEMPORÂNEA. DIÁLOGOS ENTRE HISTÓRIA, DIREITO E 
CRIMINOLOGIA. 2010, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010, p. 38-47. 
101 O próprio JAKOBS avisa: “a denominação «Direito Penal do Inimigo» não pretende ser sempre pejorativa” 
(JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, Manuel. 
Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 21). 
102 Ainda, um Direito (em itálico pelo próprio Jakobs) Penal do inimigo pressupõe, no mínimo, uma atuação 
desenvolvidae embasada em regras, “em vez de uma conduta espontânea e impulsiva” (JAKOBS, Günther. Direito 
Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal do Inimigo – 
noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria 
do Advogado, 2010, p. 22). 
103 Idem, p. 22. 
104 Note-se, aqui, que o âmago da questão pode ter divido em duas facetas, uma ontológica, outra deontológica. A 
primeira visão recebe duras críticas de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, para quem “não há dúvida de que o círculo de 
autores com consciência dissidente é muito mais limitado do que o amplíssimo conceito de inimigo, que [...] na 
análise há história do exercício real do poder punitivo, não é além de um rótulo que se distribui sempre com a mais 
vasta arbitrariedade” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A doutrina penal da modernidade e a pretensa 
assim é possível afirmar) de um inimigo: o que ele é, e o que ele deve ser, já que essas duas 
formas (cidadão/civil X inimigo) não aparecerão, como dito, de modo puro, podendo, 
entretanto, ser legítimos (claro, segundo abstração do próprio Jakobs)105. Se são duas realidades 
contrapostas por seus conceitos, mas existentes num mesmo patamar jurídico-social, o que 
realmente tem o condão de descrever ambas as figuras? Uma pista para a resposta (complexa) 
está na teoria da pena, onde, para JAKOBS, se localiza a “a parte intermediária dos conceitos”106. 
Em síntese, para GÜNTHER JAKOBS, a pena vem a ser uma coação que carrega, consigo, 
uma resposta a uma desautorização normativa107. “Assim, se um sujeito ‘x’ ataca a vigência de 
uma norma ‘A’, a pena ao sujeito ‘x’ atribuída nada mais é do que a afirmação de irrelevância 
da atuação delituosa, e, ainda, que a norma vive, prossegue, de modo íntegro”108. 
Porém, em sua construção teórica, o ponto mais fundamental da sanção penal extrapola 
a mera “contradição normativa”. Há um objetivo: “produzir” um “efeito físico” sobre o 
condenado: “assim, por exemplo: o preso não pode cometer delitos fora da penitenciária: uma 
prevenção especial segura durante o lapso efetivo da pena privativa de liberdade”109. Logo, o 
indivíduo perigoso (= inimigo em tese) não sofreria mais (ou apenas) a pena, e, isto sim, uma 
espécie de medida de segurança (= modo fisicamente efetivo)110. Haveria, entre um fato (típico) 
e a pena (coação), uma “interação simbólica”111. Assim é que o agente que comete uma figura 
típica acaba por ser considerado pessoa (leia-se: cidadão/civil), já que, “se fosse incapaz, não 
seria necessário negar seu ato”112. 
Em verdade, embora a tese de JAKOBS pareça ter certa consistência teórica, é muito 
difícil deixar de considerar há uma “fraqueza” na ótica da teoria da norma penal, notadamente 
do panorama finalista. Se o delito é, como ensina LUIZ REGIS PRADO, “um todo que existe na 
experiência como resultado da atuação humana”113, o que comete um “inimigo”, que deixa de 
 
individualização “ôntica” do inimigo. In: ______. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 
101-102). 
105 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, 
Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 47. 
106 Idem, p.22. 
107 GÜNTHER JAKOBS fala que a pena é uma coação, e a coação porta um significado: a resposta ao fato (Idem, p. 
22). 
108 SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Direito Penal do Inimigo e Europol: uma correlação possível a nível 
supranacional. Delegação da União Europeia no Brasil, 2013. 
