Buscar

65436321-4-NEVES-Direita-Para-o-Social-e-Esquerda-Para-o-Capital

Prévia do material em texto

, , (...) ESTA OBRA CORAJOSAMENTE CONTRIBUI PARA DESMONTAR 
·0 DISCURSO, TAo ENFADONHO QUA~TO EFICAZ, DE EXALTA~AO 
DAS VIRTUDES SUPOSTAMENTE REDENTORAS DE UMA 
"SOCIEDADE CIVIL ATI~A", "AMIGAVEL COM 0 MERCADO" 
EASSEPTICAMENTE ESVNlIADA DE RELAC;OES DE EXPLORAC;AO 
ECONFUTOS DE CLASSE." 
Apartir da obra de Antonio Gramsci, este livro analisa a renova~ao 
das formas de domina~ao e diresao sob 0 capitalismo neoliberal, 
mapeando algumas de suas principais referencias intelectuais e 
estabelecendo os nexos .entre 0 caso brasileiro e mudan)as fundamentais 
na ~conomia ·politicainternacional ocorridas nas ultimas decadas. vern 
a lUI, mim, Ii papel politico e intelectual de ponta exerddo por 
organismos internacionais (como Banco Mundial e UNESCO) e grandes 
funda)oes norte-americanas (como Ford e Rockfeller), bern (omo a densa 
malha de rela)oes que .os conetta, no ambito national, a prestigiosas 
institui)iies de ellsino e pesquisa, emprms privadas "socialmente 
respons3veis" e orgariiza)iies nao-governamentais especializadas .em 
"participa)ao". Fruto de urn trabalho coletivo, eSla· obra co~aiosamente 
contribui para desmontar 0 discurso, tao ellladonho quanto elicaz, de 
exalta~ao das virtudes supostamellte redentoras de uma "sociedade civil 
ativa", "amig~vel com 0 mercado" e assepticamente esvaziada de 
rela)iies de explora)ao e conflitos de classe. 
APOIO: 
Coletlvo de 
Estudos sobre 
Politica Educacional 1~1l~1IJr 
~ 
DIREITA PARA 
oSOCIAL 
EESQUERDA 
PARA 0 CAPITAL 
LUCIA HARIA WANDERlEY NEVES (ORG.) 
And~e Silva Martins. Daniela Motta de Oliveira. lale FaUeiros, 
Marcela· Alejandra Pronko. Marcelo Paula de Melo. Marco Antonio 
Carvalho Santos. Maria Teresa Cavalcami de Oliveira eVanja da Rocha Monteiro 
I 
j 
1 ~"., .~. 
Lucia Maria Wanderley Neves (organizadora) 
Andre Silva Martins • Daniela Motta de Oliveira • lah~ Falleiros 
Marcela A1ejandra Pronko • Marcelo Paula de Melo • Marco Antonio Carvalho Santos 
Maria Teresa Cavalcanti de Oliveira • Vanja da Rocha Monteiro 
t 
A direita p"ara 0 so~ial e 
a esquerda para.ocapital: 
intelectuais da nova pedagogia da hegemon'ia no Brasil 
Sao Paulo 
~ 
.", ~ 
2010 
~ 
~ 
! 
l 
! 
! 
t 
1 
C 2010 byLucia Marla Wanderley Neves 
Direitos desta edil;ao reservados ~ Xama Edltora Uda. 
Proiblda a reprodu<;ao total ou parcial, por quaisquer meios, 
sem autoriza<;ao expressa da edltora. 
Edi<;ao: Expedito Correia 
Capa: Thlago Lopes da Costa1: Magalhiies 
Revisao: Estela Carvalho 
Editora<;ao eletronica: Xama Editora 
Dados Intemacionais de Catalogac;ao-na-publicac;ao (CIP) 
D5~8 A direita para 0 social e a esquerda para 0 ca­
pital : intelectuais da nova pedagogia da h~ 
gemonia no Brasil/Lucia Maria Wanderley N~ 
ves (organizadora) ; Andre Silva Martins .•. 
let al.]. - Sao Paulo: Xama,_ 2010. 
223 p. ; 23 cm. 
Bibliografia: p. 203-215. 
ISBN 978-85-7587-113-3 
1: Pedagogia critica. I. Neves, Lucia Maria 
Wan<1frley. II. Martins, Andre Silva. 
. 
COO 370.115 
Apoio: Coletivo de Estudos dePoHtica Educacional (CNPq/Fiocruz-EPSJV) 
Xama Edilora 
Rua Proressor Trariquilli.-27 - Vila Afonso Celso 
CEP 04126·010 - Sao Paulo (SP) • Brasil 
Tel.: (011)5083-4649 TelJFax: (011)5083·4229 
www.xamaeditora.com.brvendas@xamaeditora.com.br 
Lista de siglas 
Abia - Associa<;ao Brasileira Interdisciplinarde Aids 
Abong -Associa<;ao Brasilelra de Organiza<;Oes nao-Govemarnentais 
AID -Associa<;ao Intemacional do Desenvolvimento 
Anpec - Associa<;ao Nacional dos Centros de P6s-Gradua<;ao em Economla 
Anpocs - Associa<;ao de Pesquisa e P6s-Gradua<;ao em Ci~nciasSociais 
AP - A<;ao Popular 
A1pa - Ag~ncia de Pesquisas em Projetos Avan<;ados (Advanced Research Project Agency) 
BAD - Banco de Desenvolvimento Ashitico 
BAlD - Banco de Desenvolvimento Africano 
BID - Banco Interarnericano de Desenvolvimento 
Bird - Banco Intemacionalpara a Reconstru<;ao e 0 Desenvolvimento 
BM - Banco Mundial 
BNB - Banco do Nordeste do Brasil 
BNDES - Banco-Nacional de Desenvolvimento Economico e Social 
C&T - Ci~ncia e Tecnologia 
Cademp - Cursos de Curta Dura<;ao em Administra<;ao de Empresas 
Cadis - Centro de Analise e de Interven<;6es Sociol6gicas 
Capes - Coordena<;ao de Aperfei<;oamento de Pessoal de Nfvel Superior 
CDES - Conselho de Desenvolvimento EconOmico e Social 
-CEAPG ..,Centro de Estudosde Administra<;ao Publica e Govemo 
Cebrap - Centro Brasileiro de Analise e Planejamento 
Cece - Comissao Economica para a Europa 
Cempre - Cadastro Central deE!npresas -
Cepa - Comissao Economica para a Africa 
Cepal- Comissao Economica para a America Latina e 0 Caribe 
Ceped - Centro de Estudos e Pesquisa no Ensino de Direilo 
CES - Centro de Estudos em Sustentabilidade 
Cespac - Comissao Economica e Social para a Asia Ocidental 
Cesp~p - Comissao Economica e Social para a Asia e 0 Pacifico 
Ceta - Centro de Treinamento Audiovisual 
Cels - Centro de Estudos do Terceiro Setor 
CIA - Ag~ncia Centra1<!e Inteligencia (Central of Intelligence Agency) 
Cida - Associac;ao Canadense de Desemiolvimento Inlemacional (Canadian Intemational 
Development Association) .,..., 
Cives - AssociaC;ao Brasileirade Empresanos para a Cidadania 
Clacso - ConselhoLatino-Americarmde Ciencias Socials 
H 
~ 
j 
'~I 
1 
I 
'''I
-j j 
I 
I 
, 
~ 
I 
,I 
~ 
-1 
'i:!" ;" 
Clapcs - Centro de Pesqulsas em Ch~ncias Sociais 
CNC - Confedera.;ao Nacional do Comercio 
CNI-Confedera.;ao Naclonal da Industria 
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Clentifico e Tecnol6gico 
Conjuve - Conselho Nacional de Juventude 
Consea- Conselho Nacional de Seguran.;aAlimentar 
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documenta.;ao de Hist6ria Contemporanea do Brasil 
CPS - Centro de ~Utlcas Socials 
Crla - Centro Radiomnico de Informa.;ao Altemativa 
Dasp - Departamento Adminlstrativo do Servi.;o Publico 
[)().RJ - Diretoria de Opera.;6es das Unldades do Rio de Janeiro 
DO-SP - Diretoria de Opera.;6es das Unidades de Sao Paulo 
Eaesp - Escola de Administra.;ao de Empresas de sao Paulo 
Ebap - Escola Brasilelra de Adrninistra.;ao Publica 
E'bape - Escola Brasileira de Admlnistrac;;ao Publica e de Empresas 
ECA - Comissao Economica das Na.;6es Unidas para a Africa (United Nations Economic 
Commission for Africa) " 
EED - Servi.;o de Igrejas da Alemanha para 0 Desenvolvimento 
Eesp - Escola de Economlade sao Paulo 
Flap - Escola Interamericana de Admlnlstra.;ao Publica 
Enad - Escola Naclonal de Administra.;ao· de Angola 
Ensp - Escola Nacional de Saude Publica Sergio Arouca 
