Prévia do material em texto
INSTITUTO ITAPETININGANO DE ENSINO SUPERIOR - IIES Curso de Direito Maria Júlia Prado 10º Semestre, turma P COMENTÁRIO A ACÓRDÃO: A sucessão do companheiro na partilha dos bens Itapetininga 2019 SUMÁRIO 1 RESUMO DO CASO E DO ACÓRDÃO (REsp: 1139054 PR 2009/0086949-3)................................................................................ 2 2 ANÁLISE CRÍTICA DO ACÓRDÃO ................................................. 4 REFERÊNCIAS ................................................................................. 6 ANEXO A – REsp: 1139054 PR 2009/0086949-3 ........................... 7 2 1 RESUMO DO CASO E DO ACÓRDÃO (REsp: 1139054 PR 2009/0086949-3) Trata-se de arrolamento de bens, já transitado em julgado, decorrente do falecimento de Nelson Roseira Gomes, requerido pelos dois filhos e dois netos deste. Célia Franco, que conviveu em união estável com o de cujus por 25 anos, requereu sua habilitação nos autos, pretendendo o reconhecimento do seu direito ao usufruto da quarte parte dos bens do falecido, de acordo com o art. 2º da Lei 8.971/94. O Juízo de origem indeferiu os pedidos, sob a justificativa de que o art. 1.790 do Código Civil de 2002 revogou o direito previsto no artigo acima mencionado, de modo que a companheira não possuiria direito ao usufruto vidual de quarta parte dos bens do falecido. Contra tal decisão, Célia interpôs agravo de instrumento, cujo o provimento foi dado, sob a fundamentação de que, em suma, no art. 1.790 do Código Civil, o legislador não trata de matéria atinente ao usufruto, razão pela qual a pretensão da agravante não poderia ser subsumida a este dispositivo, afastando assim a incidência da revogação prevista pelo art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil. Assim, considerando que a tutela pretendida é disciplinada apenas pela Lei nº 8.971/94, foi determinada sua aplicabilidade, de modo a resguardar os direitos da agravante, sendo reformada a decisão agravada, assegurando-lhe o direito ao usufruto vidual de quarta parte dos bens do falecido. O espólio interpôs recurso especial, alegando a violação do art. 9º da LC 95/98, 14 da LC 107/2001 e 2º, §1º da LINDB, quanto à revogação tácita e expressa, que alegaram ter ocorrido, com a Lei 8.971/94 sob a vigência do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Além disso, sustentaram a afronta ao art. 1.725 do CC que, diante do princípio da igualdade, prevê que deve ser dado o mesmo tratamento aos cônjuges e companheiros e, já que o Código Civil não previu o usufruto vidual para ambos os casos. Por fim, o Tribunal Superior de Justiça deu provimento ao recurso especial, apenas para negar o direito da recorrida ao usufruto vidual, mas mantendo-a habilitada nos autos do arrolamento/inventário, pois tal assunto já foi decidido pelo STF, de modo que o art. 1.790 do Código Civil foi declarado inconstitucional, e o art. 1.829 do CC passou a valer para cônjuges e companheiros, para que não houvesse distinção entre os regimes sucessórios, para processos ajuizados a partir de 2003. 3 Desta forma, tendo em vista que o processo ora em questão foi ajuizado no ano de 2009, se enquadra nos termos do art. 1.829 do CC, que não prevê usufuto vidual, sendo assim impossível a concessão deste. 4 2 ANÁLISE CRÍTICA DO ACÓRDÃO O acórdão ora em estudo, trata de um tema atual e relevante para nossa sociedade, tendo em vista que a busca pela igualdade está cada vez mais presente, seja esta de gênero, etnia, etc. Assim, o STF acertadamente declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, visto que a Constituição Federal, em seu art. 226, estabeleceu que a união estável é reconhecida como entidade familiar, com o intuito de que tenha os mesmos efeitos do casamento. Tal tema já foi discutido diversas vezes nos tribunais e, na ocasião do julgamento do RE 646.721/RS, em sua antecipação de voto, o em. Ministro Luís Roberto Barroso bem resumiu a questão historicamente. “Ali, assinalou-se que, após a Constituição de 1988, que previa essas diferentes modalidades de família, sobrevieram duas leis ordinárias - as Leis 8.971/1994 e 9.278/1996 - que equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável. Portanto, esse foi o regime jurídico que vigorou durante muito tempo. O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, modificou essa situação. Como sabemos - e há textos expressivos do eminente Ministro Edson Fachin nessa linha -, o Código Civil foi