109 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, 
Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 22. 
110 Idem, p. 23. 
111 Idem, p.22. 
112 Idem, p. 22. 
113 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 254. 
ser considerado humano, para ser mero “indivíduo”? Um vazio fático? De se defender, alias, 
que o finalismo teve o mérito (e a função para o Estado Democrático de Direito) de construir 
uma estrutura dogmática que abrange a ação como um fator distinto da mera causalidade, do 
mero evento natural114. O próprio MIGUEL REALE informa que, para WELZEL, o direito sem 
positividade seria mera abstração ou força incapaz de cumprir com o postulado de toda a 
ordenação: a proteção do ser humano115. REALE, aliás, entendia que “toda doutrina finalística” 
tinha o condão de ocultar “em seu seio uma teoria axiológica”116: 
 
Se a ação humana se subordina a um fim ou a um alvo, há direção, ou pauta 
assinalando a via ou a linha de desenvolvimento do ato. A expressão dessa 
pauta de comportamento é o que nós chamamos de norma ou de regra. Não 
existe possibilidade de “comportamento social” sem norma ou pauta que não 
lhe corresponda117. 
 
Isso não passou desapercebido por JESÚS-MARÍA SILVA SÁNCHEZ, para quem 
“remanesce a questão conceitual se, então, o Direito Penal do inimigo persiste sendo um 
‘Direito’ ou se é já, ao contrário, um ‘não Direito’, uma pura reação defensiva de fato perante 
sujeitos ‘excluídos’”118. 
Não é sem razão, aliás, que LUIZ REGIS PRADO, com muita propriedade, critica a 
postura funcionalista atribuída ao dolo, no sentido de ele passar a ser mera construção de cunho 
essencial e puramente normativo. Ancorado por ROMEO CASABONA, REGIS PRADO adverte que 
essa maneira de pensar acaba sendo uma tendência “ascética”, que enxerga não “como um ser 
humano real”, mas, antes, como “um arquétipo”119. “Afasta-se, assim, do homem real, de ‘carne 
e osso’, e busca-se sua substituição pelo homem fictício, normatizado, como objeto do juízo de 
valoração do legislador, na elaboração das normas penais”120. 
Ao que parece, pode-se partir do pressuposto de que o normativismo de JAKOBS tem 
um “método invertido” em relação ao finalismo de WELZEL. É que, no finalismo “puro” de 
WELZEL, o método onto-axiológico que lhe é próprio tem o mérito de “partir da contemplação 
 
114 Neste sentido, JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General. 
Granada: Comares, 2002, p. 226. 
115 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 26. 
116 SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Ensaio filosófico-penal: uma aproximação da Teoria Tridimensional do 
Direito, de Miguel Reale, com o Finalismo Penal de Hans Welzel. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3013, 1 out. 
2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20123>. Acesso em: 18 out. 2013. 
117 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 385. 
118 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Terceira Velocidade do Direito Penal? Sobre o “Direito Penal do Inimigo”. 
In: ______. A expansão do Direito Penal – aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. 
Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 196. 
119 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 339. 
120 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 339. 
da função e dos fins do Direito Penal, [identificando] os fenômenos reais que lhe interessam, 
[analisando-os em suas estruturas para, só depois,] sintetizar [...] os resultados da análise, [...] 
com o fim de conhecer o fenômeno na sua unidade e na sua realidade para poder fundi-lo com 
os valores jurídicos correspondentes”121. 
Daí advertir LUIS GRACIA MARTÍN que “asdogmáticas que discrepam do finalismo 
deveriam ser inseridas, no que respeita ao método, em um normativismo analítico, e o finalismo 
em um realismo normativo sinético”122. E, também por isso, EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e NILO 
BATISTA sustentam que “o respeito às estruturas reais do mundo é uma condição de qualquer 
direito que pretenda ter alguma eficácia sobre este”123, o que tem total coerência e harmonia 
com a crítica do primeiro autor no sentido de que o conceito de “inimigo” não passa de uma 
forma de rotular “com a mais vasta arbitrariedade”124. 