EPGE - Escola de P6s-Gradua.;ao em Economia 
EPSJV - Escola ~litecnica de Saude Jaaqulm Venanclo 
Faetec - Funda.;ao de Apoio aEscola Tecnica do Estado do Rio de Janeiro 
Faperj - Funda.;ao de Amparo aPesqulsa do Estado do Rio de Janeiro 
Fasfil- Funda.;5es privadas e associa.;5es sem fins lucrativos 
FBES - F6rum Braslleiro de Economia Solidana 
FBO - F6rum Brasileiro de Or.;amento 
FBSAN - F6rum Brasileiro de Seguran.;aAlimentar e Nutricional 
FGV - Funda.;ao GetUllo Vargas 
FHC - Femando Henrique Cardoso 
Finep - Financiadora de Estudos e Projetos 
Fiocruz - Funda.;iio Oswaldo Cruz 
Flacso- Faculdade Latino-Americana de CiE!ncias Sociais 
.FMI-Fundo Monetario Intemacional 
FSM - F6rum Social Mundial 
GCAP - Chamada Global para Ac;ao contra a ~breza e pela Igualdade (Global Call for 
Action Against ~verty - Together for Iguality) 
Gife - Grupo de Institutos, Fundac;5es e Empresas 
Ibad -Instltuto Brasilelro de Ac;ao Democratica 
Ibase -Instituto Braslleiro de Analises Socials e Econ6micas 
IBGE -Instituto Brasllelro de Geografia e Estat!stica 
, 
Ibra -Instituto Braslleiro de Administra.;ao 
Ibre -Instituto Braslleiro de Economia 
IDE -Instituto de Desenvolvimento Educacional 
IDRC - Centro Intemadonal de Desenvolvimento e Pesquisa- Canadalesae -Instituto de P6s-Graduac;ao em Educa.;ao 
IGP - Indice Geral de Prec;os 
Indipo -Instituto de Direlto PUblico e CiE!ncia ~litica 
IndocC -Instituto Nacional de Documentac;ao 
Inep -Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnisio Teixeira i ; 
Instituto Ethos -Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social 
IPA - (ndice de-Prec;os por Atacado 
IPC- Indice de Prec;os ao Consumldor 
Ipea -Instituto de Pesqulsa Econ6micaApUcada 
Ipes -Instituto de Pesquisas e Estudos Socials !~ 
Isec -Instituto Superior de Ensino Contabll 
lsop -Instituto de Sele.;ao e Orientac;ao Profissional 
luperj -Instituto Universitarlo de Pesquisas do Rio de Janeiro 
JUC - Juventude Universitana Cat6lica 
Lateps - Laborat6rio de Trabalho e Educac;ao Profissional em SaMe 
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educac;ao Naclonal 
MBA - Mestre em Administrac;ao de Neg6clos (Master of Business Administration) 
MDS - Ministerio do Desenvolvimento Social e Combate AFome 
MEC - Minlsterio da Educac;ao ·1 
Mercosul- Mercado Comum do Sui 
MIM - Mestre em Administra.;ao Intemacional (Master in Intemacional Management) 
MTE - Ministerio do Trabaiho e do Emprego 
Nettec - Nucleo de Educac;ao, Trabalho e Tecnoiogia 
OC - Obrervat6rio da Cidadania 
OCDE - prganizac;ao para a Cooperac;ao e 0 Desenvolvimento Economico 
ORA- Organizac;ao dos Estados Americanos 
OECF - Fundo de Cooperac;ao Economica Exterior do Japao (Japan's Overseas Economic 
Cooperation Fund) . 
OIT:- OrganizaC;ao Intern(!.Cional do Trabalho 
ONG - Organizac;ao nao-govemamental 
ONU - Organizac;ao das Na4;5esUnidas 
OS - prganizac;;6es sociais 
Oscip -Organiza.;5es socials de interesse publico 
Otan - Organiza.;ao do Tratado do Atlantico Norte 
Oxfan Novib '- Organizac;ao Holandesa de Cooperac;ao Internacional para 0 
Desenvolvimento 
PAC - Programa de Acelerac;ao do Crescimento 
PCF - Partido comUilfSta Frances 
PCN - Parametros Curriculares Nacionais 
~ ... .;' 
L 
.,. 
PCPG - Programa Cicio Basko de Gradua<;ao 
Pegs - Programa de Estudos em GestAo Social 
Petrobras - Petmleo Brasileiro S. A. 
PIB - Produto Intemo Bruto . 
PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais 
Pnud - Programa das Na<;Oes Unidas para 0 DesenvoIvimento 
PPGAPG - Programa de Pos-Gradua<;ao em Administra<;ao Publica e Govemo 
PPGDD - Programa de P6s-Gradua<;ao em Direito e DesenvoIvimento 
PPHPBC - Programa~e P6s-Gradua<;ao em Hist6ria, PoUtica e Bens Culturais 
Preal-Programa de Promoc;ao da Reforma Educativa naAmerica Latina e Caribe 
Proeja - Programa Nacional de Integra<;ao da Educa<;ao Proflssional com a Educa<;ao Basica 
na Modalidade de Educa<;ao de Jovens e Adultos 
PSDB - Partido da Social-Democracia Braslleira 
PSI-Partido Socialista Italiano 
<.; J 
PT - Partido dos Trabalhadores 
PUC-RJ - Pontiffcia Universidade Catolica do Rio de Janeiro 
RAE - Revista de Administra<;ao de Empresas 
Rits - Rede de Informa<;oes para 0 Terceiro Setor 
RSE-Responsabilidade Social Empresarial 
Senac - Servi<;o Nacional de Aprendizagem Comercial 
Senai -Servic;o Nacional de Aprendizagem Industrial 
Sesc - Servi<;o Social do Comer<:io 
Sesi - Servi<;o Social da Industria 
SRVPR - Secretaria de Rela<;Oes lnstitudonais da Presidencia da Republica 
Sunfed - Fundo Especial das Na<;oes Unidas para 0 Desenvolvimento Econ6mico 
SUS - Sistema Onico de Sallde 
Tepp - Transforma.<;oes do Estado e Polflicas Pilblicas 
TIC - Tecnologlas de informa<;ao e comunica<;ao 
Uerj - Universldade Estadual do Rio de Janeiro 
UFF - Universidade Federal Fluminense 
UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora 
IJfpe - Universidade Federal de Pernambuco 
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UNE - Uniao NaCional dos Estudantes 
Unesco - Organiza<;ao das Na<;6es Unidas para a Educa<;ao, a Cienda e a Cultura 
Unesp - Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" 
Uniabeu - Centro Universilario Associa<;ao Brasileira de ErIsino Universilario 
Unicamp - Universidade Estad,ual de Campinas 
Unifern - Fundo de IJcsenvolvimento eas Na<;6es Unidas para a Mulher 
Usaid - Agenda dos Estados Unidos para 0 Desenvolvimento lntemacional (United States 
Agency for International Development) 
USP - Unlversidade de Sao Paulo 
'-
Sumcirio 
Prefacio. Uma penetrante perspectiva te6rica para compreender 0 modo 
como os dominantes dominam, 11 
Apresenta~ao, 19 
1 A nova pedagogia da hegemonia e a forma~ao/atua~ao de seus intelectuais 
organicos, 23 
2 Fundamentos hist6ricos da forma~ao/atua~ao dos intelectuais da nova 
pedagogiada hegemonia. 39 
o cenario da Guerra Fda e a constru<;ao de uma pedagogia da hegemonia em 
tempos de "guerra: cultural", 39 
Crise do capitalismo, "neoliberaliza~ao" do mundo e a nova pedagogia da 
hegemonia, 65 
3 Fundamentos te6ricos da forma~ao/atua~ao dos intelectuais da nova 
pedagogia da hegemonia t, 
Direita para 0 social e esquerda para 0 capital: suas ideias, 105 
Direita para 0 social e esquerda para 0 capital: a constru~ao de urn novo 
senso comum, 151 
, 
4 A forma~o/atua~ao dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia: 
experiencias no Brasil, 155 
Funda~ao Getulio Vargas, 155 
o Instituto Brasilt!iro de AnaUses Sociais e Economicas em sua rela~ao com a 
nova pedagogia da hegemonia, 182 
J 
,j 
"i::. .. ~ 
!, -I 
l 
d
1"'1 
I 
u~ 
Referencias, 203 
. 
