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DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 1 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (Lei nº 8.072/90) 1. Fundamento Constitucional O art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, dispõe que: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. O constituinte, ao inserir no título dos direitos e garantias fundamentais, uma expressa recomendação para que a lei considere determinados tipos de delitos mais graves, tratando-os com mais rigor, teve a preocupação de salvaguardar com evidente zelo certos bens jurídicos, como a vida, a saúde pública, a dignidade sexual, entre outros. A Lei nº 8.072/90 nasceu com o objetivo de elevar penas, impedir benefícios e impor maior aspereza no trato dessa espécie de delinquência. No sentido comum, hediondo significa horrível, disforme, repugnante. Crime Hediondo indica delito que provoca repulsão. Hediondez é a qualidade de uma conduta que inspira repugnância. Para Aurélio Buarque de Holanda, hediondo é o depravado, imundo, vicioso, repugnante, que cheira mal. Além disso é bom frisar que a Lei nº 13.285/2016 alterou o Código de Processo Penal, estabelecendo que os processos que apurem crimes hediondos terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. 2. Critério para classificação como hediondo Há vários sistemas para fixação dos crimes que são considerados hediondos: I) Sistema legal: No Brasil adota-se o sistema legal para os crimes hediondos, ou seja, não é dado ao juiz a liberdade de decidir se é ou não é hediondo. A lei é expressa ao dizer quais são os hediondos e seus equiparados e assim eles devem ser tratados sempre – Rol legal taxativo (garante a segurança jurídica). II) Sistema judicial: não é o adotado no Brasil – o juiz declara a hediondez diante do caso concreto. Permite a flexibilidade ao juiz. De outro lado, causa insegurança jurídica. III) Sistema misto: também não é o adotado no Brasil – parte de um rol legal que é flexível ao caso concreto. A hediondez que a lei estabelece seria, ao final, confirmada ou afastada pelo juiz na sentença. Art. 394-A. Os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação em todas as instâncias. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 2 A Lei 8072/90, simplesmente enumera os delitos que o legislador considerou hediondos – mais graves que outros, portanto – sem explicar ou fundamentar as razões que o levaram a tomar tal medida. O Brasil adotou o sistema legal, estabelecendo taxativamente quais crimes são considerados hediondos. Portanto, são hediondos os seguintes crimes: I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V); I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o); IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o); V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o); VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). 3. Análise dos crimes considerados hediondos (análise do art. 1º da Lei, genocídio e terrorismo) I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V): Tratou o legislador de considerar o homicídio simples como hediondo, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por uma só pessoa. O dispositivo é extremamente criticado pela doutrina em virtude da sua imprecisão técnica. Guilherme de Souza Nucci, entende que se pretende que seja considerado hediondo o crime praticado por “justiceiro” ou “vigilante”, que resolva fazer justiça com as próprias mãos. Lembra o doutrinador que nessas hipóteses, o homicídio será qualificado pela torpeza, logo, será qualificado e não simples. De qualquer forma, extermínio é a matança generalizada, é a chacina que elimina a vítima pelo simples fato de pertencer a determinado grupo ou determinada classe social ou racial (mendigos, prostitutas, homossexuais, etc). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 3 A lei exige que o homicídio seja praticado em atividade típica de grupo de extermínio, o que não se confunde com associação criminosa. O grupo pode ser formado por, no mínimo, duas pessoas (há divergências em relação a esta questão – alguns entendem a necessidade de pelo menos 03 pessoas como na associação criminosa art. 288 do CP). Já com relação ao Homicídio Qualificado não há dúvida de que o legislador se referiu às hipóteses previstas no artigo 121, § 2º do C.P. Lembrando que o Feminicídio foi incluído como Homicídio Qualificado e, consequentemente, é crime hediondo. Lembrando ainda que o homicídio privilegiado-qualificado não foi inserido no rol de crimes hediondos. Assim, não há que se admitir essa hipótese como hediondo. Portanto, na hipótese do pai que mata o estuprador de sua filha (relevante valor moral) utilizando-se de meio cruel (qualificadora), não responderá por crime hediondo. I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição II – latrocínio: Latrocínio é o roubo seguido de morte (art. 157, § 3º, inciso II e não “in fine” como diz a Lei – houve alteração no § 3º através da Lei nº 13.654/2018). Cuida-se de roubo praticado com violência física (excluída a violência moral, que é a grave ameaça), resultando do emprego da violência a morte de pessoa presente no evento. Também devemos lembrar que a morte pode ser em decorrência de dolo como de culpa. O art. 157, § 3º, constitui um crime qualificado pelo resultado, motivo pelo qual não afasta a possibilidade do agente querer roubar e querer matar a vítima ou querer roubar e, exagerando na violência por imprudência, matar o ofendido. III - extorsão qualificada pela morte: Se da violência utilizada na prática da extorsão resultar morte para alguém envolvido no cenário, cuida-se de delito hediondo. Também aqui se aplica a hipótese de crime qualificado pelo resultado. A morte ocorrendo por dolo ou culpa, o crime será hediondo. IV- extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada: O que se entende por Homicídio Condicionado?Trata-se de matéria que se insere na tipificação do homicídio simples como crime hediondo. De acordo com o artigo 1º, I, da Lei 8.072/90, "são considerados hediondos os seguintes crimes: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e o homicídio qualificado". Partindo dessa premissa, verifica-se que, somente em uma hipótese, o homicídio simples é tipificado como crime hediondo. Do que se vê, para a caracterização da hediondez do homicídio simples, uma condição deve ser atendida: o crime deve ter sido praticado em atividade típica de grupo de extermínio. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 4 O sequestro de pessoa com a finalidade de obtenção de vantagem, como condição ou preço do resgate é de fato repugnante, gerando trauma para as vítimas e muitas vezes, inclusive, para a família, motivo de ser considerado hediondo. V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o): O estupro, com a alteração produzida pela Lei nº 12.015/09, passou a abranger a conjunção carnal, bem como a prática de ato libidinoso. O § 1º se refere se a vítima sofre lesão corporal de natureza grave ou é menor de 18 anos e maior de 14 anos. Já o § 2º trata do estupro com resultado morte. Devemos lembrar que as hipóteses de lesão grave e morte são preterdolosas (dolo no antecedente e culpa no consequente). VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o): Grupo de Vulnerável é o conjunto de pessoas que por questões ligadas a gênero, idade, condição social, deficiência e orientação sexual, tornam-se mais suscetíveis à violação de seus direitos. Para efeito didático esse grupo pode ser classificado em seis categorias: mulheres, crianças e adolescentes, idosos, população de rua, pessoas com deficiência física ou sofrimento mental e a comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis). Assim, o legislador considerou os menores de 14 anos como um grupo mais suscetível à violação de seus direitos, no caso, sexuais. O dispositivo se refere à hipótese de estupro de vulnerável como crime hediondo, abrangendo o estupro (conjunção carnal ou prática de ato libidinoso) com menor de 14 anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Abrangeu também o legislador qualquer das outras formas de estupro de vulnerável, havendo como resultado lesão corporal grave ou morte. VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o): Somente é considerado crime hediondo a figura qualificada pelo resultado. Não inseriu o legislador a figura prevista no caput do dispositivo. Temos novamente aqui uma hipótese de crime qualificado pelo resultado em que este é produzido em virtude de culpa. VIII- falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B): A questão aqui colocada é extremamente interessante em alguns aspectos. O crime previsto no artigo 272 (falsificação de alimentos) não é considerado hediondo, enquanto este é hediondo. Também se deve observar que algumas condutas previstas, em especial no art. 273, §1º-A (falsificação de cosmético, por exemplo), não tem o menor sentido em ser considerado hediondo. IX- favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º) X- O parágrafo único do art. 1º, também considera como Hediondo o Genocídio: Cuida-se de delito contra a humanidade, envolvendo objeto jurídico de interesse supranacional, que é a preservação da pessoa humana, qualquer que seja a sua nacionalidade, etnia, raça ou credo. De acordo com a Lei nº 2.889/56, a conduta típica consiste em: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 5 Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo XI- Terrorismo: A Lei nº 13.260/2016, estabeleceu o terrorismo no Brasil, além de disciplinar as investigações e disposições processuais. O conceito estabelecido é o que segue: Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. § 1o São atos de terrorismo: I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; II – (VETADO); III - (VETADO); IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento; V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa: Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência. 4. Artigo 2º da Lei nº 8.072/90 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 6 São considerados assemelhados a hediondos os crimes de: I- Genocídio (Lei n. 2889/56) II- Tortura (Lei n. 9455/97 III- Tráfico de Drogas (Lei n. 11.343/06) IV- Terrorismo (Lei nº 13.260/2016) Observações: Racismo não é crime hediondo Em relação ao Tráfico de Drogas: mencionando tráfico de drogas está se referindo ao artigo 33 da lei. Com relação ao § 4º (diminuição de pena), a Súmula 512 do STJ estabelece ser crime hediondo - “A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.” Não têm equiparação as figuras do art. 33, § 2º e 3º (participação no uso de drogas ou fornecimento, de maneira eventual e sem lucros, para as pessoas de seu relacionamento). Essas duas figuras não são consideradas tráfico (apesar de constarem no art. 33) Art. 34 – Petrechos para o tráfico. Petrechos são instrumentos ou objetos destinados para a preparação – prevalece à posição de equiparação e hediondo (não tem precedente dos tribunais superiores afastando a hediondez). Art. 35 – Associação para o tráfico - não se equipara a hediondo, pois não se confunde a associação, como crime autônomo, com o seu objetivo (tráfico de drogas) – para configurar esse crime basta que se associem duas ou mais pessoas com o fim específico de cometer tráfico. (decisão isolada entende ser equiparado – HC 118.213) Art. 36 – Financiamento para o tráfico – prevalece à posição de equiparação para o tráfico Art. 37 – Colaboração para o tráfico na condição de informante (caso do fogueteiro) – prevalece que esse crime não seria equiparado. O artigo 2ºestabelece também que os crimes hediondos e outros que especifica são insuscetíveis de: I- anistia, graça e indulto: A anistia é o esquecimento jurídico da infração penal, sendo atribuição do Congresso Nacional, por meio de lei penal de efeito retroativo. A graça é a concessão de clemência pelo Presidente da República, feita mediante decreto. A graça é sempre individual. O indulto também é uma clemência do Presidente, entretanto, é coletivo. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 7 Conforme jurisprudência firmada pelo Plenário do STF, é constitucional o art. 2º, I da Lei nº 8072/90, pelo qual se veda a concessão de indulto aos condenados por crimes hediondos, tráfico de drogas e terrorismo. II- fiança: Fiança é uma garantia real, consistente no pagamento em dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, para assegurar o direito de permanecer em liberdade, durante a tramitação do processo criminal. ► Possibilidade legal da liberdade provisória sem fiança: Com a edição da Lei nº 11.464/07, suprimiu-se a proibição à concessão de liberdade provisória sem fiança. Passa a ser, pois, autorizado o seu deferimento pelo magistrado, naturalmente, se não estiverem presentes os requisitos para a prisão preventiva. Admitem, entretanto, a liberdade provisória (art. 321 do CPP), desde que seja sem fiança, com cautelares diversas encontradas nos artigos 319 e 320 CPP. Para o STF, a CF não veda a liberdade provisória como um todo, mas apenas a fiança como meio para obtenção da liberdade provisória. § 1º: Cumprimento da pena em regime inicial fechado: O § 1º cuida da possibilidade da progressão do regime. Essa mudança foi patrocinada pela Lei nº 11.464/07. Até a entrada da Lei nº 11.464/07 em vigor, a Lei nº 8.072/90 estabelecia regime integralmente fechado para o cumprimento da pena nos crimes hediondos e equiparados. O STF entendeu que referido dispositivo era inconstitucional (HC 82.959/SP, rel. min. Marco Aurélio, DJ 01/09/2006) e passou então, a decidir que para os crimes Hediondos deveria ser aplicada as regras da Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84), que previa progressão de regime após o cumprimento de 1/6 da pena. Em virtude da decisão do STF, houve a entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, estabelecendo o regime inicial fechado no caso dos crimes hediondos. Para os presos por crimes hediondos anteriores a 2007, o STF editou a Súmula Vinculante nº 26: Súmula Vinculante 26/09 Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. Em relação ao exame criminológico, o entendimento atual é de que sua realização é facultativa, mas deve ser fundamentado. O STJ editou a Súmula nº 439, sobre o tema: Súmula 439/STJ - Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. (Súmula 439, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 8 ► Inconstitucionalidade da imposição de regime inicial fechado para crimes hediondos Apesar das decisões acima, a questão da constitucionalidade, agora do novo § 1º do artigo 2º, determinando o regime inicial fechado para crimes hediondos, também é objeto de questionamento no STF. Vejamos a decisão abaixo: Portanto, a Corte Constitucional, no julgamento do HC no 111.840/ES, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, removeu o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei no 8.072/90, com a redação dada pela Lei no 11.464/07, o qual determinava que '[a] pena por crime previsto nes[s]e artigo será cumprida inicialmente em regime fechado', declarando, de forma incidental, a inconstitucionalidade da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para o início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado. Esse entendimento abriu passagem para que a fixação do regime prisional - mesmo nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes ou de outros crimes hediondos e equiparados - seja devidamente fundamentada, como ocorre nos demais delitos dispostos no ordenamento. Com relação à admissão do Sursis em crimes hediondos, a questão também tem sido polêmica, entretanto, com a alteração da Lei nº 11.464/07, o posicionamento majoritário parece estar no sentido de sua admissão. Também em relação à admissão ou não da aplicação de penas restritivas de direitos, a questão é bastante controvertida, havendo julgamentos nos dois sentidos. "Entendo que, se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. Deixo consignado, já de início, que tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33 c/c o art. 59 do Código Penal. A progressão de regime, ademais, quando se cuida de crime hediondo ou equiparado, também se dá em lapso temporal mais dilatado (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 2º). (...) Feitas essas considerações, penso que deve ser superado o disposto na Lei dos Crimes Hediondos (obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado) para aqueles que preencham todos os demais requisitos previstos no art. 33, §§ 2º, b, e 3º, do CP, admitindo-se o início do cumprimento de pena em regime diverso do fechado. Nessa conformidade, tendo em vista a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, na parte em que impõe a obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento da pena aos condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados, concedo a ordem para alterar o regime inicial de cumprimento das reprimendas impostas ao paciente para o semiaberto." (HC 111840, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento em 27.6.2012, DJe de 17.12.2013). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 9 § 2º: Progressão de regime: O § 2º estabelece regras para a progressão do regime nos casos de condenados por crimes hediondos. a) Apenado primário: cumprimento de 2/5 da pena; b) Apenado reincidente: cumprimento de 3/5 da pena. Observe-se ainda que a Lei nº 13.769 de 19 de dezembro de 2018, modificou esse § 2º da Lei dos Crimes Hediondos e estabeleceu que: “A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)”. De acordo com o § 3º do artigo 112 da LEP, alterado pela Lei nº 13.769 de 19 de dezembro de 2018, a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, poderá progredir de regime após o cumprimento de 1/8 da pena, além de cumprir os seguintes requisitos: Art. 112, § 3º: I - não ter cometidocrime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado organização criminosa. Já o § 4º do mesmo artigo 112 estabelece que “o cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo”. Lembrando que no caso de sentenciados por delitos comuns, o prazo para a progressão de regime continua sendo de 1/6 da pena. § 3º: Apelo em liberdade: O recurso de apelação, nos crimes hediondos e assemelhados, tem como pressuposto de admissibilidade o recolhimento do réu à prisão. Somente em caráter excepcional, e motivadamente, pode o juiz autorizar o contrário. Nesse sentido, a Súmula 09 do STJ: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. O parágrafo estabelece que em havendo condenação por crimes hediondos, o juiz deverá decidir se o condenado poderá apelar em liberdade. Apesar do princípio da presunção de inocência, em se tratando de crimes hediondos, deixou a lei a decisão ao juiz se é caso ou não da prisão do autor do crime hediondo, uma vez já havendo condenação. § 4º: Prazo da prisão temporária em crimes hediondos: A prisão temporária está disciplinada na Lei nº 7.960/89 e tem como finalidade a investigação policial. Em se tratando de crimes que não são hediondos e que estão especificamente elencados na lei, o prazo da prisão temporária é de 05 dias, prorrogáveis por mais 05 dias. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 10 O dispositivo previsto no § 4º permite que em se tratando de crimes hediondos o prazo da prisão temporária será de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. 5. Artigo 8º da Lei nº 8.072/90 O dispositivo alterou a pena do crime previsto no artigo 288 do C.P. (associação criminosa), de um a três anos de reclusão para o montante de três a seis anos, quando os crimes visados forem hediondos e equiparados. Portanto, se 04 pessoas se associam para o crime de roubo, respondem pelo crime previsto no art. 288 do Código Penal (pena de 01 a 03 anos). Se quatro pessoas se associarem para o cometimento de crime de homicídio qualificado, respondem pelo crime previsto no art. 288 do Código Penal, entretanto, com pena de 03 a 06 anos. O § único do dispositivo ainda trata da chamada delação premiada. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 01 a 2/3. 6. Artigo 9º da Lei nº 8.072/90 Um problema sério do presente dispositivo é a entrada em vigor da Lei nº 12.015/09. É que houve um lapso do legislador ao editar a lei citada e ao deixar de remodelar o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos para adaptá-lo às mudanças que ocorreram. O deslize pode ensejar o surgimento de possibilidade de sua não aplicação e retroatividade benéfica. Aliás, essa é a nossa posição a respeito do tema. As hipóteses anteriormente estabelecidas pelo artigo 224 (presunção de violência) integram os novos tipos penais (arts. 213 e outros do C.P. com a alteração da lei). O legislador estabeleceu expressamente nos novos tipos penais as causas de presunção de violência constantes no antigo artigo 224 do Código Penal. Não mais podem ser usadas para aumento de pena, pois ocorreria inegável bis in idem. Mas há que se lembrar que o artigo 9º, estabelece aumento de pena em relação aos arts. 157, §3º, 158, §2º, 159 “caput” e seus parágrafos, quando estiverem presentes as causas do artigo 224 (agora revogado). Como aplicar o aumento de pena a esses dispositivos (art. 157, §3º, art. 158, §2º e 159 “caput) se o artigo 224 foi revogado? Entendemos não mais ser possível o aumento de pena previsto no artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos. Se este dispositivo faz referência a artigo já revogado, não há como ocorrer as causas de aumento de pena ali previstos, simplesmente, por não mais constarem do tipo penal indicado. O entendimento do STJ e do STF é no sentido de que a causa de aumento prevista no art. 9º da Lei de Crimes Hediondos foi revogada tacitamente pela Lei n. 12.015/2009, considerando que esta Lei revogou o art. 224 do CP, que era mencionado pelo referido art. 9º. STF. Primeira Turma. HC 111246/AC, rel. Min. Dias Toffoli, 11/12/2012 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 11 LEI MARIA DA PENHA – LEI Nº 11.340/06 A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) recebeu este nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes (biofarmacêutica residente em Fortaleza) que foi agredida pelo seu marido durante seis anos, sendo que, em duas oportunidades, ainda sofreu tentativa de homicídio: na primeira vez, em virtude dos tiros recebidos, acabou paraplégica; na segunda, a tentativa de homicídio ocorreu por eletrocução e afogamento. Apesar dos lamentáveis fatos, o marido da Sra. Maria da Penha só foi punido dezenove anos mais tarde, tendo permanecido preso por apenas dois anos. O caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) em petição contra o Estado brasileiro, que não respondeu à denúncia. Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência contra a mulher, sendo aplicada pela primeira vez a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – Convenção de Belém do Pará. Fundamento Constitucional e Conceitos Básicos: O fundamento Constitucional à Lei Maria da Penha encontra-se no artigo 226, “caput” e § 8º, da Constituição Federal: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” A própria ementa da Lei 11.340/2006 traz a sua fundamentação lastreada além da Constituição Federal, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 4.377/2002) e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Promulgada pelo Decreto nº 1.973/96): “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.” DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 12 A Lei Maria da Penha será, assim, aplicada quando presentes os requisitos nela contidos: Violência (física, psicológica, moral, patrimonial, sexual) + Âmbito Familiar (ou doméstico) + Sujeito Passivo Mulher São formas de violência, definidas pelo próprio artigo 7º da Lei Maria da Penha: “Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física; II - a violência psicológica (entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação – Lei nº 13.772/2018 de 19 de dezembro de 2018); III - a violência sexual; IV - a violência patrimonial; V - a violência moral.” Há de se notar, entretanto, que não é qualquer violência doméstica que incidirá na aplicação da Lei nº 11.340/2006, a violência há de ser em razão de ser mulher, em detrimento de sua imagem, colocando a mulher em situação de desigualdade, em situação de rebaixamento social, vulnerabilidade. Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul1[1]: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 13 “A Lei nº 11.340/2006 não fere o princípio constitucional da isonomia, porquanto apenas visa proteger adequadamente as mulheres que se encontram em situação jurídica desvantajosa, criando mecanismos processuais diferenciados para a sua realidade diversa da dos seus semelhantes (...)” Oportuno ressaltar que não houve desamparo ou qualquer forma de quebra na isonomia entre homens e mulheres sendo certo que o homem, ou o ser masculino, que sofre violência doméstica restou também amparado pelo artigo 129, § 9º do Código Penal que passou a vigorar com a seguinte redação: “§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.” Verifica-se que o § 9º supra mencionado não faz qualquer distinção relativa ao sexo do ofendido: “A pena máxima de 03 anos exclui do conceito de delito de menor potencial ofensivo as lesões corporais praticadas não só contra a mulher como também das pessoas ali referidas ou que se encontram dentro das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade.” (Precedente TJRS, Apelação Criminal nº 70019194398) Em verdade, o que houve foi uma inovação no aspecto processual, visando proteger a mulher em desamparo social. Para tanto é necessário demonstrar o que vem a ser entendido como âmbito doméstico, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, como demonstrado pelo art. 5º da Lei: “Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: Não há violação do princípio constitucional da igualdade no fato de a Lei n.º 11.340/06 ser voltada apenas à proteção das mulheres. STF. Plenário. ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012. A qualificadora prevista no § 9º do art. 129 do CP aplica-se também às lesões corporais cometidas contra HOMEM no âmbito das relações domésticas. STJ. 5ª Turma. RHC 27.622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012. Obs: isso não significa que a Lei Maria da Penha aplique-se para vítimas homens. Não se aplica! DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 14 I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.” Portanto, o legislador não exige a coabitação para a configuração do âmbito doméstico: basta que o agressor conviva ou tenha convido com a ofendida, encontrando-se aí relações como namoro, noivado ou, até mesmo, meros casos amorosos, desde que esteja presente o referido requisito da relação íntima de afeto. O STJ editou a Súmula nº 600 em 22/11/2017, conforme abaixo: ► Sujeito ativo e sujeito passivo da violência doméstica e familiar A Lei nº 11.340/06, em vários de seus dispositivos, refere-se ao sujeito ativo da violência doméstica e familiar como “agressor”. Forçoso, concluir, portanto, que tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos da violência doméstica e familiar, de vez que o termo “agressor” foi utilizado genericamente, abrangendo o sexo masculino quanto o sexo feminino. Já quanto ao sujeito passivo, somente a mulher pode sofrer violência doméstica e familiar. É possível a aplicação da Lei Maria da Penha para violência praticada por irmão contra irmã, ainda que eles nem mais morem sob o mesmo teto. STJ. 6ª Turma. HC 184.990-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/06/2012. É possível que a agressão cometida por ex-namorado configura violência doméstica contra a mulher ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/06. STJ. 5ª Turma. HC 182.411/RS, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), julgado em 14/08/2012. Súmula 600-STJ: Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 22/11/2017. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 15 Apesar da posição majoritária no sentido de que a Lei Maria da Penha só pode ser aplicada a vítimas mulheres, há julgados no sentido da possibilidade de aplicação a homens, conforme o julgado abaixo do TJMT (questão conflitante e discutível): Decisão da Segunda Turma Recursal do TJMT: "HABEAS CÓRPUS. MEDIDAS PROTETIVAS, COM BASE NA LEI Nº. 11.340/2006, A CHAMADA LEI MARIA DA PENHA, EM FAVOR DO COMPANHEIRO DA PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA ANALOGIA IN BONAM PARTEM. AFASTAMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEDIDOS DENEGADOS, SEJA PORQUE OS ATOS DA PACIENTE SÃO REPROVÁVEIS, POIS QUE CONTRÁRIOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO, SEJA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM DENEGADA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. Louve-se a coragem cívica do autor da representação, em procurar resolver a questão que lhe aflige, na justiça; louve-se o nobre advogado que teve o necessário discernimento para buscar na Lei Maria da penha, arrimado no princípio da analogia, a proteção de seu constituinte, mesmo quando todas as evidências indicavam que a referida Lei não poderia ser invocada para proteger o homem, haja vista que esta norma veio e em boa hora, para a proteção da mulher; louve-se, por fim, o diligente e probo magistrado que ousou desafiar a Lei. Com sua atitude, o magistrado apontado como autoridade coatora, não só pôs fim às agruras do ex companheiro da paciente, como, de resto e reflexamente, acabou por aplicar a Lei em favor da mesma. O raciocínio tem sua lógica, levando-se em conta que, em um dado momento, cansado das investidas, o autor da representação poderia revidar e, em assim agindo, poderia colocar em risco a incolumidade física da paciente. Da análise de todo o processado, não vislumbrei possibilidade de atender aos reclamos dos impetrantes, em favor da paciente, seja para afastar as medidas protetivas em favor do seu ex-companheiro, (afinal as atitudes da beneficiária do HC são reprováveis, posto que contra o ordenamento jurídico); seja para determinar o trancamento da ação penal. (lembremos que ao tempo da impetração não havia ação penal instaurada e mesmo que houvesse, não foi demonstradaa justa causa para tal). (TJMT; HC 6313/2008; Segunda Turma Recursal; Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias; Julg. 09/06/2009; DJMT 24/06/2009; Pág. 35)". Portanto, necessárias as seguintes considerações sobre o tema, obviamente com posições em contrário: “A Lei Maria da Penha não pode ser aplicada para casos de violência contra homens, já que o âmbito de proteção da lei é a mulher. No entanto, a norma não distingue a opção sexual, podendo, portanto, ser empregada normalmente em caso de uma mulher agredida por sua companheira. A lei já vem sendo aplicada no caso de violência contra transexuais que se identificam como mulheres em sua identidade de gênero. O fato de a lei não amparar o homem não significa que ele esteja fora da proteção legal nos casos de agressão. Algumas medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha têm servido de inspiração aos juízes de varas comuns no exercício de suas funções, inclusive em casos de violência contra homens. Ao se sentir agredido, o homem deve recorrer às delegacias e aos juizados especiais ou varas criminais, para crimes com menor potencial ofensivo, como, por exemplo, ameaça ou lesão corporal leve”. ASPECTOS PROCESSUAIS DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 16 Competência O artigo 14 da Lei Maria da Penha estabelece a faculdade de criação de varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher: “Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.” Não se pode confundir com os Juizados Especiais, os quais têm competência para julgamento de ações cíveis de menor complexidade e delitos de menor potencial ofensivo. Evidentemente, não é o caso dos “Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher”, os quais têm por objeto a especialização no atendimento aos casos de violência doméstica, tanto na esfera cível, quanto na criminal. E a realidade fática nos mostra que há necessidade de um órgão jurisdicional especializado no atendimento à mulher que sofre violência. De fato, positiva foi a criação de Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, exemplo a ser seguido. Os profissionais tornam-se mais capacitados e são preparados para as medidas protetivas necessárias. Inclusive, louva-se a criação do Centro de Referência da Mulher, “local onde as vítimas de violência doméstica receberão atendimentos especializados médico, psicológico e social, que inclui capacitação profissional para geração de renda - serviços que se integrarão aos já oferecidos pela DDM, como assistência jurídica”2[1] Em caráter transitório a lei estabelece que enquanto não forem criadas as varas especializadas, a competência será das Varas Criminais comuns, as quais acumularão as competências cível e criminal: “Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.” No entanto, lamentamos o fato de que ainda não houve a instalação destes Juizados de Violência Doméstica e Famílias contra a mulher em todo o território nacional, mesmo depois de quase dois anos de vigência da Lei Maria da Penha. Quanto à investigação dos crimes, figurando como vítimas as mulheres, a regra é de que deve ser realizada pelas Polícias Civis dos Estados, entretanto, a Lei nº 13.642/2018, acrescentou um inciso ao artigo 1º da Lei nº 10.446/2002, permitindo a investigação pela Polícia Federal em caso específico: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 17 Vejamos: MEDIDAS A SEREM ADOTADAS PELA AUTORIDADE POLICIAL Os artigos 10, 11 e 12 da Lei Maria da Penha, estabelece as providências que devem ser adotadas pela autoridade policial quando do atendimento de ocorrências desta natureza. O artigo 11 estabelece providências que deve adotar a autoridade policial no atendimento de mulher em situação de violência doméstica: - garantir proteção policial; - encaminhar a ofendida ao hospital ou IML; - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; - acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; - informar à ofendida os direitos conferidos pela lei. Já o artigo 12 estabelece as providências quando da elaboração da ocorrência policial e as medidas a serem adotadas pelo Delegado de Polícia. De se observar a necessidade da representação da ofendida (inciso I), a remessa no prazo de 48 horas de autos apartados ao juízo para concessão de medidas protetivas (inciso III) e as declarações da ofendida com as medidas protetivas solicitadas (inciso I e § 1º do art. 12). Lei nº 13.642/2018 Acrescentou mais um inciso ao art. 1º da Lei nº 10.446/2002 prevendo novas hipóteses de crimes que poderão ser investigados pela Polícia Federal. Confira: “Art. 1º Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: (...) VII – quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.” Desse modo, a partir de agora existe previsão expressa de que a Polícia Federal poderá investigar os crimes praticados pela internet que envolvam a divulgação de mensagens, imagens, sons, vídeos ou quaisquer outros conteúdos misóginos. Conteúdo misógino é aquele que propaga o ódio ou a aversão às mulheres. Obs: esses crimes do art. 1º, VII acima referidos continuam sendo, em regra, de competência da Justiça ESTADUAL. Apenas a INVESTIGAÇÃO de tais delitos é que passou para a esfera federal. Assim, a Polícia Federal realiza o inquérito policial e depois o remete para o Promotor de Justiça e Juiz de Direito que irão dar início e prosseguimento no processo penal. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 18 - Concessão de Medida Protetiva pela Autoridade Policial: No dia 14/05/2019, a Lei nº 13.827/2019, que altera a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) para autorizar, em algumas hipóteses, a aplicação, pela autoridade policial, de medida protetiva de urgência em favor da mulher. Em regra, a autoridade judicial (Juiz ou Desembargador) era a única que podia conceder Medidas Protetivas. Até a edição da Lei nº 13.827/2019, essa regra não tinha exceções. A Lei nº 13.827/2019 trouxe uma exceção, permitindo que a medida protetiva de afastamento do lar seja concedida pelo Delegado de Polícia se o Município não for sede de comarca ou até mesmo pelo policial caso também não haja Delegado de Polícia no momento. Abaixo a redação do dispositivo: Art. 12-C. Verificada a existência de risco atualou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I - pela autoridade judicial; II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 13.827/2019) Assim teremos: Quem determina esse afastamento? 1º) em primeiro lugar, a autoridade judicial. 2º) se o Município não for sede de comarca: o Delegado de Polícia poderá determinar essa medida. 3º) se o Município não for sede de comarca e não houver Delegado disponível no momento: o próprio policial (civil ou militar) poderá ordenar o afastamento. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 19 Discussão quanto à constitucionalidade por violação ao princípio da jurisdicionalidade: O afastamento do lar é uma medida cautelar penal e, portanto, certamente surgirão vozes defendendo que a lei é inconstitucional por outorgar ao Delegado de Polícia e ao policial a possibilidade de sua concessão. De fato, as medidas cautelares penais estão sujeitas ao princípio da jurisdicionalidade, segundo o qual, em regra, somente podem ser concedidas pela autoridade judicial. No entanto, o art. 12-C estabelece uma hipótese de jurisdicionalidade postergada, postecipada ou diferida (CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Lei 12.403 Comentada - Medidas cautelares, prisões provisórios e liberdade provisória. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2013, p. 23). Isso porque, segundo o § 1º do dispositivo, em até 24 horas após a autoridade policial impor o afastamento do lar, o juiz deverá ser comunicado sobre a situação e terá também 24 horas para decidir se mantém ou revoga a medida aplicada. Desse modo, a decisão sobre a medida continua sendo do Poder Judiciário. Além disso, é preciso que seja feita uma ponderação dos interesses protegidos. A cláusula de jurisdicionalidade das medidas cautelares existe como uma garantia do investigado ou réu, até mesmo como decorrência do devido processo legal. No entanto, se a situação ocorre em um Município que não é sede de comarca, a exigência da jurisdicionalidade prévia geraria um risco de dano irreversível ao bem jurídico de maior importância do ordenamento jurídico, qual seja, a vida da vítima. Ressalte-se, ainda, que a restrição aos bens jurídicos do agressor é mínima considerando que só é permitida a imposição de uma medida protetiva, qual seja, o afastamento do lar, não havendo, desse modo, risco de dano irreparável caso o magistrado entenda que deve revogar a imposição deferida pela autoridade policial. Discussão quanto à constitucionalidade por violação ao princípio da isonomia: Em outro extremo, surgiu também a tese de que o aludido art. 12-C seria inconstitucional por afrontar o princípio da isonomia. Isso porque, conforme vimos, a Lei somente permite que o Delegado determine o afastamento do agressor do lar nos Municípios que não são sede de comarca. Assim, as vítimas que moram em Municípios onde há comarcas instaladas teriam uma proteção menor, considerando que teriam que esperar por uma decisão judicial, o que, certamente, demora mais do que a imposição direta pelo Delegado de Polícia. A Lei não concede um privilégio odioso às vítimas que residem em Municípios que não sejam sede de comarca. Em verdade, o objetivo dela é permitir que, mesmo sem a presença física do Poder Judiciário, ela tenha resguardada a sua integridade física. Existe, portanto, uma razão jurídica que fundamenta a distinção. Qual é o instrumento cabível contra a decisão da autoridade policial que concede ou nega a medida cautelar de urgência? Se o juiz já manteve a decisão do Delegado, o responsável pela decisão passou a ser a autoridade judicial e, portanto, o recurso deverá ser contra o pronunciamento do magistrado. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 20 Por outro lado, se o juiz ainda não apreciou a decisão do Delegado, teremos duas situações possíveis: • Delegado concedeu a medida: o suposto ofensor pode impetrar habeas corpus para o juiz. • Delegado denegou a medida: a vítima deverá formular novo pedido de concessão da medida, agora para o juiz. Quais as consequências caso o indivíduo descumpra a decisão da autoridade policial que impôs a medida protetiva de urgência? É possível que o Delegado represente ao juiz para a decretação da prisão preventiva do ofensor (art. 313, III, do CPP). Vale ressaltar que o agente não responderá pelo crime do art. 24-A da Lei nº 11.340/2006, considerando que o tipo penal fala em “descumprir decisão judicial” “Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos”. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA As medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 direcionam-se tanto contra o agressor, quanto à defesa da ofendida. MEDIDAS CONTRA O AGRESSOR (ART. 22): suspensão da posse ou restrição do porte de armas; ntre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas; c) frequentação de determinados lugares; de alimentos provisionais ou provisórios. MEDIDAS PROTETIVAS À MULHER (ART. 23): DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 21 atendimento; omicílio, após afastamento do agressor; alimentos; nte da administração direta ou indireta; até seis meses. MEDIDAS PROTETIVAS AO PATRIMÔNIO (ART. 24): restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) podem ser aplicadas em ação cautelar cível satisfativa, independentemente da existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor. STJ. 4ª Turma. REsp 1.419.421-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014 (Info 535). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 22 prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida protetiva de urgência consistente na proibição de aproximar-se de vítima de violência doméstica e familiar. STJ. 5ª Turma. HC 298.499- AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 1º/12/2015 (Info 574). Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria viviam juntos em união estável e um dia tiveram uma grave discussão na qual ele chegou até a ameaçá-la de morte. No mesmo instante, Maria decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou o Juizado da Violência Doméstica. A juíza deferiu diversas medidas protetivas de urgência, dentre elas que João mantivessedistância mínima de 500 metros de Maria e de seus familiares e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”). Na decisão, a magistrada consignou, ainda, que, em caso de descumprimento de quaisquer das medidas aplicadas, seria aplicada ao requerido multa diária de R$ 100, conforme previsto no § 4º, do art. 22 da Lei nº 11.340/2006. Diante disso, indaga-se: João poderá impetrar um habeas corpus no Tribunal de Justiça questionando a legalidade desta decisão? SIM. Cabe habeas corpus para apurar eventual ilegalidade na fixação de medida protetiva de urgência consistente na proibição de aproximar-se de vítima de violência doméstica e familiar. Como vimos acima, o eventual descumprimento de medida protetiva arrolada na Lei Maria da Penha pode gerar sanções de natureza civil (art. 22, § 4º, da n. Lei 11.340/2006, c/c art. 461, §§ 5º e 6º do CPC), bem como a decretação de prisão preventiva, de acordo com o art. 313, III, do CPP. Logo, existe um risco à liberdade de locomoção do interessado. Segundo o art. 647 do CPP, dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Se o paciente não pode aproximar-se da vítima ou de seus familiares, decerto que se encontra limitada a sua liberdade de ir e vir. Assim, afigura-se cabível a impetração do habeas corpus. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 23 No dia 03 de abril de 2018, foi editada a Lei nº 13.641/2018, acrescentando o artigo 24-A à Lei Maria da Penha, instituindo crime o fato de “descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência” previstas na lei. Também estabelece a impossibilidade da concessão de fiança pelo Delegado de Polícia nestes casos. Confira a redação da Lei: Inaplicabilidade dos institutos da Lei 9.099/95 A Lei Maria da Penha é clara ao determinar que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95): “Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.” O Superior Tribunal de Justiça editou ainda a Súmula 536/2015, com o seguinte teor: Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), mesmo que a pena seja menor que 2 anos. STF. Plenário. ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012. Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). STJ. 5ª Turma. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2014 (Info 538). STJ. 6ª Turma. RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014 (Info 544). Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1o A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2o Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3o O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.” DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 24 Da Ação Penal - Representação Outro destaque que merece ser feito à Lei Maria da Penha diz respeito à representação nos crimes de ação penal pública condicionada. De acordo com o seu artigo 16, a renúncia (retratação) à representação somente poderá ser realizada perante o magistrado e apenas até o recebimento da denúncia: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que a ação penal nos casos de violência doméstica é pública incondicionada, em 26/08/2015 o STJ editou Súmula 542/2015, a respeito da Ação Penal no caso de violência doméstica contra a mulher, a saber: Prisão Preventiva Inicialmente devemos lembrar que o artigo 20 da lei estabelece que em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. O crime de lesão corporal, mesmo que leve ou culposa, praticado contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, deve ser processado mediante ação penal pública incondicionada. No julgamento da ADI 4.424-DF, o STF declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340⁄2006, afastando a incidência da Lei n. 9.099⁄1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Precedente citado do STF: ADI 4.424-DF, DJe 17/2/2012; do STJ: AgRg no REsp 1.166.736-ES, DJe 8/10/2012, e HC 242.458-DF, DJe 19/9/2012. AREsp 40.934-DF, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), julgado em 13/11/2012. Em 26/08/2015 o STJ editou Súmula a respeito da Ação Penal no caso de violência doméstica contra a mulher, a saber: SÚMULA 542- A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada. Terceira Seção, aprovada em 26/8/2015, DJe 31/8/2015. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 25 A Lei Maria da Penha acrescentou um inciso no artigo 313 do Código de Processo Penal, desta forma: “Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV: “Art. 313. ................................................. ................................................................ IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” Ressalte-se que para a decretação da prisão preventiva permanece indispensável a presença dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, isto é, somente poderá ser decretada a custódia cautelar como garantia da ordem pública ou da ordem econômica ou por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, e desde que haja prova da materialidade e indícios de autoria. Impossibilidade de Penas Restritivas de Direitos e Vedação de pena de cestas básicas e outras: No contexto da proteção integral à mulher em situação de violência doméstica e familiar, proibiu expressamente a Lei nº 11.343/06, no art. 17, a aplicação de penas de cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição da pena que implique o pagamento isolado de multa. Sob a vigência da nova lei, não mais sendo cabível transação penal, por impossibilidade de aplicação da Lei nº 9.099/95, não poderá o juiz, no final do processo, quando da prolação da sentença condenatória, substituir a pena privativa de liberdade aplicada ao agressor por pena restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária ou prestação de cestas básicas, nem tampouco operar substituição que implique pagamento isolado de multa. DIREITO PENAL– LEGISLAÇÃO ESPECIAL 26 O STJ editou a seguinte Súmula a esse respeito: Aplicação do Princípio da Insignificância à Lei Maria da Penha O STJ editou a seguinte Súmula a esse respeito: LEI MARIA DA PENHA Impossibilidade de penas restritivas de direito. Não é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado pela prática do crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico (art. 129, § 9º do CP). STF. 2ª Turma. HC 129446/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/10/2015 (Info 804). Veja, portanto, que esse dispositivo proíbe que o juiz aplique as seguintes penas restritivas de direitos à pessoa que praticou violência doméstica e familiar contra a mulher: Pena de "cesta básica"; Quaisquer espécies de prestação pecuniária (art. 45, §§ 1º e 2º); Pagamento isolado de multa (art. 44, § 2º do CP). Alguns doutrinadores sustentaram a tese de que o art. 17, ao proibir apenas esses tipos de penas, teria, a contrario sensu, permitido que fossem aplicadas outras espécies de penas restritivas de direitos. Essa interpretação, contudo, não foi aceita pela jurisprudência. O entendimento que prevalece é o seguinte: além das sanções previstas no art. 17, são proibidas quaisquer penas restritivas para os condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso porque o art. 44, I, do CP veda penas restritivas de direito em caso de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido: (...) Não se pode diminuir a abrangência da norma trazida no art. 44, inciso I, do Código Penal, com a finalidade de se contornar a impossibilidade de aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos crimes cometidos no âmbito familiar. Com efeito, não obstante a Lei n. 11.340/2006 não vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, restringindo apenas a aplicação de pena de prestação pecuniária e o pagamento isolado de multa, o inciso I do art. 44 do Código Penal é claro ao proibir a substituição quando o crime for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 288.503/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/08/2014. Súmula 589-STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais, praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 27 LEI DE DROGAS LEI Nº 11.343/06 I – INTRODUÇÃO A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06 de 23 de agosto de 2006) estabelece já no seu artigo 1º, parágrafo único, o conceito de drogas. Segundo a lei, drogas “são as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Verifica-se de início que o legislador conceituou drogas como as substâncias ou os produtos que causam dependência, sem se referir a dependência física ou psíquica. Também se verifica que temos aqui uma norma penal em branco, uma vez que as substâncias ou os produtos que causam dependência estão elencados em outra norma (hoje, a Portaria SVS/MS nº 344/98 do Ministério da Saúde). Não se aplica o princípio da insignificância aos delitos praticados em situação de violência doméstica. Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal. O STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta. Vale ressaltar que o fato de o casal ter se reconciliado não significa atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena. STJ. 5ª Turma. HC 333.195/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/04/2016. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 318.849/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/10/2015. STF. 2ª Turma. RHC 133043/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/5/2016 (Info 825). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 28 A autoridade administrativa é quem estabelece as substâncias consideradas drogas. Não será preciso mudar a lei para atualizar a lista ou para inserir ou retirar substâncias consideradas drogas, basta alterar a portaria citada. Não utiliza mais o legislador a expressão “substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. Os dispositivos penais passam a falar em “drogas”, cujo conceito está dado no § único do artigo 1º da lei. A dependência significa o condicionamento do organismo humano à droga, de tal forma que nasce um invencível desejo ou necessidade de continuar a consumi-la e a sua falta lhe cause efeitos desagradáveis. Esta dependência pode ser física ou psíquica. A dependência psíquica produz uma sensação de satisfação e um impulso psíquico que leva o indivíduo a consumi-la, periódica ou continuamente. A dependência física é o estado de adaptação que a droga causa ao organismo do indivíduo que a sua falta causa intensos transtornos físicos, conhecidos como síndrome de abstinência. A lei proibiu em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas. (artigo 2º). Criou o legislador o chamado SISNAD que tem por finalidade a prevenção e a repressão ao uso e tráfico de entorpecentes. II- USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS Trouxe a lei um capítulo específico visando à prevenção ao uso de drogas e a reinserção dos usuários e dependentes de drogas. Prevê o respeito ao usuário, o investimento em alternativas esportivas, culturais, artísticas e profissionais e a educação nos três níveis de ensino. Dos crimes e das penas em relação aos usuários Primeiramente merece comentários o artigo 27 da lei. Este estabelece que: “Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.” DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 29 O que interessa para nós no dispositivo é sua parte inicial. O dispositivo diz que as “penas” previstas neste capítulo. Logo, devemos observar que o legislador considerou as medidas a serem aplicadas aos usuários como penas. O artigo 28 da nova lei estabelece que: “Art. 28 Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.” 1. Objeto Jurídico Visa à lei proteger a saúde pública. Quer o legislador evitar que as pessoas utilizem-se de drogas e, conseqüentemente, a saúde da população de uma maneira geral fique prejudicada, já que o consumo de drogas traz graves problemas de saúde. 2. Sujeito ativo e passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa, ou seja, qualquer pessoa poderá adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, drogas para consumo pessoal. SujeitoPassivo é a coletividade e também o próprio usuário de drogas. 3. Conduta típica Cinco são as condutas típicas descritas pelo legislador para o usuário de drogas: - adquirir ; - guardar; - ter em depósito; - transportar; e - trazer consigo. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 30 Portanto, a lei considerou crime a conduta não só daquele que adquire (comprar), guarda (ter sob vigilância) ou traz consigo (carrega consigo), como também os que a têm em depósito (retêm a coisa à sua disposição) e transporta (leva de um local para outro) drogas. Não se apena a conduta de “usar”. Fumar maconha, simplesmente, não é crime. Assim, quem consome a erva e tem a sorte de não ser surpreendido com a mesma em seu poder, delito algum comete. Também é necessário mencionar que as condutas típicas são praticadas com uma finalidade específica ou exclusiva: consumo pessoal. O sujeito adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas, para consumo pessoal. O § 1º do artigo 28, ainda estabelece como condutas típicas as situações de: - semear (lançar a semente ao solo); - cultivar (manter a plantação); e - colher plantas (retirar plantas da plantação), para o consumo pessoal. Temos aqui uma inovação na nova lei, uma vez que estas condutas só estavam previstas no antigo crime de tráfico do artigo 12 da Lei nº 6368/76. Aqui também a conduta é para consumo pessoal. O legislador ainda acrescentou a necessidade de que tais condutas sejam também destinadas a uma finalidade específica, ou seja, a “preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.” Outra novidade da lei vem estabelecida no § 2º, quando estabelece que “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.” É necessário esclarecer, portanto, que o juiz, para verificar se a droga se destinava a consumo pessoal, deverá analisar as seguintes situações: a) Natureza e quantidade da substância apreendida: o juiz deverá analisar a “natureza” da droga apreendida, referindo-se a que espécie ou tipo de droga foi apreendida. Algumas drogas são muito mais nocivas do que outras. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 31 Também deverá analisar a “quantidade da substância apreendida”, ou seja, a lei não estabeleceu uma quantidade para fixar a conduta de tráfico ou porte de drogas. O juiz deverá analisar a quantidade, se esta quantidade é caracterizadora da prática de conduta de usuário ou de traficante. b) Ao local e às condições em que se desenvolveu a ação: querendo o legislador mais uma vez dizer que o juiz deverá analisar o local em que o usuário foi surpreendido, bem como a maneira de sua prisão. Se um indivíduo é pego saindo de um ponto de venda de drogas portando quatro papelotes de cocaína, tal conduta pode indicar que ele estava ali para a aquisição da droga. Agora, se o indivíduo é pego fazendo ponto em local de venda de droga, portando quatro papelotes de cocaína e mantendo consigo grande quantidade de dinheiro (geralmente notas de pequeno valor – R$ 10,00), tal conduta pode significar que está ali para o comércio de drogas e não uso. c) Circunstâncias sociais e pessoais do agente: d) Conduta e antecedentes do agente: o juiz analisará a conduta do indivíduo quando de sua prisão. Deverá o juiz verificar qual o seu comportamento, se ele efetivamente praticava atos que indicavam o a compra de droga para uso ou não. Também deverá ser analisado os antecedentes do autor, ou seja, verificar se tal indivíduo já possui condutas relativas ao porte de entorpecente ou do tráfico, fatos que podem indicar a conduta praticada no momento. O grau de pureza da droga é irrelevante para fins de dosimetria da pena. De acordo com a Lei nº 11.343/2006, preponderam apenas a natureza e a quantidade da droga apreendida para o cálculo da dosimetria da pena. STF. 2ª Turma. HC 132909/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 15/3/2016 (Info 818). O juiz, ao condenar o réu por tráfico de drogas, no momento da dosimetria da pena, poderá aumentar a pena-base (1ª fase) utilizando como argumento a natureza e a quantidade do entorpecente? SIM. A natureza e quantidade da droga são fatores preponderantes no momento da dosimetria da pena, conforme previsto expressamente no art. 42 da Lei n. 11.343/2006. E o grau de pureza da droga? Pode ser utilizado como argumento para aumentar ou diminuir a reprimenda? NÃO. No caso concreto julgado, a defesa pediu ao juiz que realizasse exame pericial para aferir o grau de pureza da droga, tendo sido indeferido pelo magistrado. Diante da negativa, a defesa alegou que houve nulidade, pedido que foi rejeitado pelo STF, que entendeu ser desnecessário determinar a pureza do entorpecente. É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a natureza do entorpecente, na hipótese em que ao condenado por tráfico de entorpecentes tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão. A valoração negativa da quantidade e da natureza da droga representa fator suficiente para a fixação de regime inicial mais gravoso. STF. 2ª Turma. HC 133308/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/3/2016 (Info 819). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 32 Tais situações devem ser analisadas pelo juiz de uma maneira conjunta. 4. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com as condutas descritas no tipo penal, ou seja, quando o indivíduo adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo drogas para consumo pessoal. Já no § 1º a consumação ocorre quando houver a semeadura, cultivo ou colheita de drogas. As condutas de guardar, ter em depósito, transportar, trazer consigo e o próprio cultivo e a colheita, são consideradas condutas permanentes. Em relação à tentativa, a doutrina e a jurisprudência dividem-se quanto à sua possibilidade. Alguns entendem possível outros não. A opinião que nos parece mais convincente é a de Damásio de Jesus que admite a tentativa apenas nas espécies de “adquirir” e “semear”. 5. Penas Para o crime de “Porte de Drogas”, previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 o legislador trouxe como penas: 1) advertência sobre os efeitos da droga; 2) prestação de serviços à comunidade; 3) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. O réu não tem o dever de demonstrar que a droga encontrada consigo seria utilizada apenas para consumo próprio. Cabe à acusação comprovar os elementos do tipo penal, ou seja, que a droga apreendida era destinada ao tráfico. Ao Estado-acusador incumbe demonstrar a configuração do tráfico, que não ocorre pelo simples fato dos réus terem comprado e estarem na posse de entorpecente. Em suma, se a pessoa é encontrada com drogas, cabe ao Ministério Público comprovar que o entorpecente era destinado ao tráfico. Não fazendo esta prova, prevalece a versão do réu de que a droga era para consumo próprio. STF. 1ª Turma. HC 107448/MG, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 18.6.2013. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 33 Tais medidas são consideradas como penas levando-se em conta o disposto no próprio artigo 27 quando este estabelece que “As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente”. (grifo nosso) Luiz Flávio Gomes entende de forma diversa. Segundo este, “por força da Lei de Introdução ao Código Penal (art. 1º), "Considera-se crime a infraçãopenal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente" (cf. Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro − Dec.-Lei 3.914/41, art. 1º). Diz Luiz Flávio: “Ora, se legalmente (no Brasil) "crime" é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser "crime" porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos - art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão”. Por outro lado, a maioria dos doutrinadores, entendem que não houve a descriminalização. Houve apenas a diminuição da carga punitiva. Assim, a posse de drogas ainda seria considerada como crime. Teríamos três novas modalidades de pena: advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos. Em relação a essas novas medidas temos que a prestação de serviços à comunidade e a medida educativa têm prazo máximo de 05 (cinco) meses e, em caso de reincidência serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses (artigo 28, §§ 3º e 4º). A prestação de serviços à comunidade será aplicada em entidades educacionais, assistenciais, hospitais, preferencialmente de prevenção e recuperação de usuários (artigo 28, § 5º). O próprio artigo 27 estabelece que as penas previstas podem ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente. Portanto, o juiz poderá aplicar as três penas descritas nos incisos do artigo 28 (advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 34 Pergunta: E se o usuário se recusar ao cumprimento das medidas educativas (penas)? Se o usuário se recusar ao cumprimento das medidas (educativas do caput) o juiz poderá submetê-lo (§6º do artigo 28): a) à admoestação verbal; b) multa. Difícil é entender o que o legislador quis dizer com “admoestação verbal”. O artigo 28, I já falou em advertência. Seriam a mesma coisa? Acreditamos que não. Assim, se o usuário descumprir as medidas impostas o juiz deverá admoestá-lo. Seria dar-lhe uma “bronca”? Não foi claro o legislador. Guilherme de Souza Nucci esclarece que na advertência, o juiz se concentra a alertar o acusado a respeito dos efeitos das drogas. Na admoestação verbal cuida o magistrado de avisar, com firmeza de que ele não vem cumprindo a pena aplicada. Estará, então, sujeito à sanção pecuniária, caso assim continue a agir. A multa será de 40 a 100 dias-multa, com valor de 1/30 (um trinta avos) até 03 vezes o valor do maior salário mínimo. 6. Prescrição e Competência Prescrição no crime de porte de entorpecente: o artigo 30 da Lei trata da prescrição quanto à imposição e execução das penas previstas no artigo 28. Segundo a lei, a prescrição ocorrerá em 02 (dois) anos, observando-se o disposto no artigo 107 e seguintes do C.P. O Juizado Especial Criminal será o juízo competente para a análise e julgamento do caso, exceto se houver concurso com os crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei. Neste caso a competência será da Justiça Comum. 7. Questão controvertida ► Poderia o usuário ser preso em flagrante delito? Outra polêmica surgiu nessa hipótese. A própria lei veda a prisão em flagrante delito do usuário de drogas no artigo 48, § 2º da Lei. Diante de tal proibição, quando o agente policial se deparar com um usuário de drogas, não poderá prendê-lo? Deverá simplesmente deixá-lo ali? Como conciliar tal situação? Devemos observar que a questão deve ser resolvida de maneira processual. A prisão em flagrante delito se desdobra em quatro atos: cessação da prática DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 35 criminosa; condução do criminoso à presença da autoridade policial; lavratura do auto de prisão em flagrante delito e; recolhimento do autor do crime à prisão. Assim, na hipótese de usuário de drogas, admite-se tão somente as duas primeiras etapas (cessação do crime e condução à presença da autoridade policial). As duas etapas restantes (lavratura do auto de prisão e recolhimento) é que foram vedadas pela lei. Deve ser elaborado o Termo Circunstanciado de Ocorrência Policial e liberado. Admitindo-se a aplicação da Lei nº 9.099/95, quando do encaminhamento do Termo Circunstanciado o Ministério Público poderá transacionar e sugerir a aplicação das três novas penas, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente. III- DOS CRIMES RELACIONADOS AO TRÁFICO DE DROGAS “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.” Este dispositivo é popularmente conhecido como tráfico de drogas. Trata-se de crime comum, de mera conduta, de perigo abstrato e de ação múltipla que se configura por meio de vários verbos. O art. 28 da LD não prevê a possibilidade de o condenado receber pena privativa de liberdade. Assim, não existe possibilidade de que o indivíduo que responda processo por este delito sofra restrição em sua liberdade de locomoção. Diante disso, não é possível que a pessoa que responda processo criminal envolvendo o art. 28 da LD impetre habeas corpus para discutir a imputação. Não havendo ameaça à liberdade de locomoção, não cabe habeas corpus. Em suma, o habeas corpus não é o meio adequado para discutir crime que não enseja pena privativa de liberdade. STF. 1ª Turma. HC 127834/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 05/12/2017 (Info 887). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 36 A condutas de tráfico não se esgotam no caput do artigo 33, mas também estão previstas no § 1º que cuida das figuras equiparadas ao tráfico. 1. Objetividade Jurídica e objeto material O bem jurídico protegido é a saúde pública. A incolumidade pública. Para a existência do delito não há necessidade de ocorrência do dano. É crime de perigo abstrato ou presumido. Tutela-se não só a saúde pública como também a vida, a saúde pessoal e a família. Há, portanto, mais de um bem jurídico tutelado pela lei. Objeto material ou objeto da ação são as drogas, cujo conceito já vimos: substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Cumpre observar que se alguém pratica uma das condutas do tipo penal tendo por objeto substância que pensa ser droga, mas, por engano, não é, haverá crime impossível ou crime putativo. Igualmente, não haverá crime se a substância não for provida do princípio ativo que a classificar como proibida. Exemplo: A posse de sementes de maconha não constitui fato típico, porque elas não têm o princípio ativo, não produzem dependência física ou psíquica. 2. Sujeitos do delito Sujeito ativo é qualquer pessoa, imputável, que pratique uma das condutas previstas. Não se trata de crime próprio é crime comum. Somente a conduta “prescrever” exige uma qualidade especial do agente (médicoou dentista) e, portanto, nesse caso, trata-se de crime próprio. Importante citar aqui a Súmula 492 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no que se refere ao ato infracional análogo ao tráfico de drogas: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida sócio-educativa de internação do adolescente. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 37 Sujeito passivo é a coletividade que se vê exposta a perigo pela prática de uma das condutas típicas. O artigo admite coautoria? Sem dúvida, em todas as figuras. Mesmo a posse ou a guarda podem ensejar a participação. Ex. O indivíduo A entrega dinheiro a B para que este adquira entorpecente de um terceiro. B é preso em flagrante antes da entrega do entorpecente a A; este, é co-autor do delito de posse do tóxico praticado por B. Observe-se ainda que o artigo não possui elemento subjetivo do tipo ou dolo específico. O dolo específico aparece apenas no art. 28 quando estabelece “para consumo pessoal”. Qualquer outra finalidade do agente determina a incidência do art. 33, inclusive, a distribuição gratuita. O STF já se posicionou nesse sentido quanto à distribuição gratuita. A única exceção ocorre na hipótese do oferecimento para amigo e consumo conjunto, prevista no § 3º, do artigo 33. Não podemos ainda confundir o dispositivo em comento com o previsto no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tipifica como crime a conduta de venda, fornecimento ou entrega a criança ou adolescente, de produtos que possam causar dependência física ou psíquica. A norma do ECA é subsidiária, só será aplicada se não se tratar de drogas. Se a substância entregue ao adolescente, por exemplo, for maconha, o crime será o do artigo 33 da Lei. 2.3. Conduta Típica São 18 (dezoito) os verbos do caput que exprimem as formas de conduta punível e que são os núcleos do tipo, algumas permanentes, como guardar, ter em depósito, trazer consigo e expor à venda, e as demais instantâneas. É, portanto, crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. “Importar” é fazer entrar no território nacional. Consuma-se delito quando transpostas as fronteiras do país ou ingressando o entorpecente nos limites do mar territorial e espaço aéreo. “Exportar” é ato inverso, fazer sair dos limites territoriais brasileiros. “Remeter” significa enviar para alguém ou algum lugar, encaminhar. A remessa através da internet configura essa conduta. A consumação nesse caso ocorre quando o sujeito recebe a droga; caso contrário, haverá tentativa. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 38 “Preparar” significa compor, obter por meio de composição, colocar apta a servir. “Produzir” é dar origem a droga ilícita, criar, seja em pequena, seja em grande escala. Distingue-se de “preparar” porque este verbo pressupõe a existência de componentes que são postos em circunstâncias a servir de entorpecente. “Fabricar” é produzir mediante meio mecânico industrial, produzir em fábrica. “Adquirir” significa obter, ter incorporado ao seu patrimônio. Adquirir é ação delituosa instantânea. “Vender” é alienar mediante contraprestação. A permuta é uma dupla venda e, portanto, está incluída no “vender”. “Expor à venda” é mostrar a eventuais compradores. É exibir para a venda. “Oferecer” significa ofertar, apresentar para ser aceito. “Ter em depósito” é reter a coisa a sua disposição em local fixo e “guardar” é a retenção em nome de outra pessoa. “Transportar” é conduzir de um local para outro, em nome pessoal ou de terceiro. “Trazer consigo” é uma variante de transportar, consistente em transportar pessoalmente, junto ao corpo. “Ministrar” é aplicar, inocular, gratuitamente ou mediante paga. “Prescrever” é receitar, indicar. É conduta própria que pode apenas ser praticada por médico, dentista ou pessoa habilitada profissionalmente. Consumação do crime de tráfico de drogas na modalidade adquirir A conduta consistente em negociar por telefone a aquisição de droga e também disponibilizar o veículo que seria utilizado para o transporte do entorpecente configura o crime de tráfico de drogas em sua forma consumada (e não tentada), ainda que a polícia, com base em indícios obtidos por interceptações telefônicas, tenha efetivado a apreensão do material entorpecente antes que o investigado efetivamente o recebesse. Para que configure a conduta de "adquirir", prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, não é necessária a tradição do entorpecente e o pagamento do preço, bastando que tenha havido o ajuste. Assim, não é indispensável que a droga tenha sido entregue ao comprador e o dinheiro pago ao vendedor, bastando que tenha havido a combinação da venda. STJ. 6ª Turma. HC 212.528-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 1º/9/2015 (Info 569). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 39 “Entregar” consiste em passar a detenção ou a posse de drogas a outrem. “Fornecer” consiste em dar, proporcionar, prover. A prática de diversas condutas descritas no artigo 33 “caput”, configura crime único, face ao princípio da alternatividade, uma vez que o crime é de ação múltipla. Observe-se que o artigo 33 não prevê a ação de “usar” 4. Consumação e tentativa Consuma-se o delito com a prática de uma das ações previstas no tipo. A maioria das condutas é instantânea. Outros verbos, porém, caracterizam crime permanente (trazer consigo, guardar, ter em depósito, expor à venda, transportar). O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2015, editou a Súmula 528 sobre a competência no caso de envio de Droga por Via Postal: Alguns atos de execução, eventualmente caracterizadores de tentativa são, por si mesmos, condutas igualmente puníveis, daí ser difícil a forma tentada. Entretanto, a tentativa não está descartada (no caso de remeter). 5. Elemento normativo do tipo Elemento normativo do tipo é aquele que não basta o simples emprego da capacidade de conhecimento, mas cujo sentido tem de ser apreendido através de particular apreciação por parte do juiz. São elementos normativos do tipo as expressões: “sem autorização” ou “em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, determinando que o juiz ao apreciar a adequação de uma conduta, examine também se a substância que determine dependência física ou psíquica é transportada, trazida, guardada, etc... “ sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. 6. Elemento subjetivo Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 40 É o dolo genérico em qualquer das figuras. É a vontade livre e consciente de praticar uma das ações previstas no tipo, sabendo o agente tratar-se de droga. Em relação à atenuante da confissão no crime de tráfico, importante observar- se a Súmula 630 do STJ: Os parágrafos do artigo 33 ainda estabelecem que: “§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; Refere-se à matéria-prima, insumo ou produto químico destinado a preparação de drogas. Estes produtos não precisam constar da lista de drogas proibidas, bastando que seu destino sejapara a preparação de drogas. “Matéria-prima” é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica. II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; Em relação ao cultivo de sementes, cabe fazer duas observações: a) nas sementes deve ser constatado o princípio ativo de alguma droga proibida em lei. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 41 b) se as condutas de semear, cultivar ou colher plantas forem destinadas à preparação de pequenas quantidades de drogas, o que pressupõe o consumo pessoal, estará caracterizado o crime previsto no artigo 28, §1º. “Semear” é lançar a semente ao solo. “Cultiva” quem mantém a plantação, semeada por si mesmo, por outrem ou mesmo encontrada em estado nativo, desde que exerça alguma atuação sobre ela. É figura permanente, protraindo-se a consumação do delito, enquanto estiverem as plantas ligadas ao solo. Se o agente está na posse de sementes? Há crime? Temos as seguintes conclusões: a) Regra – o fato é atípico (o agente não está semeando e nem portando entorpecente. b) Exceção – há crime se for encontrado na semente o princípio ativo de alguma substância entorpecente. III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.” Incluiu-se aí o inciso III, trazido do antigo § 2º do artigo 12 da Lei nº 6368/76, com a conduta de utilizar local ou bem de que tem a propriedade ou posse para o tráfico de drogas. Com relação a esse inciso é necessário mencionar que a lei atual excluiu a expressão “uso indevido”, conseqüentemente, agora somente pratica crime quando se usa o local para o tráfico e não para o uso. § 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. Temos aqui dispositivo semelhante ao previsto na lei anterior (§2º, inciso I da Lei 6368/76). Trata-se de novatio legis in mellius, pois a mesma conduta, na antiga lei era uma figura equiparada ao tráfico de drogas. Trata-se de crime de ação múltipla que prevê três verbos. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 42 Induzir significa criar idéia inexistente na mente de outrem, que não pensava em usar droga. Instigar significa reforçar a idéia pré-existente na mente de outrem, que estava em dúvida se usava ou não droga. Auxiliar significa dar ajuda material a outrem que pretender usar droga. Trata-se de crime de mera conduta que dispensa o efetivo uso da droga pela pessoa induzida, instigada ou auxiliada. A diferença fundamental do dispositivo é que a pena, anteriormente a mesma do tráfico, passa a ser de detenção de 01 (um) a 03 (três) anos. Recentemente discutiu-se sobre a legalidade ou não da chamada “Marcha da Maconha”. O STF, em decisão de 2011, entendeu que a marcha não configuraria o crime descrito aqui no § 2º, conforme informativo do STF, abaixo transcrito: O Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou, a legalidade dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Por unanimidade, os ministros decidiram que esse tipo de manifestação não pode ser considerado crime previsto no artigo 33, parágrafo 2º, da Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/2006), o que configuraria afronta aos direitos de reunião e de livre expressão do pensamento, previstos na Constituição Federal. O Plenário seguiu o voto do ministro Ayres Britto, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4274, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), determinando que o dispositivo da Lei de Tóxicos – que classifica como crime o ato de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga – seja interpretado em conformidade com a Constituição Federal. Dessa forma, exclui-se da interpretação da norma “qualquer significado que enseje a proibição de manifestação e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização de drogas ou de qualquer substância que leve ao entorpecimento episódico ou viciado das faculdades psicofísicas”, conforme destacou o relator em seu voto. Segundo o ministro Ayres Britto, o direito de reunião, assim como os direitos à informação e à liberdade de expressão, “fazem parte do rol de direitos individuais de matriz constitucional, tidos como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e da cidadania”. “Vivemos hoje em uma sociedade de informação e de comunicação, em que o ser humano primeiro se informa para melhor se comunicar com seus semelhantes, e o direito de reunião pode ser visto como especial veículo dessa busca de informação para uma consciente tomada de posição comunicacional”, salientou. De acordo com o relator, existe na Constituição apenas uma única vedação ao direito de reunião, referente àquelas cuja inspiração ou o propósito da convocação ensejem a prática violência física armada ou beligerante. “Quem quer que seja pode se reunir para o que quer que seja, no plano dos direitos fundamentais, desde que o faça de forma pacífica”, concluiu o ministro Ayres Britto, acrescentando que não se pode confundir a criminalização da conduta (o uso de drogas), com o debate sobre a referida criminalização, que é o propósito da “marcha da maconha”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 43 A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4274 julgada pelo STF chegou à seguinte decisão: § 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. Este § 3º elenca um dispositivo novo em relação à lei anterior. A conduta de “oferecer droga”, na lei anterior poderia ser enquadrada como tráfico ilícito de entorpecentes, apesar da jurisprudência em muitos casos não o considerar quando a conduta era a descrita nesse parágrafo. Em virtude disso, o legislador criou agora a conduta do sujeito que oferece droga a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem. Alguns pontos devem ser esclarecidos: 1º) O objeto jurídico continua sendo o mesmo dos crimes de entorpecente (a saúde pública), sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, desde que dentro do seu círculo de relacionamento e, em relação ao sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa, desde que no seu círculo de relacionamento. “Pessoa de seu relacionamento” deve ser entendida como pessoa do seu círculo de amizade e contato. Esse elemento normativo “pessoa de seu relacionamento”, deve ser rigorosamente investigado, pois, do contrário, haverá o crime de tráfico de drogas. 