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Fisiologia da Nutrição na Saúde e na Doença

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REGULAÇÃO DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR
O controle central é sobretudo exercido pelo hipotálamo, o
qual influencia na seleção dos alimentos, na resposta à dieta
e no equilíbrio energético, além de produzir alterações
hormonais que são fundamentais para a regulação
glicêmica, do perfil lipídico, da termogênese e da função
sexual.
O controle periférico é exercido sobretudo por sinais
provenientes do próprio tecido adiposo e do TGI.
Regulamento do comportamento alimentar: controle da
ingestão alimentar de curto e longo prazo
O hipotálamo é a região chave envolvida na regulação do
apetite. A princípio, acreditava-se que a sensação de
saciedade era unicamente controlada pelo hipotálamo
ventromedial, e que a sensação de fome era controlada pelo
hipotálamo lateral.
a. Sinais lipostáticos de longo prazo
Leptina  sintetizada no tecido adiposo e em menor escala
em placenta, estômago, musculo esquelético, epitélio
mamário, hipófise e hipotálamo. Está envolvida na ingestão
de alimentos, regulação do peso corporal, reprodução,
termogênese, regulação de sistema imune, saúde óssea e
angiogênese. A deficiência total de leptina está associada à
hiperfagia, obesidade severa e hipogonadismo. A leptina
promove inibição dos neurônios hipotalâmicos orexigênicos
(NPY/AgRP) e estímulo dos anorexigênicos (POMC/CART)
em núcleo arqueado de hipotálamo. A concentração de
leptina é diretamente proporcional ao tecido adiposo. A
hiperestimulação do receptor de leptina é proposta como um
dos mecanismos para o desenvolvimento da resistência à
leptina em obesos, que resulta na incapacidade de ativação
da via de sinalização por deficiência no seu receptor ou na
ativação intracelular.
Insulina  A insulina também possui função lipostática. Os
níveis de insulina são proporcionais ao grau de obesidade. A
administração central de insulina reduz a ingestão alimentar.
O aumento da adiposidade promove decréscimo da
sensibilidade à insulina.
b. Peptídeos hipotalâmicos orexigênicos
NPY orexígeno mais potente ao ser humano.
AgRP  o Agouti antagoniza a melanocortina (MSH).
Produz hiperfagia e obesidade, quando hiperestimulado. A
leptina diminui o mRNA e o AgRP no hipotálamo, sugerindo
que esta inibição seja um dos mecanismos pelo qual a
leptina exerce seu efeito anorexígeno.
Orexinas  a principal função é despertar o sono, sendo os
efeitos sobre a ingestão alimentar secundários.
MCH – hormônio concentrador de melanina  expresso em
hipotálamo lateral, estimula a alimentação. Sua síntese
aumenat na restrição energética e na deficiência de leptina.
A superexpressão hipotalâmica promove obesidade.
Sistema endocanabinoide  a anandamida é ligante do
sistema endocanabinoide, promovendo fome. O uso de
inibidores do sistema endocanabinoide (CB1R) tem ptencial
terapêutico contra a obesidade. Exemplo é o medicamento
Rimonabanto, que foi probido dado o risco de depressão e
suicídio.
c. Peptídeos hipotalâmicos anorexigênicos
POMC – Pró-Ópio-Melanocortina  expressa na hipófise,
SNC, pele e sistema imunológico. Esse pró-hormônio dá
origem a peptídeos bioativos (ACTH, MSH, lipotrofina,
encefalinas e beta-endorfina). Inibem as orexinas, reduzindo
o apetite. O Alfa-MSH é regulado pela ingestão alimentar,
mediada pelo menos em parte pela ativação de neurônios
que expressam a POMC.
CART  pertence à via anorexígena e expresso em núcleo
arqueado, nas mesmas células da POMC. Cocaína e
anfetaminas possuem relação com estímulo ao CART e
indução de anorexia.
CRH  modula o ACTH e cortisol. Glutamato monossódico
promove diminuição dos níveis de CRH.
TRH  estimula a síntese de TSH e consequente de
hormônios tireoidianos. Tem efeito anorexigênico e de
diminuição de sono. Aumenta termogênese e gasto
energético , indiretamente. Leptina estimula a síntese de
TRH. O TRH inibe o MCH.
d. Sinais lipostáticos de curto prazo
Hormônios intestinais  as incretinas, liberadas no período
pós-prandial, regulam o apetite.
Grelina  único hormônio GI orexígeno conhecido. Se liga
ao receptor do liberador de GH, em hipotálamo e tronco
cerebral, controlando a homeostase de energia.