aprovado nos anos 2000, mas foi produto de um debate que se fez na década 70, um debate anterior a inúmeras questões, que somente se colocaram tempos depois, diante da sociedade e das escolhas legítimas das pessoas. Portanto, o Código Civil é de 2002, mas ele chegou atrasado relativamente às questões de direito de família. Desse modo, o Código Civil, contrariando a legislação vigente pós 88, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis, e, assim promoveu um retrocesso e uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite. Penso que a Constituição trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, sendo merecedoras da mesma dose de respeito e consideração. Portanto, o art. 1.790 do Código Civil é inconstitucional, porque viola princípios constitucionais como o da igualdade, o da dignidade da pessoa humana, o da proporcionalidade na modalidade de proibição da proteção deficiente e o da vedação do retrocesso." Ademais, durante vários anos debateu-se na doutrina acerca do retrocesso que configurava o tratamento conferido pelo CC/2002 à sucessão do companheiro, principalmente quando comparada à do cônjuge. As injustiças trazidas com a vigência do art. 1.790, se enquadram perfeitamente aos dizeres de Zeno VELOSO: "A companheira de muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens na época em que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro, se este não adquiriu outros bens durante o 5 tempo de convivência. Ficará esta mulher - se for pobre -, literalmente desamparada, mormente quando o falecido não cuidou de beneficiá-la em testamento, ou foi surpreendido pela morte antes de outorgar o testamento que havia resolvido fazer." (2012, p. 2010) Igualmente, Giselda Maria Fernandes Novaes HIRONAKA, em sua tese de titularidade da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, defendeu: “o art. 1.790 do CC/2002 restringiu a possibilidade de incidência do direito sucessório do companheiro à parcela patrimonial do monte partível que houvesse sido adquirido na constância da união estável, não se estendendo, portanto, àquela outra quota patrimonial relativa aos bens particulares do falecido, amealhados antes da evolução da vida em comum. A nova lei limitou e restringiu, assim, a incidência do direito a suceder do companheiro apenas àquela parcela de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união estável a título oneroso. Que discriminação flagrante perpetuou o legislador, diante da idêntica hipótese, se a relação entre o falecido e o sobrevivente fosse uma relação de casamento, e não de união estável!" Portanto, com razão a decisão foi reformada, pois, apesar de visar a igualdade entre os cônjuges e companheiros, ao beneficiar a ex-companheira com um direito que não é previsto ao cônjuge, tal decisão ia de encontro com o entendimento da doutrina, bem como do STF. 6 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994 DOU: Brasília, DF, 30 dez. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm#art2044.Acesso em: 19 set 2019 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil DOU: Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8971.htm Acesso em: 19 set 2019 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial (REsp) 1139054/PR. Arrolamento de Bens. Ex-Companheira. Descompasso Entre Sucessão de Cônjuge e Sucessão de Companheiro. Habilitação no Inventário Devida. Direito ao Usufruto Vidual. Não Cabimento. Inconstitucionalidade do Art. 1.790 do Código Civil d 2002. Recorrente: N.R.G - Espólio. Recorrida: C.F. Relator: Min. Lázaro Guimarães, 06 fev. 2018, Diário de Justiça Eletrônico (DJe): Brasília, DF, 09 fev. 2018. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200900869493&dt_ publicacao=09/02/2018 Acesso em: 18 set. 2019. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder. Passado e presente da transmissão sucessória concorrente. São Paulo: RT, 2011, p. 420. TARTUCI, FLÁVIO. O tratamento diferenciado da sucessão do companheiro no Código Civil e seus problemas. A necessidade imediata de uma reforma legislativa. Miagalhas, 25 nov. 2015. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI230496,41046- O+tratamento+diferenciado+da+sucessao+do+conjuge+e+do+companheiro+no. Acesso em: 19 set. 2019 VELOSO, ZENO. Código Civil comentado. Coordenação de Ricardo Fiúza e Regina Beatriz Tavares da Silva. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 2.010. 7 ANEXO A – (REsp: 1139054 PR 2009/0086949-3)