~ 
.
,~. Anexo A-Minibiografia dos autores estudados, 217 
.. If •••IPrefacio 
~ 
,i .~Sabre os autores, 221 
, IUma penetrante perspectiva te6rica para , I • iI , 
•'Iicompreender como os dominantes dominam ~ 
" A ci~ncia vern sendo desafiada a compreender controverslas. parado­ 1,
xos e contradlc;6es aparentemente insohlveis. Na Ffsica, urn dos mais I 
apaixonantes debates dos dltimos seculos foi sobre a natureza da luz: part(­ I 
cula ou onda? Gigantes da ci~ncia como Huygens, Newton, Faraday, Maxwell I 
polemizaram, em seus tempos, sobre 0 assunto com magistrais trabalhos. 
Mas foi somente quando Einstein promoveu uma ruptura epistemol6gica, 
propugnando que a natureza da luz era onda-partfcula (r6ton). urn novo con­
tinente te6rico foi aberto para a questao. A ousadia intelectual de Einstein 
fol nao apenas olhar para fora do sistema de Ideias estabeleCido, mas pro­
mover a rupturacom aquele para desvendar 0 paradoxo; 
Em outra escala, nas Ci~ncias Socials, muitas contradic;6es e paradoxos 
tambem t~m gerado intensas controversias te6rico-polfticas e exigem ousa­
dias epistemol6gicas. Os determinantes objetivos e subjetivos das chamadas 
Revoluc;6es d~ Veludo,.no Leste Europeu, da Queda do Muro de Berlim, do 
desmonte da Unlao Sovietica, no rastro da crise estrutural do capitalismo 
dos anos 1970 e que levaram ao neoliberalismo, promovendo deslocamentos t 
t no sistema de Estados, ainda precisam ser mals bern conhecidos para que 0 
sociatismo possa ganhar forc;a na disputa pela hegemonia. -Nao menos Im- " 
portante, e preciso compreender como a soclal-democracia europeia assi­
milou o neoliberalismoe, mais do queisso, passou a seroperadora das 
poUticas neoliberais, a exemplo dos governos Mitterrand e Gonzalez, 
redefinindo a agenda da social-democracia mundial. Com efeito, a relevan- . 
cia da contribui<;;ao da social-democracia, redefinida para 0 manejo da crise 
estrutural que transtomou a economia mundial nas quatro (dUmas decadas, ' 
nao pode ser minimizada. Esta forma de gestao da crise ocorreu em provei­
to das.classes.dominantes hegemonicas e das fra<;;6es burguesas locais a 
, elas associa9asl 0 que nao deixa de ser inusitado. 
Como desdobramentodesses tectonicos acontecimentos que trans tor­
naram 0 mundO'tlos anos 1980 e 1990, muitas mudanc;as v~m reconfigu­
Iando a esquerda e tambem a direita na America Latina: 
,.,. 
12 
ADlREITA PARA 0 SOClAL EA ESQUERDA PARA 0 CAPITAL: INTEL£CTUAIS DA NOVA PEDAGOOIApA HEGEMONIA NO BRASIL 
(0a esquerda hegemOnica na regiao (excluindo, por diversos moti­
vos, BoHvia, Venezuela e Cuba) opera estrategicamente em prol do recru­
descimento do imperialismo - em nome de urn desenvolvimentismo que 
'1\ 	 nao pode prescindir da macroeconomia neoliberal e da flexibiUzac;ao tra­
balhista e ambiehtal -, em urn contexto de crise estrutural do capitalismo 
prolongada; e 
(ii) setores mais "esclarecidos" da direita atuam em prol do "social", 
por meio de empresas-ddadas, entidades representativas empresariais, 
\( organizac;Oes nao-governamentais (ONGs), organismos intemacionais e fun­
dac;oes corporativas, em distintos domini os: emprego, renda, seguranc;a, 
educac;ao, espo .. rtes, saude, assistencia social, cultura, etc. 
JA partir desse arco comp6sito (que pode ou DaO compor urn mesmo 
bloco de poder), o..padrao de acumulac;ao capitalista dependente vern sen­
( <i.oaprofuodadocol1) altograu deconsentimento popular, a despeito daper­
sistencia de selvagens desigualdides, da violencia da expropriac;ao de ter­
ras e direitos sociais e da erosao das pollticas universalistas. 
A adesao popular aoprojetoem curso naosignHica que a coerc;ao 
tenha sido abandonada em favor da produc;ao do consentimento, mas que 
a coerc;ao passa a ter urn forte componente educativo e que 0 consenso 
nao pode abrir mao de dimensOes coercitivas. A chamada polHica de paci­
ficac;ao nas favelas do Rio de Janeiro e ilustrativa. 0 Estado pro move a 
ocupac;ao por meio de forte aparato policial, nao hesitando em promover 
muitas mortes "educativas", e alardeia que agora os moradores e,stao Ii­
vres do juga dos traficantes e que finalmente 0 Estado podera adentrar 0 
territ6rio. Mas 0 Estado nao e 0 ator principal da goveman~a da pacifica­
c;ao. Uma midade de ONGs e programas de parceria entre 0 governo e as 
empresas e espalhada pelo territ6rio dito pacificado, inclusive assumindo 
as instituic;oes educacionais formais do Estado. 
. A doutrina-da pacificac;ao, adaptada do colonialismo, preconiza que a 
ocupac;ao somente pode ser exitosa com a conquista de corac;oes e men­
tes dos moradores locais. Assim, para que essas medidas tenham coer~n­
cia e eficacia, e crucial urn largo colchao ideol6gico. Se sempre 0 dominio 
envolveu 0 mimejo da ideologia, ha novos elementos nasestrategias de 
dominic atuais, que exigerri uma miradate6rica inovadora sobre a proble­
matica da ideologia. 0 deslocamento da explorac;ao/expropriac;ao para 
exclusao/inclusao e decisivo. Apartir dessacaracterizac;ao, todo urn enor­
me aparato de noc;oes e ideias e difundido para que os ditos excluidos 
possam vislumbrar a possibilidade da inclusao social. 
A esquerda para 0 capital e a direita para 0 social funcionam de modo 
I complementar e compartilham urn horizonte de longa durac;ao comum: 
13 
I'RfFAao 
operam a ideologia de que a ordem do capital e imutavel. Nao pode surpre­
ender, pois, 0 estreitamento cada vez maior dos lac;os que as unem. Urn ..J
..governo social-liberal pode atribuir a urn movimento empresarial a poUtica , i 
, 
~{ 
ieducacional do pais, como fez 0 governo Lula da Silva ao assurnir a agenda y , . 
. 
, 
, ...jdo Movimento Todos pela Educac;ao (organizado pelas principais corporac;oes l 
do agroneg6cio, do setor financeiro, das mineradoras e dos meios de comuni­ ..I 
cac;ao) em seu Plano de Desenvolvimento da Educac;ao. I' I 
Isso DaO significa que 0 modus operandi do social-Iiberalismo e da direi­ ! 
ta "modema" seja 0 mesmo, a despeito da imensa zona de intersec;ao entre t
ambos. Persistem divergencias sobre 0 tamanho e a irradiac;ao das gotas 
'1que atenuam a explorac;ao da massa trabalhadora, sobre a intensidade da i 
coerc;ao em deterrninadas situac;Oes e, tambem. na forma de interac;ao com "\ I 
os sindicatos e movimentos sociais. Eimportante destacar, entre tanto, que 
no plano estrategico as referidas perspectivas convergem no fundamental: a 
repr09u.c;ao dosJ~ndamentos do capitalismo dependente. I I 
---Caberia indagar, entao: por que esta dupJa dimensao segue existindo? 1 
Nao e simples responder a essa indagac;ao. Certamente, a existencia de 
frac;oes de classe em conflito e urn fator decisivo para manter viva aapa~ 
rente polarizac;ao entre 0 social-liberalismo e a direita para 0 social.· As 
tensoes entre as frac;oes burguesas. seguetn existindo e as lutas sociais 
podem ganhar maior forc;a em periodos de crise, acarretando problemas 
de govemanc;a. Epossivel incluir a hip6tese de que alimentar essa falsa 
polarizac;ao e funcional para 0 sistema do capital, pois, seja qual for 0 
desfecho de conflitos e disputas na sociedade, a ordem do capital sempre 
vence. 