Antagonistas para NPY r AgRP inibem a alimentação
induzida pela grelina. Infusão intravenosa de grelina em
indivíduos saudáveis pode aumentar a ingestão alimentar
em 30%. A grelina é regulada pela leptina e sugere-se
interação funcional entre ambos.
CCK - Colecistoquinina  reduz a ingestão alimentar com
efeito dose-dependente. Seus níveis plasmáticos aumentam
cerca de 15min após início da refeição. Retarda
esvaziamento gástrico e existe receptor para CCK em
hipotálamo ventromedial. Parece reduzir o tamanho e tempo
da refeição. Pode-se ter um aumento da frequência das
refeições, o que pode demonstrar não exercer tanta
influência no computo calórico total diário.
PYY  inibe a ingestão alimentar via receptores acoplados
à proteína G. Em obesos, suas concentrações encontram-se
reduzidas e sugere-se resistência periférica à ação do
mesmo. Aumento nos níveis de PYY são encontrados após
cirurgia GI, possivelmente contribuindo para a perda inicial
de peso que segue o procedimento.
GLP1 – Peptídeo Glucagon-like  é liberado pelo intestino
delgado e nas células L da mucosa colônica, de forma
proporcional à ingestão calórica. Possui efeito anorexígeno,
reduz esvaziamento gástrico e suprime a secreção de HCl.
Aumenta a saciedade e reduz peso corporal. Após cirurgia
gástrica, obesos apresentam melhora de resposta pós-
prandial ao GLP-1. Tem sido usado comol adjuvante no
tratamento de DM2.
Oxintomodulina  possui ação inibitória às células oxínticas
do estômago. É secretada durante a refeição, de acordo
FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO NA SAÚDE E NA DOENÇA Prof. José Aroldo Filho
goncalvesfilho@nutmed.com.br
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com o valor calórico da mesma. Em modelo animal, reduz a
ingestão alimentar e aumenta o gasto energético. Em
humanos, a administração crônica promove aumento do
gasto energético e saciedade.
ALIMENTOS RICOS EM AÇÚCAR, GORDURA E SAL –
HIPERFAGIA E VÍCIO ALIMENTAR
NGESTÃO EXCESSIVA DE AÇÚCARES E SUBSTÂNCIAS
DE SABOR DOCE E DESBALANÇO FISIOLÓGICO
Os produtos de sabor doce, independente do seu valor
energético, são reforçadores e ativam os centros neurais de
prazer e recompensa. Enquanto o controle do
comportamento alimentar pelo sistema hedônico era pouco
conhecido, a propaganda centrada no valor calórico permitiu
que o consumo de adoçantes ultrapassasse o de açúcares
energéticos no final do século XX. Ainda não é conhecido o
efeito de adoçantes e excesso de peso. Estudos mostram
associação consistente entre consumo de adoçantes
artificiais e ganho de peso. E é conhecido que o uso de
adoçantes como estratégia para prevenir o ganho de peso,
não possui impacto na redução de consumo alimentar.
Parece que o estilo de vida e o comportamento alimentar
são os fatores determinantes de obesidade e relativizam a
utilização de adoçantes artificiais como estratégia para
prevenção ou tratamento do excesso de peso.
Em relação ao índice glicêmico (IG), estudos mostram que
alimentos de alto IG diminuem mais o tempo de saciedade,
gerando mais rapidamente o desejo de comer, que dietas de
baixo IG. Dietas de baixo IG parecem ser mais apropriadas
para perda de peso ou prevenção de obesidade que aquelas
que reduzem a ingestão de gorduras ou carboidratos de
forma geral, ou que aumentam a ingestão de proteínas.
O efeito positivo de dietas de baixo IG na diminuição de
insulina e glicose pós-prandiais e aumento de grelina em
mulheres brancas não ocorre de mesma forma que em
mulheres negras, fato que pode estar associado à maior
prevalência de obesidade na raça negra.
INGESTÃO EXCESSIVA DE SAL E DESBALANÇO
FISIOLÓGICO
A sede e a ingestão de água e bebidas industrializadas é
uma resposta fisiológica inevitável à ingestão elevada de sal.
Há um aumento linear entre a ingestão de sal e o consumo
de água em animais,assim como em humanos a relação
forte e direta entre consumo de sal e aumento de consumo
de refrigerantes. O aumento da ingestão de sal é um dos
fatores responsáveis pelo aumento do consumo de bebidas
açucaradas e refrigerantes.
Outro ponto é que o processamento industrial de alimentos
tem provocado distorção entre ingestão de sódio, potássio,
cálcio e magnésio. A presença de baixo consumo de
potássio, cálcio e magnésio está associado a aumento de
pressão arterial que seria uma das formas do corpo tentar
excretar o excesso de sódio.