2º) A conduta típica é “oferecer” que significa dar como agrado, ofertar, apresentar para ser aceito. 3º) Esse oferecimento deve ocorrer de forma “eventual”, ou seja, esporadicamente (o que nos leva a crer que se o oferecimento ocorrer de forma assídua, o Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para dar ao § 2º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, interpretação conforme à Constituição, para dele excluir qualquer significado que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou legalização do uso de drogas ou de qualquer substânciaque leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou então viciado, das suas faculdades psico-físicas. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Falou, pelo Ministério Público Federal, a Vice-Procuradora- Geral da República Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira. Plenário, 23.11.2011. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 44 crime será de tráfico de entorpecente – art. 33). Da mesma forma, não pode ter o oferecimento o “intuito de lucro”, que também caracterizará o crime de tráfico de entorpecentes. 4º) O oferecimento da droga deve ter uma finalidade específica, qual seja, a de ser consumida conjuntamente. Esse elemento revela a prontidão entre o recebimento e o consumo. Portanto, a oferta de droga para consumo em futuro remoto descaracteriza o crime, assim como a oferta de quantidade grande de droga. A pena imposta ao crime revela grande discrepância. Enquanto a pena privativa de liberdade caracteriza infração penal de menor potencial ofensivo, a pena pecuniária é elevadíssima, consistente em 700 a 1.500 dias-multa, e não guarda proporcionalidade com a primeira. Basta comparar com o crime de tráfico (art. 33, caput), cuja pena é de 500 a 1.500 dias-multa. Concurso material de crimes: A mesma conduta de oferecer não afasta o crime de porte para uso ilegal, nos verbos lá previstos, que já foram analisados, pois o preceito secundário expressamente determina que as penas do crime sob comento serão aplicadas, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. Causa especial de diminuição de pena (§ 4º do artigo 33): § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Trata-se de inovação da lei de grande importância porque é de caráter mais benéfico e, portanto, será retroativa. Estabelece que no crime de tráfico de drogas (artigo 33, caput e §1º), as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. A Súmula 512 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), estabelece que: Tráfico privilegiado Súmula 512-STJ: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 45 A lei estabelece quatro requisitos para a diminuição da pena: a) ser o réu primário; b) ter bons antecedentes; c) não se dedicar o agente às atividades criminosas; d) não integrar o agente uma organização criminosa. Havia muita discussão na doutrina se o dispositivo em questão deveria ser aplicado, uma vez que é benéfico, aos crimes cometidos sobre a vigência da Lei nº 6368/76. Há dois posicionamentos: 1º) Por se tratar de dispositivo mais benéfico deve ser aplicado inclusive aos crimes cometidos na vigência da lei anterior. Isso em virtude do disposto no artigo 5º, XL da Constituição Federal – a lei mais benéfica deve retroagir. 2º) Não se aplica o dispositivo uma vez que o §4º faz parte do todo (artigo 33), assim, este não pode ser aplicado à lei anteriormente em vigor. Sobre esse tema já decidiu o STF, conforme publicação do Informativo nº 570 de dezembro de 2009. Conforme se vê abaixo o STF entendeu não ser aplicável o dispositivo à Lei nº 6368/76: Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenada à pena de 4 anos de reclusão por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) em que pleiteava a diminuição da pena para o mínimo legal (3 anos), tendo em vista ser ela primária e preponderarem circunstâncias judiciais favoráveis. Requeria-se, também, por idênticas razões, a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, que possibilita a redução da pena de um sexto a dois terços em tais casos. Considerou-se que a sentença condenatória estaria devidamente fundamentada, com motivação suficiente para a elevação da pena- base acima do mínimo legal. Rejeitou-se, de igual modo, o pleito de incidência do novo dispositivo da Lei 11.343/2006, pois a causa especial de diminuição nele estabelecida tem como parâmetro a nova pena imposta ao crime de tráfico de entorpecentes pelo diploma legal em questão, que parte do mínimo de 5 anos. Assim, combinar referida norma com a pena imposta à paciente, sob a égide da Lei 6.368/76, significaria criar uma terceira pena, não estabelecida em lei, o que seria vedado ao órgão julgador, por força dos princípios da separação dos poderes e da reserva legal. HC 96844/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.12.2009. (HC-96844)”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 46 Os requisitos ali constantes são cumulativos: Ainda, sobre a redução, de bom alvitre a menção ao seguinte julgado do STJ, conforme o Informativo nº 408/2009: Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. HC. TRÁFICO. ENTORPECENTE. DOSIMETRIA. PENA O paciente foi condenado à pena definitiva de sete anos de reclusão em regime fechado e multa por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Sustenta a impetração a ausência de fundamentação concreta para manutenção da pena-base acima do mínimo legal, alega que processos em andamento foram considerados como antecedentes criminais e que deve ser aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da mencionada lei. Para o Min. Relator, a elevada quantidade da droga (157,3 kg de maconha) é fundamento suficiente, no caso, para a manutenção da pena-base tal como fixada pela sentença e confirmada pelo acórdão recorrido. Na hipótese, a exacerbação da pena-base, ainda que se retire a menção aos maus antecedentes do paciente, porque, segundo a orientação deste Superior Tribunal, ações penais em andamento e inquéritos em curso não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de elevação da pena-base, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência, a sanção penal não deve retroceder ao mínimo legal, uma vez que extremamente elevada a culpabilidade em vista da quantidade de droga apreendida. É inviável a aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no caso; pois, apesar da primariedade do acusado, a expressiva quantidade da droga indica sua participação em organização criminosa. HC 140.221-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22/9/2009. "São cumulativos os requisitos necessários ao deferimento dos benefícios do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Constitui óbice ao reconhecimento da figura privilegiada no tráfico o comprovado envolvimento da paciente com atividade criminosa organizada." (HC 106.393, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE de 3-3-2011.) No mesmo sentido: HC 101.265, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 10-4- 2012, Segunda Turma, DJE de 6-8-2012. Vide: HC 104.134, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 18-10-2011, Primeira Turma, DJE de 9-11-2011. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL47 Este artigo cuida da repressão à fabricação e posse de petrechos (maquinário, aparelho, instrumento ou objeto) para a fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, com intuito de impedir a instalação de laboratórios e fábricas clandestinas para a produção de drogas. O legislador, entretanto, acrescentou ao dispositivo algumas condutas anteriormente não descritas no artigo 13 da Lei nº 6368/76, como: utilizar (fazer uso), transportar (levar de um local para outro), oferecer (ofertar), distribuir (fazer entregas, repassar), entregar (passar às mãos de outro). Como não existem aparelhos destinados exclusivamente para a fabricação de drogas, a análise do petrecho deve ser feita caso a caso, com a demonstração cabal de que os aparelhos, instrumentos, maquinários ou objetos estejam efetivamente destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas ilícitas. O agente que, no mesmo contexto, é surpreendido com drogas, além dos petrechos para sua fabricação, comete delito único do artigo 33, caput, face o princípio da consunção. Não há concurso de crimes. Diferente é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci no caso acima citado. Para o doutrinador, não há nenhum fundamento para haver a absorção do delito do art. 34 pelo crime previsto no art. 33. Diz o doutrinador: “O crime do art. 34 não está contido no art. 33, de forma que se afasta a subsidiariedade. Por outro lado, os dois são igualmente relevantes, razão pela qual também não deve haver, como já mencionado, a absorção. Cuida-se de autêntico concurso material de crimes”. O entendimento majoritário é que esse crime também é assemelhado ao hediondo. Não se pode confundir objeto destinado ao uso de drogas (como colheres, seringas, lâminas de barbear, cachimbos, etc.) com aparelho destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação da droga. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa Objeto jurídico e sujeitos do delito DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 48 O objeto jurídico é a incolumidade pública (saúde pública), assim como os demais delitos previstos nesta lei. Sujeito ativo: trata-se de crime plurissubjetivo, denominado de concurso necessário. Todavia, o vínculo associativo duradouro pode ser de quaisquer duas ou mais pessoas (crime comum). Sujeito passivo é a coletividade. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica é “associarem-se”. Associação significa união com ajuste estável e duradouro. A mera reunião ocasional ou transitória caracteriza concurso eventual para a prática do tráfico de drogas e não configura este crime. Demanda-se a prova de estabilidade e permanência da mencionada associação criminosa. Elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de associar-se com o fim específico de praticar a traficância ilegal de drogas. Consumação, tentativa e concurso de crimes A consumação se dá com a efetiva associação, caracterizada por ajuste estável e duradouro. É prescindível (não é necessário) o cometimento de tráfico ou a apreensão de qualquer droga, assim como a posse de maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas. Portanto, o crime é comum, formal (não exige resultado naturalístico), de forma livre, comissivo e permanente (a consumação se arrasta no tempo). A tentativa é inadmissível. Comprovada a união estável para a prática de tráfico de drogas somada à efetiva realização do tráfico, estará configurado o concurso material de crimes. Pergunta: Como conciliar o artigo 35 da Lei nº 11.343/06 (pena para a associação de duas ou mais pessoas para o tráfico de 03 a 10 anos de reclusão), com o artigo 8º, caput da Lei nº 8072/90 (pena para a associação de mais de três pessoas para o tráfico de 03 a 06 anos)? DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 49 Devemos levar em consideração as três considerações abaixo: a) Associação criminosa para a prática de crimes genéricos: aplica-se o artigo 288 do CP, com pena de reclusão de 01 a 03 anos; b) Associação criminosa para a prática específica de crimes hediondos, terrorismo e tortura, exceto tráfico de drogas: aplica-se o artigo 288 do CP com pena de reclusão de 03 a 06 anos; c) Associação de duas ou mais pessoas para a prática do tráfico de drogas: aplica-se o artigo 35 da Lei nº 11.343/06, com pena de reclusão de 03 a 06 anos, trazida pelo artigo 8º da Lei nº 8072/90 (e não a pena de 03 a 10 anos)?. A questão foi muito discutida e atualmente entende-se ser aplicável a pena de 03 a 10 anos estabelecida na nova lei. O crime de associação ao tráfico não é considerado assemelhado ao hediondo. Segundo Nucci, trata-se de crime assemelhado ao hediondo como os artigos 33 e 34, pois a associação criminosa tem exatamente essa finalidade, vale dizer, o tráfico. Entretanto, o posicionamento majoritário é no sentido do crime não ser equiparado ao hediondo, uma vez que a Constituição Federal de 1988 elencou, em rol taxativo, os crimes equiparados a hediondo, a saber, tortura, terrorismo e o tráfico ilícito de entorpecentes. Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. Livramento condicional no caso de associação para o tráfico (art. 35) O crime de associação para o tráfico de drogas, previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, não é hediondo nem equiparado. No entanto, mesmo assim, o prazo para se obter o livramento condicional é de 2/3 porque este requisito é exigido pelo parágrafo único do art. 44 da Lei de Drogas. Dessa forma, aplica-se ao crime do art. 35 da LD o requisito objetivo de 2/3 não por força do art. 83, V, do CP, mas sim em razão do art. 44, parágrafo único, da LD. STJ. 5ª Turma. HC 311.656-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 25/8/2015 (Info 568). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 50 Temos aqui um tipo penal completamente novo. Apesar de novo, não será fácil a prova da prática do novo crime. Esse crime só é aplicado aquele que for unicamente financiador do tráfico. Se o agente for financiador e traficante entra no artigo 33 com causa de aumento previsto no artigo 40, inciso VII da lei. Assim, é mais vantajoso ser traficante e financiador, pois a pena será menor, do que se ele for apenas financiador. Mais um absurdo da lei. Objeto Jurídico e sujeitos do delito: O objeto jurídico ainda é a saúde pública, uma vez que evitando o legislador o financiamento e o custeio dos crimes de tráfico, protege a saúde pública, evitando a fabricação e distribuição de drogas. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo: As condutas são de financiar ou custear o tráfico de drogas, sem a necessidade de praticar qualquer conduta prevista nos artigos 33, caput e § 1º e 34 da lei. Financiar significa fornecer dinheiro, fundos, capitais, bancar. Custear significa pagar as despesas ou o custo. O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação, tentativa e pena: A consumação ocorre com o financiamento ou o custeio do tráfico, tal como emprestar dinheiro ou garantir crédito ao traficante, para que possa adquirir drogas. A tentativa é admissível.A pena é a maior da nova lei, ou seja, de 08 a 20 anos. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 51 Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa. A objetividade jurídica é a incolumidade pública. Aqui houve a explícita preocupação com a figura do informante, a qual não se confunde com a do traficante. O crime é de colaborar com grupo, organização ou associação destinada ao tráfico, como informante. Colaborar significa auxiliar, ajudar, cooperar. Especifica o tipo penal qual é a forma de auxílio: informação. Informante é aquele que dá informações. Tais informações passadas ao grupo, organização ou associação, refere-se a quaisquer dados, inclusive, sobre eventuais ações policiais ou providências policiais adotadas. Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa. "A conduta do 'fogueteiro do tráfico', antes tipificada no art. 12, § 2º, da Lei 6.368/1976, encontra correspondente no art. 37 da lei que a revogou, a Lei 11.343/2006, não cabendo falar em abolitio criminis. O informante, na sistemática anterior, era penalmente responsável como coautor ou partícipe do crime para o qual colaborava, em sintonia com a teoria monística do art. 29 do CP: 'Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade'. A nova Lei de Entorpecentes abandonou a teoria monística, ao tipificar no art. 37, como autônoma, a conduta do colaborador, aludindo ao informante (o 'fogueteiro', sem dúvida, é informante), e cominou, em seu preceito secundário, pena de dois a seis anos de reclusão, e o pagamento de trezentos a setecentos dias-multa, que é inferior à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/1976, expressando a mens lege que a conduta a ser punida mais severamente é a do verdadeiro traficante, e não as periféricas. A revogação da lei penal não implica, necessariamente, descriminalização de condutas. Necessária se faz a observância ao princípio da continuidade normativo-típica, a impor a manutenção de condenações dos que infringiram tipos penais da lei revogada quando há, como in casu, correspondência na lei revogadora." (HC 106.155, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 4-10-2011, Primeira Turma, DJE de 17-11-2011.)No mesmo sentido: HC 103.741, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 19-6-2012, Primeira Turma, DJE de 9-8-2012. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 52 Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente. 1. Objetividade jurídica Objeto jurídico é a saúde publica 2. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo: trata-se de crime próprio no verbo prescrever que só pode ser praticado pelo médico ou dentista, uma vez que somente médico e dentista podem prescrever. Já no verbo ministrar poderá ser praticado por médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem no exercício regular de sua profissão. Há entendimento de que o núcleo “ministrar” não demanda qualificação específica, motivo pelo qual poderia ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 3. Conduta típica A primeira conduta típica é prescrever que significa receitar, recomendar, indicar. Já ministrar significa aplicar, fazer, tomar, dar. As condutas culposas consistentes em prescrever ou ministrar droga podem ser realizadas: a) sem que delas necessite o paciente (p. ex. escolher o paciente errado para ministrar morfina). A culpa aqui consiste na falta de atenção exigida em relação ao paciente e à sua necessidade daquela droga. b) fazê-lo em doses excessivas (p. ex. aplicar imprudentemente dose cinco vezes maior de morfina em pacientes com câncer). A culpa aqui consiste na imprudência de prescrever ou ministrar doses maiores que o necessário. c) em desacordo com a determinação legal ou regulamentar (p. ex. receitar por imperícia remédio estimulante como a anfetamina quando se quis acalmar o paciente). O agente aqui, por culpa não observa alguma ordem contida em lei ou regulamento ao prescrever ou ministrar. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 53 Se o médico usar de outro meio para fornecer a droga (fornecimento doloso), o delito não será este em comento, mas o do artigo 33, caput. Igualmente, se o subscritor de receita não for médico ou dentista, ou por exemplo, estiver suspenso de seu exercício profissional, mas mesmo assim conseguir iludir a farmácia e obter a droga, o delito será o do caput do artigo 33. A prescrição indevida ou irregular admite a coautoria. As circunstâncias pessoais, quando elementares do crime comunicam-se, logo a qualidade de médico ou dentista estende-se àquele que, sabendo da irregularidade da prescrição, se beneficia da receita indevida. Se não souber da irregularidade, poderá ser vítima e não coautor. Se um veterinário receitar drogas, estaria ele incluído na incriminação se prescrevesse indevidamente tais substâncias? A resposta é negativa. Veterinário não pode prescrever ou ministrar “culposamente” drogas para pacientes. Sua conduta no caso, seria sempre dolosa, incidindo no art. 33, caput. 4. Consumação e tentativa A consumação do delito ocorre com a efetiva prescrição ou aplicação da droga, fora dos parâmetros corretos, em decorrência do descuido. A conduta de “prescrever culposamente” cuida de uma das raras hipóteses de crime culposo sem resultado material (também chamado de crime culposo de mera conduta), ou seja, a receita não precisa ser usada para comprar a droga e muito menos precisa ser consumido para o aperfeiçoamento do delito. A tentativa é inadmissível uma vez que trata-se de crime culposo. E se alguém induz o médico em erro, para que este receite entorpecente simulando situação que, se existisse, exigiria a prescrição? O médico será isento de pena, em virtude de erro de fato; o causador do erro responsável pelo delito na figura comentada se o erro incidir apenas na quantidade da droga ou em exigência regulamentar, mas responderá por infração mais grave, o caput do art. 33, se vier a adquiri-la, se dela não necessitar para fins terapêuticos. Como o médico é DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 54 isento de pena em virtude da exclusão da culpabilidade, o coautor que o induziu em erro responderá pelo delito que o primeiro teria praticado se tivesse consciência dos fatos reais. 5. Pena e ação penal A pena será de 06 meses a 02 anos, além do pagamento de 50 a 200 dias- multa. A ação penal é pública incondicionada de competência do Juizado Especial Criminal. Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa. Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa,se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros. O crime é semelhante ao previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. A conduta é de conduzir embarcação (barcos, navios, etc) ou aeronave (aviões), após o consumo de drogas. “Conduzir” significa guiar, dirigir .Trata-se de crime de mera conduta. O legislador ainda menciona a condução expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, o que significa dizer, causando perigo à incolumidade pública. Segundo entendimento do STJ, é o dano concreto que afeta pessoa ou grupo indeterminado. O bem jurídico protegido aqui é a segurança nos transportes por embarcações e aeronaves. Protege-se a incolumidade pública. Sujeito ativo é qualquer pessoa que conduza a embarcação ou aeronave após consumir droga. Trata-se de crime de mão-própria e deve ser praticado pessoalmente pelo agente drogado. Sujeito passivo é a coletividade. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 55 A consumação ocorre com a efetiva condução. A tentativa não é admissível. Com relação à pena, o legislador ainda previu a apreensão do veículo, cassação de habilitação ou proibição de obtê-la pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade. Também prevê o § único que a pena será de 04 a 06 anos, se o veículo é de transporte coletivo. Trata-se aqui de uma figura qualificada. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; No inciso I, transnacionalidade do delito, refere-se a crimes entre vários países. Visa reprimir o tráfico internacional de drogas. Neste caso será competente a Justiça Federal para analisar e julgar o crime. II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; O inciso II demanda nexo de causalidade entre a função pública e o crime de drogas praticado. Exemplo: policial que desvia substância entorpecente apreendida para realizar a traficância; policial que usa viatura policial para entregar drogas, etc. III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; No inciso III a lei visa preservar locais onde o efeito do tráfico é mais nefasto e de fácil disseminação (escolas, hospitais, etc). Basta que a conduta ocorra nas imediações destes locais para a incidência da majorante. A majorante do art. 40, III, da Lei 11.343/2006 somente deve ser aplicada nos casos em que ficar demonstrada a comercialização efetiva da droga em seu interior. A mera utilização de transporte público para o carregamento da droga não leva à aplicação da causa de aumento do inciso III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006. Com base em uma interpretação teleológica, o disposto no art. 40, III, somente pode ser aplicado se houver a comercialização da droga em transporte público, não alcançando a situação de o agente ter sido surpreendido quando DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 56 trazia consigo droga em ônibus intermunicipal, sem que nele a tivesse vendido. STF. 2ª Turma. HC 120624/MS, Red. p/ o acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 3/6/2014 (Info 749). STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.295.786-MS, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/6/2014 (Info 543). IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; No caso do inciso IV, haverá o aumento quando houver violência (física), grave ameaça, emprego de arma de fogo ou emprego de intimidação difusa ou coletiva. Esta expressão é inovadora. Por intimidação difusa, deve-se entender como sendo a intimidação feita a uma categoria abrangente de pessoas, não se podendo afirmar com precisão quem seriam. Por intimidação coletiva deve-se entender como sendo a intimidação feita a uma categoria determinável de pessoas, dizendo respeito a um grupo, classe ou categoria de indivíduos. V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; O art. 40, V, da Lei de Drogas prevê que a pena do tráfico e de outros delitos deverá ser aumentada se ficar "caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal". Para que incida essa causa de aumento não se exige a efetiva transposição da fronteira interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro Estado da Federação”. STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808) e STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015. Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 57 VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. Com relação ao inciso VII, devemos observar que não se poderia aumentar a pena daquele que cometeu o crime previsto no artigo 36, uma vez que “financiar” ou “custear” já fazem parte do tipo, não podendo ser causa de aumento de pena (haveria bis in idem). Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços. Trata o legislador da figura do colaborador, já prevista na lei de proteção à vítimas e testemunhas (Lei nº 9807/99). É a chamada delação premiada. A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo tempo, para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576). No autofinanciamento para o tráfico o agente responderá apenas pelo art. 33 c/c art. 40, VII, da Lei de Drogas, ficando excluído o delito do art. 36 Se o agente financia ou custeia o tráfico, mas não pratica nenhum verbo do art. 33: responderá apenas pelo art. 36 da Lei de Drogas. Se o agente, além de financiar ou custear o tráfico, também pratica algum verbo do art. 33: responderá apenas pelo art. 33 c/c o art. 40, VII da Lei de Drogas (não será condenado pelo art. 36).STJ. 6ª Turma. REsp 1.290.296-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/12/2013 (Info 534). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 58 São requisitos para que ela ocorra: a) colaboração voluntária; b) eficácia da delação no sentido de viabilizar identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo. O legislador estabelece a regra para o cálculo da multa prevista nos tipos penais. Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico. O legislador repete uma tendência das últimas leis editadas, no sentido de vedar a liberdade provisória, o sursis, a graça, o indulto, a anistia, estabelecendo ainda serem inafiançáveis. O parágrafo único estabelece que o livramento condicional somente ocorrerá após o cumprimento de dois terços da pena, ficando vedada ao reincidente específico. A liberdade provisória na nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006) Apesar da vedação da liberdade provisória, a nova disciplina imposta pela Lei n. 11.464, de 28 de março de 2007, alterando o artigo 2º, inciso II da Lei nº 8072/90, derrogou o art. 44 da nova Lei de Tóxicos e, portanto, não subsiste a regra proibitiva do benefício em questão. Devemos observar que o antigo artigo 2º, inciso II da Lei nº 8072/90, trazia que os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de drogas e o terrorismo eram insuscetíveis de “fiança e liberdade provisória” (inciso II). A nova redação dada à Lei nº 8072/90, pela Lei nº 11464/07, estabeleceu que os crimes mencionados são insuscetíveis apenas à “fiança”, logo, a liberdade provisória deve ser admitida. Ademais, o STF já tinha entendido quando de decisão a respeito do Estatuto do DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 59 Desarmamento que a vedação da liberdade provisória era inconstitucional pois violava a presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa. Note-se que a Lei n. 11.464/2007 é posterior à nova Lei de Tóxicos e a redação do art. 2º, caput, da Lei n. 8.072/90 foi mantida, estando preservada sua aplicação aos crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo. É indiscutível o cabimento, em tese, de liberdade provisória, sem fiança, em se tratando de crime de tráfico de drogas e delitos equiparados, previstos na nova Lei de Tóxicos. A opção legislativa nesse sentido restou clara. Tráfico de Drogas e Conversão em pena restritiva de direito A esse respeito, o Plenário do STF no HC 97.256, declarou a inconstitucionalidade da proibição da conversão da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. O Plenário do STF, no julgamento do HC 104.339, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da inadmissibilidade da liberdade provisória, constante do art. 44, caput, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). "(...) essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória (Lei 11.343/2006, art. 44) é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, do devido processo legal, entre outros. É que a Lei de Drogas, ao afastar a concessão da liberdade provisória de forma apriorística e genérica, retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar, em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais. (...) a segregação cautelar -- mesmo nos crimes atinentes ao tráfico ilícito de entorpecentes -- deve ser analisada tal quais as prisões decretadas nos casos dos demais delitos previstos no ordenamento jurídico, o que conduz à necessidade de serem apreciados os fundamentos da decisão que denegou a liberdade provisória ao ora paciente, no intuito de verificar se estão presentes os requisitos do art. 312 do CPP que rege a matéria. (...) Ante o exposto, declaro, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória imposta pelo art. 44 da Lei 11.343/2006." (HC 104.339, voto do rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-5-2012, Plenário, DJE de 6-12-2012.) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 60 Tráfico de Drogas e concessão do Sursis A esse respeito merece menção a decisão do STF, conforme publicação do Informativo nº 639 de Setembro de 2011: Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma denegou, por maioria, habeas corpus em que se pleiteava a suspensão condicional da pena a condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33) — v. Informativo 624. Reputou-se não se poder cogitar do benefício devido à vedação expressa contida no art. 44 do referido diploma (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”), que estaria em harmonia com a Lei 8.072/90 e com a Constituição, em seu art. 5º, XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá- los, se omitirem”). Vencido o Min. Dias Toffoli, que deferia a ordem ao aplicar o mesmo entendimento fixado pelo Plenário, que declarara incidentalmente a inconstitucionalidade do óbice da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito em crime de Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos. O Plenário do STF, no julgamento do HC 97.256, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos prevista nos arts. 33, § 4º, e 44, caput, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). A execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 foi suspensa pela Resolução 5/2012 do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da Constituição. "Habeas corpus. Tráfico de drogas. Art. 44 da Lei 11.343/2006. (...) Ordem parcialmente concedida tão somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga 'vedada a conversão em penas restritivas de direitos', constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente." (HC 97.256, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 1º-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010.) No mesmo sentido: ARE 663.261-RG, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 13-12-2012, Plenário, DJE de 6-2-2013, com repercussão geral. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 61 tráficoilícito de droga. HC 101919/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 6.9.2011. (HC-101919) - (Informativo 639, 1ª Turma) LEI nº 10.826/03 - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 1. Considerações Gerais Em relação a armas de fogo no Brasil, temos que comentar, primeiramente, a existência da Lei das Contravenções Penais, onde consta a contravenção penal de porte de arma. Entretanto, como dissemos anteriormente, acabou sendo revogado posteriormente pela Lei nº 9.437/97, que trazia uma série de crimes com relação a armas de fogo. Assim, face o crescimento da violência no País, o legislador, mais uma vez, preferiu nova lei, agora chamado Estatuto do Desarmamento, com a finalidade de diminuir a violência crescente, em especial em relação aos crimes com a utilização de armas de fogo (Homicídios, Roubos, etc.). Algumas condutas da Lei são afiançáveis (arts. 12, 13 e 14), enquanto outras são consideradas inafiançáveis (arts. 14, § único e 15), o que significa a possibilidade de liberdade provisória sem fiança. "O óbice, previsto no artigo 44 da Lei nº 11.343/06, à suspensão condicional da pena imposta ante tráfico de drogas mostra-se afinado com a Lei nº 8.072/90 e com o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal." (HC 101.919, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 6-9-2011, Primeira Turma, DJE de 26-10-2011.) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 62 Outras condutas são insuscetíveis, inclusive, de liberdade provisória (arts. 16, 17 e 18). Tratamento mais rigoroso do que o dispensado ao Homicídio Doloso Simples e Roubo Qualificado por lesão gravíssima. Os crimes previstos no Estatuto são de perigo presumido, porque não preveem a ocorrência de dano efetivo a qualquer bem jurídico, basta a mera situação de perigo. Os registros das armas de fogo deverão ser feitos na Polícia Federal e terão a validade de 03 (três) anos, devendo ser renovado. O porte de arma é permitido: a) aos integrantes das forças armadas; b) à polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares; c) guardas municipais, dependendo de regulamento; d) agentes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência); e) integrantes de órgãos policias da câmara e do senado federal. A concessão de porte de arma de fogo também é de competência exclusiva da Polícia Federal. Alguns conceitos básicos precisam ficar definidos: Arma de fogo é uma arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão. Arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército. Arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 63 2. Dos Crimes e das Penas 2.1. Artigo 12 – Posse irregular de arma de fogo de uso permitido a. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objetividade jurídica é a incolumidade pública (segurança e a paz pública). O legislador quis prevenir a ocorrência de crimes mais graves como o homicídio e o roubo. No caso de acessórios e munição, a objetividade jurídica é outra, é a segurança pública. É crime de mera conduta (não exige resultado naturalístico). Sujeito ativo é quem possui ou guarda no interior da “sua” residência ou em local de “seu” trabalho, arma de uso permitido não registrada. Se a arma for de uso restrito o crime é o do artigo 16. Os doutrinadores entendem tratar-se de crime comum. Alexandre Morais diz que se trata de crime próprio. Sujeito passivo é a coletividade (crime vago). b. Objeto material Arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido. Arma de fogo é uma arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão. Acessório de arma é o artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador. Assim, coldre não é acessório, assim como partes isoladas da arma (cano e ferrolho, por exemplo). Arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, são aquelas previstas no artigo 17 do Decreto nº 3665/2000 – Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). São aquelas cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral. Podemos citar como sendo de uso permitido: armas de fogo curtas (calibres 22, 32, 38 e 380; armas longas raiadas e de alma lisa). Pelo dispositivo é crime manter ou possuir arma de fogo, acessório ou munição. Assim, seria crime o fato do indivíduo ter em casa apenas um projétil de calibre 38. c. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 64 Duas são as condutas típicas: possuir ou manter sob sua guarda. Possuir é ter (ser o proprietário), manter sob sua guarda é guardar, ter em seu poder arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido. O dispositivo ainda estabelece um elemento espacial do tipo, ou seja, “no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho”. Quando se fala no interior de sua residência ou dependência desta abrange a garagem, o quintal e outras dependências ali existentes. Local de trabalho é qualquer lugar onde alguém exerce, licitamente, uma profissão ou ofício. Exige a lei que a mantença da arma no lugar de trabalho diga respeito ao seu proprietário, titular do estabelecimento ou responsável por ele. Ilustrando, o médico pode manter uma arma em seu consultório, mas não pode fazer o mesmo a secretária. Se a arma de fogo é encontrada no interior do caminhão dirigido por motorista profissional, trata-se de crime de porte de arma de fogo (art. 14 do Estatuto do Desarmamento). O veículo utilizado profissionalmente NÃO pode ser considerado “local de trabalho” para tipificar a conduta como posse de arma de fogo de uso permitido (art. 12). STJ. 6ª Turma. REsp 1.219.901-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2012. Atipicidade da conduta de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido com registro vencido Não configura o crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003) a conduta do agente que mantém sob guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso permitido com registro vencido. Se o agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal. STJ. Corte Especial. APn 686-AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/10/2015 (Info 572). STJ. 5ª Turma. HC 294.078/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/08/2014. A questão não é pacífica: O possuidor de arma de fogo, no período em que vedada a regularização do registro desta, pratica conduta típica, ilícita e culpável, porquanto cogitável a atipicidade apenas quando possível presumir que o agente providenciaria em tempo hábil a referida regularização, à míngua de referência expressa, no Estatuto do Desarmamento e nas normas que o alteraram, da configuração de abolitio criminis.” (RE 768.494, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 19-9-2013, Plenário, DJE de 8-4-2014, com repercussão geral. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 65 A expressão “em desacordo com determinação legal ou regulamentar” éelemento normativo do tipo, ensejando tratar-se de norma penal em branco, já que é necessário se buscar a interpretação em outra norma. Elemento subjetivo do tipo é o dolo de possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição. d. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com a prática da conduta típica. Para a maior parte dos doutrinadores o crime é de mera conduta. Segundo Alexandre de Morais a consumação se dá quando a arma entra na residência ou no estabelecimento comercial. O crime é de natureza formal, pois não há exigência de qualquer resultado (não nos parece correto tal posicionamento). O legislador descreveu apenas a conduta, ele não descreveu qualquer resultado, logo, não há que se falar em crime formal, pois este exige a descrição da conduta e de um resultado. Devemos lembrar que as condutas típicas de possuir ou manter sob sua guarda são permanentes. A tentativa é admissível, mas de difícil ocorrência (ocorre quando a arma de fogo, seus acessórios ou munição não ingressa na residência ou estabelecimento comercial por circunstâncias alheias à vontade do agente). Outros doutrinadores entendem que a tentativa é inadmissível. e. Ação Penal A pena prevista é de detenção de 01 a 03 anos. Elabora-se Inquérito Policial, sendo a ação penal pública incondicionada. Por ser apenado com detenção, admite-se o arbitramento de fiança na fase policial. Como a pena mínima é de um ano é cabível o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95. 2.2. Artigo 13 – Omissão de cautela a. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a incolumidade pública. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 66 Sujeito ativo é qualquer pessoa que tenha a posse ou propriedade de arma de fogo (crime comum), legal ou ilegalmente. No parágrafo único o sujeito ativo é o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança ou de transporte de valores (crime próprio). Sujeito passivo é a coletividade. b. Objeto material, conduta típica e elemento subjetivo Objeto material é a arma de fogo. Não incluiu o legislador o artefato e a munição. Nesses dois casos, não haverá o crime. A conduta típica é “deixar de observar” (não observar, não realizar, não praticar) as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de armas de fogo. É crime omissivo. No parágrafo único as condutas típicas são deixar de registrar ocorrência policial e deixar de comunicar à polícia federal perda, furto, roubo ou outra forma de extravio de arma de fogo, no prazo de 24 horas. Esse prazo é contado depois de tomar ciência e não do ocorrido. Elemento subjetivo: O crime é culposo caracterizado por negligência. Se houver dolo o crime é do artigo 14 ou 16. No parágrafo único temos crime de mera conduta. Assim, pode ser doloso como culposo e haverá o crime. No entender de Alexandre de Moraes o crime é doloso, a omissão culposa não configura o tipo penal. c. Consumação, tentativa e pena A consumação ocorre quando o sujeito deixa de observar as cautelas necessárias e há o apoderamento da arma por pessoa menor de 18 anos ou portadora de deficiência mental. Trata-se de crime material, pois exige resultado naturalístico. No parágrafo único a consumação ocorrerá com o decurso de vinte e quatro horas após a ocorrência de perda, furto, roubo ou qualquer outra forma de extravio. A tentativa é inadmissível, pois o crime é culposo e omissivo. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 67 A pena é de 01 a 02 anos de detenção e multa, sendo competente o Juizado Especial Criminal. d. Confronto com o art. 242 do ECA (Lei nº 8.069/90) Dispõe o artigo 242 do ECA, “vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo”. Ora, enquanto o tipo penal do art. 13 desta Lei é omissivo e o elemento subjetivo é a culpa, no caso do art. 242 da Lei 8.069/90, cuida-se de conduta comissiva e o elemento subjetivo é o dolo. Portanto, ambos coexistem para aplicação. 2.3. Artigo 14 – Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido a. Objeto jurídico e sujeitos de delito A objetividade jurídica é a incolumidade pública. No caso de acessórios e munição a objetividade jurídica é a segurança pública. É crime de perigo abstrato porque a lei presume a existência do risco causado à coletividade. Sujeito ativo é qualquer pessoa, admitindo, inclusive, a coautoria. É crime comum. Sujeito passivo é a coletividade. b. Objeto material Arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido. c. Conduta típica e elemento subjetivo Em relação à conduta típica, 13 (treze) são os verbos ou núcleos: portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda, ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido. “Portar” é trazer consigo; “deter” é estar na posse; “adquirir” é obter; “fornecer” é dar, entregar; “receber” é apanhar, obter; “ter em depósito” é guardar, conservar; “transportar” é levar de um local para outro; “ceder” é emprestar, dar, transferir a posse; “emprestar” é ceder para uso; “remeter” é enviar; “empregar” é utilizar; “manter sob guarda” é ter em seu poder; “ocultar” é esconder. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 68 O legislador cometeu um equívoco quanto ao nome do tipo penal. Fala em “porte ilegal” quando, na verdade, existem várias outras condutas, além do porte de arma. Portanto, o crime aqui não é somente o de portar. A conduta descrita no tipo “manter sob sua guarda” é a mesma do artigo 12, com diferença do local onde a arma é guardada. Se for na residência ou local de trabalho, temos o artigo 12, se for em outro local, temos o artigo 14. É uma aberração legal uma vez que a gravidade da conduta pode ser mensurada pelo local onde a arma é guardada. ► Questões controversas: 1) Porte ilegal de acessórios e munições: Há divergência na doutrina sobre a existência ou não de crime se o indivíduo estiver portando somente munições. Apesar disso, têm prevalecido a existência de prática delituosa. Guilherme de Souza Nucci, não vê qualquer ofensa a princípio constitucional, em especial o da proporcionalidade. Portanto, com relação ao porte de munição, a questão não é pacífica. Entretanto, esclarecedora a decisão abaixo do STJ, conforme Informativo 407/2009, que tem sido adotada na maior parte dos casos: “PORTE ILEGAL. MUNIÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. Trata-se da necessidade ou não de comprovação da potencialidade lesiva para configuração do delito de porte ilegal de munição. Nas instâncias ordinárias, o juiz condenou o ora recorrido, como incurso no art. 14 (caput) da Lei n. 10.826/2003, a dois anos de reclusão em regime aberto e 10 dias- multa, substituída a sanção por duas medidas restritivas de direitos, mas o Tribunal a quo proveu sua apelação, absolvendo-o. Daí que o MP estadual interpôs o REsp, afirmando que o porte de munição sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar não depende da comprovação da potencialidade lesiva da munição, tal como é, também, no caso da presença de arma de fogo. O Min. Relator, invocando precedente do STF no RHC 93.876-DF, ainda não publicado, entendeu que se está diante de crime de perigo abstrato, de forma que tão só o comportamento do agente de portar munição sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar é suficientepara a configuração do delito em debate. Observou, ainda, que não via previsão típica em que o legislador tenha desejado a DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 69 análise caso a caso da comprovação de que a conduta do agente produziu concretamente situação de perigo. Porém, essa posição ficou vencida após a divergência inaugurada pelo Min. Nilson Naves, que concluiu pela atipicidade da conduta, conforme posição similar ao porte de arma sem munição, que, por não possuir eficácia, não pode ser considerada arma. Precedente citado: HC 70.544-RJ, DJe 3/8/2009. REsp 1.113.247-RS, Rel. originário Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 15/9/2009.” No HC 119154/2013-Bahia, o ministro Teori Zavascki, entendeu de forma contrária, ou seja, no sentido da tipicidade da conduta, posição esta que tem prevalecido no STF, conforme abaixo: HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O tipo penal do art. 14, da Lei n 10.826/03, ao prever as condutas de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a munição. 2. Objetiva-se, assim, antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população, prevenindo a prática de crimes. Precedentes. 3. Ordem denegada. Logo, a posição que tem sido adotada é a que está abaixo: 2) Quando a arma de fogo está desmuniciada há crime? Há duas correntes a respeito do tema. A posse ou o porte apenas da munição (ou seja, desacompanhada da arma) configura crime. Isso porque tal conduta consiste em crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação. STF. 2ª Turma. HC 113295/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13/11/2012. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 70 1ª) Trata-se de crimes de perigo abstrato (a situação de perigo é presumida – é o caso do crime de quadrilha ou bando, art. 288). No caso dos crimes de porte de arma, não se exige qualquer resultado, basta o indivíduo possuir a arma (municiada ou desmuniciada) e haverá o crime, uma vez que o perigo é presumido. Essa posição tem sido adotado com mais freqüência, uma vez que o dispositivo também fala em acessório ou munição, logo, haveria o crime no caso de arma sem munição. Guilherme de Souza Nucci, entende ser a conduta criminosa e, inclusive, dá como exemplo o fato do sujeito portar uma arma de fogo sem munição e a certa altura, quando encontrar a vítima, obter a munição de um comparsa. Para ele a conduta é igualmente perigosa e deve ser incriminada. Essa foi a posição adota pelo STJ, no HC 17.561-DF, 6ª T., relator Hamilton Carvalho e no HC 49.142-DF, 5º T., relator Gilson Dipp: “O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade da conduta, bastando, como basta, para a caracterização do delito, o porte de arma de fogo sem autorização e em descordo com determinação legal ou regulamentar”. 2ª) Trata-se de crimes de lesão: quando há lesão ao objeto jurídico tutelado. No caso de arma de fogo desmuniciada, não há qualquer lesão ao objeto jurídico tutelado (incolumidade pública), logo, não há crime. É a posição defendida por Luiz Flávio Gomes e Damásio de Jesus. O S.T.F., a respeito do tema, decidiu da seguinte forma: O porte de arma de fogo desmuniciada configura crime. STF. 2ª Turma. HC 96759/CE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 28/2/2012 . STJ. 5ª Turma. HC 184.557/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 07/02/2012. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 71 3) Quando a arma de fogo e a munição são defeituosas, há crime? A questão aqui é mais pacífica. Se o defeito torna a arma absolutamente ineficaz, não é arma, portanto, não há crime. Se o defeito torna a arma relativamente ineficaz, considera-se arma, há crime. 4) Quando a arma está desmontada, há crime? Depende do caso concreto. Se estiver ao alcance do agente, como, por exemplo, dentro de uma bolsa, deve-se considerar crime, pois há quem monte uma arma em segundos, inclusive, com a inserção de munição, representando perigo à sociedade. Entretanto, se a arma está desmontada, no porta-mala de um veículo, devidamente acondicionada em caixa lacrada, não parece haver crime (Guilherme de Souza Nucci). 5) Possuir ou portar mais de uma arma de fogo "Porte de arma de fogo desmuniciada. (...) A objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da eficácia da arma para a configuração do tipo penal em comento, isto é, se ela está ou não municiada ou se a munição está ou não ao alcance das mãos, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização desimporta o resultado concreto da ação." (RHC 90.197, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 4-9-2009.) No mesmo sentido: RHC 106.346, rel. min. Rosa Weber, julgamento em 2-10-2012, Primeira Turma, DJE de 25-10-2012; HC 104.410, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-3-2012, Segunda Turma, DJE de 27-3-2012. Em sentido contrário: HC 99.449, rel. p/ o ac. min. Cezar Peluso, julgamento em 25-8-2009, Segunda Turma, DJE de 12-2-2010; RHC 81.057, rel. p/ o ac. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-5-2004, Primeira Turma, DJ de 29-4-2005. Vide: HC 96.922, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-3-2009, Primeira Turma, DJE de 17-4-2009; RHC 90.197, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 4-9-2009; HC 97.209, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 16-3-2010, Primeira Turma, DJE de 23-4-2010. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 72 Configura-se crime único, se no mesmo contexto. Assim, o agente que possui em sua residência, dois revólveres calibre 38, não registrados, comete um único delito. Se portar ambos, igualmente haverá crime único. Entretanto, se possuir um revólver calibre 38 em uma chácara e portar outra arma, acreditamos deva haver dois delitos (art. 12 e art. 14). d. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com uma das condutas previstas no tipo penal. O crime é de mera conduta. Algumas das figuras típicas são permanentes como, por exemplo, portar, deter, ter em depósito, manter sob sua guarda e ocultar. A tentativa é admissível, apesar de difícil configuração. (Alexandre de Moraes e Gianpaolo P. Smanio não admitem a tentativa). e. Concurso de crimes Em relação ao Porte Ilegal de Arma de Fogo e o Homicídio, observe a anotação abaixo: Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de arma de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a acusação por porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção? Depende da situação: • Situação 1: NÃO. O crime de porte não será absorvido se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para praticar o assassinato. Ex:a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo três meses antes de matar Pedro e não a comprou com a exclusiva finalidade de ceifar a vida da vítima. • Situação 2: SIM. Se não houver provas de que o réu já portava a arma antes do homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex: o agente compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e contra ela desfere dois tiros, matando- a. No caso concreto julgado pelo STF, ficou provado que o réu havia comprado a arma 3 meses antes da morte da vítima. Além disso, também se demonstrou pelas testemunhas que o acusado, várias vezes antes do crime, passou na frente da casa da vítima, mostrando ostensivamente o revólver utilizado no crime. Desse modo, restou provado que os tipos penais consumaram-se em momentos distintos e que tinham desígnios autônomos, razão pela qual não se pode reconhecer o princípio da consunção entre o homicídio e o porte ilegal de arma de fogo. STF. 1ª Turma. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 24/2/2015 (Info 775). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 73 f. Fiança De acordo com o parágrafo único do artigo 14, o crime aqui previsto é inafiançável, exceto quando a arma de fogo estiver em nome do agente. A pena estabelecida é de 02 a 04 anos de reclusão e multa. Observe-se que, para a Autoridade Policial, em virtude do que disciplina o C.P.P. (a autoridade policial somente pode conceder fiança aos crimes punidos com pena máxima de 04 anos), haverá a possibilidade da concessão da fiança. ► O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou em 2/5/2007 a inconstitucionalidade dos artigos do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03) que tornavam crime inafiançável o porte ilegal e disparo de arma de fogo, e o que negava a liberdade provisória para os acusados de posse, porte e comércio ilegal de arma. O relator considerou inconstitucional os artigos 14 e 15, que proíbem o estabelecimento de fiança para os crimes de “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido” e de “disparo de arma de fogo”. Também foram considerados inconstitucionais os dispositivos que negava liberdade provisória aos acusados de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito (artigo 16), comércio ilegal de arma (artigo 17) e tráfico internacional de arma (artigo 18). A maioria dos ministros considerou que o dispositivo viola os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. “Penso que o texto constitucional não autoriza a prisão ex lege, em face do princípio da presunção de inocência (artigo 5º, LVII, da CF), e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente (artigo 5º, LXI, da CF)”, afirmou o relator. E concluiu: “A prisão obrigatória, de resto, fere os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV), que abrigam um conjunto de direitos e faculdades, os quais podem ser exercidos em todas as instâncias jurisdicionais, até a sua exausta”. Leia abaixo o Informativo 465/2007 que trouxe o resultado do julgamento: “ADI e Estatuto do Desarmamento - 2 Em seguida, relativamente aos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 da Lei 10.868/2003, que proíbem o estabelecimento de fiança, respectivamente, para os crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e de disparo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 74 de arma de fogo, considerou-se desarrazoada a vedação, ao fundamento de que tais delitos não poderiam ser equiparados a terrorismo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes ou crimes hediondos (CF, art. 5º, XLIII). Asseverou-se, ademais, cuidar-se, na verdade, de crimes de mera conduta que, embora impliquem redução no nível de segurança coletiva, não podem ser igualados aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. Quanto ao art. 21 da lei impugnada, que prevê serem insuscetíveis de liberdade provisória os delitos capitulados nos artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo), entendeu-se haver afronta aos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (CF, art. 5º, LVII e LXI). Ressaltou-se, no ponto, que, não obstante a interdição à liberdade provisória tenha sido estabelecida para crimes de suma gravidade, liberando-se a franquia para os demais delitos, a Constituição não permite a prisão ex lege, sem motivação, a qual viola, ainda, os princípios da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV). Vencidos, parcialmente, os Ministros Carlos Britto, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence, que julgavam improcedente o pedido formulado quanto aos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15, e o Min. Marco Aurélio, que o julgava improcedente quanto ao parágrafo único do art. 15 e, em relação ao art. 21, apenas quanto à referência ao art. 16. O Tribunal, por unanimidade, julgou, ainda, improcedente o pedido quanto aos artigos 2º, X; 5º, §§ 1º, 2º e 3º; 10; 11, II; 12; 23, §§ 1º, 2º e 3º; 25, parágrafo único; 28; 29 e ao parágrafo único do art. 32, e declarou o prejuízo da ação em relação ao art. 35, todos da Lei 10.826/2003.” 2.4. Artigo 15 – Disparo de arma de fogo a. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a incolumidade pública. Sujeito ativo é qualquer pessoa. É crime comum. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 75 Sujeito passivo é a coletividade. b. Objeto material Arma de fogo ou munição. c. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica é disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela. Disparar significa atirar projéteis. Acionar munição significa detonar, deflagrar cartucho. Portanto, o disparo ou acionamento poderá ser: a) em lugar habitado ou em suas adjacências; b) em via pública; e c) em direção à via pública. O tipo estabelece que somente haverá o crime do artigo 15, se não houver a finalidade da prática de outro crime. Assim, o tipo determina a subsidiariedade expressa do crime de disparo de arma de fogo. Temos então, como exemplo de condutas: atirar a esmo, atirar para assustar, atirar para impor a lei do silêncio. Se ocorrer a morte de alguém, poderá responder pelo crime a título de dolo eventual ou crime culposo. Se a arma que foi disparada for de uso proibido, a lei não faz qualquer distinção quanto à pena. O crime é o mesmo como se a arma fosse de uso permitido. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. d. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com o primeiro disparo da arma de fogo ou com o acionamento da munição. A tentativa é admissível (disparo que falha, devido ao picote do projétil ou quando o agente é impedido de puxar o gatilho). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 76 e. Crime inafiançável O parágrafo único do artigo 15 expressamente declara ser inafiançável o crime de disparo de arma de fogo. Não há, porém, vedação a concessão de liberdade provisória. Veja, entretanto, decisão do STF (Informativo 465/2007), conforme mencionado no crime previsto no artigo 14. f. Concurso aparente de normas Em havendo disparo de arma de fogo e porte de arma de fogo, este último absorve o disparo. Isto em virtude do artigo 14 possuir o verbo “empregar”, que, em última análise é disparar a arma de fogo. Se o disparo for em direção a uma única pessoa, pessoacerta e determinada, sem animus necandi, alguns doutrinadores entendem que só haverá o crime do artigo 132 do Código Penal. 2.5. Artigo 16 – Posse ou Porte Ilegal de arma de fogo de uso restrito 7. Objetividade jurídica e sujeitos do delito Objetividade jurídica é a incolumidade pública. Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa. É crime comum. Sujeito passivo é a coletividade. 8. Objeto material Arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito. 9. Conduta típica e elemento subjetivo Em relação à conduta típica, 14 (quatorze) são os núcleos do tipo. Na verdade, temos os mesmos núcleos do artigo 14, acrescentando-se apenas o “possuir”, significando ter em seu poder, na sua posse. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 77 Se a ação do agente tiver como objeto o comércio de armas, as condutas do artigo 16 cedem lugar para o artigo 17, que possui pena mais grave. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. d. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com a prática das condutas descritas no tipo penal. Lembrando que algumas delas são permanentes como deter, portar, ter em depósito, manter sob sua guarda. A tentativa é admissível. Alexandre de Moraes e Gianpaolo P. Smanio, entendem não ser admissível a tentativa. A pena é de reclusão de 03 a 06 anos. Artigo 16 parágrafo único: O artigo 16 parágrafo único traz figuras equiparadas ao artigo 16, punindo-as com a mesma pena (03 a 06 anos de reclusão). I- suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato: Duas são as condutas típicas: suprimir (retirar, raspar) ou alterar (modificar, mudar). O indivíduo suprime ou altera a marca, a numeração ou qualquer sinal de arma de fogo ou de artefato. Artefato é munição, granada, dinamite, etc. Esta conduta só pode ser atribuída à pessoa que suprimiu ou alterou a marca, numeração ou sinal. É crime de difícil comprovação. Há que distinguir o agente que “raspou” a arma daquele que pratica outra conduta típica. Quem portar, transportar, adquirir, possuir arma com numeração, sinal ou marca suprimidos ou alterados, responde pelo art.16, § único, inciso IV. II- modificar as características da arma de fogo, tornando-a equivalente a de uso proibido/restrito ou com o objetivo de induzir em erro a polícia, juiz ou o perito: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 78 Temos aqui a chamada “arma mexida”, cuja conduta típica é a modificação das características da arma de fogo, tornando-a de uso restrito ou proibida. Este dispositivo é especial em relação ao crime previsto no artigo 347 do CP (Fraude Processual). Pode ser praticado por armeiro ou qualquer pessoa. Exemplos: serrar o cano de arma calibre 12, pois este deve ter 61 centímetros (com o cano serrado, espalha-se o chumbo por uma área muito grande); transformar um revólver calibre 38 em 357 Magnum através da modificação do tambor; adaptar silenciador na arma de fogo; adaptar mira telescópica. Se estiver portando esse tipo de arma, estará em curso no caput do artigo 16. III- possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário sem autorização ou em desacordo com a norma legal: Artefato explosivo é um engenho produzido pelo homem para explosão em grandes proporções. São as bombas, granadas, dinamites, mesmo que de fabricação caseira. Não confundir com fogos explosivos, previsto no art. 28, § único da LCP, nem com o crime de explosão do artigo 251 do C.P. Se gerar perigo concreto prevalece o artigo 251 do CP. Artefatos incendiários são igualmente perigosos, o exemplo mais conhecido é o coquetel molotov. IV- portar, possuir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou sinal identificador raspado, suprimido ou adulterado: Se o agente raspou ou adulterou a identificação, está incurso no inciso I, se porta, possui, transporta, adquire ou fornece arma raspada, responde pelo inciso IV. Quem adquiriu uma arma com numeração raspada e depois a porta, praticou apenas esta conduta e não o concurso com a receptação. V- vender, entregar ou fornecer, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente: É uma conduta que exige dolo e não deve ser confundida com a omissão na guarda da arma tipificada no art. 13. Em relação ao artigo 242 do ECA, alguns entendem que o dispositivo foi revogado, uma vez que tratava do mesmo assunto. Outros entendem que o dispositivo do DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 79 ECA foi derrogado e refere-se a outras armas que não as de fogo, como punhal, faca, adaga, etc. Se a criança ou o adolescente vier a cometer um crime (homicídio, roubo, etc.) com a arma em questão, deve-se considerar a hipótese do artigo 29 do CP. VI- produzir, recarregar ou reciclar sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo: O crime aqui é de mera conduta. Duas são as condutas típicas: a) produzir, recarregar ou reciclar (atualizar) munição ou explosivo, sem autorização; b) adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. 2.6. Artigo 17 – Comércio Ilegal de arma de fogo a. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a incolumidade pública Sujeito ativo é qualquer pessoa que desenvolve atividade ligada ao comércio de arma/munição ou acessórios, tanto na forma oficial quanto clandestina. Também é sujeito ativo o agente prestador de serviços ou fabricante de armas. Sujeito passivo é a coletividade. b. Objeto material Arma de fogo, acessório ou munição sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. c. Condutas típicas e elemento subjetivo do tipo Diversas são as condutas típicas elencadas, num total novamente de 14. Algumas são inovadoras, em face do tipo legal. “Alugar” significar ceder mediante o pagamento; “desmontar” é separar as peças; “montar” significa juntar as peças de forma a formar um todo; “remontar” significa montar aquilo que foi desmontado. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 80 Elemento subjetivo do tipo é o dolo. d. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com as condutas descritas no tipo penal. As modalidades de transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito e expor a venda são crimes permanentes. A tentativa é admissível. e. Parágrafo único e pena O parágrafo único equipara à atividade comercial ou industrial qualquer forma de prestação de serviço, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. A pena prevista para o dispositivo é extremamente alta: reclusão de 04 a 08 anos e multa. 2.7. Artigo 18 – Tráfico Internacional de arma de fogo a. Objetividade jurídica e sujeitos do delito Objeto jurídico é a incolumidade pública. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. b. Objeto material DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 81 Arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente. c. Conduta típica e elemento subjetivo Três são as condutas típicas previstas: a) Importar: fazer entrar no país; b) Exportar: fazer sair do país; c) Favorecer a entrada ou saída do país de arma de fogo, acessório ou munição; d. Consumação e tentativa No caso da importação consuma-se o crime com a entrada no território nacional. Configura crime de contrabando a importação de colete à prova de balas semprévia autorização do Comando do Exército. STJ. 6ª Turma. RHC 62.851-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/2/2016 (Info 577). É possível a defesa invocar o princípio da insignificância? NÃO. A jurisprudência não admite a aplicação do princípio da insignificância para o crime de contrabando, haja vista que o bem jurídico tutelado não possui caráter exclusivamente patrimonial, pois envolve a vontade estatal de controlar a entrada de determinado produto em prol da segurança e da saúde pública.Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1427793/RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/02/2016. A importação de colete à prova de balas não se enquadra em nenhum tipo penal previsto no Estatuto do Desarmamento? NÃO. O colete à prova de balas não pode ser considerado acessório. Isso porque a palavra "acessório" mencionada no art. 18 do Estatuto é acessório de arma de fogo, ou seja, algo que complementa, que se agrega à arma de fogo para melhorar o seu funcionamento ou desempenho. Exs: silenciador, mira telescópica etc. O colete à prova de balas é uma proteção contra armas de fogo e não um acessório desta. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 82 No caso de exportação com a saída do país. Já no caso do favorecimento quando ocorrer qualquer auxílio para a entrada ou saída da arma de fogo, acessório ou munição. A tentativa é admissível. A competência no caso em tela é da Justiça Federal (art. 109, IV da C.F.), levando-se em conta que a saída ou entrada irregular de mercadoria proibida no país ofende o interesse da União. 2.8. Artigo 19 Forma qualificada que se aplica apenas aos artigos 17 e 18. Se o comércio ilegal de arma e o tráfico internacional de arma referir-se a arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, a pena é aumentada da metade. 2.9. Artigo 20 No caso dos artigos 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º (integrantes da forças armadas, policiais e guardas-municipais) , 7º (funcionários de empresas de segurança privada) e 8º (os que realizam atividades desportivas). 2.10. Artigo 21 Estabelece que os crimes previstos nos arts. 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo), são insuscetíveis de liberdade provisória. Para os que defendem a constitucionalidade, o art. 5º, LXVI da C.F., quando fala da liberdade provisória, diz que a lei vai estabelecer os casos em que ela será admitida. É o que ocorre no Estatuto do Desarmamento, logo, esse o motivo da constitucionalidade. Acontece que a Lei n. 11.464/2007 deu nova redação ao art. 2º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), e retirou a vedação antes expressa no inc. II do art. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 83 2º, que proibia a concessão de liberdade provisória a réu processado pela prática de crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo. Agora, mesmo em se tratando da prática de crime hediondo ou assemelhado, não subsiste qualquer vedação expressa à liberdade provisória, cuja viabilidade deverá ser analisada em cada caso concreto. Muito embora a mudança introduzida pelo art. 1º da Lei n. 11.464/2007 se refira expressamente ao art. 2º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), sem qualquer alusão ao art. 21 da Lei n. 10.826/2003, a revogação deste dispositivo é irrecusável, não obstante o princípio da especialidade. Seguindo a melhor doutrina e abalizada orientação jurisprudencial, ficou clara a opção do legislador no sentido de não mais estabelecer vedação antecipada e genérica de liberdade provisória, tanto que assim o fez em relação aos crimes mais graves, como é o caso dos crimes hediondos e assemelhados. Se mesmo em relação aos crimes mais graves a liberdade provisória deve ser analisada caso a caso, contraria o bom senso imaginar que em relação aos crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 do Estatuto do Desarmamento persiste a vedação genérica, cuja constitucionalidade vem sendo questionada desde o início da vigência da Lei n. 10.826/2003. O STF já decidiu a inconstitucionalidade através da ADIN nº 3112-1: "A proibição de estabelecimento de fiança para os delitos de 'porte ilegal de arma de fogo de uso permitido' e de 'disparo de arma de fogo', mostra-se desarrazoada, porquanto são crimes de mera conduta, que não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade. Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade competente. Identificação das armas e munições, de modo a permitir o rastreamento dos respectivos fabricantes e adquirentes, medida que não se mostra irrazoável. A idade mínima para aquisição de arma de fogo pode ser estabelecida por meio de lei ordinária, como se tem admitido em outras hipóteses. Prejudicado o exame da inconstitucionalidade formal e material do art. 35, tendo em conta a realização de referendo. Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos arts. 14 e 15 e do art. 21 da Lei 10.826, de 22-12-2003." (ADI 3.112, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-5-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007.) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 84 LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS Decreto-lei n. 3.688/47 1. CONTRAVENÇÃO PENAL 1.1. Classificação das Infrações Penais Para o legislador penal brasileiro, adotado o critério bipartido, as infrações penais classificam-se em crimes e contravenções. A opção mostra-se evidente no artigo 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal e na Lei das Contravenções Penais (Dec.-lei n. 3.914/41): “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”. Conclui-se da definição legal que os crimes e as contravenções distinguem-se, tão- só, pela maior ou menor gravidade dos comportamentos descritos nos tipos penais, reservando-se sanções menos severas para as contravenções penais. Todas as contravenções penais, à exceção do artigo 29 da LCP (que tipifica infração de dano), são infrações de perigo. 1.2. Princípio da Territorialidade A Lei das Contravenções Penais adotou, expressamente, o princípio da territorialidade. Consoante o artigo 2.º da Lei das Contravenções Penais, a lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território nacional, circunscrevendo-se à regra segundo a qual a lei penal só tem aplicação no Estado que a criou. As exceções criadas para os crimes no artigo 7º do Código Penal (casos de extraterritorialidade) não se estendem às infrações menores, vale dizer, as contravenções penais. 1.3. Aplicação das Regras Gerais do Código Penal O Art. 1.º da Lei das Contravenções Penais estabelece que “aplicam-se às contravenções as regras gerais do Código Penal, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 85 O Art. 12 do Código Penal: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatosincriminados por lei especial, se essa não dispuser de modo diverso”. Percebe-se, pelo cotejo dos dispositivos acima transcritos, que o Código Penal será utilizado para complementar a Lei das Contravenções Penais, nas suas omissões. Entretanto, não aplicamos o Código Penal à Lei das Contravenções Penais, quando essa dispuser de modo diverso. É o que ocorre na hipótese de tentativa, por exemplo, uma vez que o artigo 4.º da Lei das Contravenções Penais veda-a expressamente. A impossibilidade legal da tentativa decorre, tão-somente, por razões de política criminal. A tentativa seria viável sob o enfoque técnico, desde que não se tratasse de contravenção penal culposa ou de comportamento puramente omissivo. O limite de cumprimento de prisão simples é de 05 anos (artigo 5.º da LCP), diversamente do que ocorre com as penas de reclusão e detenção, previstas no Código Penal, para os crimes cujo limite máximo de cumprimento foi fixado em 30 anos (artigo 75). Outro exemplo diz respeito ao período de prova da suspensão condicional da pena (sursis), fixado por tempo não inferior a um ano, nem superior a três anos, nos termos do artigo 11 da Lei das Contravenções Penais. 1.4. Competência O inciso IV do artigo 109 da Constituição Federal excluiu, expressamente, da competência da Justiça Federal o processo e julgamento das contravenções penais. Considerando que a competência da Justiça Federal deve ser analisada restritivamente, segundo o rol taxativo previsto na Constituição Federal, rechaça-se o entendimento segundo o qual as contravenções penais seriam julgadas pela Justiça Federal nos casos de conexão com crimes de sua competência. A própria Súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça, ao tratar do tema, faz referência exclusivamente a “crimes” conexos: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do artigo 78, inciso II, ‘a’, do Código de Processo Penal”. 1.5. Ação Penal e Procedimento A ação para a apuração das contravenções penais é pública, conforme prevê o artigo 17 da Lei das Contravenções Penais. Após a entrada em vigor da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), todas as contravenções penais passaram a ser consideradas infrações de menor potencial ofensivo. Logo, quando não incidirem os DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 86 institutos da composição civil, da transação penal ou da representação, a ação penal será pública incondicionada. Adotar-se-á o procedimento previsto nos artigos 77 e seguintes da Lei n. 9.099/95. Registramos, todavia, a controvérsia existente em relação à natureza da ação penal em se tratando de vias de fato, prevista como contravenção no artigo 21. Essa discussão surgiu com o artigo 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais, que passou a exigir representação no caso de lesões leves e culposas. Se a infração mais grave (lesões corporais dolosas leves) é de ação penal pública condicionada à representação, não se compreende como possa a contravenção de vias de fato, de menor gravidade, continuar sendo de ação penal pública incondicionada. Excepcionalmente, na hipótese de a contravenção não se submeter ao Juizado Especial Criminal, segue-se o rito sumário previsto para os crimes punidos com detenção. 1.6. Dolo e Culpa nas Contravenções Penais Art. 3.º da Lei das Contravenções Penais estabelece que: “Para a existência da contravenção, basta a ação e a omissão voluntária. Deve-se, todavia, ter em conta o dolo ou a culpa, se a lei faz depender, de um ou de outra, qualquer efeito jurídico”. O dispositivo pode levar à conclusão que basta, à configuração da contravenção, a simples vontade. Ao contrário, a contravenção, como qualquer outra infração penal, exige dolo ou culpa. Na Lei das Contravenções Penais, a modalidade culposa não é expressamente destacada, diversamente do que ocorre no Código Penal (parágrafo único do artigo 18). Assim, incumbe ao operador identificar a exigência de dolo ou culpa a partir da redação do tipo contravencional. Não há, na Lei das Contravenções Penais, figura preterdolosa. Exemplos: Artigo 29. “Provocar o desabamento de construção ou, por erro no projeto ou na execução, dar-lhe causa” (o grifo é nosso): Pena – Multa, se o fato não constitui crime contra a incolumidade pública." Artigo 31. “Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso” (o grifo é nosso): Pena – Prisão simples, de dez a dois meses, ou multa." Observação: Os trechos grifados exigem a culpa. Os outros trechos satisfazem-se com o dolo. Percebam então, que nas contravenções penais o dolo e culpa podem estar na tipificação legal. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 87 1.7. Consumação e Tentativa Via de regra, a consumação das contravenções independem de um resultado naturalístico. São, na maioria, infrações de mera conduta. Há, entretanto, contravenções materiais, isto é, de conduta e resultado. Podemos citar, como exemplo, o artigo 29 da Lei das Contravenções Penais. No que concerne à tentativa, ainda que a figura contravencional a permita, há impedimento legal ao seu reconhecimento. É o que dispõe o artigo 4.º da Lei das Contravenções Penais: “Não é punível a tentativa de contravenção”. 