~ssa ressignificac;ao da esquerda e da direita esta imersa em uma 
sofis'ticada garna de conceitos, perspectivas e noc;oes elaboradas edifun­
didas por intelectuais de prestigio na esquerda e entre os liberais. Essas 
noc;oes sao colocadas em circulac;ao por interrnedio de universidades, re­
vistas, editoras, meios de comunicac;ao de massa, sindkafos, partidos so­
cial-liberais, igrejas, muitas vezes por intermedro de debates (orjados, con­
tando com osuporte de governos (Terceira Via) e capitalizadas fundac;oes 
e think tanks' prestigiosos. Os termos do debate limitam 0 alcance das 
Think tanks: centros de fonnulac;;ao de pensamento especiallzados, em geral Iigados ao capital. 
mantendo vinculos c,~ organismos internacionais e, no caso dOs Eslados Unidos, com 0 
Departamento de Estado. Reunem especiallstas que sislematizam as demandas dos setores 
dominantes, na fonna de IdlHas. conceitos e disposlc;;6es ideo\6g1cas. 
~:r 
\~~ 
;) 
r 
14 
ADlRElTA PARAOSOCIALEA ESQUERDAPARA 0 CAPITAl: INTELECTUAIS DA NOVA PFDAOOGIA DA HEGEIoIONIA NO BRASIL 
altemativas entre "neoliberals com rosto humano" e "p6s-neoliberais neode­
senvolvimentistas" que, contraditoriamente, necessitam dos fundamentos 
impostos pelo neoliberalismo, colocando 0 movimento social anticapitalista 
diante de problemas praticos e estrategicos. 
Apenas para citar urn exemplo que mobiliza grande parte da esquer­
da: nos processos teleitorais latino-american os - como ocorreu recente­
mente no Chile e, ao que tudo indica, uma equac;;ao semelhante sera 
repetida no Brasil em 2010 -,ocampo ideol6gico dominante procura 
limitar os trabalhadores a duas opc;;oes: 1) apoiar a opc;ao "menos pior", 
a esquerda para 0 capital,'admitindo a maxima thatcheriana de que nao 
ha altemativa,.mas ao custo da destruic;;ao dos pr6prios movimentos. Eo 
i1us6rio acreditar que as medidas dos govemos social-Iiberais nao im­
pactam a organizac;;ao da c1asse trabalhadora. Por meio do transformismo 
e da cooptac;;ao por poUticas de alivio a pobreza direcionadas ao imenso 
contingente que compoe 0 exercito industrial de reserva, atualmente mun­
dializado e, no caso dos dirigentes dos sindicatos e partidos de esquerda, 
cargos govemamentals, empregos em ONGs, participac;;ao em fundos de 
pensao, os govemos social-liberals v~m erodindo a base dos movimen­
tos; Da{"porque a celebrac;;ao do novo individualismo e das medidas soci~ . 
ais focalizadas em micronichos; 2) a opc;;ao de referendar a direita "dis­
sica" obviamente nao e plausivel para a esquerda social, embora possa 
ser urn caminho para grande parte da populac;ao, visto que, como apon­
tado anteriormente, a direita para 0 social vern incidindo vigorosamente 
, sobre a massa popular, valendo~se da responsabilidade social das em­
, presas e da nova filantropia. Assim, concretamente restaria para a es­
querda apenas uma altemativa: referendar a opc;;ao "menos pior", mas 
pagando 0 prec;;o da erosao paulatina dos moVimentos e das organiza­
c;oes populares. 
Eo ess~dramatica reaUdade que 0 novo livro do Coletivo de Estudos de 
POlftica Educacional (CNPq/Fiocruz-EPSN) A direita para 0 social e a es­
querda para 0 capital: iflteiectuais da nova pedagogia da hegemonia noBrasil analisa de forma inovadora. Os autores propoem-se urn extraordi­
nario desafio politico que, como assinalado, vern alimentando acalorados 
debates, em especial a partir dos anos 1990: produzir conhecimento te6ri­
co rigoroso que possacontribuir para_abrir novas perspectivas para as lutas 
e para a definic;;ao de estrategias anticapitalistas. No Prefacio de Para a 
crftica d(l cconomia politica, de 1859, Marx sustenta que "a humanidade 
coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, 
a uma considerac;;ao mais rigorosa, Se acharii selTlpre que a propria tare fa 
1 
15 !
PREf'Aao 1 
s6 aparece onde jii existem, ou pelo menos estao no processo de se for­ ~ 
mar, as condic;;6es materiais da sua resoluc;;ao".2 ~ o exame das lutas socials latino-americanas na Bolivia, no Equador, 1no Mexico, em Honduras, no Brasil, na Argentina, etc. permite reconhecer 
que existem lutas socials e produc;ao de conhecimento pelos movimentos 
que recusam, a1nda que em germe, essa disjuntiva entre as referidas vari­ I, I ~ 
ac;6es neoliberais. Seguem existindo movimentos empenhados na cons­
truc;;ao do socialismo e na descomodificac;a03 radical dos direitos socials. 
 I I~ Na virada para 0 presente seculo tambem aconteceram lutas muito inten­
sas e criativas em defesa do socialismo de inspirac;;ao camponesa eind[ge­ ~/ .~na expresso pelo "bem viver". Entretanto, embora reconhec;;amos a impor­
. '~i ! 
tfulcia da exist~ncia dessas lutas, a1nda restam profundas lacunas na pro­ i 
duc;ao do conhecimento sobre 0 modo como os dorninantes dominam na 
atualidade:-Os -aesafios teoricos e pedagogicos dos movimentos na disputa I 
por otlti'ahegemonia sao, por conseguinte, relevantes, em que pesem avan­
c;;os no plano epistemol6gico advindos da critica ao eurocentrismo e' em jdefesa da interculturalidade. 
Os desafios da batalha das ideias apontados anteriormente ultrapas­
sam 0 campo acad~mico; entretanto, e preciso sublinhar que a presente 
obra e vigorosamente.estrategica para as lutas da preSente decada. Trata- .. 
se do mais amplo, sistematico e abrangente estudo publicado no Brasil I 
Isobre os fundamentos te6ricos que estruturam 0 mencionado campo ideo­
logico no qual nao e posslvel vislumbrar urn horizonte anticapitalista, nem 
mesmo em uma temporalidade de longa durac;;ao.. 
o Coletivo realizou imenso esforc;;o teorico de anAlise de quase uma 
dezena de autores, de distintas orientac;6es e tradic;oes teoricas, motivado 
 ~ 
pelo objetivo de oferecer aos movimentos sociais que fazem luta urn rigo­ . 
roso mapeamento das ideias e instituic;oes que estao na base do que Lucia 
Nevese seu grupo denornimlram de'pedagogia-da hegemonia. 
Amparados em cuidadosa leitura de Gramsci, principal referencia te6- \­
rico-metodol6gica do grupo, 0 Coletivo sistematizou conceitos-cbave como: 
I Man:, Karl. Para a aftica da economla politica (PrerAclo). In: ___. Obras escolhldas. 3 I. 
Tradu<;ao: Jose Barata·Moura. Usboa: Avante!, 1982. p. 2. Disponlvel em: <http://www.marxists.org! 
portugues/marx!1859/01/preraclo_htm>. Acesso em: 12 jan. 2010. 
I Descomodilica<;lio: pJP.Cesso de luta social objelivando relirar domlnios socials apropriados pelo 
capital (educa<;ao, sa6oe, melo amblente, recursos naturals ...) da esfera mercantil, com vistas a 
assegurar 0 dever do Estado para com esses dlre\tos e pelo controle social desses. 