A excreção do excesso de sal diminui na obesidade e um
nível de pressão arterial mais alto é necessário para o obeso
tentar manter o balanço hidroeletrolítico, predispondo estes
indivíduos à hipertensão arterial.
Recomenda-se limitar a ingestão de sódio a 2400mg/dia, ou
seja, a diminuição de 1,3g de sal ingerido/dia já se traduz em
redução de 5mmHg na PAS ao longo da idade (25-55 anos).
A ingestão excessiva de sal aumenta a massa ventricular
esquerda, promove dureza (enrijecimento) arterial, reação
plaquetária, frequência de asma, dentre outros.
O sal possui efeito neuroendócrino semelhante a de drogas,
podendo causar vício e dependência, por estimular o
sistema de recompensa e prazer via opiodes e
dopaminérgicos cerebrais.
INGESTÃO EXCESSIVA DE GORDURAS E DESBALANÇO
FISIOLÓGICO
A gordura é o terceiro recompensador da dieta moderna. O
que significa que quanto mais se come, mais se deseja
comer, ou seja, o organismo não inibe a ingestão quando
sua necessidade energética é atingida. É muito palatável,
provavelmente por ser a mais rica em energia do que o CHO
e a PTN, garantir o estoque de energia e o fornecimento de
substrato para a manutenção de temperatura corpórea.
Além disso, torna os alimentos mais macios, diminuindo a
necessidade de mastigação, logo, reduz o poder de
saciedade ao ato de mastigar.A ingestão de gorduras
estimula hormônios GI que reforçam a aprazabilidade e
ingestão.
A ingestão de gorduras estimula o sistema hedônico e
acubens em SNC, aumenta a liberação de dopamina,
acentuando o sabor dos alimentos e controle do prazer e
recompensa, além de alterações em neurotransmissores
opiodes. O uso de Naloxone (inibidor de receptores opiodes)
reduz a preferência por dietas ricas em lipídeos.
A ingestão de gorduras modula a atividade do hipotálamo e
o balanço homeostático da mesma forma que a glicose. AGL
resultantes da quebra de gorduras endógenas e que estão
elevados na obesidade abdominal, atuam diretamente nos
centros hipotalâmicos e na sinalização de insulina nestes.
Além d isso, a presença de gordura à boca aumenta a
atividade hiotalâmica. Do ponto de vista comportamental, a
ingestão de gorduras com diferentes texturas leva a
diferentes graus de fome, desejo de comer e percepção de
saciedade, tanto em magros como obesos.
EXPOSIÇÃO INTRAUTERINA E PERINATAL
A obesidade materna e a perfusão da hiperglicemia materna
para o feto reprogramam os reguladores hipotalâmicos e a
ação de leptina em recém natos. Esses fetos apresentam
menores níveis plasmáticos de leptina ao nascer e menor
expressão do mRNA do NPY. A diminuição destes
neurohormônios prejudica o controle do apetite, promovendo
aumento basal do apetite.
Dietas ricas em gorduras durante a gestação estimulam a
proliferação de células neuroepiteliais do terceiro ventrículo
do hipotálamo embrionário e aumentam sua migração para o
hipotálamo, resultando no aumento do número de neurônios
que expressam agentes orexígenos, promovendo fome.
A ingestão de alimentos ricos em açúcares, gorduras e sal
durante a vida intrauterina e perinatal está associada a
aumento de doenças mentais, como ansiedade e depressão.
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MICROBIOTA INTESTINAL E OBESIDADE
Estima-se que existam 10 microrganismos por grama de
microbiota intestinal, dominada principalmente por
anaeróbios (95%) e composta por 500 a 1000 espécies.
O microbioma (genoma bacteriano) é mais de 10 vezes
maior que o humano, deste modo, a microbiota intestinal é
entendida como um órgão metabólico externo.
A microbiota pode ser classificada em três filos: Eukarya,
Bacteria e Archaea.
Eukarya eucariontes
Bacteria e Archaea  procariontes
O filo Bacteria é o predominante e é subdivido em 4
divisões: firmicutes (64%; gram +); bacteriodetes (23%; gram
-), protobacteria (8%; gram -) e actinobacteria (3%; gram +).
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Firmicutes e Bacteriodetes são aproximadamente 90% de
todo o filotipo de bactérias de TGI.
Durante o desenvolvimento intrauterino, o ser humano é
isento de qualquer tipo de bactéria. No primeiro ano de vida,
ocorre colonização intensa do TGI provenientes da
microbiota vaginal materna e do meio ambiente. A primeira
microbiota infantil é composta, principalmente, por
Bifidobactérias e se modifica, ao longo do tempo, até o
padrão mais complexo de um adulto.