O normativismo de JAKOBS, então, parte da norma e procura, incessantemente, atingir 
os fenômenos (os que interessam para que[m]?). É um caminho inverso e perigoso, que 
evidencia o caráter de força dado à norma por este funcionalismo125. Tal sugestão se baseia na 
afirmação de que “segundo Roxin, e de um modo ainda mais destacado, Jakobs, a esfera 
ontológica não pode proporcionar a matéria nem os conceitos jurídicos”126. É dizer: JAKOBS 
parte da norma visando atingir o âmago do ser e dos valores (norma busca atingir o próprio 
seio onto-axiológico), enquanto WELZEL parte justamente do ser e dos valores (do seio onto-
axiológico) para criar normas que possam se impor como um Direito legítimo, “e não como 
mero ato de poder”, mantendo “incólumes as propriedades ou os componentes essenciais que 
levam o homem a abandonar o estado de naturalis incultus, nas palavras de Pufendorf, e adquirir 
a condição de pessoa responsável”127. 
Bases filosóficas do direito penal do inimigo: antes de quaisquer proeminências no 
assunto, é de suma importância destacar que, ao contrário do que se diz, JAKOBS não se utiliza, 
em nenhum momento, das construções filosóficas de ROUSSEAU e FICHTE. 
 
121 GRACIA MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Tradução Luiz Regis Prado 
e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 38. 
122 Idem. Ibidem. Loc. Cit. 
123 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – volume 1. Rio de Janeiro: Revan, 
2003, p. 174-175. 
124 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A doutrina penal da modernidade e a pretensa individualização “ôntica” do 
inimigo. In: ______. O Inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 102. 
125 Cf. MONTEIRO, Rodrigo de Oliveira; CARVALHO, Gisele Mendes de. O Direito Penal do Inimigo face à 
dignidade humana e seus traços no Direito Penal pátrio. Revista de Ciências Jurídicas, Maringá, v. 6, n. 2, p. 103-
142, jul./dez. 2008, p. 113. 
126 GRACIA MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Tradução Luiz Regis Prado 
e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 43 
127 GRACIA MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Tradução Luiz Regis Prado 
e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 41. 
Há quem lance o Direito Penal do Inimigo, no patamar filosófico, como antigo; 
remoto; velho; ou mesmo ultrapassado; lançando-o a pensadores de antes de CRISTO, a 
PROTÁGORAS, aos sofistas ou mesmo aos medievais como TOMÁS DE AQUINO. Daí se “advertir 
que, embora o momento atual seja particular, o Direito Penal do Inimigo nada tem de 
inédito”128. Apesar de o ponto de vista ser muito válido do ponto de vista da especulação, é de 
se levar em conta, que, a rigor, JAKOBS não utilizou estes pensadores129. Sua base filosófica se 
restringe apenas a IMMANUEL KANT e THOMAS HOBBES (além da sociologia NIKLAS LUHMANN, 
se considerarmos o funcionalismo como um todo), como se verá mais adiante. Por outro lado, 
talvez o argumento de que nada há de novo no Direito Penal do Inimigo possa cair com algumas 
questões. Quando NIETZSCHE invocou os pré-socráticos, em pleno século XIX, deixou de ter 
sua originalidade? É evidente que não. 