I 
16 
ADIREITAPARA 0 SOCIAL E A ESQU ERDA PARA 0 CAPITAL: INTELECTUAIS DA NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL 
intelectual, Estado e seus nexos com a sociedade civil e hegemonia. lnvesti­
gou as ideologias que informaram 0 chamado desenvolvimentismo do pos­
Segunda Guerra Mundial, no contexto da Guerra Fria, colocando em rele­
vo as estrategias de convencimento e de coen;ao implementadas contra a 
ameaqa socialista. As ressignifica<;6es da social-democracia nos seculos 
XX e XXI e 0 processo de transforma<;ao de urn Estado de bem-estar social 
numa sociedade de bem-estar social, e suas implica<;6es na formula<;ao e 
difusao da nova pedagogia da hegemonia, foram objeto de inspirada revi­
sao bibliografica. 
Por meio de uma abordagem dialeticamente marxista, 0 Coletivo tra­
balhou com distintos nfveis de analise, indo do abstrato ao concreto pensa­
do. Examinou como os autores analisados conceituaram as transforma­
<;6es advindas da crise dos anos 1970 e, a partir destes achados, definiu os 
eixos gerais que fundamentam a atual pedagogia da hegemonia, a saber: 
uma ordem social pos-tradicional; uma globaliza<;ao intensificadora; uma 
sociedade civil ativa; urn novo Estado democratico; e uma radicaliza<;ao 
da democracia. Posteriormente, estes eixos serviram de referenda para 0 
estudo mais denso dos nove autores analisados. 
A sele<;ao de autores que 0 Coletivo considerou fundamentais para a 
nova pedagogia da hegemonia foi produto de laborioso percurso de pesqui­
sa que vern sendo diligentemente construido desde 2002, e cujo ponto alto 
foi 0 livro Anova pedagogia da hegemon/a: estrategias do capital para eduCBJ:' 
o consenso, publicado em 2005. Eimportante ressaltar que este livro logrou 
enorme impacto na academia e entre movimentos sociais, tornando-se rapi­
damente uma obra de referenda que popularizou 0 termo "pedagogia da 
hegemonia". Desde entao, 0 Coletivo tem-se dedicado a mapear autores, 
conceitos e no<;6es presentes nas formula<;6es da Terceira Via. Resultou desse 
longo trabalho a sele<;ao dos autores examinados: Alain Touraine, Adam 
Schaff, Robert Putnam, Peter Drucker, Boaventura de Sousa Santos, Manuel 
Castells, Edgar Morin, Zygmunt Bauman e Michael Hardt e Antonio Negri. 
Como salientado pelo Coletivo, sao autores distintos, alguns de direita, 
outros de esquerda nao-marxista, outros ainda ex-marxistas, mas que, no 
fundamental convergem para a impossibilidade da revolu<;ao, para 0 fim da 
luta de classes e para a tese de que as energias utopicas devem ser 
direcionadas para a sociedade dvil, compreendida, majoritariamente, como 
parte de urn esquema de tres vertices: Estado, sociedade civil e mercado. 
Desse modo, a sociedade civil e concebida como 0 16cus do diaIogo, das 
iniciativas criadoras, do comunitarismo e da busca de uma vida melhor, 
autonoma (ou relativamente autonoma) em rela<;ao ao Estado e ao merca­
17 
PREfACIO 
do. Contudo, a participa<;ao dos chamados excluidos na sociedade civil nao 
e espontanea, dependendo das iniciativas dos aparelhos privados de 
hegemonia, por meio de uma pedagogia especifica que vern sendo forjada 
pelo capital: a pedagogia da hegemonia. 
A partir desses pilares, ainda que polissemicos, vern sendo erigida a 
pedagogia da hegemonia que busca difundir urn determinado conformismo 
nas massas populares e, mais especificamente, em suas organiza<;6es. Os 
indicadores de crescimento das organiza<;6es que operam a "repolitiza<;ao 
da politica" (forjando as disposi<;6es ideologicas para 0 novo conformismo) 
sao, realmente, impactantes. Entre 1996 e 2005, as funda<;6es privadas e 
associa<;6es sem fins lucrativos (Fasfil) cresceram 215,1%. Esse crescimento 
representou quase tres vezes a media de crescimento de todos os demais 
grupos de entidades, public as e privadas, existentes no Cadastro Central de 
Empresas. Ainda de acordo com os dados de 2005, as Fasfil empregavam 1,7 
milhao de pessoas como trabalhadores assalariados. 
Ao examinar 0 caso brasileiro, 0 Coletivo trabalha a proposi<;ao de 
que duas organiza<;6es foram centrais na difusao dos autores e dos pressu­
postos da pedagogia da hegemonia, embora sob angulos distintos. A Fun­
da<;ao Getulio Vargas (FGV), que historicamente vern formando intelectu­
ais organicos do capitalismo brasileiro ao longo do seculo XX, inicialmen­
te direcionada para quadros do setor publico e, mais recentemente, prio­
ritariamente para 0 setor privado, mas com grande abertura para 0 estudo 
e a forma<;aode dirigentes de ONGs. A segunda organiza<;ao estudada, 0 
Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase), originalmen­
te criada como assessoria aos movimentos sociais e com posicionamento 
crHico ao capitalismo, sofre mudan<;as que abriram fortes intera<;6es com 
iniciativas empresariais, muitas vezes em atividades de coordena<;ao de 
outras ONGs. 
o Coletivo situa-os como aparelhos privados de hegemonia que, ~o 
incorporarem os fundamentos e preceitos da nova pedagogia da 
hegemonia em suas atividades, assumem a fun<;ao de organizadores des­
sa ideologia no pais, tanto no meio empresarial (FGY, responsabilidade 
social das empresas, estruturando as funda<;6es empresariais, apoiando 
programas elaborados pelos empresarios) quanto em espa<;os articuladores 
das lutas como 0 Forum Social Mundial, em cursos de forma<;ao de lide­
ran<;as populares, na assessoria e implementa<;ao de program as sociais, 
etc. Os autores sustentam que existem pontos de interse<;ao entre essas 
organiza<;6es que contribuem para tornar mais organicas as a<;6es pedago­
gicas em prol da hegemonia de fei<;ao social-liberal. 
I ' 
t/ 
---
, 
18 
ADlREITAPARA 0 SOCIAL E A ESQIJERDA PARA 0 CAPITAL: INTEl.ECTUAIS DA NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL 
o presente livro e uma obra de agudo acerto estrategico, incidindo 
sobre dilemas cruciais da conjuntura brasileira e latino-americana. Toda a 
esquerda anticapitalista tera muito a aprender com a leitura desta impres­
cindfvel obra. 0 Cpletivo construiu urn projeto de pesquisa extraordinario 
que faz deste livr~, escrito com ampla participa~o de jovens pesquisado­
res, urn trabalho de (olego, coeso e coerente, que tern tudo para repetir 0 
exilo do primeiro livro do grupo. Ap6s percorrer suas paginas, fica claro 0 ~ 
quanto a batalha das ideias e central nos dias de hoje e, sobretudo, oi 
quanto a pratica polftica tern de ganhar densidade para que a falsa oposi­
c;ao entre a Tercelra Via e 0 imperialismo possa ser compreendida pelo 
conjunto da classe trabalhadora, objetivando a melhor diferenciac;ao das 
lutas de classes. 
Rio de Janeiro, verao de 2010 
. Roberto Leher* 
• Doulor em Educ~v.ao pela Universidade de Sao Paulo(USP), professor da Faculdade de Educa<;ao 
e do Programq de P6s-Grildua<;ao em Educac;ao da Universidade Federal do Rio-de Janeiro (UFRJ), 
pesqulsador do Conselho National de Desenvolvimento Cientifico e Tecnol6gico (CNPq) e 
coordenador do Ob~eIVal6rio So<;ial :?a Amelica Latina - Brasil (Clacso). 
I Apresenta~ao 
I 
... 
-jEste livro e a continuac;ao do trabalho de pesquisa sobre educac;ao 
'I 
poUtica no Brasil de hoje que 0 Coletivo de Estudos de Pol[tica Educacional "'I 
- grupo do Conselho Nacional de Desenvolvimento CienUfico e Tecno16gico, 
da Fundac;ao Oswaldo Cruz e da Escola Politecnica de Saude Joaquim 
VenAncio (CNPq/Fiocruz-EPSN) - vem desenvolvendo desde 2002. 0 pri­
meiro trabalho resultou no livro A nova pedagogia da hegemonia: estrategi­ TIl11 'ias do capital para educar 0 consenso, publicado em 2005. 0 segundo trans­ Iforrnou-se neste livro que ora apresentamos. r 
o primeiro liv~o partiu da constatac;ao de que 0 capitalismo neoliberal, iflli ique se"tem-des€I1volvido no mundo e no Brasil a partir da ultima decada 
do se,culo passado, segue um programa politico especifico - 0 programa 
da.Terceira Via"':, di-fundido a partirde.uma nova pedagogiada hegemonia: 
uma educac;ao para 0 consenso em tome de ideias, ideals e praticas ade­
quadas aos interesses privados do grande capital nacional e intemacional. 