Na ocasião do parto, a microbiota vaginal é dominada por
Lactobacilos e Prevotella. Crianças nascidas de parto normal
têm colonização precoce com Bifidobacterias e Lactobacilos,
ao passo que aquelas nascidas por cesária tem atraso de
colonização em 30 dias. Esse processo pode ser acelerado
pelo aleitamento materno exclusivo.
Crianças nascidas por parto Cesário são colonizados por
microrganismos presentes na pele (Staphylococus,
Corynebacterium e Propionibacterium) e as diferenças
permanecem por vários meses após nascimento.
A microbiota pode mudar com o passar da idade. Adultos
mantém constante até os 70 anos, onde, em idosos tem-se a
predominância de Enterobactérias e redução de bactérias
anaeróbias. Com o avançar da idade, as Bifidobactérias
reduzem, enquanto que as Enterobactérias (maléficas)
aumentam.
Dietas ricas em proteínas e pobres em CHO teve efeitos
prejudiciais à saúde do hospedeiro, por reduzir Roseburial e
Eubacterium e consequente redução na produção de
butirato.
O impacto de dietas ocidentais, ricas em polissacarídeos,
sobre a microbiota tem sido estudado. A ingestão de dietas
ricas em fibras de polissacarídeos promove aumento na
relação Bacteriodetes/Firmicutes, acompanhado de aumento
de AGCC. Já com a ingestão de dieta rica em proteína e
gordura e pobre em fibras aumenta a Proteobacteria.
ALTERAÇÃO DA MICROBIOTA NA OBESIDADE
Verificou-se que a quantidade de Bacteriodetes se reduz em
50% nos obesos, com aumento proporcional de Firmicutes.
Indivíduos em tratamento para perda de peso, que se
alimentaram de dieta restrita em gordura e pobre em
calorias, apresentaram relação inversa
Bacteriodetes/Firmicutes, além disso, a presença de M.
smithii estaria associado a aumento da captação de energia
e adiposidade, sugerindo que obesos produzam mais AGCC
(maior eficiência na fermentação).
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Comparando-se magros e obesos, obesos apresentam
maior concentração de Firmicutes e Actinobacterias e
redução de Bacteriodetes. Esta diferença parece ser
responsável pelo acúmulo de adiposidade.
INFLUÊNCIA DA MICROBIOTA NA REGULAÇÃO DO
BALANÇO ENERGÉTICO
A influência da microbiota na captação energética está
intimamente ligada à eventos metabólicos. A composição de
ácidos graxos metabolicamente ativos é modulada pela
microbiota intestinal, que influencia diretamente o
metabolismo lipídico. O armazenamento de gordura,
captação e homeostase de energia também está associada
á microbiota.
A microbiota pode contribuir para a lipogênese de novo, ou
seja, síntese de TG em fígado e depósito em tecido adiposo.
Isto é mediado pela ChREBP (elemento de resposta ao
CHO) e SREBP-1 (elemento de resposta ao esterol), que
carregam os AGCC via circulação portal para o fígado,
podendo desencadear a lipogênese de novo. Além de
estimular a síntese e atividade das enzimas acetil-CoA
carboxilase e ácido graxo sintetase.
A deposição de gordura em fígado e músculo poderia estará
associada à modulação da AMPK, onde pacientes com
excesso de peso, por redução dos níveis de adiponectina,
teriam inibiçãoda AMPK, aumentando o influxo de AGL para
o fígado.
A microbiota pode ainda estimular o aumento da produção
hepática de glicose de triglicérides. A alteração em
microbiota poderia suprimir a expressão do Fator adiposo
induzido pelo jejum (FIAF) e com isso aumentar a atividade
da LPL, induzindo lipogênese.
Outro ponto é que o excesso de gram (-) poderia promover
maior concentração de LPS, desencadeando inflamação
crônica de baixo grau, conduzindo maior risco de DM2 e
obesidade.
Além disso, parece que a microbiota possa induzir a
regulação de genes do hospedeiro que modulam a maneira
com que a energia é gasta ou armazenada. Os AGCC
seriam ligantes dos receptores acoplados à proteína G
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(GPCRs), expressos em intestino delgado. Após ativação,
eles induzem a secreção de PYY e leptina  menor apetite
e maior saciedade.
Em pacientes obesos, a suplementação de probioticos ainda
precisa ser investigada, entretanto, foram identificadas
cepas de Lactobacilos com propriedades hipolipidemiantes,
sugerindo que o uso de probioticos poderia reduzir
adiposidade e o peso corpóreo do hospedeiro. Entretanto,
não foram encontradas recomendações válidas para
fundamentar a indicação, posologia e tipo específico de pré
ou probiótico para a população obesa.

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