O contratualismo, por embasar a teoria de JAKOBS, é o ponto de partida que sofre, 
talvez, a maior distorção por parte da literatura que interpreta o assunto 130. Boa parte dela 
costuma selecionar esse ponto em específico para criticar Jakobs, acusando-o de retrocesso ao 
“estado natural” e culpando-o, como fez CORNELIUS PRITTWITZ, de “destruir 
 
128 MONTEIRO, Rodrigo de Oliveira; CARVALHO, Gisele Mendes de. O Direito Penal do Inimigo face à 
dignidade humana e seus traços no Direito Penal pátrio. Revista de Ciências Jurídicas, Maringá, v. 6, n. 2, p. 103-
142, jul./dez. 2008, p. 112. Em sentido contrário, JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, que, embora faça leitura bem crítica 
a respeito de JAKOBS, reconhece o fato de ele retroceder apenas “4 séculos da História humana para encontrar, 
nas especulações da filosofia jurídica dos séculos 17 e 18, os precedentes filosóficos para justificar a existência” 
de um Direito Penal do Inimigo e de um Direito Penal do Cidadão (SANTOS, Juarez Cirino dos. O direito penal 
do inimigo – ou o discurso do direito penal desigual. Disponível em: 
<http://www.cirino.com.br/artigos/jcs/Direito%20penal%20do%20inimigo.pdf>, acesso em 30 de janeiro de 
2012.). 
129 Apesar de LUÍS GRACIA MARTÍN apreciar um vasto filosófico bem grande, este penalista não chega a categorizar 
que JAKOBS foi além de KANT e de HOBBES. Na verdade, GRACIA MARTÍN se restringiu a analisar outros filósofos 
com a única finalidade de encontrar um conceito do que significa, ou pode significar, nos campos da Filosofia, um 
dualizar lato sensu entre “inimigo” X “cidadão” (no alemão: o Feind X Bürger). Ele próprio avisa o leitor: “no 
que se segue, pois, faz-se uma exposição puramente descritiva das idéias históricas que parecem avalizar a 
legitimidade de um Direito Penal do inimigo, o que me parece sumariamente útil e ilustrativo; e, a propósito, vou 
expor também alguma além das que são invocadas no discurso do Direito Penal do inimigo [...]”. (GRACIA 
MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Tradução Luiz Regis Prado e Érika 
Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 93). Tratou-se, assim, de uma (belíssima) 
especulação filosófica (nada além disso). Isso influenciou uma parte da literatura penal, como a lição dada por 
RODRIGO DE OLIVEIRA MONTEIRO e GISELE MENDES DE CARVALHO, no sentido de que a “temática central [do 
Direito Penal do inimigo] [...] de exclusão do delinqüente [...] da sociedade e do Estado, conforme destaca Gracia 
Martín, remonta-se a séculos antes de Cristo, a exemplo, com PROTÁGORAS, passando pelos sofistas, por Tomás 
de Aquino, Rousseau, Fichte, Kant (conforme defende Jakobs) e Hobbes”, de modo a situar JAKOBS em toda a 
linha de pensamento explorada por GRACÍA MARTIN (cf. MONTEIRO, Rodrigo de Oliveira; CARVALHO, Gisele 
Mendes de. O Direito Penal do Inimigo face à dignidade humana e seus traços no Direito Penal pátrio. Revista de 
Ciências Jurídicas, Maringá, v. 6, n. 2, p. 103-142, jul./dez. 2008, p. 112.). 
130 Para uma crítica mais profunda sobre assunto, vide SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Rousseau e Direito Penal 
do Inimigo: necessária revisão. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, ano 20, n. 235, 
p. 17-18, jun. 2012 e RIBEIRO, Bruno de Morais. Sobre a fundamentação político-filosófica do “direito penal do 
inimigo”. In: ______ (Org.). Direito penal na atualidade: escritos em homenagem ao Professor Jair Leonardo 
Lopes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 
desnecessariamente os limites (...) entre Direito Penal e Guerra”131, algo que beira o exagero, 
até porque, em verdade, “Jakobs observou um fenômeno (= não o criou), e tratou de estudá-lo, 
tecendo considerações que lhe são próprias, e oportunas para o hodierno momento”132. Há uma 
ressalva de JAKOBS, que, de tão importante, merece íntegra menção:há de se assegurar ao Direito Penal do Inimigo ao menos uma parte das 
garantias de Estado de Direito do Direito material e do Direito Processual, não 
só para torná-lo sustentável para o Estado de Direito, como também para 
disfarçar a diferença em relação ao Direito Penal do Cidadão, que neste 
sentido, é totalmente comparável com as medidas de reabilitação e segurança 
repulsoras do perigo – nesse caso, especialmente a custódia de segurança – as 
quais, por seu lado, são institutos jurídicos de Direito Penal do Inimigo 133. 