1.8. Penas Atualmente, as penas previstas para as contravenções penais são a prisão simples e a multa, nos termos do artigo 5.º da Lei das Contravenções Penais. A pena de prisão simples deve ser cumprida sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou em seção especial de prisão comum, em regime aberto ou semi-aberto (art. 6º). O artigo 6.º da Lei das Contravenções Penais ainda determina que o condenado à pena de prisão simples fique sempre separado dos condenados às penas de reclusão ou de detenção. À multa aplica-se o sistema do Código Penal (artigo 12 do CP), inclusive no que diz respeito aos limites. Frise-se que o artigo 9.º da Lei das Contravenções Penais, que permitia a conversão da pena de multa em prisão simples, foi tacitamente revogado pela Lei n. 9.268/96, que deu nova redação ao artigo 51 do Código Penal. As penas acessórias foram extintas na reforma penal de 1984. Importante mencionar ainda: Cabe, nas contravenções, a figura da coautoria, prevista no artigo 29 do Código Penal. Da mesma forma, a retroatividade também encontra agasalho nas contravenções. Tem aplicação a lei mais benigna. Também é cabível o concurso de contravenções, ou seja, uma contravenção com outra. Já o concurso com o crime é mais difícil eis que o crime por ser mais grave absorve a contravenção. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 88 Finalmente, também é admissível a continuação nas contravenções penais. É cabível a continuação entre contravenções e não entre contravenções e delitos. 1.9. Prisão em Flagrante, Temporária e Preventiva Em tese é admissível a prisão em flagrante, entretanto, sendo infração penal de menor potencial ofensivo, aplica-se o artigo 69, parágrafo único da Lei nº 9.099/95 e, uma vez assumido o compromisso de comparecer perante o juizado especial criminal impedirá a prisão em flagrante delito. Devemos lembrar que a prisão em flagrante delito se desdobra em quatro atos: cessação da prática criminosa; condução do criminoso à presença da autoridade policial; lavratura do auto de prisão em flagrante delito e; recolhimento do autor docrime à prisão. No caso em tela, é possível até mesmo que ocorra todos esses atos, entretanto, se o autor assumir o compromisso de comparecer ao juizado, a lavratura do auto não poderá ser realizada. Não é admissível a prisão temporária nas contravenções penais, uma vez que a Lei nº 7.960/89, refere-se expressamente a “crimes”. Também não é cabível a prisão preventiva nas contravenções penais, uma vez que os arts. 312 e 313 do CPP referem-se apenas a “crime”. 1. CONTRAVENÇÃO PENAL – PARTE ESPECIAL Contravenções contra a Pessoa 1.1. Porte de Arma – ARTIGO 19 DA LCP O artigo 19 proíbe o uso de arma, fora de casa, sem ter a autorização para tal. É de se destacar que o artigo em comento não mais se refere a arma de fogo, haja visto lei específica (Estatuto do Desarmamento - Lei nº 10.826/03). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 89 Definição de Arma Pode-se considerar arma todo objeto que tenha potencialidade lesiva. Podemos classificar as armas em próprias e impróprias. Próprias são as fabricadas especialmente com potencialidade ofensiva de ataque ou defesa: arma de disparo (revólveres, carabinas, etc.), brancas (punhais, adagas, espadas, etc.). Impróprias são os instrumentos de toda a espécie, aptos a causarem lesões. Embora tenha potencialidade lesiva, não foram fabricadas para isso (Exs: facas, canivetes, facões, foice, machado, ferro, etc.). Portanto, a Lei das Contravenções Penais, quando trata da contravenção de porte de arma, refere-se às armas em geral, com exceção às armas de fogo, havendo em relação a estas, legislação específica. Guilherme de Souza Nucci entende que o dispositivo é inaplicável, uma vez que não há lei regulamentando o porte de arma branca de que tipo for. Logo, é impossível conseguir licença da autoridade para carregar consigo arma branca. Para ele o fundamento é o art. 5º, inciso II da Constituição Federal, que disciplina que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Segundo Ricardo Antônio Andreucci, não existe órgão que expeça autorização para porte de arma branca, motivo pelo qual todo o porte de arma branca é proibido. Objeto Jurídico e Sujeitos do Delito Trata-se de infração de perigo abstrato (presumido). O objeto jurídico é o combate à criminalidade, tentando evitar que as pessoas portem armas. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta A conduta vem caracterizada pela locução verbal “trazer consigo”, que significa portar, ter ao alcance, deter. No § 2º, punem-se ainda as condutas de “deixar de fazer” (omissão própria), “permitir” (deixar ocorrer, não impedir) e “omitir” (deixar fazer). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 90 O dispositivo refere-se não só a portar arma de fogo, é necessária ainda a inexistência da licença da autoridade. Geralmente a autoridade, é a autoridade administrativa. Há necessidade ainda de um elemento espacial para a caracterização da contravenção, estabelecida pela expressão “fora de casa ou de dependência desta”. Para que se configure o porte de arma é imprescindível ainda o exame da arma. A jurisprudência tem decidido que é imprescindível o exame da arma a fim de se constatar sua eficiência. Entretanto, há julgados em sentido contrário. Jurisprudência Machado não pode ser considerado arma branca (TACrimSP-RT, 310/362). Soco-inglês configura porte de arma branca (TACrimSP – RT, 609/351). Navalha é considerada arma branca (TJDF – RF, 138/245). Peixeira é uma arma branca e, portanto, proibida (TACrimSP – RT, 323/371). Canivete é considerado arma branca (TACrimSP – JUTACrim, 96/100). Elemento subjetivo é o dolo consistente na consciente e voluntária participação da vontade do agente no porte de arma. Em havendo culpa também ocorre a contravenção (Ex: sujeito esquece de deixar a arma em casa e a traz consigo, comete a infração). Esclarecedora é a posição da jurisprudência: “A contravenção de porte de arma é de mera conduta, não havendo como indagar da intenção do agente. O elemento subjetivo da mesma reside tão-só na voluntariedade da ação ou omissão, não se cogitando de dolo ou culpa” (TACrimSP – RT, 436/390). Para Guilherme Nucci só há a contravenção dolosa. Consumação A infração contravencional do artigo 19 da LCP é tipicamente formal, de mera conduta. A consumação, na modalidade do caput, ocorre no momento em que o sujeito, fora de casa ou de dependência desta, traz a arma branca consigo. Já vimos que a tentativa é inadmissível. Agravante: O parágrafo 1º do artigo 19 prevê uma agravante se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa e for surpreendido DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 91 portando arma. Há, sem nenhuma dúvida, uma presunção de periculosidade. Este aumento não impede ainda a agravação que decorre da própria reincidência. Ambos, pois, ocorrendo se somam inexistindo a absorção de uma pela outra. 1.2. Vias de Fato – ARTIGO 21 DA LCP Trata-se do emprego de violência real contra outrem, sem que da ação advenha lesão corporal. A violência moral não configura a infração penal em destaque, podendo caracterizar o delito de ameaça ou um crime contra a honra, por exemplo. Objeto jurídico e sujeitos do delito Como se nota, a qualificação das vias de fato como contravenção visa proteger a incolumidade física da pessoa humana, sendo essa a objetividade jurídica do tipo penal ora examinado. Trata-se de uma contravenção comum, ou seja, pode ser praticada por qualquer pessoa. Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Conduta e elemento subjetivo do tipo A conduta vem expressa pelo verbo “praticar”, que significa fazer, realizar, executar. Exige-se o dolo como elemento subjetivo do tipo, consistente no simples desejo de molestar alguém, sem a intenção de causar-lhe lesão corporal. Se o sujeito ativo, ao empregar violência real, tencionar ultrajar, ou seja, ofender a dignidade da vítima, haverá injúria real (art. 140, § 2.º, do CP). Caso a intenção seja a de causar um dano anatômico ou um ferimento na vítima, teremos uma tentativa de lesão corporal, desde que a produção do resultado não sobrevenha por circunstâncias alheias à vontade do agente. Consumação e tentativa A consumação da contravenção de vias de fato ocorre com o mero comportamento típico do agente, ao desferir pontapés, tapas e socos, sem a produção de lesão corporal na vítima. A prova pericial é desnecessária para a configuração da contravenção. A tentativa, nos termos do artigo 4.º da Lei das Contravenções Penais, é impunível. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 92 Vias de fato é uma contravenção expressamente subsidiária: não se configura se o fato constitui crime. É o que está disposto no preceito secundário da norma. Também será absorvida quando for meio para a prática de crimes (estupro, atentado violento ao pudor, roubo, extorsão etc.). Ação Penal A ação penal para o processo e julgamento da contravenção ora examinada tornou- se matéria controvertida com a vigência do artigo 88 da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Como é sabido, o referido dispositivo passou a exigir a representação da vítima no caso de lesões corporais dolosas leves e culposas. Ora, se a condição de procedibilidade é exigida para a infração penal mais grave, como dispensá-la no caso de uma mera contravenção penal. Esse é o fundamento do posicionamento doProfessor Damásio de Jesus, cujo resultado consiste na exigência de representação do ofendido também no caso da contravenção, aplicando-se analogia in bonam partem. Para outra corrente de pensamento, a ação penal é pública incondicionada, nos termos do artigo 17 da Lei das Contravenções Penais. Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus n. 80.617/MG, realizado em 20.3.2001, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence (v.u.). Eis a ementa do acórdão: “A regra do art. 17 da Lei das Contravenções Penais – segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação penal pública incondicionada – não foi alterada, sequer em relação à de vias de fato, pelo art. 88 da Lei n. 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves”. Contravenções referentes à Incolumidade Pública Em relação a este capítulo compete esclarecer mais uma vez, que o artigo 28 ( Disparo de Arma de Fogo), não mais está em vigor em virtude do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03). 1.3. Omissão de cautela na guarda ou condução de animais – ARTIGO 31 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito Protege-se aqui a incolumidade individual representada pelo bem “vida”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 93 Sujeito ativo é qualquer pessoa, sendo em regra o proprietário do animal. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta A conduta vem representada pelos verbos “deixar” (comissão), “confiar” (entregar com confiança) e “não guardar” (omissão na guarda, no cuidado). São elementos da infração: Deixar em liberdade - deixar livre, solto, deixar em abandono, sem os cuidados devidos, não manter preso ou seguro. Confiar à guarda - entregar, dar a outrem, deixar com alguém. Pessoa inexperiente - é a pessoa despreparada, sem condições como: doente, inválido, velho, enfermo, menor de idade, etc. Guardar sem a devida cautela - é a negligência, descuido, o descurar-se: corrente fraca, jaula com a porta aberta, muro baixo com a existência de animal feroz, etc. Animal perigoso - o animal perigoso é, inicialmente, o animal feroz e o animal venenoso; os não domesticados (touro), os afetados por moléstias (raiva). É o animal bravio (leão, onça) e o doméstico bravo (cachorro policial, pit bull). Consumação Na modalidade de conduta “não guardar”, consuma-se a contravenção com a simples omissão, independentemente de qualquer outro resultado. Nas modalidades de conduta “deixar em liberdade” e “confiar”, consuma-se com o abandono do animal ou com a sua confiança a pessoa inexperiente. Não há necessidade de comprovação de perigo efetivo à incolumidade pública, o perigo aqui é presumido pela norma penal. Lesão Corporal Culposa Se, em razão da falta de cautela ou da omissão, decorrer efetivo dano à integridade corporal de outrem, suportando a vítima lesão corporal, estará caracterizado o crime do artigo 129, § 6º do Código Penal – lesão corporal culposa (crime que depende de representação). Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 94 a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia a pessoa inexperiente; b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia; c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia” Na alínea “a”, abandonar, significa deixar ao léu, sem vigilância ou guarda. Animal de tiro (é o animal que impulsiona veículos como charretes, carroças, carruagens), carga (é o animal utilizado para carregar coisas como os burros ou mulas de carga) ou corrida (é o animal destinado a disputas de velocidade como o cavalo), não são animais perigosos mas, conforme as circunstâncias, podem se tornar. Na alínea “b”, o indivíduo excita (atiçar, estimular) ou irrita (exasperar) animal, expondo a perigo a segurança alheia. Assim, nos cães, o açular, iscar sobre as pessoas, configura a contravenção. 1.4. Falta de Habilitação – ARTIGO 32 DA LCP A contravenção penal prevista neste artigo foi revogada pelo Código de Trânsito Brasileiro que, no seu artigo 309 estabelece: “Art. 309 - Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa” Portanto, não temos mais a contravenção penal por falta de habilitação, temos sim, o crime previsto no Código de Trânsito. Nesse sentido a Súmula 720 do STF: “O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penai no tocante à direção sem habilitação, em vias terrestres. Remanesce apenas a figura relativa à direção de embarcação a motor em águas públicas. 1.5. Direção não licenciada de aeronave – ARTIGO 33 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 95 O objeto jurídico é a incolumidade pública. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta típica “Dirigir” é guiar, conduzir, pilotar. Há licenças para cada tipo de aeronave; de acordo com a classe. Aeronave é todo aparelho manobrável em vôo, apto a se sustentar, a circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas. As aeronaves podem ser civis ou militares, públicas ou privadas. Exemplificativamente temos: aviões, helicópteros, planadores, balões, dirigíveis, etc. A expedição e controle de licença está afeto ao Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), do Ministério da Aeronáutica. Consumação e tentativa A consumação ocorre com a efetiva direção da aeronave, sem estar o piloto licenciado. Trata-se de infração de perigo abstrato, não requer a ocorrência de perigo concreto. A tentativa como visto anteriormente, não é admitida. 1.6. Direção Perigosa de veículo na via pública – ARTIGO 34 DA LCP Apesar do novo Código de Trânsito Brasileiro (arts. 308 e 311), a contravenção do artigo 34 ainda está em vigor, segundo entendimento da maior parte dos doutrinadores e também dos nossos tribunais. Seu espectro de abrangência somente foi diminuído pelo Código de Trânsito Brasileiro. O artigo 39 da Lei nº 11.343/06 provocou também a revogação parcial do art. 34 da LCP, na parte relativa às embarcações, quando houver consumo de drogas pelo condutor. Objeto jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico é a incolumidade pública. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Secundariamente, a pessoa eventualmente exposta à perigo de dano. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 96 Elementos do tipo 1º) dirigir: é conduzir, guiar, é ter sob controle a máquina; 2º) veículo ou embarcação: veículo é qualquer meio de transporte automóvel, motocicleta, caminhão, ônibus, etc. Embarcação é todo instrumento apto a deslocar sobre as águas; 3º) em via pública ou em águas públicas: via pública são as ruas, estradas, rodovias abertas ao público. Águas públicas são os mares, canais, rios, lagos e lagoas. 4º) pondo em perigo a segurança alheia. A presente contravenção se apresenta em uma situação de perigo, mas não um perigo concreto, o perigo aqui, é o presumido. Parte da jurisprudência entende que a contravenção em análise exige perigo concreto. A primeira posição tem prevalecido. As infrações mais comuns são: velocidade excessiva ou não condizente com o local (deve-se observar o CTB), dirigir veículo sobefeitos de substâncias alcoólicas (com exceção ao artigo 306 do CTB), manobras imprudentes, “cavalo de pau”, desrespeito ao sinal de parada obrigatória, transitar na contramão de direção, etc. Consumação e tentativa Em primeiro lugar é preciso mencionar que o elemento subjetivo do tipo é o dolo. A consumação ocorre com a direção perigosa, independentemente de outro resultado. A tentativa não é admitida. 1.7. Arremesso ou colocação perigosa – ARTIGO 37 DA LCP Objeto Jurídico e sujeitos do crime O objeto jurídico é a incolumidade pública. Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Secundariamente, a pessoa exposta a perigo de dano. Conduta e elemento subjetivo do tipo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 97 A conduta vem representada pelos verbos “arremessar” (atirar, lançar, jogar) e “derramar” (dispersar, fazer correr para fora). Havendo resultado lesivo em razão do arremesso ou derramamento, poderá estar configurado outro crime (dano, injúria real, lesão corporal, etc). O dispositivo ainda fala que o arremesso ou derramamento deve ocorrer em via pública (ruas, praças, estradas, avenidas, etc.), lugar de uso comum (logradouros utilizados por diversas pessoas, aberto ou fechado ao público) ou lugar de uso alheio (local que não pertença ao sujeito ativo da contravenção). São exemplos desta contravenção: atirar pedras, garrafas e outros objetos na via pública; derramar óleo na via pública; atirar pontas de cigarro em lugar de uso alheio; escarrar na porta de estabelecimento; lançar fezes de animais em calçada defronte à casa de alguém; lançar fezes ou urina humana na rua; arremessar sacos de lixo com detritos no quintal do vizinho, etc. Ainda em relação a conduta devemos verificar que o arremesso ou o derramamento deve ser apto a ofender (fazer mal, ultrajar), sujar (conspurcar, manchar) ou molestar (incomodar, perturbar, atrapalhar) alguém. O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa A consumação ocorre com o arremesso ou o derrame da coisa. A tentativa, como visto, não é possível. Parágrafo único Este dispositivo trata de situação semelhante, entretanto, é necessário mencionar que aqui não há o dolo e sim a culpa, caracterizada pela ausência das cautelas devidas, indicando imprudência ou negligência. São exemplos deste dispositivo: deixar vasos suspensos sobre a via pública; colocar objetos no parapeito de janelas; colocação de gaiola de pássaros sobre o passeio público, etc. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 98 Contravenções Referentes à Paz Pública 1.8. Perturbação do Trabalho ou Sossego Alheios – ARTIGO 42 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito A objetividade jurídica da contravenção estudada consiste na manutenção da paz pública. A ação pode ser praticada por qualquer pessoa. Não se exige, pois, nenhuma qualidade especial do sujeito ativo. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta A conduta vem representada pelo verbo “perturbar” (causar desordem, confusão, aborrecer). A contravenção é de forma vinculada, uma vez que o legislador restringiu o comportamento típico, às formas previstas nos quatro incisos da figura penal: Inciso I – Gritaria ou algazarra: o que se pune é o distúrbio prejudicial ao trabalho ou ao repouso. Como já se mencionou, a perturbação poderá provir de um baile ou festa familiar. Nesses casos, se estiver dentro de limites legais, não há cogitar de contravenção, pois o divertimento lícito afasta a idéia de infração penal. As festas fazem parte da saúde e felicidade do cidadão, das famílias e do povo. A gritaria é o som oriundo da voz humana. A algazarra tem o mesmo sentido. Porém, para diferenciar gritaria de algazarra, reservamos a última para representar o ruído provocado de outra maneira. Podemos citar como exemplos as cantorias, o chute de objetos, a quebra de garrafas etc.. A algazarra requer, também, o concurso de várias pessoas. Poderíamos dizer, então, que a contravenção, na hipótese de algazarra, é de concurso necessário ou plurissubjetiva. Não se concebe algazarra com uma só pessoa. Inciso II – Exercício de profissão incômoda ou ruidosa: é norma penal em branco. Necessita, pois, de complemento que se traduz nas normas municipais que regulam a ocupação da cidade, que visam coibir abusos. Normalmente, é o regulamento local que limita a hora de funcionamento de certos estabelecimentos, cautelas para a DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 99 utilização de determinadas máquinas, em suma, precauções que possam influir na redução do barulho ao mínimo possível e tolerável. Essa regulamentação pelo Poder Público incidirá no exercício de certas atividades ruidosas, como indústrias, padarias, tipografias, serralharias ou marcenarias. A legislação local poderá restringir, em determinadas áreas da cidade, a atividade comercial ou industrial. Poderá, também, estabelecer horário de funcionamento, ou o limite de ruído permitido. É necessária a existência de prescrição legal, ou seja, de normas, de atos administrativos que disciplinem o exercício de profissão (elemento normativo do tipo). Na inexistência delas não há contravenção. O dolo é abrangente, pois deve alcançar a consciência de que se está violando as prescrições legais. Inciso III – Abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos: trata-se do uso imoderado. A contravenção configurar-se-á, por exemplo, no abuso de aparelhagem de som; no acionamento abusivo, imoderado, de buzinas de veículos automotores; na reprodução de música executada em alto volume por casa de diversão, perturbando a tranqüilidade coletiva. Exige-se a consciência de que o comportamento é abusivo. Inciso IV – Provocando ou não procurando impedir barulho de animal de que tenha a guarda: há dois comportamentos típicos, um comissivo e outro omissivo. Pune-se quem tem a guarda do animal, podendo ser o proprietário ou não, um simples possuidor ou um mero detentor. Assim, considerando que a classificação do comportamento como contravenção visa assegurar a paz coletiva, não se configurará o artigo 42 se o incômodo atingir uma única pessoa, ou um grupo reduzido delas. Se a conduta incomodar uma pessoa, poderá haver a configuração da contravenção prevista no artigo 65 (perturbação da tranqüilidade), desde que o comportamento seja animado pelos elementos subjetivos do tipo: acinte ou motivo reprovável. Só o dolo caracteriza a contravenção. Há jurisprudência no sentido de que a manifestação de alegria que se verifica nas festas populares não configura a contravenção, porquanto inexiste a intenção de atingir a paz coletiva. A consumação ocorre com o ato de perturbar o trabalho ou o sossego alheios. Trata-se, pois, de contravenção material de conduta e resultado. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 100 Contravenções Referentes à Fé Pública 1.9. Simulação de qualidade de funcionário público – ARTIGO 45 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a fé pública. O legislador visou proteger quem desempenha um cargo público, de um lado e, de outro, a garantia à comunidade de que se trata realmente de funcionário público. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta típica e elemento subjetivo São elementos do tipo: 1º fingir-se; 2º; funcionário público. Fingir-se – significa fazer-se passar, atribuir-se, assumir, aparentar, dissimular. É o disfarce que cria ou dá uma aparênciafalsa e enganadora da verdade. Pode ser praticado por meio de gestos, palavras ou escrito. Funcionário Público – o conceito de funcionário público está estabelecido no artigo 327 do Código Penal. Abrange-se qualquer funcionário público: nomeado, efetivo, extra- numerário, etc. O elemento subjetivo é o dolo, o propósito de iludir, a finalidade de enganar. É uma infração instantânea, basta o fingir. Mas enquanto dura é infração de natureza permanente. É bom que se diga que o a contravenção aqui mencionada não se confunde com o crime de Usurpação de Função Pública do Código Penal (art. 328). Nesse crime, o agente deve se passar por funcionário público e praticar atos a ele pertinentes. Consumação A consumação ocorre com o fingimento ou simulação. A infração é de mera conduta, independe do objetivo do agente. Se houver intuito de obter indevida vantagem econômica, caracteriza o estelionato. Contravenções Relativas à Organização do Trabalho DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 101 2.0. Exercício Ilegal de Profissão – ARTIGO 47 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico é o interesse social. O objetivo é garantir àquelas atividades regulamentadas, proteção que visa muito mais ao público que aos próprios profissionais. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é o Estado. Conduta e elemento subjetivo Atividades há que exigem conhecimentos técnicos que se obtém através da licença ou do diploma e seu respectivo registro na entidade de classe: advocacia, medicina, engenharia, psicologia, odontologia, contabilidade, farmacêutico, etc. São elementos da contravenção: 1º) exercer: desempenhar, praticar, executar, realizar; 2º) anunciar o exercício: divulgar, noticiar, propalar, publicar; 3º) sem preencher as condições exigidas por lei. Entre as profissões cujo exercício requerem licença pode-se elencar: corretor de seguro, de imóveis, corretor de títulos mobiliários, práticos de farmácia, de laboratório e de odontologia. Inscrição não feita no órgão de classe (Ordem, Conselhos) se constitui na presente contravenção. Os Conselhos e Ordens não são sujeitos passivos da presente infração e por isso inadmissível é a assistência ao órgão do Ministério Público. Elemento subjetivo é o dolo. Pode, contudo, ocorrer a culpa no caso de o agente ignorar a necessidade de licença. Consumação Trata-se de infração de perigo, independe de eventual existência de prejuízo. Consuma-se com o efetivo exercício ou anúncio do exercício ilegal da profissão ou atividade. Contravenções referentes à Polícia de Costumes DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 102 2.1. Jogo de Azar – ARTIGO 50 Objeto Jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico aqui são os bons costumes. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Conduta São elementos da contravenção: 1º) Explorar ou estabelecer o jogo: Explorar é realizar, organizar, praticar, bancar, administrar. Estabelecer é montar, instalar, fundar, instituir, é o ato de quem fornece a casa, tem a banca ou faça o jogo, empresta o local para o jogo. 2º) que o jogo seja de azar: Jogo de azar é o que depende da sorte, o fator risco é mais importante. A álea ou o acaso é que influencia, inexistindo habilidade do jogador. 3º) em lugar público ou acessível ao público: Lugar público é aquele aberto ao público, bem como o permitido e acessível ao público. O bingo eletrônico é considerado jogo de azar. As casas de bingo não estão mais autorizadas a funcionar, quando expiradas as autorizações. Consumação A consumação ocorre com o efetivo estabelecimento ou exploração do jogo de azar. § 1° - A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de 18 (dezoito) anos. § 2° - Incorre na pena de multa, quem é encontrado a participar do jogo, como ponteiro ou apostador. Ponteiro é a pessoa que busca a aposta. Apostador o que faz a aposta. A pena de ambos em relação ao “caput” é bastante minorada, pois é apenas pecuniária. § 3° - Consideram-se jogos de azar: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 103 c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva. § 4° - Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público: a) a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa; b) o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar; c) a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar; d) o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse destino. 2.2. Jogo do Bicho O artigo 58 da Lei das Contravenções Penais foi revogado pelo artigo 58 do Decreto-lei n. 6.259/44, que dispôs sobre as figuras contravencionais ligadas ao jogo do bicho e às loterias clandestinas. A partir de então, enquadra-se o comportamento contravencional no artigo 58 do supracitado Decreto-lei. Aliás, o Decreto-lei n. 6.259/44, que também revogou os artigos 51 a 57 da Lei das Contravenções Penais, trata das mesmas condutas em seus artigos 45 e seguintes. O jogo do bicho consiste, segundo a redação do artigo 58, caput, do Decreto-lei n. 6.259/44, na realização de apostas mediante combinação de algarismos ou nome de animais e no pagamento de prêmios em dinheiro. Os prêmios são regulados pelos banqueiros, variando conforme a aposta feita: no grupo, na dezena, na centena ou na milhar. Confere-se o resultado pela extração da loteria federal. Participam do jogo o apostador, denominado na figura contravencional como comprador ou ponto, o cambista (intermediário, arrecadador de apostas), o vendedor (o banqueiro), além de outros indivíduos que colaboram na elaboração do jogo, realizando um dos comportamentos típicos previstos nas alíneas “b”, “c”, “d” do § 1.º do artigo 58 do Decreto-lei n. 6.259/44. Conseqüentemente, os sujeitos ativos da contravenção são as pessoas mencionadas no caput e nas alíneas do § 1.º do artigo 58. Frisamos, desde logo, que para se punir o cambista não é necessário identificar o apostador ou o banqueiro. Nesses termos a Súmula nº 51 do Superior Tribunal de Justiça (1992): “A punição do intermediador, no jogo do bicho, independe da identificação do apostador ou do banqueiro”. Também não é imprescindível que ele seja surpreendido colhendo apostas, bastando a apreensão de material do jogo em seu poder. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 104 Discute-se a viabilidade do reconhecimento do estado de necessidade em relação aos cambistas. Entendemos que a alegação da descriminante, fundada na exigência de o cambista dar sustento à família, não torna lícita a prática do jogo do bicho. Há corrente minoritária sustentando o oposto. No que diz respeito ao apostador, sendo ele surpreendido pelos agentes da autoridade policial antes de concluir a aposta, seu comportamento é atípico, uma vez que não se pune a tentativa de contravenção. 2.2.1. Resumo dos comportamentos típicos Realizar o jogo do bicho (apostador e banqueiro) Art. 58, caput Servir de intermediário (cambista) Art. 58, § 1.º, “a” Transportar, conduzir, possuir, ter sob sua guarda ou poder, fabricar, dar, ceder, trocar e guardar listas comindicações do jogo, material próprio da contravenção e qualquer outra forma de contribuição para sua confecção, utilização ou emprego. Art. 58, § 1.º, “b” Apuração de listas ou organizações de mapas relativos ao movimento do jogo. Art. 58, § 1.º, “c” Qualquer outro comportamento que vise promover ou facilitar a realização do jogo. Art. 58, § 1.º, “d” O sujeito passivo da contravenção do jogo do bicho é o Estado. O fato de o Estado explorar jogos de azar não enseja a atipicidade do comportamento dos contraventores, pois os recursos arrecadados pelo Estado, diversamente do que ocorre com os banqueiros, estão comprometidos exclusivamente com o interesse público. Exige-se o dolo como elemento subjetivo do tipo. Não se exige a habitualidade para a configuração da contravenção do jogo do bicho. As penas de prisão simples previstas são diferenciadas, dependendo do comportamento típico concretizado pelo sujeito ativo. Aplica-se à contravenção do jogo do bicho a Lei n. 9.099/95, não obstante haja a previsão de rito específico para a sua apuração. Quanto à prova exigida pela contravenção, preceitua o § 2.º do artigo 58: “Consideram-se idôneos para a prova do ato contravencional quaisquer listas com DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 105 indicações claras ou disfarçadas, uma vez que a perícia revele se destinarem à perpetração do jogo do bicho”. Acerca da exigibilidade da perícia há duas orientações. Para a primeira, a perícia é indispensável. O jogo é, normalmente, feito por meio de símbolos e abreviaturas só decifráveis por quem entende do jogo. Para a outra posição, a perícia só é indispensável quando existe dúvida sobre o material apreendido. Realizada a perícia, não é necessário que todo o material apreendido a acompanhe. 2.3. Importunação Ofensiva ao Pudor – ARTIGO 61 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutelam-se os bons costumes, o pudor individual. Caso o sujeito ativo ofenda o pudor público responderá como incurso no artigo 233 do Código Penal (ato obsceno) ou como incurso no artigo 234 do Código Penal (escrito ou objeto obsceno). Em ambas as infrações, a lei visa à proteção da moralidade pública, sendo sujeito passivo a coletividade. Quer o sujeito ativo, quer o passivo, podem ser qualquer pessoa. Frise-se que o homem também pode ser vítima da contravenção. Conduta A conduta consiste em importunar, quer dizer, molestar, incomodar, atingindo o pudor da vítima. São exemplos: “cantadas” grosseiras, o toque lascivo, passar a mão nas nádegas, beliscão nas nádegas, “beijo roubado” entre outros comportamentos que não configurem o atentado violento ao pudor. Lembramos que o assédio sexual, desde que o agente o cometa prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, passou a constituir crime, nos termos do artigo 216-A do Código Penal. A contravenção ora estudada deve ser cometida em local público (aquele que se presta ao acesso livre do povo, sem distinção ou formalidade) ou acessível ao público. Em local privado poderá caracterizar-se o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais. O pudor, elemento normativo do tipo, deve ser apreciado em relação à moral média. É sinônimo de decência. Deve, pois, corresponder a um sentimento médio de suscetibilidade ou moralidade, que são variáveis no tempo e no espaço. Pudor, segundo Nélson Hungria, é o sentimento de timidez ou de vergonha de que se sente possuída a DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 106 pessoa normal diante de certos fatos ou atos que ferem a decência. Ensina Damásio E. de Jesus que a existência da ofensa ao pudor não está afeta à exclusiva apreciação subjetiva da vítima, uma vez que a conduta atenta contra os bons costumes. Consumação A consumação ocorre com a importunação. A tentativa é impunível (art. 4.º da LCP). A importunação ofensiva ao pudor distingue-se do ato obsceno (art. 233 do CP), pois nesse o agente quer ou assume o risco de ser visto na prática de ato de caráter sexual (andar nu ou masturbar-se na via pública, por exemplo) enquanto , na contravenção que ora se examina, o agente não quer e também não assume o risco de ser visto por um número indeterminado de pessoas. A contravenção também se distingue do atentado violento ao pudor (art. 214 do CP). O crime exige a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Na contravenção a conduta que visa satisfazer a libido não é cometida com violência ou grave ameaça. 2.4. Crueldade contra animais – ARTIGO 64 DA LCP O dispositivo em análise foi revogado pelo artigo 32 da Lei nº 9.605/98, Lei dos Crimes Ambientais. Segundo Guilherme Nucci, o art. 32 da Lei nº 9.605/98 cuida, exclusivamente, dos animais selvagens, que podem ser, eventualmente, criados em casa (domésticos) ou amansados, mantidos em jaula ou gaiola. Para os animais que não podem ser considerados silvestres, aplica-se o art. 64. 2.5. Perturbação da Tranqüilidade – ARTIGO 65 DA LCP Objeto jurídico e sujeitos do delito Almeja-se a preservação da tranqüilidade individual. Essa é a objetividade jurídica da contravenção em estudo. Não há restrição quanto aos sujeitos ativo e passivo da contravenção de perturbação da tranqüilidade. Conduta típica DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 107 O comportamento típico consiste em molestar, isto é, incomodar alguém. Perturbar significa interromper o sossego, a paz, a tranqüilidade de outrem. Trata-se de contravenção de forma livre, uma vez que pode ser praticada por meio de palavras, gestos, por correspondência etc. Exige-se o dolo, acrescido de especial finalidade do agente: a) acinte: de caso pensado, de forma premeditada, com o firme propósito de perturbar; b) motivo reprovável: censurável, sem justificação, ilegítimo. Exemplos: passar trotes; atirar sujeira na casa de alguém; fazer barulho para incomodar determinada pessoa. Consumação A consumação ocorre no instante em que o agente molesta ou perturba a vítima, por acinte ou motivo reprovável. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LEI Nº 8.069/90 - ECA DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 2° - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único - Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Pelo que se pode observar no dispositivo, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos é considerada criança. Aquela entre 12 (doze) anos de idade completos e 18 (dezoito) anos incompletos é considerada adolescente. A distinção que é feita é relevante, principalmente no que tange à aplicação de alguma medida pedagógica ao menor, quando da prática de um ato infracional. Conforme o art. 105, no caso de criança, aplicam-se as medidas do art. 101 e, em se tratando de DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 108 adolescente, as medidas do art. 112, sendo que a mais severa é a de internação em estabelecimento educacional O devido processo legal, de que trata o art. 110, somente se refere aos maiores de 12 (doze) anos, pois considerados adolescentes, uma vez que não estão mais sujeitas às medidas sócio-educativas (art. 112) e sequer podem ser privadas de sua liberdade, mesmo que em flagrante de ato infracional. DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 103 - Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.De acordo com o ECA, somente os adolescentes que cometerem atos catalogados como crime ou contravenção penal é que são passíveis de sofrer medidas sócio-educativas. Assim, há de se observar se, à época da prática do ato, a conduta era típica. Em caso afirmativo, o adolescente será processado, com todas as garantias do devido processo legal (arts. 110 e 111). Se não configurar a tipicidade, somente poderão ser aplicadas as medidas específicas de proteção (art. 101 do ECA). Art. 104 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único - Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. A C.F., em seu artigo 2283, estatui a inimputabilidade do menor de 18 anos. As medidas que podem ser aplicadas aos adolescentes são as do seu artigo 112, denominadas sócio-educativas. Se, portanto, o menor não atingiu os doze anos, somente lhe serão aplicadas as do art. 101, chamadas medidas específicas de proteção. Essa regra é absoluta e não admite qualquer exceção. É óbvio que há de se ter em conta a idade do adolescente à época do fato para se lhe aplicar as medidas sócio-educativas. Destarte, se à época da decisão o menor já atingiu a idade de dezoito anos, nada impede sofra uma das medidas do art. 112, só que, como preceitua o artigo 121, § 5º, com relação à internação, a liberação será compulsória aos vinte e um anos. É uma das exceções a que se refere o parágrafo único do art. 2º do Estatuto. 3 Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 109 Como se observa pelo seu art. 2º4, o Estatuto, fez distinção entre criança e adolescente, que tem reflexos em vários aspectos. O mais relevante é quanto a aplicação de medidas no caso de o menor cometer algum ato infracional. O tratamento diferenciado entre o adolescente e a criança permite se atribua ao Conselho Tutelar a aplicação de várias medidas às crianças, conforme o art. 136, I do ECA. DOS DIREITOS INDIVIDUAIS Art. 106 - Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Parágrafo único - O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos. A primeira observação que se faz necessária é que a criança jamais será privada de sua liberdade. Somente o adolescente é passível de tal medida, nas circunstâncias permitidas neste artigo, que deve ser interpretado de forma restrita. Com respeito a ordem escrita, ela deve partir da autoridade judiciária competente, que é o Juiz da Infância e Juventude, devendo ser, obrigatoriamente, fundamentada. Na fundamentação, obviamente, há de se dar os motivos relevantes que levaram à medida, como a presença de provas da prática do ato infracional e indícios suficientes de autoria. 