'Para fazer umacriticaa esse projeto polftico, 0 Coletivo primeiramente 
analisou, nos enunciados da Terceira Via, seus pressupostos, principios e I II 
estrategias que, por sua vez, norteiam a nova pedagogia da hegemonia, I 
assim como as diretrizes dos organismos intemacionais que contribufram 
efetivamente para sua propagac;ao em nivel muridial. Em urn segundo 
momento, analisou 0 processo de repolitizac;ao d, polftica no mundo e no 
Brasil contemporaneos, salientando as alterac;6es pcorridas na estrutura e ~ 
'Ina dinamica da sociedade civil brasileira; 0 empresariamento progressivo I 
. das politicas sociais e a construc;ao de novo padrao de sociabilidade; a I 
recorifigurac;ao da aparelhagem estatal e os mecanismos regulatorios que 
estimulam e orientam a difusao da nova pedag6gia da hegemonia no pais. 
E, finalmente, em urn terceiro momento 0 Coletivo procurou identificar na 
pratica social contemporanea a aplicac;ao dos pressupostos, principios e 
estrategias da nova pedagogia da hegemonia, mais especifiearnente nos 
Parametros Curriculares Nacionais, nas ac;6es da Fundac;ao Belgo-Mineira 
para educar as novas gerac;6es de trabalhadores matriculados. na reele 
publica do municipio mineiro de Vespasiario, na doutrina e na-pratica das 
ac;6es filantr6picas empreendidas pela 19reja Cat61ica nesse perfodo e na 
ac;ao da Vila Olimpioo da Mare, expressao da politica publica de esportes 
nas favelas do Rio de Janeiro. 
'J! f: 'i" 
20 
AOIREITA PAllA 0 SOCIAl.E A ESQUI'lIDA PARA 0 CAPITAL: 1NTf.I.ECI'IJAiS DA NOVA PEDAGOGIA DA IIEGEMOHIA NO BRASIl. 
Este novo livro e 0 resultado de cerca de quatro anos de estudo em que 
se procurou estabelecer uma rela¢o entre conhecimento e hegemonia Tal 
como no anterior, este se enquadra na linha de pesquisa denominada Edu­
rca~ao Politica, que busca[analisar 0 papel educador do Estado capitalista na 
l atualidade mundial e nacional. 
A identifica~ao de diferentes formula~6es te6ricas interpretativas das 
mudan~as atuais no capitalismo mundial como expressao do surgimento de 
urn "novo mundo". constituido por novas subjetividades e novas rela~oes 
sociais, levou-nos a investigar os fundamentos hist6ricos e poUtico-ideoI6gi­
cos dessas teoriza~6es.A partir de referendais te6rico-metodol6gicos do ma­
terialismo hist6rico, em especial das contrlbui~6es do pensador italiano An­
tonio Gramsci, constatamos que essas teorias se configuram em substrato 
ideol6gico fundamental da nova pedagogia da hegemonia e evidenciamos, 
tambem, que elas subsidiam a forma~ao e atuac;ao de individuos e organis­
mos que se constituem em intelectuais organicos da nova pedagogia da 
hegemonia nas diferentes formac;6es sociais concretas no seculo XXI. 
o presente livr~, A direita para 0 social e a esquerda para 0 capital: 
. intelectuats orgtinicos da nova ped.agogia. da hegemonia no Brasil,· nao e 
uma coletanea de arUgos de pesquisadores associados: e 0 resultado do 
trabalho de urn grupo de pesquisadores envolvidos em produzir coletiva­
mente conhecimento a partir de urn linico objeto de pesquisa. Durante 
mais de tres anos, em encontros quinzenais, todo 0 grupo de pesquisado­
res estudou esta tematica sistematicamente, retirando dar suas formula­
c;oes conjuntas. 0 grupo foi subdividido apenas para a apresentac;ao dos 
resultados sistematizados coletivamente. Mesmo assim, reunioes mensais 
garanUram que a redac;ao dos capitulos expressasse a unidade te6rico­
metodol6gica e a coerencia das formulac;oes conjuntamente elaboradas, 
assegurando, dessa forma, a constituic;ao de urn todo organico. 
A guisa de intoduc;ao, no lexto "A nova pedagogia da hegemonia e a 
formac;ao/aluac;ao de seus intelectuais organicos" apresentamos as caracte­
rfslicas da nova pedagogia da hegemonia e discutimos, atualizando, a con­
cepc;ao de inlelectual formulada por Antonio Gramsci, procurando desta­
car as func;oes sociais e a natureza contemporanea da- formac;ao/atuac;ao 
dos intelectuais organicos da nova pedagogia da hegemonia. 
No texto "Fundam~ntos hist6ricos da formac;ao/atuac;ao dos intelectuais 
da nova ped~gogia da hegemonia", procuramos mapear a construc;ao da 
hegemonia capitalista ao longo do periodo de Guerra Fria, pontuando suas 
estrategias de convencimento implementadas nos parses centrais, na Ameri­
ca Latina e no Brasil, em meio autilizac;aode mecanismos de coerc;ao con­
21 
APRESENTAC'O 
tra a ameac;a socialista Procuramos, tamhem, situar os parAmetros da cria­
~ao de urn novo senso comum nas forma~6es sociais concretas em tome de 
"uma nova sociedade", enfatizando as metamorfoses da social-democracia 
nos seculos XX e XXI e 0 processo de transforma~ao de urn Estado de bem­
'-I 
estar social em uma sociedade de bem-estar social, bern como suas implica­ I 
~6es na forma¢o escolar e politica dos intelectuais de diferentes nfveis que 
atuam formulando e difundindo a nova pedagogia da hegemonia. 
"Fundamentos te6ricos da for~ac;ao/atua~ao dos intelectuais da nova 
pedagogia da hegemonia" tem por finalidade realizar urn debate entre as 
teses basiJares do projeto politico da Terceira Via - uma ordem social p6s­
tradicional; uma globalizac;ao intensificadora; uma sociedade civil ativa; 
um novo Estado democratico; e uma radicalizac;ao da democracia - e as 
contribuic;6es de diferentes autores que escreveram sobre 0 surgimento de 
urn "novo mundo" entre os anos finais do seculo XX e os anos iniciais deste 
seculo. Tentamos reladonar as formula~6es individuais desses autores a 
constru~ao coletiva do projetopolitico da social-democracia reformulada 
e quemantem a formac;ao/atuac;ao dos novosintelecttiais organicos da 
nova pedagogia da hegemonia. 
Por lim, em itA formac;ao/atua<;ao dos intelectuais. da nova pedagogia . 
da· hegemonia: experiencia-s brasileiras" selecionamos dois intelectuais 
coletivos: a Fundac;ao Getulio Vargas (FGV), que, historic:mtente, vem for­
mando intelectuais organicos do capitalismo brasileiro ao longo do seculo 
XX; e 0 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase), inse­
rido entre os novos aparelhos privados de hegemonia - as organizac;oes 
nao-govemamentais (ONGs) -, que se multiplicaram nos a~os finais do 
seculo anterior e na decada inicial do seculo atual. Procuramqs identificar 
nesses dois aparelhos privados de hegemonia a incorporac;ao dos funda­
mentos. e preceitos da nova pedagogia da hegemonia em suas atividades 
como intelectuais organic os. -
Agradecemos ao CNPq, adirec;ao da Escola Politecnica de Saude Joa­
quim Venancio da Fiocruz e aoLaborat6rio de Trabalho e Educac;ao Profis­
sional em Saude (Lateps) dessa escola, especial mente a coordenadora 
Monica Vieira e demais colegas de laborat6rio, pelo apoio irrestrito ao 
projeto desenvolvido. Um agradecimento muito particular a Josiane Me­
drado, a nossa Jo, que sempre com um sorriso nos labios apoiou-nos em 
todas as reunioes e nas inumeras demandas do grupo. Agradecemos tam-­
bem aos colegas da Biblioteca Emilia Bustamante da EPSN, pela presteza 
e carinho com q.te nos ajudaram a desvendar os misterios bibliograficos 
que cercavam nosso objeto de estudo. 