 
É com base neste norte filosófico que JAKOBS pretende um Direito Penal de mera 
contradição (para o Cidadão); e um para eliminar perigos (para o Inimigo). 
O próprio JAKOBS, porém, não merece escapar de críticas. Seu desacerto, ao fazer a 
menção, v. g., de ROUSSEAU, está em não situar o leitor da maneira mais apropriada, na 
conjuntura das obras e da vida do filósofo de Genebra134. É que o ele, ao querer dar uma noção 
de “Direito” como “o vínculo entre pessoas que são titulares de direitos e deveres” e lançar a 
visão contratualista daqueles “autores que fundamentam o Estado de modo estrito, mediante 
um contrato” 135, acaba por citar uma única e singular passagem do Segundo Livro, Capítulo V, 
de “Do Contrato Social”: “[...] assim, todo malfeitor, quando insulta o direito social, torna-se 
por seus crimes rebelde e traidor da Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis e à 
qual até faz guerra; a conservação do Estado não é compatível com a sua, deve um dos dois 
morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte que como cidadão 136. 
Disto surgiu um rol absolutamente descontrolado de textos que, também 
erroneamente, fazem crer que este contratualismo (o de ROUSSEAU) tem liame direto com o 
 
131 PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências 
atuais em direito penal e política criminal. Trad. Helga Sabotta de Araújo e Carina Quito. Revista Brasileira de 
Ciências Criminais, São Paulo, n. 47, 2004, p. 43. 
132 SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. National Defense Authorization Act (NDAA) – Um exemplo de Direito Penal 
do Inimigo? Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, ano 20, n. 239, out. 2012, p. 17. 
133 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Tradução de Gérlia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: 
Lumen Juris. 2009, p. 28. 
134 Vale lembrar que JAKOBS é Professor, também, de Filosofia do Direito... 
135 JAKOBS, Günther. Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. In: ______; CANCIO MELIÁ, 
Manuel. Direito Penal do Inimigo – noções e críticas. Organização e Tradução André Luís Callegari e Nereu José 
Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 24.. 
136 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 
40. 
Direito Penal do Inimigo137. É daí que “Rousseau, que tem sido tachado, incorretamente, como 
‘o filósofo (ou um dos) que legitima o Direito Penal do Inimigo’, tese que deve ser rebatida 
com argumentos do próprio Jakobs”138. É erro dos maiores afirmar, secamente, que os 
fundamentos do Direito Penal do Inimigo estão no contratualismo de ROUSSEAU, ou mesmo 
que tal pensador — por mera menção de Jakobs — pregava uma separação absoluta entre o 
inimigo e o cidadão. 
Não que Rousseau tenha postulado diferente, porquanto JAKOBS fez a íntegra 
referência da passagem (a exposta supra, do Contrato Social); mas não é de todo certo colocar 
tal frase, que é um grão de areia perto de tudo o que o expoente iluminista escreveu, para, então, 
direcionar a discussão a planos político-criminais bem diferentes (o Direito Penal do Inimigo 
propriamente dito). 
Não é toda literatura que passa desapercebida, no entanto. GRACIA MARTÍN, por 
exemplo, ao debater sobre ROUSSEAU no panorama desta política criminal, fez o mesmo que 
Jakobs, ainda que tenha realizado uma pequena apreciação (bem válida), de que “Rousseau, a 
princípio, parece reconhecer como ‘inimigos’ alguns [nesta palavra, o mérito de GRACIA 
MARTÍN] delinqüentes [...]” 139. 