4 Art. 2° - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. A prática de atos infracionais anteriores serve para justificar a decretação ou manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública, considerando que indicam que a personalidade do agente é voltada à criminalidade, havendo fundado receio de reiteração. STJ. 5ª Turma. RHC 47.671-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 18/12/2014 (Info 554). STJ. 3ª Seção. RHC 63.855-MG, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/05/2016. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 110 Art. 107 - A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Parágrafo único - Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata. As comunicações devidas são no sentido de se propiciar, imediatamente, uma proteção ao adolescente. A família deve ser comunicada, seja a de sangue ou a substituta e,na sua falta, a pessoa que se responsabilize pelo adolescente, para que tome providências no sentido de auxiliá-lo, quer constituindo advogado para defendê-lo, quer prestando declarações que possam concorrer para a sua liberação. Aliás, não somente o Magistrado, mas também a autoridade policial deverão, dependendo do ato praticado e das circunstâncias, examinar a possibilidade de liberação imediata. Em casos menos graves, em que os pais ou responsáveis se comprometam a apresentar o menor em juízo, quando for oportuno, não há razão para mantê-lo detido. É relevante que o adolescente, logo que apreendido, seja encaminhado à autoridade policial competente, nos termos do artigo 172 do Estatuto. Em se tratando de criança, deve ser encaminhado ao Conselho Tutelar, observando-se os arts. 105 e 136, I do Estatuto. Art. 108 - A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único - A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida. A internação somente pode ser determinada pelo Juiz da Infância e Juventude. Sendo provisória, não poderá de forma alguma, ultrapassar o referido prazo (45 dias). Dentro deste, deve-se providenciar a tramitação do processo, com todas as garantias do devido processo legal. A internação poderá ser determinada de ofício ou a requerimento do Ministério Público. O magistrado, é óbvio, não é obrigado a atender o pedido, e somente o fará se julgar necessário. A criança de forma alguma poderá ser internada. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 111 Art. 109 - O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada. Trata-se aqui de uma das exceções legais do que consta do artigo 5º, LVIII que estabelece “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. O dispositivo ampara todo adolescente que possuir qualquer documento que o identifique, tais como a certidão de nascimento ou a carteira de identidade. A exceção permitida refere-se aos casos de menores que, já descolados na senda dos atos infracionais, se utilizam de falsa documentação, o que ocorre com certa freqüência. CAPÍTULO I DOS CRIMES SEÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS INTERNAÇÃO Internação só é cabível nos casos do art. 122 do ECA O ato de internação do menor é medida excepcional, apenas cabível quando atendidos os requisitos do art. 122 do ECA: Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I — tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II — por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III — por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. STF. 1ª Turma. HC 125016/SP, red. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 15/3/2016 (Info 818). Súmula 492-STJ: O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 112 “Art. 225 - Este Capítulo dispõe sobre crimes praticados contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, sem prejuízo do disposto na legislação penal.” Novos tipos penais foram criados pelo ECA. Além dos crimes definidos neste Estatuto, se o ato constituir delito constante do Código Penal ou qualquer outra lei, o agente por ele responderá. Se o ato for praticado por adolescente, considerando-se que este é inimputável (art. 104 do ECA), somente se lhe aplicará medidas sócio-educativas (art. 112). “Art. 226 - Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal.” No que se refere ao Código Penal devemos nos lembrar em primeiro lugar dos princípios da legalidade e da anterioridade expressos no art. 1º do CP. “Art. 227 - Os crimes definidos nesta Lei são de ação pública incondicionada.” Ação penal pública incondicionada é aquela promovida por denúncia do MP. Como se aplicam as normas do Código de Processo Penal, por força do artigo 226, será admitida ação privada subsidiária da pública, se porventura o Promotor de Justiça não apresentar a denúncia no prazo legal (art. 29 do CPP). Também se deve observar o art. 46 do CPP, quanto ao prazo para denúncia: 05 dias se o réu estiver preso e 15 dias se estiver solto. SEÇÃO II DOS CRIMES EM ESPÉCIE “Art. 228 - Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato: Pena - detenção de seis meses a dois anos. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 113 Parágrafo único - Se o crime é culposo: Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa.” Objetividade jurídica e sujeitos do delito O legislador visou proteger a criança, o neonato, garantindo-lhe o direito à vida e à saúde. Sujeito ativo do delito é o encarregado ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante. É crime próprio, somente pode ser cometido pelas pessoas citadas. Admite-se a coautoria, entre o encarregado e o dirigente do estabelecimento. O dirigente responderá pela omissão quando não houver uma pessoa determinada para referidas funções. Se forem dois ou mais os responsáveis, devem responder em concurso (coautoria). Sujeito passivo do delito é a gestante, assim como, indiretamente, a criança recém- nascida. Tipo objetivo De duas formas pode ser cometido o crime em questão: a) deixar de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazos do artigo 10; b) deixar de fornecer à parturiente ou a seu responsável, quando da alta médica, declaração de nascimento, onde conste as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato. O art. 10, referindo-se a hospitais públicos e particulares, preceitua uma série de obrigações que têm por finalidade a proteção da saúde da criança, bem como sua identificação. Assim, no inciso I, destaca-se a obrigação de manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de 18 anos, e, no inciso IV, a de fornecer declaração de nascimento, onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento. Tipo subjetivo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 114 É o dolo, vontade livre e consciente de praticar o delito, ou seja, dolo de não manter os registros das atividades desenvolvidas ou de não fornecer à parturiente declaração de nascimento. A forma culposa é admitida quando o sujeito ativo age com negligência ou imprudência (parágrafo único). Consumação e Tentativa Trata-se de crime omissivo. Consuma-se o crime no momento em que o encarregado ou o dirigente do estabelecimento se omitir, ou seja, deixar de proceder ao registro ou de fornecer a declaração de nascimento. Tratando-se de crime omissivo, não admite a tentativa. “Art. 229 - Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Se o crime é culposo: Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa.” Objetividade Jurídica e Sujeitos do delito Objeto jurídico é a criança, recém-nascido, bem como a gestante. Sujeito ativo do delito é o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante. Trata-se de crime próprio. Sujeito passivo é a criança, o recém-nascido e a gestante. Tipo objetivo e tipo subjetivo Duas são as formas de se praticar o crime, de acordo com o dispositivo. a) deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto; b) deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de proceder aos exames referidos no artigo 10. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 115 O art. 10, entre outras obrigações com respeito a hospitais públicos e particulares, inclui, no inciso II, a de identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe e, no inciso III, a de proceder a exames visando a diagnóstico de anormalidades do metabolismo do recém-nascido. Tipo subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de não proceder a identificação do neonato e parturiente ou realizar os exames necessários. Admite-se ainda a forma culposa, quando se age por imprudência, imperícia ou negligência. Consumação e tentativa Trata-se de crime omissivo. Consuma-se o crime no momento em que o médico, enfermeiro ou o dirigente do estabelecimento se omitir, ou seja, deixar de proceder à identificação ou aos exames do art. 10. Tratando-se de crime omissivo, não admite a tentativa. “Art. 230 - Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.” Objetividade jurídica e sujeitos do delito A objetividade jurídica é a proteção da criança e do adolescente que não pode ser privada de sua liberdade a não ser nos casos legais (ordem judicial ou flagrante de ato infracional). Pune-se aquele que desobedeceu à norma do art. 106 (“Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”), que impede a privação de liberdade sem que aconteça uma das duas hipóteses. No que tange à criança, há maior gravidade, uma vez que, a rigor, esta não pode ser apreendida. Sujeito ativo é a pessoa incumbida do ato de apreensão (policial, Delegado de Polícia, etc.) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 116 Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Tipo objetivo e tipo subjetivo A conduta típica é “privar” que significa impedir, retirar, impedir a liberdade da criança ou do adolescente. Essa privação pode se dar de duas formas: a) apreensão semser caso de flagrante de ato infracional; b) apreensão sem que haja ordem escrita da autoridade judiciária competente. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa A consumação ocorre quando houver a privação da liberdade. A tentativa é admissível, pois o crime é comissivo. O parágrafo único estabelece que aquele que procede a apreensão sem as formalidades legais incidirá nas mesmas penas. As formalidades legais da apreensão estão elencadas, nos artigos 106, parágrafo único, 107, 110 e 111 do ECA. Entre eles temos: a) identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos (art. 106, § único); b) a apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada (art. 107); c) pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente (art. 111, I); d) direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente (art. 111, V); e) direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento (art. 111, VI). “Art. 231 - Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada: Pena - detenção de seis meses a dois anos.” DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 117 Objeto Jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é o direito à liberdade. O artigo 107 do ECA determina que se deve comunicar de imediato a apreensão do adolescente ao Juiz da Infância e Juventude, bem como à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Sujeito ativo é a autoridade policial responsável pela apreensão, ou seja, o Delegado de Polícia. Trata-se mais uma vez de crime próprio, somente pode ser cometido pela autoridade policial responsável pela apreensão. O atraso na comunicação devido a problemas naturais enfrentados em uma delegacia não deve ser levado em conta Sujeito passivo é a criança ou o adolescente apreendido. Tipo objetivo e elemento subjetivo do tipo A conduta típica é deixar a autoridade policial de realizar a comunicação legal à autoridade judiciária, da apreensão da criança e do adolescente. Elemento subjetivo do tipo é o dolo, a vontade livre e consciente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária da apreensão. Consumação e tentativa O crime é omissivo, consumando-se com a simples omissão. A tentativa é inadmissível. “Art. 232 - Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade psíquica prevista no art. 17 do ECA. O artigo 18 do ECA está determinando que todos devem velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo- os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Sujeito ativo é a pessoa detentora do poder sobre o menor (autoridade – pai, tutor, curador; guarda ou vigilância – professor, funcionário da creche, etc). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 118 Sujeito passivo é o menor submetido a vexame ou constrangimento. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em submeter a criança ou o adolescente a vexame, ou seja, à humilhação ou ao constrangimento, isto é, à vergonha. O crime é material e exige o resultado (vexame ou constrangimento). Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime é comissivo, consumando-se com o efetivo resultado: vexame ou constrangimento. A tentativa é admissível “Art. 233 - (Revogado pela Lei n.º 9.455, de 07-04-1997).” “Art. 234 - Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão: Pena - detenção de seis meses a dois anos.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a liberdade física da criança e do adolescente. Sujeito ativo é a autoridade coatora: autoridade judiciária, a ministerial ou o Delegado de Polícia. Trata-se de crime próprio. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo Consiste em conduta omissiva de deixar de ordenar a imediata liberação da criança e do adolescente. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 119 Consumação e tentativa O crime é omissivo, consumando-se com a simples omissão. Não se admite a tentativa. “Art. 235 - Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de adolescente privado de liberdade: Pena - detenção de seis meses a dois anos.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a liberdade física do adolescente, pois só este ficará passível de medida restritiva de liberdade (internação). Sujeito ativo é a autoridade responsável pelo cumprimento do prazo. Assim, é a autoridade judiciária quanto ao cumprimento do prazo de 45 dias no que concerne à finalização do procedimento relativo a ato infracional (internação provisória). É a autoridade policial no que concerne à apresentação do menor ao M.P. para oitiva informal (24 horas). Trata-se de crime próprio. Sujeito passivo é o adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica consiste em descumprir, prazo fixado em lei em benefício de adolescente. Descumprir significa não obedecer. O ECA estabelece determinados prazos a serem cumpridos em relação à privação da liberdade do adolescente. Tais prazos não podem se exceder, sob pena de se cometer o crime em comento. Conforme Cury, Garrido e Marçura, são importantes os seguintes prazos: a) o período máximo de internação, que é de três anos, consoante o art. 121, §3º; b) a liberação compulsória aos vinte e um anos, de acordo com o art. 121, §5º; c) o período referente à internação provisória, antes da sentença do art. 108, que é de quarenta e cinco dias; DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 120 d) a apresentação do adolescente apreendido pela autoridade policial ao representante do Ministério Público, que é de vinte e quatro horas, conforme o art. 175, §§ 1º e 2º do ECA; e) a transferência de adolescente da repartição policial para estabelecimentos adequados, cujo prazo é de cinco dias, de acordo com o art. 185, § 2º do ECA. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime é omissivo, consumando-se com a simples omissão, ou seja, o não- cumprimento do prazo. Não se admite a tentativa. “Art. 236 - Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei: Pena - detenção de seis meses a dois anos.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se aqui qualquer direito da criança e do adolescente. Sujeito ativo é qualquer pessoa que obste a atividade do Juiz, do Promotor ou de membro do Conselho Tutelar no exercício de suas funções. Sujeito passivo é a autoridade judiciária, do Ministério Público ou membro do Conselho Tutelar. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica consiste em “impedir”, ou seja, não deixar que se realizem ou ainda, “embaraçar”, ou seja,colocar entraves na ação. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 121 O crime tanto pode ser comissivo ou omissivo. Na forma comissiva, admite-se a tentativa. Na omissiva, não se admite a tentativa. “Art. 237 - Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto: Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se o direito da criança ou adolescente permanecer em sua família natural ou substituta. Sujeito ativo é qualquer pessoa que subtraia criança ou adolescente visando à colocação em lar substituto. O legislador quis coibir o chamado “tráfico de menores”. Sujeito passivo é o responsável legal. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em subtrair, ou seja, retirar a criança ou o adolescente do responsável legal com o fim de colocação em família substituta. É necessário que o sujeito tire o menor ou interdito da esfera de vigilância de quem exerce sobre ele o pátrio poder, a tutela, a curatela ou a guarda, e o submeta à sua própria esfera de vigilância. Elemento subjetivo é o dolo. Qualquer pessoa pode cometer o delito, desde que se configure o dolo específico, isto é, a subtração tenha o fim de colocar o menor em lar substituto. Se não for esta a finalidade, como por exemplo, no caso em que o agente pretenda ficar com a criança, o delito será o do artigo 249 do Código Penal (Subtração de Incapaz). Consumação e tentativa O crime é comissivo, consumando-se com a efetiva subtração da criança ou adolescente. Trata-se de crime formal. A tentativa é admissível. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 122 “Art. 238 - Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa. Parágrafo único - Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se o direito da criança ou adolescente permanecer em sua família natural Os sujeitos ativos, no caso, só podem ser os pais ou os tutores e, conforme os termos do parágrafo único, quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa. No caso deste último, para se configurar crime, é suficiente o oferecimento. No parágrafo único, o sujeito ativo é qualquer pessoa que oferece ou efetiva a paga ou recompensa. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta consiste em prometer, ou seja, compromissar-se na entrega do filho ou do pupilo, ou efetuar a entrega. Pode ser mediante pagamento prévio (paga) ou pelo pagamento posterior (recompensa). O delito em questão exige o dolo específico, que é a vantagem pecuniária. Não é necessário que a entrega do filho ou pupilo se efetive, bastando que haja a promessa. Ausente o dolo específico (vantagem pecuniária) a conduta poderá configurar o crime capitulado no art. 245 do Código Penal (Entrega de filho menor a pessoa inidônea), se a entrega der-se a pessoa em cuja companhia o agente saiba ou deva saber que o filho menor ficará moral ou materialmente em perigo. Consumação e tentativa O crime é formal, bastando a promessa ou entrega de filho ou de pupilo, sem que haja necessidade do recebimento da recompensa. A tentativa é admitida. “Art. 239 - Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 123 Pena – reclusão, de 06 a 08 anos, além da pena correspondente à violência ” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se o direito da criança ou adolescente permanecer em sua família natural ou substituta. A única forma prevista na legislação que permite o envio de um menor ao exterior é a adoção. O presente artigo pune não só aquele que promove, mas também o que auxilia na efetivação do ato Sujeito ativo é qualquer pessoa que promova ou auxilie a efetivação do ato do art. 239. Inclui as entidades que realizam os contatos com famílias estrangeiras. Sujeito passivo é a criança ou adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em promover, ou seja, atuar diretamente na efetivação de ato destinado a envio de criança ou adolescente para o exterior ou auxiliar, isto é, ajudar outra pessoa também envolvida nesta conduta. Inclui desobedecer a formalidade legal ou desejar o lucro nesta conduta Ex: o juiz que dispensa ardilosamente o estágio de convivência, objetivando fins lucrativos. O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a promoção ou auxílio para o envio de criança ou adolescente ao exterior. A tentativa é admitida. Competência Tratando-se de tráfico internacional de criança, a competência é da Justiça Federal, como já decidiu o STJ. Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. § 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 124 I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la; II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento. Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade moral da criança ou adolescente. Não se impede a criança ou o adolescente de participar de representações. Há, entretanto, restrições, justamente para preservar o menor. Assim, é o Juiz da Infância e Juventude que, nos termos do art. 149 do ECA, disciplina essa participação. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente que contracena em cena de sexo explícito ou pornográfica. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em produzir (criar, gerar), reproduzir (tornar a produzir), dirigir (comandar), fotografar, filmar e registrar (lançar imagem em base material apropriada), cujo objeto é cena de sexo explícito ou pornográfica. Reprodução com sexo explícito é a que inclua cenas de conjunção carnal, mesmo que simuladas e, pornográfica, é a que inclua cena de conjunção carnal reais. Cena vexatória é aquela que causa humilhação, constrangimento. A finalidade do tipo é evitar o envolvimento de menores em produções de entretenimento sexual, o que não deixa de ser uma forma de corrupção de menores. Fotografar cena e armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses nitidamente sensuais, com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos por peças de roupas, e incontroversafinalidade sexual e libidinosa, adequam-se, respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA. Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente - ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica. STJ. 6ª Turma. REsp 1.543.267-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/12/2015 (Info 577). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 125 Elemento subjetivo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a efetiva realização das condutas mencionadas no tipo legal. A tentativa é admitida. “Art. 241 – Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade moral da criança ou adolescente. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em vender (alienar por determinado preço) e expor à venda (apresentar para que seja objeto de alienação), são as condutas alternativas, cujo objeto é a fotografia, vídeo ou registro de criança ou adolescente em cenas de sexo explícito ou em cenário pornográfico. A figura típica é inédita e cuida do comerciante de fotos e imagens em geral de crianças e adolescentes, envoltas em situações pornográficas ou de sexo explícito. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 126 O crime se consuma com a efetiva prática das condutas descritas no tipo penal. A tentativa é admitida. Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B do ECA), quando praticados por meio da rede mundial de computadores (internet). STF. Plenário. RE 628624/MG, Rel. Orig. Min. Marco Aurélio, Red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 28 e 29/10/2015 (repercussão geral) (Info 805) - Inciso V do art. 109 da CF/88: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; De quem será a competência para julgar esses delitos caso tenham sido praticados por meio da internet? Justiça Federal, com base no art. 109, V, da CF/88. Os delitos acima listados são crimes que o Brasil, por meio de tratado internacional, comprometeu-se a reprimir. Trata-se da Convenção sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada pelo Decreto legislativo 28/90 e pelo Decreto 99.710/90. Se o crime é praticado por meio da internet, o vídeo ou a fotografia envolvendo a criança ou o adolescente em cenas de sexo ou de pornografia poderão ser visualizados em qualquer computador do mundo. Ocorre, portanto, a transnacionalidade do delito. De quem será a competência territorial? A competência territorial é da Seção Judiciária do local onde o réu publicou as fotos, não importando o Estado onde se localize o servidor do site: STJ. CC 29.886/SP, julgado em 12/12/2007. E se o réu publicou as fotos no exterior? Esse crime poderá ser julgado pelo Brasil, por se enquadrar na hipótese prevista no art. 7º, II, do CP, cumpridas as condições previstas no § 2º do mesmo art. 7º. Em sendo preenchidos tais requisitos, o delito seria julgado no Brasil pela Justiça Federal, sendo competente a Seção Judiciária da capital do Estado onde o acusado por último morou ou, se nunca residiu aqui, será competente a Seção Judiciária do Distrito Federal (art. 88 do CPP). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 127 “Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo. § 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo. Objeto jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico é a proteção à formação moral de crianças e adolescentes. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica é composta por diversos núcleos: - oferecer (dar como presente); - trocar (substituir uma coisa por outra); - disponibilizar (tornar acessível); - transmitir (enviar de um lugar a outro); - distribuir (entregar a várias pessoas); - publicar (tornar público); - divulgar (difundir); São condutas alternativas, cujo objeto é a fotografia, o vídeo ou o registro que contenha cena de sexo explícito ou em cenário pornográfico. O tipo é misto alternativo, vale dizer, a prática de uma ou mais condutas sequenciais implicam no cometimento de um único delito. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 128 O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Não se pune a forma culposa. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com a prática de uma das condutas descritas no tipo penal. A tentativa é admissível. Figura assemelhada (§§ 1º e 2º) No § 1º temos que assegurar (garantir, proporcionar) é o verbo nuclear, cujo objeto é o meio ou serviço para o armazenamento das fotografias e demais imagens referidas no caput. Busca-se deixar clara a necessidade de punição do partícipe, que, embora, não tenha divulgado as fotos (por exemplo), proporciona os mecanismos para o acúmulo do material. No inciso II temos o partícipe ligado à mantença de sites, que hospedam o material inadequado, a ser visualizado por terceiros, usuários da Internet, como regra. Já o §2º trata de uma condição objetiva de punibilidade, uma vez que aqueles que forem notificados e desativarem o acesso imediatamente ao material, não serão puníveis. Nesse crime não é cabível transação penal (Art. 76 da Lei nº 9.099/95 – pena máxima superior a dois anos – não é crime de menor potencial ofensivo), mas é admissível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/965 – pena igual ou inferior a um ano). Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o materiala que se refere o caput deste artigo. § 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: I – agente público no exercício de suas funções; DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 129 II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo; III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário. § 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido. Objeto jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico é a proteção à formação moral de crianças e adolescentes. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Objeto material do crime é a foto, vídeo ou outro registro pornográfico, envolvendo criança ou adolescentes. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica é composta pelos seguintes núcleos: - adquirir (obter ou alcançar algo); - possuir (ter algo em sua posse ou detenção); - armazenar (manter em depósito). São condutas alternativas, tendo por objeto fotografia, vídeo ou registro contendo cenas de sexo explícito ou pornografia com criança ou adolescente. O tipo tem por finalidade atingir a pessoa que obtém o material, guardando-o consigo. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 130 Consuma-se o crime com a aquisição, posse ou armazenamento da fotografia, vídeo ou registro. A tentativa é admissível. Causa de diminuição de pena e excludente de ilicitude A causa de diminuição de pena está prevista no §1º e se volta ao volume do material apreendido, registrando-se, desde logo, tratar-se de infração penal que deixa vestígio material, razão pela qual é indispensável o exame pericial. Já o § 2º trata de causa excludente da ilicitude. A expressão “não há crime” é indicativa do afastamento da antijuridicidade da conduta, que não deixa de ser típica. Trata- se de exercício regular de direito ou de estrito cumprimento de dever legal, conforme o caso. Nesse crime não é cabível transação penal (Art. 76 da Lei nº 9.099/95 – pena máxima superior a dois anos – não é crime de menor potencial ofensivo), mas é admissível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/965 – pena igual ou inferior a um ano). Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo. Objeto jurídico e sujeitos do delito O objeto jurídico é a proteção à formação moral de crianças e adolescentes. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou adolescente envolvido em cena simulada. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 131 Simular significa representar ou reproduzir algo com a aparência de realidade. O objeto da conduta é a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica. Na realidade, o que se busca nesta figura típica é a punição daquele que, não possuindo material verdadeiro, promove o simulacro necessário, alterando cenas, por meio de programas específicos, com o fim de criar imagens dissimuladas. Como afirma Guilherme de Souza Nucci, o agente possui fotos de cenas de sexo explícito, abrangendo maiores de dezoito anos; entretanto, promove a modificação desse material, inserindo rostos de adolescente no lugar dos verdadeiros protagonistas das referidas cenas. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a simulação e a tentativa é admissível. Segundo Nucci, temos um crime comum, formal e de forma livre. Trata-se também de crime que não cabe a transação penal, mais é admissível a suspensão condicional do processo. No parágrafo único temos que incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica, divulga, adquiri ou armazena o material adulterado acima mencionado. Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. Objeto jurídico e sujeitos do delito DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 132 O objeto jurídico é a proteção à formação moral de crianças, em primeiro plano. Sujeito ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é a criança (pessoa com até 11 anos completos). Conduta típica e elemento subjetivo do tipo O tipo penal é formado pelas seguintes condutas: - aliciar (seduzir, atrair); - assediar (perseguir, importunar); - instigar (incentivar); - constranger (incomodar, obrigar pela força). São condutas alternativas, cujo objeto é a criança. A finalidade do cerco empreendido pelo agente é a prática de ato libidinoso. Volta-se, principalmente, ao sujeito que se comunica, via Internet, por intermédio de salas de bate-papo, sites, mensagens, com crianças, buscando atraí-las para o relacionamento sexual. São os chamados pedófilos. Note-se que não se exige o efetivo envolvimento sexual, pois haveria, nesse caso, estupro de vulnerável. O tipo penal é preventivo, punindo-se o pedófilo em atividade de captação de menor. Consumação e tentativa A consumação do crime ocorre com a prática das condutas descritas no caput. É crime formal pois independe da ocorrência de resultado naturalístico. A tentativa é admissível. Trata-se de crime que não admite transação penal, mas admite suspensão condicional do processo. O parágrafo único elenca formas assemelhadas em que o sujeito estará incurso nas mesmas penas. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 133 Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Temos aqui uma norma penal explicativa. Define o legislador o que vem a ser a cena de sexo explícito ou pornográfica. É de se frisar que a pornografia pode envolver atividades sexuais implícitas e poses sensuais, sem a expressa mostra dos órgãos genitais, constituindo situações igualmente inadequadas. Entretanto, para essas hipóteses, não háprevisão legal. “Art. 242 - Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo: Pena - reclusão de 03 a 06 anos.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade física e moral da criança ou adolescente. O art.81, no inciso I, proíbe a venda a crianças e adolescentes de armas, munições e explosivos. O perigo que representa o seu porte, pondo em risco a vida e a saúde do menor e também de terceiros. Sujeito ativo é qualquer pessoa que forneça, a título gratuito ou oneroso, armas, munições ou explosivos. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente que adquire arma, munição ou explosivo. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em vender ou fornecer gratuitamente, ou entregar de qualquer forma, que inclui também a pessoa que simplesmente entrega a arma ao menor, obedecendo a ordem de terceiros. O tipo penal não faz referência específica a arma de fogo, razão pela qual se pode incluir qualquer modalidade de arma, capaz de gerar perigo à incolumidade física, desde que colocada em mãos de criança ou adolescente. Munição é todo o material disposto a DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 134 abastecer o funcionamento de armas. Explosivo é a substância inflamável, capaz de produzir explosão. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a efetiva venda, fornecimento ou entrega à criança ou adolescente, de arma, munição ou explosivo. É crime formal. A tentativa é admitida. O crime aqui descrito não é de menor potencial ofensivo e também não se pode utilizar a suspensão condicional do processo (pena mínima de 03 anos). Não se pode confundir esse dispositivo, em que o crime é doloso com o tipo penal descrito no artigo 13 da Lei 10.826/03, onde o sujeito deixa de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 anos ou portador de deficiência se apodere de arma de fogo. Neste caso, o crime é culposo. “Art. 243 - Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida: Pena - detenção de dois a 04 anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade física e moral da criança ou adolescente. Sujeito ativo é qualquer pessoa que venda, forneça gratuitamente ou que entregue à criança ou adolescente, sem justa causa, produtos que possam causar dependência física ou psíquica. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 135 A conduta típica consiste em vender, fornecer gratuitamente, ministrar (aplicar algo em alguém) ou entregar de qualquer forma produto que cause dependência física ou psíquica. A dependência física é a chamada dependência química. Já a dependência psíquica é conseqüência da dependência química, que leva o indivíduo a buscar a substância pela sensação produzida. Podemos incluir entre essas substâncias, o álcool, o cigarro, os remédios, dentro outros. O fornecimento de “cola de sapateiro” constitui fato típico do art. 243 do ECA. Os produtos proscritos no Brasil e constantes da relação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) – maconha, cocaína, heroína, etc. -, se destinadas à criança ou adolescente, caracteriza o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06). A norma emprega a expressão “sem justa causa”, isto porque a substância pode ser utilizada para fins terapêuticos. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a efetiva venda, ministração ou entrega à criança ou adolescente de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica. É crime formal. A tentativa é admitida. “Art. 244 - Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente fogos de estampido ou de artifício, exceto aqueles que, pelo seu reduzido potencial, sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida: Pena - detenção de seis meses a dois anos, e multa.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Tutela-se a integridade física da criança ou adolescente. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 136 Sujeito ativo é qualquer pessoa, atingindo diretamente os proprietários de estabelecimentos que comercializam fogos, principalmente em épocas tradicionais como as festas juninas. Sujeito passivo é a criança ou adolescente que adquire, de qualquer modo, fogos de artifício ou de estampido. Conduta típica e elemento subjetivo do tipo A conduta típica consiste em vender, fornecer gratuitamente ou entregar de qualquer forma a criança ou adolescente, fogos de estampido ou de artifício. Fogos de estampido são os que provocam barulho na explosão, como os rojões; e de artifício os que são de natureza ornamental. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a efetiva venda, fornecimento ou entrega à criança ou adolescente, de fogos de estampido ou de artifício. A tentativa é admitida. Art. 244-A - Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa. § 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo. § 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.” Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico é a integridade moral da criança ou adolescente. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 137 Sujeito ativo é qualquer pessoa, incluindo o § 1º, o proprietário do local, gerente e o responsável dos locais onde ocorrerem a submissão de criança ou adolescente àquelas práticas. Sujeito passivo é a criança ou adolescente submetido à prostituição ou exploração sexual. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica consiste em submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. “Submeter” significa “dominar”, “obrigar”, “obedecer às ordens e vontade de outrem”. A prostituição é o comércio habitual do próprio corpo, para a satisfação sexual de indiscriminado número de pessoas. Há aqui uma habitualidade. A exploração sexual é qualquer outra forma de submissão sexual da criança ou adolescente sem o fim precípuo do comércio carnal, que ocorre na prostituição. Não há aqui a habitualidade. Em havendo incidência do art. 227 (mediação para servir a lascívia de outrem) e do art. 228 (favorecimento da prostituição) do C.P., prevalece, pelo princípio da especialidade, a norma do artigo 244-A do ECA. Elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa O crime se consuma com a submissão da criança ou adolescente à prostituição ou exploração sexual. A tentativa é admissível. Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem praticaas condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 138 § 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990. Observe-se que a modificação não é novidade, uma vez que a Lei nº 12.015/09, que instituiu o art. 244-B, revogou a Lei nº 2.252/54, que tratava também da corrupção de menores. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico do crime é a moral da criança ou do adolescente. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a criança ou o adolescente corrompida ou que teve facilitada a sua corrupção. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica é corromper (depravar) ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos. Essa corrupção ou facilitação à corrupção é obtida com a prática de infração penal (crime ou contravenção) com o menor de 18 anos, ou ainda, com a indução à prática de infração penal. O autor pratica a infração com o menor ou o induz a praticá-la. O § 1º estabelece estar incurso nas mesmas penas aquele que pratica a corrupção utilizando-se de meios eletrônicos, inclusive, “salas de bate-papo da internet”, uma inovação em nossa legislação. O § 2º aumenta a pena em 1/3 se a infração cometida ou induzida pelo menor, estiver no rol dos crimes hediondos. O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Consumação e tentativa A consumação do crime ocorre com a corrupção ou com a facilitação à corrupção, praticando infração penal ou induzindo o menor de 18 anos à prática da infração. Trata-se de crime formal, conforme posicionamento do STJ (abaixo) e comissivo (praticado através de ação). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 139 Súmula 500 do STJ reconhece corrupção de menores como crime formal – 29/10/2013 A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 500, que trata do crime de corrupção de menores. Dessa forma os ministros firmaram entendimento de que, para a caracterização do delito, basta a comprovação da participação do menor em prática criminosa, na companhia de maior de 18 anos. O projeto de súmula foi encaminhado pela ministra Laurita Vaz. A íntegra da súmula é a seguinte: “A configuração do crime previsto no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.” Precedentes das Quinta e Sexta Turmas do STJ estabelecem ainda que a caracterização do crime independe de o menor ser primário ou já ter cumprido medida socioeducativa. Exemplo disso decisão de habeas corpus de relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, segundo a qual a simples participação do menor no ato delitivo é suficiente para a sua consumação, sendo irrelevante o grau prévio de corrupção, já que cada nova prática criminosa na qual é inserido contribui para aumentar a degradação do menor. A tentativa é admissível, embora de difícil configuração. CRIMES DE “LAVAGEM” OU OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES Lei nº 9.613/98 1. Introdução e Conceito O crime de lavagem de dinheiro surgiu por volta dos anos vinte do século passado, quando as chamadas “organizações criminosas” procuraram meios de disfarçar e ocultar as grandes montas de bens, direitos e valores que obtinham através de outras DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 140 práticas criminosas. Visavam com isso sair das possíveis rotas de investigações policiais fazendo com que os bens, valores e direitos, produtos de delitos graves, retornassem ao mercado econômico-financeiro como se fossem legais e lícitos, evitando suspeitas, com o fim último de evitar igualmente o descobrimento pelas autoridades da cadeia criminal e a identificação de seus autores. O conceito deste fenômeno lavagem de dinheiro é para a maior parte da doutrina estrangeira "o processo ou conjunto de operações mediante o qual bens ou dinheiro resultantes de atividades delitivas, ocultando tal procedência, se integram no sistema econômico ou financeiro”. Assim, por lavagem de dinheiro ou bens entende-se a operação através da qual o dinheiro de origem sempre ilícita é investido, ocultado, substituído ou transformado e restituído aos circuitos econômico-financeiros legais, incorporando- se a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita. O Brasil optou pela expressão lavagem de dinheiro aproximando-se da experiência norte-americana e alemã. O termo lavagem de dinheiro para caracterizar este ilícito remonta ao crime primário, não considerando apenas a ação que origina o resultado (lavagem, branqueamento, reciclagem, etc.), isso porque a intenção da criminalização da lavagem de dinheiro não visa apenas impedir o resultado lucrativo oriundo da lavagem, mas principalmente pretendem desinsentivar as práticas criminosas que precedem o delito de lavagem, evitando que os autores de crimes graves não possam usufruir os lucros com a operação de lavagem de dinheiro. No Brasil, o conceito de crime organizado está ainda em elaboração, mas é com toda certeza bem mais amplo que o conceito de quadrilha ou bando descritos no artigo 288, do Código Penal. Pode-se dizer, como salienta Luiz Flávio Gomes, que “os crimes organizados englobam o substrato típico exigido pela citada lei penal, mas muito dificilmente a maioria das quadrilhas ou bandos chega a se aproximar de um crime organizado”. A Lei 12850/2013 estabeleceu o conceito de organização criminosa: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 141 informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores”. O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações: - detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; - provoca danosidade social de alto vulto; - tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; - dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; - apresenta um intricado esquema de conexões com outros grupos delinqüências e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; - origina atos de extrema violência; - exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade. Em relação ao histórico da criação das leis de lavagem de dinheiro, a doutrina construiu a ideia de que existem três “gerações” de leis sobre lavagem de dinheiro no mundo: Primeira geração: São os países que preveem apenas o tráfico de drogas como crime antecedente da lavagem. Recebem a alcunha de primeira geração justamente porque foram as primeiras leis no mundo a criminalizarem a lavagem de dinheiro. Somente previam o tráfico de drogas como crime antecedente porque foram editadas logo após a “Convenção de Viena” que determinava que os países signatários tipificassem como crime a lavagem ou ocultação de bens oriundos do tráfico de drogas. Segunda geração: São as leis que surgiramposteriormente e que, além do tráfico de drogas, trouxeram um rol de crimes antecedentes ampliando a repressão da lavagem. Como exemplos desse grupo podemos citar a Alemanha, Portugal e o Brasil (até a edição da Lei n.12.683/2012). Terceira geração: Este grupo é formado pelas leis que estabelecem que qualquer ilícito penal pode ser antecedente da lavagem de dinheiro. Em outras palavras, a ocultação ou dissimulação DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 142 dos ganhos obtidos com qualquer infração penal pode configurar lavagem de dinheiro. É o caso da Bélgica, França, Itália, México, Suíça, EUA e agora o Brasil com a alteração promovida pela Lei n. 12.683/2012. 2. Bem Jurídico Penalmente Protegido nos Crimes de Lavagem de Dinheiro A delimitação do bem jurídico protegido pela lei de lavagem de dinheiro é bem difícil, uma vez que a prática deste delito lesiona um grande número de bens essenciais, sendo impossível dizer qual deles detêm maior importância. Em um primeiro momento, juntamente com as primeiras aparições das práticas que configuravam um delito de lavagem de dinheiro, definia-se como sendo o bem jurídico protegido o patrimônio. Posteriormente, a ordem tributária foi erigida à bem jurídico, defendendo os adeptos desse posicionamento que o delito de lavagem de dinheiro interferia e acarretava prejuízo direto para o mercado econômico quanto à arrecadação do fisco. Mais tarde, observando a restrição que a posição acima causava, alguns doutrinadores acreditavam ser a ordem sócio-econômica como um todo seria o bem jurídico protegido. No mesmo sentido, outro posicionamento destacou-se como sendo o bem jurídico: o sistema financeiro como um todo, uma vez que a lavagem de dinheiro causava um prejuízo, não apenas financeira, à ordem econômica internacional como um todo. Todos estes bens jurídicos são, sem embargos, protegidos pela lei da lavagem de dinheiro, o que ocasionou um outro posicionamento, de que o bem jurídico protegido seria a Administração da Justiça, pelo cunho preventivo que a lei representa. A corrente que tem prevalecido hoje é a de que a lei de lavagem de dinheiro possui um bem jurídico complexo, envolvendo a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a administração da justiça. 3. Natureza do Delito O delito de lavagem de dinheiro é um crime autônomo, apesar ter como elemento, obrigatoriamente, crime anterior. É autônomo por possuir todos os elementos do tipo, conduta própria e bem jurídico protegido, existe por si só, não dependendo do outro DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 143 delito para existir (possui uma certa autonomia em relação aos demais tipos ainda que possa se apresentar de forma conectada a um outro tipo). O delito precedente obrigatório é elementar do tipo, frise-se, se o produto lavado não for ilícito não há que se falar em lavagem de dinheiro. É um crime comum, ou seja, o agente do fato pode ser qualquer pessoa, não uma classe determinada de autores, o agente é indeterminado. A maioria de seus dispositivos comporta a materialidade do delito, ou seja, caracterizam-no como crime material ou crime de resultado; são aqueles cuja conduta está relacionada com o resultado previsto no tipo, a não ocorrência desse resultado impede a consumação do crime (comporta as condutas comissivas e comissivas por omissão). Entretanto, apresenta um dispositivo de mera conduta, no artigo 1°, § 2°, inciso II, quando diz: incorre, ainda, na mesma pena quem: II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. Os delitos de mera conduta (ou crimes de atividade) são aqueles em que a ação humana esgota a descrição do tipo, a própria ação constitui o ponto final do conteúdo típico; o resultado causal da ação, se eventualmente existente, não entra em consideração para o juízo de tipicidade, pois o tipo desses delitos encerra, de forma nítida, um desvalor da ação proibida. Admitem claramente a tentativa às condutas comissivas do tipo penal da lei de lavagem de dinheiro. É um delito permanente. Ambas as condutas principais descritas no tipo penal: "ocultar ou dissimular" admitem a sustentação através do decurso do tempo; viabilizam a sua manutenção ou permanência com o transcurso do tempo. O ato de ocultar coisa proveniente de crime configura, em tese, infração de natureza permanente, e, enquanto não cessar a permanência, entende-se o agente em flagrante delito (artigo 303, CPP_ TJ/MG, HC rel. Higa Nabukatsu, RT620/345). Por ser um crime permanente não se pode falar da aplicação do Princípio da Anterioridade, artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988. Muito se discutiu a respeito da aplicação deste princípio aos crimes de lavagem de dinheiro no Brasil, uma vez DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 144 que a lei foi publicada apenas no ano de 1998, o que proibiria a aplicação da mesma para os delitos desta natureza que tivessem sido praticados anteriormente, entretanto, tal argumentação decai por completo quando se trata de crime permanente. 4. Momentos da execução do delito lavagem de dinheiro O delito de lavagem de dinheiro possui três momentos de execução. O delito esgota-se e se configura apenas por uma das fases, não sendo necessária as demais para que o crime se consuma, pois é crime permanente, como acima esclarecido. O primeiro momento é o de "ocultar", conduta descrita no tipo penal da lei brasileira, como na maior parte das legislações estrangeiras também. A ocultação consiste em “desembaraçar-se” materialmente de grande quantidade de dinheiro negro ou sujo. Geralmente a ocultação ocorre em localidade distinta de onde foi praticado o crime precedente. Exemplos da ocultação são o contrabando de dinheiro, passando-o pela fronteira de outro país, a cumplicidade do próprio pessoal do Banco e Instituições Financeiras que, muitas vezes recusam-se a dar informações devido às grandes quantidades investidas provenientes de dinheiro sujo ou negro (3), quando o autor mistura fundos lícitos com os ilícitos, as aplicações em entidades financeiras realizadas de maneira ilícita, etc. O segundo momento da execução é o "mascaramento", uma etapa muito meticulosa e de grandes manobras, é a ocultação do produto ilícito mediante a realização de inúmeras transações financeiras. Diferencia-se pelo fato de ser a tentativa de fazer desaparecer o vínculo entre o criminoso e o bem procedente da sua atuação. É, com todas as palavras, a tentativa de se evitar a pegada ou rastro do dinheiro pelas autoridades, ou seja, apagar as pegadas contábeis destes fundos ilícitos através de um complexo sistema de transações financeiras dificultando a detectação desses fundos às autoridades. Exemplos do mascaramento são a conversão de dinheiro em instrumentos financeiros, a aquisição de bens materiais com dinheiro em espécie, transferência eletrônica de fundos, etc. A ocultação e o mascaramento fazem parte da continuidade do delito, mantendo o estado de flagrância próprio dos delitos permanentes. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 145 A terceira fase do delito de lavagem de dinheiro é a "integração", quando o dinheiro já lavado volta para reintegrar o mercado financeiro. Nesta fase o dinheiro sujo ou negro já assumiu uma feição legal, uma aparência legal, já não se tem mais como incriminar o autor devido à dificuldade para as autoridades obterem provas, que foram quaseque definitivamente destruídas pelas fases anteriores. Para facilitar, um exemplo de todo o processo do delito de lavagem de dinheiro: um traficante de entorpecentes e drogas afins, arrecada uma quantia equivalente a quinhentos mil reais; abre uma conta fantasma no City Bank para ocultar o dinheiro proveniente do tráfico. Mais tarde retira certa quantia e aplica em fundos em um Banco Suíço, retira outra quantia e investe em turismo na Austrália, fecha a conta fantasma e pega o restante dos investimentos para uma aplicação em Bolsas de Valores, todo este processo é o mascaramento do dinheiro. Posteriormente, integra certa quantia no mercado financeiro brasileiro com a compra de uma casa noturna, como se o dinheiro fosse proveniente de investimentos lícitos e de negócios lucrativos. Outro exemplo pode ser dado: O caso de Franklin Jurado (EUA, 1990-1996) ilustra o que seria um ciclo clássico de lavagem de dinheiro. Economista colombiano formado em Harvard, Jurado coordenou a lavagem de cerca de US$ 36 milhões em lucros obtidos por José Santacruz-Londono com o comércio ilegal de drogas. O depósito inicial - o estágio mais arriscado, pois o dinheiro ainda está próximo de suas origens - foi feito no Panamá. Durante um período de três anos, Jurado transferiu dólares de bancos panamenhos para mais de 100 contas diferentes em 68 bancos de nove países, mantendo os saldos abaixo de US$10 mil para evitar investigações. Os fundos foram novamente transferidos, dessa vez para contas na Europa, de maneira a obscurecer a nacionalidade dos correntistas originais, e, então, transferidos para empresas de fachada. Finalmente, os fundos voltaram à Colômbia por meio de investimentos feitos por companhias européias em negócios legítimos, como restaurantes, construtoras e laboratórios farmacêuticos, que não levantariam suspeitas. O esquema foi interrompido com a falência de um banco em Mônaco, quando várias contas ligadas a Jurado foram expostas. Fortalecida por leis anti-lavagem, a polícia começou a investigar o caso e Jurado foi preso. 5. Elementares do tipo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 146 Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal: Condutas principais do artigo 1º: Ocultar (esconder, encobrir) ou Dissimular (ocultar com astúcia, simular); Objeto material: bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes; Bem jurídico: complexo, por comportar mais de um (como anteriormente discutido, mantêm-se a preferência pelo bem jurídico Administração da Justiça por possibilitar uma maior absorção de todos os bens jurídicos que se pretende proteger, bem como demonstra a finalidade preventiva da lei); Resultado: ocultação, dissimulação de produto ilícito, destruição de provas de crime grave precedente, manipulação do sistema financeiro e do mercado econômico por dinheiro sujo ou negro; Sujeitos do Delito: Ativo - qualquer pessoa, inclusive, o autor, co-autor ou partícipe dos delitos precedentes vinculadores; Passivo - Administração Pública, Justiça Pública, ou, ainda, como preferem alguns doutrinadores, difuso, devido a grande dimensão de prejudicados, direta ou indiretamente; Atribuição: esgota-se com a configuração da tipicidade e ilicitude, impossível a verificação da culpabilidade. É crime material quanto às condutas comissivas e omissivas impróprias (comissivas por omissão) admitindo a tentativa. Quanto à mera conduta, esgota- se pelo simples fato de participar, exaurindo-se neste momento a atribuição. Competência: a competência vai depender do crime primário. Se ele for de competência da Justiça Federal, também o será o crime de lavagem de dinheiro. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 147 § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. As condutas principais continuam sendo ocultar ou dissimular. São condutas-meio, todos os verbos dos incisos, que objetivam garantir a ocultação ou a dissimulação. As modalidades de conduta podem ser diretas, quando o autor do delito de lavagem de dinheiro é o mesmo que o do crime precedente, e indireta, quando é terceiro que pratica o crime de lavagem, ou seja, que não praticou o delito anterior necessário para configurar a lavagem de dinheiro. § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal. § 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. § 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. O parágrafo segundo do artigo primeiro traz uma conduta indireta em seu inciso primeiro: “utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de infração penal”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 148 O inciso segundo do parágrafo segundo traz um delito formal de mera conduta "participar", como já ficou esclarecido anteriormente. A tentativa é punida de acordo com o artigo 14, do Código Penal. 6. Coautoria e participação O delito de lavagem de dinheiro permite a coautoria bem como a participação. A coautoria baseia-se no domínio do fato, mas, posto que em sua execução vários intervêm, o domínio do fato tem que ser comum. Cada co-autor domina o sucesso total em união com outra ou outras pessoas. A participação para que possa existir depende de um fato principal, todo o outro interveniente realiza uma atividade acessória. Essa acessoriedade, pois, que para a existência da participação é indispensável que se dê um fato principal, que é ele realizado pelo autor. O delito de lavagem de dinheiro é autônomo, assim, quando o autor participa da execução de ambos os crimes, da lavagem e do crime precedente, incorre em concurso material, de acordo com o artigo 69, do Código Penal. Não se pode falar da aplicação do Princípio da Consunção, cujo fato posterior é consumido pelo anterior, como ocorre nos delitos de receptação e favorecimento real, pois, nestes crimes, o bem jurídico é apenas um. 7. Princípio da Dupla Incriminação Este princípio deverá ser aplicado quando o delito precedente for cometido em país diverso de onde foi executada a lavagem de dinheiro. Há uma dificuldade imensurável com relação aos países que optaram por estipularem um rol taxativode delitos precedentes, como ocorre no Brasil, o correto deveria ser a descrição de um tipo penal aberto, dizendo apenas que poderiam ser precedentes do crime de lavagem de dinheiro os delitos de maior gravidade. Ocorre que se o delito condenado como precedente pelo Brasil não o for no país onde foi realizado, mesmo que o dinheiro for investido no Brasil, não se pode falar em DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 149 lavagem, por atipicidade, uma vez que sua procedência não é ilícita, o mesmo se for ao contrário. Somente poderá haver o crime de lavagem de capitais se o delito previsto na lei brasileira que erigiu os bens aptos a serem lavados também constituírem crime no estrangeiro. Não basta a previsão expressa do legislador brasileiro dos crimes antecedentes que são aptos a gerar bens idôneos à lavagem; torna-se necessário verificar se o fato é previsto como crime no país de origem. LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS LEI Nº 9.605, DE 12/02/1998 DISPOSIÇÕES GERAIS 2. Introdução Passaremos a estudar a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98). Antes de entrarmos especificamente no estudo da lei, uma definição se faz necessária. Qual o conceito de meio ambiente? Meio ambiente, segundo a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I). A doutrina classifica o Meio Ambiente como: Meio Ambiente Natural: aquele que existe por si só, independentemente da influência do homem. Ex: atmosfera, água (rios, mares, lagos, etc), flora, fauna, o solo. Meio Ambiente Artificial: aquele decorrente da ação humana. Ex: edificações, prédios, fábricas, casas, praças, ruas, jardins. Meio Ambiente Cultural: constituído pelo patrimônio arqueológico, artístico, turístico, histórico, paisagístico, etc. Também decorre da ação humana que atribui valores especiais a determinados bens. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 150 3. Análise da Lei dos Crimes Ambientais 2.1. Artigo 2º “Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.” O artigo prevê o concurso de pessoas, nos moldes do artigo 29 do Código Penal, admitindo a coautoria e a participação. Coautoria: todos os agentes, em colaboração recíproca e visando ao mesmo fim, realizam a conduta principal. Quando dois ou mais agentes realizam o verbo do tipo. A contribuição dos co-autores no fato criminoso, não necessita, contudo, ser materialmente a mesma, podendo haver uma divisão dos atos executivos. Participação: partícipe é quem concorre para que o autor ou co-autores realizem a conduta principal, aquele que, sem praticar o verbo do tipo, concorre, de algum modo para a produção do resultado (Ex. o agente que exerce vigilância para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe). Geralmente, nos crimes ambientais praticados por pessoas jurídicas ocorre o concurso de pessoas, posto que, na maioria das vezes, os atos delituosos são praticados por pessoa física, que se encontra ligada à pessoa coletiva e age no interesse desta. A segunda parte do dispositivo em análise, estabelece o dever jurídico de agir por parte do diretor, do administrador, do membro de conselho e do órgão técnico, do auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de terceiro e podendo agir para evitar a sua prática, omite-se. Constitui um adendo especial ao disposto no artigo 13, § 2º do Código Penal. Nesse caso temos a modalidade de participação por omissão, respondendo o omitente como partícipe do crime, na modalidade dolosa ou culposa. Trata-se do crime chamado omissivo por comissão, também conhecido por omissivo impróprio. 2.2. Artigo 3º DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 151 “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas, administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.” O artigo dispõe expressamente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas criminalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou de seu órgão colegiado. A responsabilidade da pessoa jurídica não interfere na responsabilidade da pessoa física que praticou o crime. São dois sistemas de imputação paralelos. Temos aqui que a Lei 9.605/98 abandonou a chamada teoria da ficção, criada por Savigny, segundo a qual as pessoas jurídicas são uma pura abstração, carecendo de vontade própria e capacidade para ser culpável. Segundo esta teoria, as pessoas jurídicas são incapazes de delinqüir e as atividades são de responsabilidade dos seus membros. Contrariando essa corrente, nosso legislador filiou-se à teoria da realidade ou da personalidade real, preconizada por Otto Gierke. A pessoa jurídica é um ente real, independente dos indivíduos que a compõem. A pessoa jurídica possui vontade e capacidade de deliberação, devendo-se reconhecer sua capacidade criminal. A Constituição Federal foi explícita em seu artigo 225, §3º, ao admitir a responsabilização criminal dos entes jurídicos, no que tange aos delitos praticados contra o meio ambiente. Há crimes que somente poderão ser praticados por pessoas físicas, como homicídio, estupro, roubo, etc. Mas há outros que, por suas características, são cometidos Responsabilidade penal da pessoa jurídica É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. A jurisprudência não mais adota a chamada teoria da "dupla imputação". STJ. 6ª Turma. RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 6/8/2015 (Info 566). STF. 1ª Turma. RE 548181/PR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013 (Info 714). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 152 quase que exclusivamente por pessoas jurídicas, motivo pelo qual andou bem o legislador ao não adotar a teoria da ficção. A esse respeito a seguinte decisão do STJ “CRIMINAL. RESPONSABILIDADE CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL Nº 610.114 - RN (2003/0210087-0). RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP.” ► Responsabilidade da Pessoa Jurídica de Direito PúblicoConforme a lição de Guilherme de Souza Nucci, “a lei brasileira não fez qualquer distinção, ao contrário, por exemplo, da expressa exclusão no Código Penal Francês. Não vemos nenhum óbice à responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e fundações públicas)...O Município condenado a pagar ao Estado ou à União uma multa elevada por crime ambiental deve fazê-lo, acarretando, sem dúvida, ao Prefeito da gestão delituosa, um fardo político a ser justificado diante de seu eleitorado”. Segundo Nucci, o espólio pode figurar em juízo no pólo ativo ou passivo, mas não significa que se constitui em pessoa jurídica. Logo, não pode cometer delito. Se houver a extinção da pessoa jurídica, aplica-se, por analogia, o artigo 107, I do Código Penal, declarando-se extinta a punibilidade. Ainda segundo Nucci, o interrogatório da pessoa jurídica será feito nos moldes do Código de Processo Civil (art. 12), sendo a pessoa jurídica representada por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 153 DA APLICAÇÃO DA PENA 3. Artigo 6º “Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará: I- a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente; II- os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; III- a situação econômica do infrator, no caso de multa.” O Código Penal, em seu artigo 68, adotou o sistema trifásico de cálculo da pena: 1ª) o juiz fixa a pena de acordo com as circunstâncias judiciais: aquelas que ficam a cargo da análise discricionária do juiz, como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, etc. 2ª) o juiz leva em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes legais. São agravantes (sempre aumentam a pena, não podendo passar do máximo): reincidência, motivo fútil, motivo torpe, emprego de veneno, fogo, explosivo, praticado contra criança, velho, enfermo, mulher grávida, etc. São atenuantes (sempre diminuem a pena): ser o agente menor de 21 anos na data do fato, ser maior de 70 anos na data da sentença, desconhecimento da lei, praticar o crime sob coação moral resistível, etc. 3ª) o juiz leva em conta as causas de aumento e diminuição de pena. O artigo 6º da Lei nº 9.605/98 criou mais algumas circunstâncias judiciais, que entram na primeira fase, juntamente com as constantes do artigo 59 do CP. Trata-se de circunstâncias específicas, as quais somente têm incidência no caso de crimes previstos na Lei Ambiental. 3.1. Artigo 7º “As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 154 I- tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos; II- a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime. Parágrafo Único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.” De acordo com esse artigo 7º, são requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa restritiva de direitos: a) pena privativa de liberdade aplicada inferior a quatro anos (a regra do artigo 44 do C.P. estabelece a substituição se a pena for igual ou inferior a quatro anos). Na hipótese de condenação por crime culposo, a substituição será possível, independentemente da quantidade da pena imposta. Ao contrário do art. 44 do CP, cabe substituição ainda que o crime tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. b) A culpabilidade, os antecedentes, a conduta ou a personalidade ou ainda os motivos e circunstâncias recomendarem a substituição (diferentemente do art. 44 do CP, a lei não proibiu o benefício para o reincidente em crime doloso, nem para o reincidente específico). 3.2. Artigo 8º “As penas restritivas de direito são: I- prestação de serviços à comunidade; II- interdição temporária de direitos; III- suspensão parcial ou total das atividades; IV- prestação pecuniária; V- recolhimento domiciliar. Inicialmente, devemos lembrar que o Código Penal, no artigo 43, elenca as seguintes penas restritivas de direitos: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 155 d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana. Vemos, portanto, que a Lei dos Crimes Ambientais elencou a suspensão parcial ou total das atividades e o recolhimento domiciliar, substituindo a perda de bens e a limitação de fim de semana previstas no artigo 43 do C.P. a) Prestação de Serviços à comunidade ou a entidades públicas Consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidade de conservação (art. 9º da Lei nº 9.605/98). A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação de liberdade. b) Interdição temporária de direito É a proibição de o condenado contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no crimes de culposos (art. 10 da Lei nº 9.605/98). c) Suspensão total ou parcial das atividades Trata-se de pena aplicável à pessoa jurídica. Segundo o artigo 11 da Lei nº 9.605/98, será aplicada quando as atividades não estiverem obedecendo às prescrições legais. A extensão da paralisação varia de acordo com a gravidade do crime e do dano produzido ao meio ambiente. d) Prestação Pecuniária Consiste no pagamento em dinheiro, à vista ou em parcelas, à vítima, a seus dependentes ou à entidade pública ou privada com destinação social, não inferior a um nem superior a 360 salários mínimos (art. 12 da lei em estudo). e) Recolhimento domiciliar DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 156 Trata-se de modalidade de pena privativa de liberdade em regime aberto, imposta ao dirigente ou qualquer outra pessoa física responsável. Está disciplinado no artigo 13 da Lei nº 9.605/98. 3.3. Artigos 14 e 15 Os artigos 14 e 15 referem-se, respectivamente, as circunstâncias que atenuam e agravam a pena. Em relação ao artigo 14, são circunstâncias que atenuam a pena: baixo grau de instrução ou escolaridade do agente, arrependimento do infrator manifestado pela espontânea reparação do dano, comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental, colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental. Trata-se de atenuantes específicas, porém nunca podem reduzi-la aquém do mínimo legal. Em relação ao artigo 15, são circunstâncias que agravam a pena: reincidência nos crimes de natureza ambiental, ter cometido a infração coagindo outrem, atingindo áreas de preservação permanente, em perigo de defeso à fauna, em domingos ou feriados, à noite, em épocas deseca ou inundações, etc. 3.4. Artigo 16 “ Nos crimes previstos nesta lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.” O sursis está previsto nos arts. 77 a 82 do Código Penal e também se aplica à Lei Ambiental, em virtude do artigo 79 desta última. No Código Penal, o sursis poderá ser aplicado quando a pena privativa de liberdade não for superior a 02 (dois) anos. Aqui, quando não for superior a três anos. É um direito público subjetivo do réu. Requisitos: a) que a pena aplicada seja privativa de liberdade; b) que a pena aplicada não seja superior a três anos; c) impossibilidade de substituição por pena restritiva de direitos; d) condenado não reincidente em crime doloso; DAS PENAS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 157 4. Artigo 21 “As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I- multa; II- restritivas de direitos; III- prestação de serviços à comunidade.” A Lei Ambiental estabelece três modalidades de penas a serem aplicadas à pessoa jurídica: multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade. Devemos observar que, na realidade, a pena de prestação de serviços à comunidade é espécie da pena restritiva de direitos. Elas poderão ser aplicadas isolada, cumulativa ou alternativamente. 4.1. Artigo 22 “As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I- suspensão parcial ou total de atividades; II- interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III- proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.” A suspensão será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares (§1º). A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização ou em desacordo com a concedida (§2º). A proibição de contratar com o Poder Público não poderá exceder o prazo de dez anos (§3º). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 158 4.2. Artigo 25 “Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. § 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados. § 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes. § 3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais. § 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem. § 5º (Vide Medida Provisória nº 62, de 23.8.2002).” Os animais serão libertados em seu habitat natural ou entregues à jardim zoológico, fundações ou entidades assemelhados (§1º). Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão avaliados e doados à instituições científicas, hospitalares e outras (§2º). Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados à instituições científicas, culturais ou educacionais (§3º). Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem (§4º). DA AÇÃO E DO PROCESSO PENAL 5.Artigo 26 “Nas infrações penais previstas nesta Lei, a ação penal é pública incondicionada.” A ação penal é promovida exclusivamente pelo Ministério Público, independentemente da vontade ou interferência de quem quer que seja. Em regra, as infrações contra o meio ambiente são de competência da Justiça Comum Estadual. Se praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 159 ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções penais de qualquer natureza, serão de competência da Justiça Federal (art. 109, IV da C.F.). A Súmula 91 do STJ que estabelecia ser competente a Justiça Federal para processar e julgar os crimes praticados contra a fauna, foi cancelada pelo STJ. ► Princípio da Insignificância Aplica-se o Princípio da Insignificância aos Crimes Ambientais, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal: DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE DOS CRIMES CONTRA A FAUNA 6. Artigo 29 6.1. Objetividade jurídica O equilíbrio ecológico (a proteção ao meio ambiente). 6.2.Objeto material Espécimes da fauna silvestre, produtos e objetos dela oriundos; ninho, abrigo ou criadouro natural, ovos e larvas dos espécimes da fauna. Fauna é o coletivo de animais de uma dada região. Espécie é a unidade básica de classificação dos seres vivos. Espécie nativa é aquela que se origina naturalmente em uma região sem a intervenção do homem. Espécies migratórias são aquelas que mudam periodicamente, ou passam de uma região para outra, de um país para outro. É possível aplicar o princípio da insignificância para crimes ambientais. Ex: pessoa encontrada em uma unidade de conservação onde a pesca é proibida, com vara de pescar, linha e anzol, conduzindo uma pequena embarcação na qual não havia peixes. STF. 2ª Turma. Inq 3788/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 1°/3/2016 (Info 816). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 160 6.3. Condutas típicas 6.3.1. No caput Matar (tirar a vida); perseguir (seguir de perto, ir ao encalço); caçar (perseguir animais a tiro, rede, etc); apanhar (prender, capturar); utilizar (aproveitar, usar) espécimes da fauna, sem a devida permissão, licença ou autorização, ou em desacordo com a obtida. 6.3.2. No § 1º I- Impedir a procriação da fauna: consiste em impossibilitar, embaraçar, não permitir a reprodução das espécies da fauna; II- Modificar (mudar, transformar); danificar (lesar, prejudicar). Destruir (extinguir, aniquilar) ninho, abrigo ou criadouro natural. Ninho é habitação das aves, feita por elas; abrigo é o local que oferece proteção. III- Vender (alienar ou vender por preço certo); expor à venda ( pôr à vista com a finalidade de vender); exportar( transportar ou vender para fora do país); adquirir (obter ou comprar); guardar (manter sob sua posse); ter em cativeiro (privar a espécie da liberdade); ter em depósito (armazenar); utilizar (aproveitar, usar) ou transportar (conduzir de um local para outro) ovos, larvas ou espécimes da fauna, bem como produtos e objetos dela oriundos. 6.4. Sujeito Ativo Qualquer pessoa (física ou jurídica). 6.5. Sujeito Passivo A coletividade. 6.6.Elementos Normativos No caput: “sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. No § 1º: I- “(...) sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida”. III- “(...) não autorizados ou sem a devida permissão,licença ou autorização da autoridade competente”. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 161 Permissão é ato administrativo unilateral, discricionário, pelo qual o Poder Público, em caráter precário, faculta a alguém o uso de um bem público. Licença é ato administrativo unilateral, vinculado, pelo qual o Poder Público faculta a um particular o exercício de uma atividade privada e material. Autorização é o ato administrativo unilateral, discricionário, pelo qual o Poder Público faculta a um particular o exercício de uma atividade privada e material. 6.7. Elemento subjetivo O dolo, consistente na vontade livre e consciente de realizar qualquer das condutas típicas. Não há previsão de conduta culposa. 6.8. Consumação No caput, com a morte, perseguição, caça, apanha ou utilização de espécimes da fauna. No § 1º, com as condutas ali descritas. 6.9. Tentativa e competência É possível. A competência, em regra, é da Justiça Estadual. 6.10. Perdão judicial e causas de aumento de pena O § 2º do artigo 29 estabelece o perdão judicial, havendo a extinção da punibilidade. Já o § 4º estabelece causas de aumento de pena, nas hipóteses ali elencadas. 6.11.Espécies ameaçadas de extinção Segundo o IBAMA, o Brasil possui 208 espécies de animais ameaçadas de extinção. Entre eles, podemos citar: a) Mamíferos: sagüi, mico-leão-dourado, lobo-guará, ariranha, lontra, onça- pintada, tamanduá-bandeira, peixe-boi, veado-campeiro, entre outros. b) Aves: codorna-mineira, macuco (espécie de codorna), flamingo, mergulhão, gavião preto, arara-azul-pequena, sabiá-cica, pica-pau-rei, entre outros. c) Répteis: tartaruga-meio-pente, surucucu, jacaré-açu. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 162 7. Artigo 30 “Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa” 7.1. Objetividade jurídica O equilíbrio ecológico 7.2. Objeto material Peles e couros de anfíbios e répteis em bruto. Peles e couros em bruto são aqueles não trabalhados, não manufaturados. 7.3.Conduta típica Exportar (transportar para fora do país) peles e couros em bruto, sem a devida autorização. Observe que se a exportação for de produtos e objetos confeccionados com peles e couros dos espécimes referidos (ex. bolsa, roupas, sapatos), o crime será o previsto no art. 29, § 1º, III da Lei Ambiental. 7.4.Sujeito Ativo Qualquer pessoa 7.5. Sujeito Passivo A coletividade 7.6. Elemento normativo A locução “sem a autorização da autoridade ambiental competente”. 7.7. Elemento Subjetivo É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de exportar os objetos ciente o agente que não possui a devida autorização. 7.8. Momento Consumativo e tentativa Consuma-se o crime com o envio das peles e couros para o exterior. A tentativa é possível. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 163 A competência, em regra, é da Justiça Federal. 8. Artigo 31 “Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.” 