22 
ADIRElTA PARA 0 SOCIALEAESQUERDA PARAO CAPITAL: IM'EI.ECI'UAiS DA NOVA P£DAGOGIA DA HEGEMONIA NOIlRASIL 
Urn agradecimento muito especial ao fil6sofo argentino lSii~t~;-;K~ 
f:que, individualmente e com 0 Coletivo Amauta, ajudou-nos a refietir sobre as mudan<;as no pensamento social contemporaneo e as fonnas como essas 
~ mudan<;as se espalharam pela America Latina como urn todo. 
Agraded~mos, ainda, a todos os pesquisadores que participaram em 
algum momento do desenvolvimento da pesquisa e que, por motivos os 
mais variados, nao puderam prosseguir ate 0 final: KAtia Regina de Souza 
lima, Lea Cutz Gaudenzi, Anna Violeta Robeiro Dumo, Claudio Fernandes 
da Costa, Valeria Fernandes de Carvalho, MOnica Vieira, Renata Reis, Rosilda 
Bennachio, Andre Dantas e Gabriela Rizo. 
Por fim; agradecemos aos profissionais que, com carinho e seriedade, 
ocuparam-se de tornar nosso trabalho mais atraente para 0 leitor, execu­
tando os trabalhos de revisao e de elabora<;ao da capa do livro. 
t
. 
::1 
1 '''~ I '1 ~ 
~Anova pedagogia da hegemonia e a 
, 1 
forma¢o/atua¢o de seus intelectuais orgfulicos j~ 
'~
.' !~ 
.. 
.-I 
AndreSilva Martins;LUcia Maria Wanderley Neves 
I 
Desde 0 final do seculo XX, no penodo em que, sob 0 novo imperialis­
mo, intensificam-se as formas de explora<;ao e domina<;ao para assegurar a 
reprodu¢o ampliada do capital, consideravel numero de pensad9res dedi­
cou-se a analisar as mudan<;as que vinham acontecendo em Ambito mundi­
al. Parcela significativa desses te6ricos sugere que as rela<;6es sociais capi­
talistas estariam definitivamente superadas ou teriam perdido a relevancia 
na constitui<;ao e na dinAmica das sociedades contemporaneas. 
As ideias difundidas por esta perspectiva de analise sugerem que 0 
"novo mundo" e~igiria novos nexos entre razao e realidade para nao dei­
xar escapar 0 que estaria diante de nossos olhos: as experiencias multifa­
cetanas, adiversidade social e politica, as novas intera<;6es entre 0 local e 
o global, as novas identidades culturais e 0 aparecimento de indivlduos 
mais autOnomos e reflexivos. 0 ponto em comum assumido pelos intelectu- . 
ais e sUas-teorias eque as referencias do passado teriam perdido a valida­
de. Portanto, algumas Iinhas te6ricas de interpreta<;ao da realidade e as 
. formas tradicionais de organiza<;ao e interven<;ao polltica ter-se-iam torna­
do obsoletas. 
Se num primeiro momento as teorias revelam a legltima inquieta<;ao 
de intelectuais na busca de explica<;6es para as recentes mudan<;as ocorri- . 
das 'na civiliza<;ao urbano-industrial, no piano hist6rico elas ultrapassam 0 
locus academico para integrar-se direta ou indiretamente a processos poll­
ticos mais complexos de afirrna¢o de novo projeto hegemOnico em dife­
- rentes:fQrma<;6es so<;.iais. 
A partir de uma analise da realidade brasileira nas (dtimas decadas, e 
possivel verificar' ~ue as re.la<;6es sociais capitalistas for<;lm mantidas, e ate 
rnesrno se inlensificaram, e "que as mudan<;as ocorridas nessas rela<;6es 
I 
.I 
" 
24 
ADlRElTAPARA 0 SOCIALEA ESQUERDA PARA 0 CAPITAL: INTELECTIlAlS DA NOVAPEDAGOGIA DAIIEGEMONIA NOBRASIL 
sao apenas expressao, no plano geral, da fase mais intensa da dinrunica 
capitalista radicalizada pela financeirizac;ao da economia (CHESNAIS, 2005) 
e, no plano especifico, pela consolidac;ao da nova pedagogia da hegemonia 
(NEVES, 2005). 
\ 
A nova pedagogia da hegemonia materializou-se com ac;oes efetivas 
na aparelhagem estatal e na sociedade civil nos anos finais do seculo XX e 
nos anos iniciais do seculo XXI, configurando uma nova dimensao educativa 
do Estado capitalista. Sua principal caracterlstica e assegurar que 0 exerci­
cio da dominac;ao de classe seja viabilizado por meio de processos edu­
cativos positivos. Sua efetividade justifica-se em parte pela forc;a de sua 
fundamentac;ao; te6rica, que legitima iniciativas poUticas de organizac;6es 
e pessoas baseadas na compreensao de que 0 aparelho de Estado nao 
pode estar presente em todo tempo e espac;o e que e necessario que a 
\1 sociedade civil e que cada cidadao se tomem responsaveis pela mudanc;a 
da politica e pela definh;ao de formas alternativas de ac;ao social. Trata-se 
de urn intens.o pr()cesso de mudanc;a de concepc;6ese praticas ordenadas 
(i pela "itepoliU~a.~AoCia polftica1', envolvendo-todo 0 tecido social. Por "re­
politiza~ao da poIitica"eIltende-s~ a red~finic;ao da- participac;ao politica 
no contexto democratico das decadaS finais do seculo XX e iniciais do 
seculo XXI, voltadas ao fortalecimento da coesao social nos moldes do 
projeto neoliberal da Terceira Via (NEVES, 2005). -
Cumpre ressaltar que 0 conceito de hegemonia na acepc;ao 
gramsciana designa urn complexo processo de relac;oes vinculadas ao 
exercfcio do poder nas sociedades de classes, que se materializa a partir 
de uma concepc;ao de mundo e da pratica poHtica de uma classe ou 
frac;ao de classe. 0 exerdcio da hegemonia e, para Gramsci (1999},._~~!TI­
pre uma relac;ao pedagogica quebuscasubordinar em term()~_morais e 
intelectuais grupos sociais inteiros por meio da persuasao e. cl~e~~ca­
c;ao. Trata-se de- urn conceito que expressa 0 movirhento realizado por 
-uma classe ou frac;ao de classe sobre outras classese frac;6es de classes 
para convencer e organizar 0 consenso em tome de uma concepc;ao par­
tictIlar demundo. A questao fundamental contida no conceito gramsciano 
de hegemonia e a transformac;ao do projeto particular de uma classe ou 
frac;ao de classe em uma concepc;ao que passa a ser aceita pela ampla 
maioria'-Ressalta2se que "I ...tuma reforma intelectuale moral nao pbde--­
deixar de estar ligada a urn programa de reforma economica; mais pre­
cisamente, 0 programa de reforma economica e exatamente 0 modo 
concreto atraves do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral" 
(GRAMSCI, 2000b, p. 19). 
25 
I A NOVA PEDAGOGIA DAIIEGEMONIAEAFORMAt;AOIATUAcAo DESEUSINTELECTUAlSOROOICOS 
A nova pedagogj;l da hegemonia e sinonima do exercicio da domina­
c;ao, nos anos final!do seculo XX e anos iniciais do novo secu}o, estabe­
.. 1 
lecida nas formac;oes sociais centrais e dependentes, sendo que sua efe­
tividade decorre da legitimidade das teorias que a sustentam e da per­
manente atuac;ao de novos intelectuais orgdnicos do capital responsaveis 
por sua difusao. 
Uma das principais caracterfsticas do bloco historico que se forma a 
partir da nova pedagogia da hegemonia, envolvendo a formulac;ao de no­
vas teorias, a formaC;ao de novos intelectuais organicos e a difusao peda­
gogica dos novos consensos, eo realinhamento ideol6gico de teoricos e de 
forc;as politicas nas relac;6es sociais e de poder. Esse realinhamento sugere 
'/1i'que, com a "crise do marxismo", a "morte do socialismo" e a "insuficien­
cia da perspectiva neoliberal", 0 futuro da polltica estaria localizado num 
plano que vai alem da.s formas c1assicas "esquerda" e "direita". A aposta 
mais significativa da nova pedagogia da hegemonia e 0 complexo movi­
mento concomitante de criac;ao de novos sujeitos politicos- col~tivDs, de 
reconversao dos anUgos sujeitospoliticos coletivos e de-desorganizac;ao da 
. vis.ao crftica ao capitalismo para a construc;ao do novo consenso.! 