Independentemente da posição quanto ao Direito Penal do Inimigo (= opinião contra 
ou a favor, se é que é possível entrar nesse mérito), é preciso logo salientar que ROUSSEAU está 
bem longe de embasá-lo. Há duas linhas nos escritos de JAKOBS que inexplicavelmente foram 
deixadas de lado, o que é bem curioso para um penalista que vem sendo tão criticado (algo que 
suporia uma leitura mais cuidadosa de tudo envolvendo o Direito Penal do Inimigo): “não quero 
seguir a concepção de Rousseau [...]”140. 
 
137 Neste imenso rol de errôneas posições, vários exemplos: LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI (GOMES, 
Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. “Direito Penal” do Inimigo e os Inimigos do Direito Penal. Revista Electrónica 
del Centro de Investigaciones Criminológicas, USMP-PERÚ, v. 2, p. 1-31, [200-], p. 3.), RACHEL CARDOSO PILATI 
(PILATI, Rachel Cardoso. Análise crítica do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs. Revista Jurídica – 
CCJ/FURB, Blumenau, v. 13, n. 25, p. 23-44, jan./jul. 2009, p. 29.), ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES 
(MENDES, André Pacheco Teixeira. Direito Penal do Inimigo: quando Jakobs se aproxima de Hobbes e Freud. 
Revista EPOS, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, jan./jun. 2011, p. 9.), CAROLINE LEONELLO e FERNANDO TADEU MARQUES 
(LEONELLO, Caroline; MARQUES, Fernando Tadeu. O Direito Penal do Inimigo frente ao Estado Democrático 
de Direito. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas e Sociais, v. 1, n. 1, p. 21-47, 2011.), RODRIGO DE ALMEIDA 
LEITE (LEITE, Rodrigo de Almeida. Os Direitos Humanos da vítima e a teoria do Direito Penal do Inimigo: 
consequência da ineficácia do Estado?. Autopoiesis – Revista de Ciências Humanas e Sociais, v. 2, n. 1, p. 1-17, 
2009, p. 11) etc. 
138 SILVEIRA, Marcelo Pichioli da. Rousseau e Direito Penal do Inimigo: necessária revisão. Boletim do Instituto 
Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, ano 20, n. 235, p. 17-18, jun. 2012. 
139 GRACIA MARTÍN, Luis. O Horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Tradução Luiz Regis Prado 
e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 98. 
140 JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel.. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. Tradução André 
Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 25. 
Se este Direito Penal do Inimigo “viola o princípio da dignidade da pessoa humana e 
muitos outros corolários do Direito Penal”, qual é, afinal de contas, a influência contratualista 
de ROUSSEAU ao antológico “Dos Delitos e das Penas” de BECCARIA? 
LUIZ REGIS PRADO, e. g., em entrevista à Carta Forense, quando perguntado sobre os 
fundamentos filosóficos de JAKOBS, diz que “as raízes históricas desse pensamento remontam, 
sobretudo, a certas concepções da filosofia moderna, como as de Rousseau [...]”, e que tal 
“contribuição foi decisiva para emprestar ao Direito Penal do inimigo os conceitos de ‘estado 
de natureza’, ‘contrato’ e ‘direito de guerra’ contra os inimigos”, tendo JAKOBS, neste 
compasso, sistematizado “idéias próprias da filosofia moderna e de um pensamento autoritário 
bem mais antigo”141. O próprio REGIS PRADO já se declarou contra o funcionalismo de Jakobs, 
tendo postulado que se trata de uma “construção formalista”, “vazia de conteúdo” e 
“incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito”142. Assim sendo, não soa 
coerente REGIS PRADO ter dado em seus escritos “especial destaque para o papel dos filósofos 
franceses [falava-se dos enciclopedistas no movimento codificador e na humanização do 
Direito Penal]”, dentre eles “Rousseau

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