8.1. Objetividade jurídica O equilíbrio ecológico, que pode ser prejudicado com a introdução de espécime de animal no país, sem parecer favorável. 8.2. Objeto Material Os espécimes animais alienígenas. 8.3.Conduta Típica, Sujeito ativo e sujeito passivo A conduta típica é introduzir, que significa fazer entrar no país. Sujeito ativo é qualquer pessoa que introduza espécime animal alienígena. Sujeito passivo é a coletividade. 8.4. Elemento normativo e subjetivo Elemento normativo é representado pela expressão “sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente”. Elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de introduzir no país o espécime exótico. 8.5. Momento consumativo e tentativa Consuma-se o crime com a introdução do animal no país sem parecer técnico favorável e sem a devida licença. A tentativa é possível, pois pode ocorrer a apreensão da espécie no momento de seu desembarque no país. A competência, em regra, é da justiça federal. 9. Artigo 32 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 164 “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de 1/6 a 1/3, se ocorrer a morte do animal.” 9.1. Objetividade jurídica e objeto material Objetividade jurídica é o equilíbrio ecológico (proteção ao meio ambiente). Objeto material. Abrange todos os animais, sejam eles silvestres, domésticos (vivem ou são criados em casa) ou domesticados (aqueles que foram amansados ou domados), nativos ou exóticos. 9.2. Conduta típica A conduta típica consiste em praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar. Praticar abuso significa fazer uso excessivo, o uso errado daqueles animais. Praticar maus-tratos consiste em bater, espancar, tratar com violência, ou, ainda, manter o animal em lugar sujo, inadequado. Ferir significa causar ferimentos, fraturas ou contusões. Mutilar consiste em extirpar parte do corpo do animal. No §1º, realizar experiência dolorosa ou cruel consiste em submeter os animais, por atos dolorosos ou cruéis, a uma série de operações, avaliações, provas, ensaios. 9.3. Sujeito ativo, sujeito passivo e elemento normativo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. O Elemento normativo do tipo está presente na expressão “quando existirem recursos alternativos”. 9.4. Elemento subjetivo e momento consumativo Elemento subjetivo é o dolo. Momento consumativo: DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 165 Na conduta de “praticar abuso ou maus-tratos” o crime consuma-se no instante da produção do perigo de dano aos animais. Na conduta de “ferir” e “mutilar”, a consumação ocorre com o efetivo ferimento ou mutilação. No § 1º, na experiência dolorosa com a simples causação da dor ao animal vivo e, no caso da experiência cruel, com o efetivo dano ao animal. 9.5. Tentativa A tentativa é possível em todas as condutas previstas. A competência, em regra, é da justiça estadual. 10. Artigo 33 10.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as espécimes da fauna aquática – peixes, crustáceos, moluscos, corais, etc. 10.2. Conduta típica Provocar (ocasionar, produzir) pela emissão de efluentes, o perecimento de espécimes da fauna aquática. O agente produz o perecimento pela liberação de líquidos ou fluídos no ambiente. Como exemplo de efluentes, podemos citar o esgoto, lixo líquido, gerados por atividades industriais. Carreamento de materiais significa a condução de materiais, detritos e rejeitos nocivos. A incriminação deve ocorrer se subsistir nexo causal entre a emissão dos efluentes ou o carreamento de materiais com a morte dos espécimes da fauna aquática. No parágrafo único, temos: a) causar degradação em viveiros, açudes ou estações de aqüicultura. O agente origina ou produz danos nos locais citados. Açudes são construções destinadas arepresar águas para fins de irrigação ou barragem. Estações de aqüicultura são locais onde são controladas as taxas de natalidade, crescimento e mortalidade, visando obter maior extração do animal explorado. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 166 b) Explorar campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença, permissão ou autorização da autoridade competente. c) Fundear embarcações ou lançar detritos de qualquer natureza sobre bancos de moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica. Fundear embarcações significa ancorar, lançar ao fundo, embarcações. 10.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 10.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, direto ou eventual. A consumação ocorre com a morte dos espécimes da fauna aquática. A tentativa é admissível. A competência aqui vai depender do rio. Se o rio for federal, a competência é da justiça federal. Se o rio for estadual, a competência é da justiça estadual. 11. Artigo 34 “Pescar em periodo no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem: I- pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos; II- pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos; III- transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas. 11.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são os peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 167 11.2. Conduta típica O núcleo do tipo é pescar (consiste em atos tendentes a retirar, apanhar os objetos materiais do delito) em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados. Trata-se de norma penal em branco, uma vez que existem regras extrapenais para regular a pesca (Lei nº 7.960/88). No parágrafo único: Transportar (conduzir ou levar de um lugar para outro), comercializar (tornar comerciável, negociar), beneficiar ou industrializar espécimes provenientes de coleta, apanha e pesca proibidas. 11.3. Sujeito ativo, sujeito passivo e elemento subjetivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Elemento subjetivo é o dolo em praticar as condutas típicas. 11.4. Momento consumativo e tentativa Consuma-se os crimes: a) com a efetiva retirada, extração, coleta, apanha, apreensão ou captura de espécimes da fauna aquática; b) com a efetiva pesca da espécie que deve ser preservada ou com tamanho inferior ao permitido; c) com a efetiva pesca de quantidades superiores às permitidas ou mediante utilização de petrechos e métodos não permitidos; d) com o efetivo transporte, comércio, beneficiamento dos espécimes provenientes da coleta, de apanha e pesca proibidas. A tentativa é possível. A competência aqui vai depender do rio. Se o rio for federal, a competência é da justiça federal. Se o rio for estadual, a competência é da justiça estadual. 12. Artigo 35 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 168 “Pescar mediante a utilização de: I- explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante; II- substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente: Pena – reclusão de um a cinco anos.” 12.1. Objetividade Jurídica e objeto material O equilíbrio jurídico. 12.2. Conduta típica Pescar mediante a utilização de explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante e pescar mediante a utilização de substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade. 12.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 12.4. Elemento subjetivo, momento consumativo e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de pescar das formas elencadas na conduta típica. O crime se consuma com a prática tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes aquáticas (art. 36 da Lei Ambiental) mediante a utilização de explosivos ou substâncias de efeitos análogos. Não há previsão de conduta culposa. A tentativa é possível, pois a pesca poderá não ocorrer por circunstâncias alheias à vontade do agente (exemplo: o sujeito é obstado pela autoridade florestal no momento em que ia acionar o dispositivo explosivo). A competência aqui vai depender do rio. Se o rio for federal, a competência é da justiça federal. Se o rio for estadual, a competência é da justiça estadual. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 169 13. Artigo 37 “Não é crime o abate de animal, quando realizado: I- em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II- para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; III- (VETADO) IV- por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente. Trata-se de tipo permissivo. O artigo prevê causas excludentes de ilicitude decorrentes de estado de necessidade. No inciso I, temos a caça famélica, ou seja, se o abate for para saciar a fome do agente (estado de necessidade próprio) ou de sua família (estado de necessidade de terceiros). No inciso II temos que não é crime o abate quando realizado para proteger lavoura, pomares e rebanhos da ação predatória, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente. Neste inciso, deve-se obter previamente a autorização. Para Guilherme de Souza Nucci, “não se pode, em hipótese alguma, provar qualquer pessoa de agir em estado de necessidade, fixando-se em lei especial regras e condições para tanto, mormente a estranha obtenção de autorização de órgão competente”. No inciso III, animal nocivo é aquele que pode causar danos, prejudicar a saúde do homem. DOS CRIMES CONTRA A FLORA 1. Noções Preliminares Flora é o conjunto das espécies vegetais de uma determinada região. Floresta é o agrupamento de vegetação com elevada densidade, composta de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de terras. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 170 Floresta de Preservação Permanente (Art. 2º e 3º da Lei nº 4.771/65 – Código Florestal) são aquelas situadas: a) ao longo de rios ou de qualquer curso de água; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios de água naturais ou artificiais; c) nas nascentes e nos chamados olhos de água, qualquer que seja a sua situação topográfica; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas; f) nas restingas, como fixadoras de dunas; g) em altitude superior a 1.800 m, qualquer que seja a vegetação; h) nas áreas metropolitanas definidas em lei. 2. Artigo 38 “Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo Único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.2.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é a estabilidade do sistema ecológico. Objeto material são as florestas de preservação permanente, ainda que em formação. 2.2. Conduta típica Destruir ou danificar. Destruir significa fazer desaparecer, arruinar, devastar. Danificar consiste em prejudicar, causar danos. Utilizar a floresta de preservação permanente com infringência das normas de proteção. Utilizar significa usar, fazer uso de, valer-se de. 2.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Poderá ser também o proprietário de local situado em floresta de preservação permanente. Sujeito passivo é a coletividade. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 171 2.4. Elemento subjetivo, momento consumativo e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. Há previsão de culpa no parágrafo único, com pena reduzida da metade se o crime for culposo. Consuma-se o crime com o efetivo dano, total ou parcial, da floresta considerada de preservação permanente. A tentativa é possível no crime doloso. Não se admite no culposo. A competência é da Justiça Estadual. 2.5. Artigo 38-A, acrescentado pela Lei nº 11.428/06 Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. Com relação ao dispositivo, basta considerações a respeito de alguns tópicos, já que em muito se assemelha com o artigo 38 da lei em comento, sendo, inclusive, um tipo especial. O objeto protegido na norma é a vegetação, primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica (é o conjunto de vegetação da Mata Atlântica). 3. Artigo 39 “Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 172 3.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é a estabilidade do sistema ecológico. Objeto material são as árvores que se localizam nas Florestas de Preservação Permanente. 3.2.Conduta típica Cortar (derrubar pelo corte) árvore em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente. 3.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. O proprietário do local situado em Floresta de Preservação Permanente também pode cometer o crime. Sujeito passivo é a coletividade. 3.4. Elemento subjetivo, momento consumativo e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de cortar árvores localizadas em floresta de preservação permanente sem a devida permissão. A consumação ocorre com o efetivo corte da árvore. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. 4. Artigo 40 4.1. Observações iniciais As modificações à Lei Ambiental trazidas pela Lei nº 9.985/00 e o veto presidencial ao caput do art.40-A, deixaram as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, outrora protegidas pela Lei nº 9.605/98, sem proteção penal. Luiz Flávio Gomes explica por quê: “O artigo 40 da Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98) previa como crime “causar dano direto ou indireto às unidades de conservação”. No § 1º, dizia: “Entende-se por unidades de conservação as reservas biológicas, ecológicas, estações biológicas, florestas etc.”. Como se vê, todas as reservas ecológicas achavam-se protegidas penalmente. A recente Lei n.9.985/00, dando nova disciplina às unidades de conservação, dividiu-as em dois grupos: unidades de proteção integral (estação ecológica, reserva biológica etc) e unidades de uso sustentável (áreas de proteção ambiental, florestas, reservas ecológicas etc.). Pretendendo DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 173 proteger os dois grupos, o legislador resolveu dividir o artigo 40 em duas partes: no caput cuidou das unidades de proteção integral; no art.40-A tratou das unidades de uso sustentável. Entretanto, o caput de ambos foram vetados. Conseqüência: o art. 40, caput, da Lei Ambiental, continua em vigor, porém, agora, com uma importante modificação no seu § 1º, isto é, ele só vale doravante para as unidades de conservação de proteção integral. No que se refere às unidades de conservação de uso sustentável, não há mais que se falar em delito, por falta de previsão legal. Com o veto do art.40-A, tudo isso deixou de ser crime.” Unidades de Conservação de Proteção Integral: compostas por estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e os refúgios de vida silvestre. Unidades de Conservação de Uso Sustentável: compostas por área de proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural. 4.2. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as unidades de conservação. 4.3. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Causar dano significa ocasionar, provocar estrago, deterioração, danificação. Sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário ou possuidor da área nas unidades de conservação. Sujeito passivo é a coletividade. 4.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo consistente em causar dano às unidades de conservação ou às áreas aos arredores desta. A conduta culposa está prevista no § 3º. Nesse caso a pena será reduzida à metade. A consumação ocorre com o efetivo dano às unidades de conservação. A tentativa é admissível. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 174 A competência, em regra, é da Justiça Estadual, exceto sejam bens da União. 5. Artigo 41 “Provocar incêndio em mata ou floresta: Pena- reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.” 5.1. Objetividade jurídica e objeto material Objetividade jurídica é a estabilidade do sistema ecológico. Objeto material é a floresta ou mata. Floresta é o agrupamento de vegetação com elevada densidade, composta de árvores de grande porte. Mata é uma floresta de pequena área ocupada por arvoredo silvestre, bravio e inculto. 5.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo A conduta típica “provocar” (incêndio) significa produzir, motivar. Incêndio é a combustão de matéria causando danos ou destruição expressivos. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade 5.3. Elemento subjetivo, momento consumativo e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de provocar o incêndio em mata ou floresta. A conduta culposa é prevista na figura do parágrafo único. A consumação dá-se com a efetiva provocação do incêndio em mata ou floresta. A tentativa é admissível. A competência é da justiça estadual. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 175 6. Artigo 42 “Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:Pena – detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.” Este artigo revogou o art. 26, “f” do Código Florestal. 6.1. Objetividade jurídica e objeto material Objetividade jurídica é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as florestas e demais formas de vegetação. 6.2. Conduta típica Fabricar (produzir, preparar, construir), vender (alienar ou ceder por certo preço), transportar (conduzir ou levar de um lugar para outro) ou soltar (lançar ao ar, tornar livre) balões. Balão é um artefato de papel fino, colado de madeira que imita formas variadas, em geral de fabricação caseira. 6.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 6.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, a vontade livre de fabricar, vender, transportar ou soltar balões e a consciência de que poderão causar incêndios. A consumação ocorre com a efetiva fabricação, venda, transporte ou lançamento ao ar de balões. A tentativa é admissível. A competência é da justiça estadual. 7. Artigo 45 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 176 “Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais: Pena – reclusão, de um a dois anos, e multa. 7.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material é a madeira de lei. Madeira de lei é a madeira que possui maior durabilidade, resistência e solidez, própria para construções e trabalhos expostos às intempéries. 7.2.Conduta típica Cortar (separar de um todo); transformar em carvão (consiste em alterar, modificar) a madeira de lei. Pune-se as condutas de cortar madeira de lei ou transformá-la em carvão. 7.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa, incluindo-se o proprietário do local onde se encontram as árvores de madeira de lei. Sujeito passivo é a coletividade. 7.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de cortar ou transformar madeira de lei em carvão, sem autorização para tanto. A consumação ocorre com o efetivo corte ou transformação da madeira de lei em carvão. A tentativa é admissível. A competência é da Justiça Estadual. 8. Artigo 48 “Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.” 8.1. Objetividade jurídica e objeto material DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 177 Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as florestas e demais formas de vegetação. 8.2. Conduta típica Impedir (embaraçar, interromper, tornar impraticável) ou dificultar (tornar difícil ou custoso) a regeneração de florestas e demais formas de vegetação. Regeneração natural é o processo pelo qual a própria natureza reproduz, restaura o que estava destruído. 8.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário da área. Sujeito passivo é a coletividade. 8.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. Não há previsão culposa. A consumação ocorre com a efetiva criação de impedimento ou de dificuldades à regeneração natural. A tentativa é admissível. A competência é da Justiça Estadual. 9. Artigo 49 “Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa. 9.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as plantas de ornamentação de logradouros públicos ou de propriedade privada alheia. Plantas de ornamentação são aquelas que enfeitam, decoram, realçam. 9.2. Conduta típica DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 178 Destruir (exterminar), danificar (deteriorar), lesar (causar lesão, ferir), ou maltratar (tratar com violência, infligir maus-tratos), por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação. 9.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. O proprietário da propriedade privada não comete o crime se as plantas ornamentam sua propriedade privada, pois o tipo exige que a propriedade seja alheia. Sujeito passivo é a coletividade, e, na hipótese de se tratar de propriedade privada, também o proprietário ou possuidor desta. 9.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A modalidade culposa está prevista no parágrafo único. A consumação ocorre com a efetiva destruição, dano ou lesão. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. 10. Artigo 50 “Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.” 10.1. Objetividade jurídica e objeto material Objetividade jurídica é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as florestas nativas (que se originam naturalmente) ou plantadas (aquelas cultivadas com a intervenção do homem) ou vegetação fixadora de dunas (dunas são montes de areia ou de terra), protetora de mangues (mangues são áreas alagadiças cujo solo é uma espécie de lama). 10.2. Conduta típica Destruir (exterminar) ou danificar (deteriorar, prejudicar) florestas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 179 10.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário local. Sujeito passivo é a coletividade. 10.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a efetiva destruição ou danificação das florestas nativas ou plantadas, da vegetação fixadora de dunas, ou da vegetação protetora de mangues. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual, exceto se for bem da União. 10.5. Artigo 50-A, acrescentado pela Lei nº 11.284/2006 Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. § 1o Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família. § 2o Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare Sujeito ativo é qualquer pessoa e sujeito passivo é a sociedade. Objeto jurídico é a proteção ao meio ambiente. A conduta típica consiste em desmatar (derrubar árvores), explorar (tirar proveito) economicamente ou degradar (deteriorar) floresta , plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas (são terrenos públicos, ou seja, propriedades públicas que nunca pertenceram a um particular mesmo estando ocupadas). A Constituição Brasileira de 1988 cita no seu artigo 20, II, as terras devolutas como sendo bens da União. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 180 11. Artigo 51 “Comercializarmoto serra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.” 11.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as florestas e demais formas de vegetação. 11.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Comercializar (tornar comerciável, negociar) ou utilizar (usar, fazer uso de, valer-se de) moto serra. Sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário do local. Sujeito passivo é a coletividade. 11.3. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a efetiva comercialização ou utilização de motosserra, sem a licença ou sem o registro da autoridade competente. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. 12. Artigo 52 “Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.” 12.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material são as Unidades de Conservação (espaço territorial e seus recursos ambientais, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos) DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 181 12.2. Conduta típica Penetrar (entrar, invadir, transpor) em Unidades de Conservação conduzindo (levando, carregando) substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais. 12.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário da área localizada em Unidades de Conservação, sem a devida licença. Sujeito passivo é a coletividade. 12.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo de perigo. A consumação ocorre com a entrada do agente nas referidas áreas, portanto substâncias ou instrumentos de caça ou de exploração florestal. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual, exceto se for bem da União. 13. Artigo 53 “Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se: I- do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático; II- o crime é cometido: a) período de queda das sementes; b) no período de formação das vegetações; c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no local da infração; d) em época de seca ou inundação; e) durante a noite, em domingo ou feriado.” Estão previstas as causas especiais de aumento de pena, que incidem sobre os crimes contra a flora (arts. 38 a 52). DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 182 DA POLUIÇÃO E DOS OUTROS CRIMES AMBIENTAIS 1. Artigo 54 “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa ...... ...... 1.1.Noções preliminares Poluição é qualquer tipo de degradação do meio ambiente decorrente de atividade humana de nele introduzir substâncias ou energias prejudiciais. Várias são as espécies de poluição: - Poluição Atmosférica: causada pela liberação de gases na atmosfera ou por outras partículas, líquidas ou sólidas, minusculamente dispersas; - Poluição Hídrica: poluição dos recursos hídricos devido ao lançamento de esgotos sem tratamento, de resíduos sólidos, de lixo tóxico em cursos de água, nos mares, etc. - Poluição do solo: contaminação da camada superior da terra na qual crescem as plantas. Pode ser causada por remédios e aditivos, lixo tóxico, resíduos sólidos; - Poluição visual: causada pelo excesso de faixas, cartazes, painéis, letreiros luminosos, placas, paredes pintadas, etc. - Poluição sonora: provocada por níveis excessivos de ruídos Segundo a CONAMA os níveis de ruídos são: a) hospitais: período diurno= 45 decibéis; período noturno= 40 decibéis; b) residencial: período diurno= 55 decibéis; noturno= 50 decibéis; c) central: diurno= 65 decibéis; noturno= 60 decibéis; d) industrial: diurno= 70 decibéis; noturno= 65 decibéis. Considera-se período diurno o período das 06:00 hs. às 20:00 hs. 1.2. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 183 Objeto material é o ser humano, a fauna e a flora. 1.3. Conduta típica Causar (consiste em motivar, originar, produzir) poluição (qualquer degradação ao meio ambiente decorrente da atividade humana) em níveis prejudiciais. A poluição provoca danos à saúde humana, a mortandade de animais ou a destruição da flora. 1.4.Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 1.5. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A conduta culposa está prevista no § 1º e, no § 2º está prevista a conduta preterdolosa. O § 3º estabelece a modalidade qualificada de crime omissivo próprio. A consumação ocorre com a efetiva poluição que provoque dano à saúde pública, mortandade de animais ou destruição da flora. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. 2. Artigo 56 “Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança. § 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço. § 3º Se o crime é culposo: Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.” DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 184 2.1.Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Objeto material são produtos ou substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde humana ou ao meio ambiente. Referidos produtos são aqueles que possuem caráter venenoso. 2.2.Conduta típica Produzir (criar), processar (realizar operações que resultem mudanças ou sucessão de estados), embalar (acondicionar em pacotes), importar (fazer vir de outro país), exportar (transportar para fora do país), comercializar (tornar comerciável), fornecer (abastecer, prover) transportar (conduzir), armazenar (guardar), guardar (manter sob sua posse), usar (utilizar) produtos ou substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde humana ou ao meio ambiente. 2.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A modalidade culposa está prevista no § 3º. A consumação ocorre com a efetiva produção, processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização, fornecimento, transporte, armazenamento, guarda, depósito, uso dos produtos. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. 3. Artigo 58 “Noscrimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas: I- de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; II- de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem; III- até o dobro, se resultar a morte de outrem. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 185 Parágrafo Único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se do fato não resultar crime mais grave. Estas causas de aumento de pena, referem-se aos crimes previstos nos arts. 54 a 56. Observe-se ainda que o parágrafo único estabelece que as penalidades deste artigo têm caráter subsidiário, ou seja, somente serão aplicadas se do fato não resultar crime mais grave. 4. Artigo 61 “Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.” 4.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o equilíbrio ecológico. Objeto material é doença ou praga ou espécies (vírus, bactérias, fungos, insetos) que possam causar dano. 4.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Disseminar (difundir), doença ou praga ou espécies que possam causar dano. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. 4.3. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a mera disseminação, bastando que a doença, praga ou espécie possam causar danos. Logo é desnecessário que haja perigo concreto. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual. DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO CULTURAL DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 186 1. Artigo 62 “Destruir, inutilizar ou deteriorar: I- bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II- arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo Único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.” 1.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o meio ambiente cultural. Meio ambiente cultural é constituído pelo patrimônio arqueológico, artístico, turístico, histórico, paisagístico, monumental, etc. Objeto material é o bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decreto judicial (inc. I), e arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei (inc. II). 1.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Conduta típica é destruir (desaparecer, arruinar, devastar), inutilizar (tornar inútil, invalidar) e deteriorar (danificar, alterar, estragar). Sujeito ativo é qualquer pessoa. Pode ser inclusive o proprietário do bem protegido. Sujeito passivo imediato é a coletividade. Sujeito passivo mediato é o proprietário do bem (público ou particular). 1.3. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. Há previsão de forma culposa no parágrafo único. A consumação ocorre com a efetiva destruição, inutilização ou deterioração do bem. A tentativa é possível. A competência é da Justiça Estadual, exceto se o bem for da União. 2. Artigo 65 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 187 “Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Parágrafo Único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.” 2.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é o patrimônio cultural e o ordenamento urbano. Objeto material é a edificação ou monumento urbano ou monumento ou coisa tombada em virtude de seu valor artístico, arqueológico ou histórico. 2.2. Conduta típica Pichar (escrever dizeres ou desenhos, com tintas ou spray, nas paredes das edificações, nos monumentos e nos muros etc.), grafitar (também é um modo de escrever palavras ou desenhos em muros e paredes), conspurcar (sujar, macular, manchar) edificação ou monumento urbano. 2.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade. Sujeito passivo secundário é o Estado e o proprietário da edificação. 2.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a efetiva prática dos atos de pichar, grafitar ou conspurcar por qualquer meio. A tentativa é admissível. A competência é da Justiça Estadual, exceto se o bem for da União. DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL 1. Artigo 66 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 188 “Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.” 1.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é a administração ambiental. Objeto material são as informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental. 1.2. Conduta típica Fazer (proferir, exprimir, produzir) afirmação falsa, enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos. Afirmação falsa:- o agente afirma uma inverdade. Afirmação enganosa:- o agente afirma algo ilusório, artificioso. Omitir a verdade: o agente não menciona , deixa de dizer a realidade. Sonegar informações: o agente esconde, oculta, com fraude, dados, comunicação ou notícia a respeito de alguém ou de algo. 1.3. Sujeito ativo e sujeito passivo Sujeito ativo é o funcionário público. O conceito de funcionário público é aquele constante no art. 327 do Código Penal. Sujeito passivo é a coletividade. O Estado é o sujeito passivo secundário. 1.4. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a afirmação falsa ou enganosa, com a omissão da verdade ou com a sonegação dos dados ou informações. A tentativa é admissível em alguns casos. A competência vai depender do ente federativo a que pertence o funcionário. 2. Artigo 67 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 189 “Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo Único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.” 2.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é a administração ambiental. Objeto material: Licença, autorização ou permissão. 2.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Conceder (dar, outorgar) licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais. Sujeito ativo é o funcionário público. Sujeito passivo é a coletividade. O poder público é o sujeito passivo secundário. 2.3. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. O parágrafo único prevê modalidade culposa. A consumação ocorre com a efetiva concessão da licença, da autorização ou da permissão em desacordo com as normas ambientais.A tentativa é admissível. A competência vai depender do ente federativo a que pertence o funcionário. 3. Artigo 69 “Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.” 3.1. Objetividade jurídica e objeto material Objeto jurídico é a administração pública ambiental. Objeto material a ação fiscalizadora do poder público. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 190 3.2. Conduta típica, sujeito ativo e sujeito passivo Conduta típica: obstar (impedir, opor-se) ou dificultar (tornar custoso de fazer) a ação fiscalizadora do Poder Público. Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo primário é a coletividade. Sujeito passivo secundário é o poder público responsável pela ação fiscalizadora. 3.3. Elemento subjetivo, consumação e tentativa Elemento subjetivo é o dolo. A consumação ocorre com a efetiva criação de obstáculo ou dificuldade à fiscalização. A tentativa é possível, porém, é de difícil configuração, pois o infrator, ao tentar obstar a ação fiscalizadora de um agente público ambiental, já terá consumado o delito, na conduta de dificultar. A competência vai depender do ente federativo a que pertence o funcionário. 4. Artigo 69-A Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1o Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa. O objeto jurídico é a moralidade da administração pública e a proteção ao meio ambiente. Sujeito ativo é somente o técnico ou funcionário encarregado de elaborar estudo, relatório ou laudo (crime próprio). Sujeito passivo é a administração pública. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 191 A conduta típica é composta pelos núcleos elaborar (realizar trabalho a ser apresentado) ou apresentar (exibir, passar a terceiros), estudo, laudo ou relatório, total ou parcialmente falsos. 5. Artigo 79 “Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.” CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR LEI Nº 8.078/90 1. Introdução Os crimes contra as relações de consumo estão previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e também na Lei nº 8.137/90, que trata também dos crimes contra a Ordem Tributária. A parte penal referente a tais crimes no CDC estão elencados nos artigos 61 a 80 da mencionada Lei, que passaremos a estudar. Por “relações de consumo” entende-se a relação jurídica que envolve, como sujeito ativo, o fornecedor; como sujeito passivo, o consumidor; como objeto, os produtos ou serviços; e, como finalidade, a aquisição destes pelo consumidor, último destinatário. O conceito de “Consumidor” está descrito no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O importante do conceito é que a aquisição ou utilização seja como destinatário final. A doutrina não considera consumidora a empresa que adquire bens, produtos ou serviços para utilizá-los como insumos, bens de produção ou como instrumento de trabalho. DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 192 Não são considerados consumidores: os depositantes de cadernetas de poupança e os investidores em mercado de valores mobiliários; os condôminos em relação ao condomínio, bem como os locatários em relação aos locadores; e o adquirente de sementes para uso em plantio, cuja colheita se destina para venda a terceiros. “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. (art. 3º do CDC) Entes despersonalizados são aquelas empresas não possuidoras de personalidade jurídica. As instituições financeiras são consideradas fornecedoras. Ao contrário, não são fornecedores as associações desportivas e os condomínios. 2. Artigo 61 Temos então, nos artigos seguintes os crimes contra as relações de consumo, além daqueles estabelecidos na Lei nº 8.137/90 que trata dos crimes contra a ordem tributária. Em regra, eles têm como sujeito ativo o fornecedor de produto ou serviço e, como sujeito passivo a coletividade (imediato) e, eventualmente, o consumidor (mediato). O objeto material desses crimes são os produtos ou serviços. O objeto jurídico é a relação de consumo. Transação Penal: A maior parte dos crimes definidos no CDC constitui-se de infrações penais de menor potencial ofensivo (penas igual ou inferior a dois anos) Assim, as infrações admitem transação penal. A maior parte das infrações penais definidas no CDC consiste em crimes de perigo abstrato, inexistindo para a acusação a necessidade de demonstração de perigo concreto. São também de mera conduta. Para Damásio E. de Jesus, os crimes de consumo não são de perigo abstrato ou concreto. São delitos de lesão, infrações em que bens jurídicos são lesionados e não, simplesmente, postos em perigo. 3. Artigo 63 DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO ESPECIAL 193 3.1. Objeto jurídico e sujeitos do delito Objeto jurídico principal é a relação de consumo. Objeto jurídico secundário é a saúde e a segurança do consumidor. Sujeito ativo é o fornecedor (fabricante no caput, e o prestador de serviço, no §1º) – crime próprio. Sujeito passivo é a coletividade de consumidores. 3.2. Conduta típica e elemento subjetivo A conduta típica é omitir (deixar de dizer) dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade. Nocividade e periculosidade são elementos normativos do tipo, cabendo ao juiz valorá-los. Nocivo é o que prejudica, faz mal. Periculosidade é o conjunto de circunstâncias que indicam um mal, ou dano para alguém ou alguma coisa. Elemento subjetivo é o dolo, no caput e no §1º. A conduta culposa está prevista no § 2º. Segundo Guilherme de Souza Nucci, o art. 7º, II da Lei nº 8.137/90, derrogou (revogou em parte) o art. 63 do CDC. Diz o dispositivo: “Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: II- vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial”. Se na embalagem da mercadoria não há aviso da nocividade ou periculosidade do produto, há desconformidade com a Lei 8.137/90. Remanesce a figura do art. 63 para a omissão dos dizeres e sinais na publicidade feita em relação a mercadorias. 3.3. Consumação e tentativa Consuma-se o crime com a inobservância do dever de informar a coletividade de consumidores sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, invólucros, recipientes ou publicidade. Dá-se também com a não observação do dever de alertar. Na modalidade culposa, o crime é consumado