Para tanto, no plano politico 0-novo bloco historito fundamenta-se no 
processo de depurac;ao do projetoda social-democracia "Que concilia mer­
cado com justic;a social e, no plano teorico, nas teorias que difundem a 
existencia de "novas relac;oes" que se constroem supostamente de manei­
ra independentedas relac;6es sociais capitalistas. Assim, 0 alicerce da for­
mac;ao e da atuac;ao dos intelectuais organicos, singulares e coletivos, res­
ponsaveis pela implementac;ao das estrategias economicas, polfticas, d­
.. enUficas, filosoficas e culturais da nova pedagogia da hegemonia encon­
tra-se fundamentado na teorizac;ao antimarxista e no projeto politico da 
nova social-democracia expresso no programa da Terceira Via} 
.. Cumpre ressaltar que os intelectuais da nova pedagogia da hegemonia 
sao pessoas e organizac;oes cuja atribuic;ao especifica e a formulac;ao, adap­
tac;ao e disseminac;ao, em diferentes Jinguagens, das ideias que funda­
mentam a nova concepc;aq de mundo e praticas polHko-ideo16gicas da 
burguesia mundial. Eles sao tambem os responsaveis pela organiza~ao de 
atividades que visam a sedimentar em todo 0 tecido social urn novo senso 
_ 1_:Para uma compreeRliao l:Ietalhada desse movimento. ver, especilicamente, Neves (2005). 
2 -Pani apreensao do programada Terceira Via, ver Giddens (200 1a, 200 1b). 
_~i 
• 
'.,
.. 
,if 
26 
AOIRElTAPARAOSOCIALEA E$QUEROA PARA 0 CAPrrAL: INTEL£CTUAlSOA NOVAPEOAGOGIA OA HEGEMONIA NO BRASil. 
cornum em tomo de urn novo padrao de sociabilidade para 0 seculo XXI. 
Sao, portanto, os funcionanos subaltemos da classe mundialmente domi­
nante e dirigente na formula<;ao, adapta<;ao e difusao das teorias e das 
praticas que fundamentam 0 neoliberalismo da TerceiraVia (ou novo desen­
~ IvoMmentismo oli social-democracia com aroma UberaI), construindo si­
multaneamente umA "direita para 0 social" (MARTINS, 2009) e "uma es­
querda para 0 capital" (COELHO, 2005). 
E importante ressaltar que 0 termo intelectual, ao longo da hist6ria, 
vern adquirindo imlmeros significados. Ern sua acep<;ao generica, vern sen­
do empregado para nomear os indivfduos letrados de uma sociedade. 
Bobbio, Matteuci e Pasquino (1997) indicam que ha. dois sentidos para 
esse substantivo. 0 primeiro designa uma categoria ou classe social parti­
cular que se distingue pela instru<;ao e pela competencia cienUfica, tecni­
ca ou administrativa, superior a media e que compreende aqueles que 
exercem atividades ou profissoes especializadas. 0 segundo sentido desig· 
na intelectuais como escritores, artistas, estudiosos e cientistas ea too os . 
que tenham adquirido uma autoridade e uma influencia nos debates pu­
. blicos. . 
Embora nao percam de vista a competencia tecnica necessaria a ativi­
dade do intelectual, os ensaios sociol6gicos, filos6ficos e etico-polfticos 
evidenciam tambem a rela~ao existente entre intelectual e politica. Nessa 
perspectiva, sao denominados intelectuais aqueles que, por terem conhe­
cimentolTlais sistematizado em relac;ao a determinadas tematicas sociais, 
possuem o· discernimento para propor, de forma aut6noma, solu<;oes co­
muns as necessidades da sociedade em seu conjunto. Com isso, e atribuf· 
da ao intelectual uma "func;ao publica". Quer como letrados, quer como 
ieladores do bern comum, os intelectuais, nessas acepc;oes, distanciam­
se, pela razao, dos conflitos e antagonismos de classe presentes nas for­
mac;oes sociais. 
Diferentes estudos destacam a func;ao publica assumida historicamen­
te pelo intelectual no Brasil. Pecaut (1990) observa que a intelligentsia 
brasileira, alimentando sua vocac;ao para elite dirigente, colocou-se 
tendencialmente como mediadora indispensavel entre as classes, uma 
categoria social a parte com 0 papel privilegiado na construc;ao da socie­
. daQe, seja ao lado do Estado ou contra ele. De modo similar, Miceli (2008) 
observou que 0 intelectual abrasileira e urn personagem sardo das elites 
que se deixa cooptar pelo poder do Estado. Carvalho (2007), analisando as 
institui<;6es que tern fornecido parametros para 0 exerdcio da atividade 
intelectual e a illscric;ao socialdos seus participantes ao longo da hist6ria 
27 
lANOV.APEOAGOOIAOAHEGEMONIAEAFORMA<;:AotAnJAC'-ODESEUSINTELECTlIAISORGANlOOS 
brasileira, observa que se mantem viva desde a monarquia ate os dias 
atuais a dimensao publica da atividade intelectual brasileira. 
Ao analisar a rela<;ao entre intelectual e polftica na passagem do capi­
talismo concorrencial para 0 capitalismo monopolista nos anos iniciais do 
seculo XX - momenta de expressiva socializa<;ao da participac;ao pOlitica , (';, 
e de ocidentaliza<;ao das formac;6es urbano-industriais -, Antonio Grarnsci 
iniciou suas reflex6es sobre 0 papel desempenhado pelos intelectuais nas I' l 
sociedades de classes, indagando sobre a natureza de sua ac;ao. !: 
A primeira constata<;ao gramsciana quanto aos intelectuais, registrada ­
no volume 2 dos Cademos do carcere (volume que concentra, mas nao 
esgota suas ideias sobre os intelectuais3), foi a de que, em vez de se cons- v 
titufrem em um grupo aut6nomo e independente, sao uma cria<;ao das ~ 
classes sociais fundamentais4 para dar homogeneidade e consciencia ao 
seu projeto de sociedade, nas dimensoes economica, social e politi ca. E 
nessa perspectiva abrangente que 0 autor atribui aos intelectuais a fun<;ao 
social de organiza<;ao da cultura.5 
Por intelectuais. Gramsd(200.2, p. 93, grifo nosso) entendia· 
L..I nao s6 aquelas camadas comumente compreendidas nesta denomina­ ~ 
<;;ao (os letrados ou elites politicas), mas, em geral, todo 0 estrato social que 1 
.. 
l A Importancia atribufda por Gramsci a tematica dos intelectuaispode ser apreendida por meio da 
analise dos varios pianos de trabalho para os Cademos do dir~ere. Ela esteve presente desde sua 
primeira formula .. ao, reglstrada em carta endere .. ada a Tatiana Schuch!, em 19 de marc;;o de 1927, 
quando incluia 0 estudo dos intelectuais entre os quatro teIiJas que pretendia desenvolver, nos 
seguintes termos; uJ) uma pesquisa sobre a formac;;ao do «spirito publico na Itatia no seculo 
passado; em outras palavras, uma pesquisa sobre os inteleetuais italianos, suas origens, seus 
agrupamentos segundo commtes culturais, seus diversos modos de pensar ...". Novamente em 
carta a Tatiana Schucht, de 24 de fevereiro de 1929, aparece em primeiro lugar entre os Itens a 
serem pesquisados nos Cademos.••: uA hist6ria italiana no seculo XIX, com especial referencia a 
formac;;ao e ao desenvolvimento dos grupos intelectuais". 0 tema dos intelectuals encontra-se 
tambem no plano enunciado no cademo I, de 8 de fevereiro desse mesmo ano. entre os principals 
t6picos de estudos. como a seguir; "3) Formal;oo dos grupos inlelectuais italianos; desenvolvimento, 
atitudes." 0 mesmo tema aparece. ainda, no cademo 8 (193 I). nas notas esparsas e apontamentos 
para uma hist6ria dos intelectuais Italianos mais estreitamente associado 11 questao escolar 
(GRAMSCI, 1999. p. 77-80). .. 
• "Todo grupo social, nascendo no terreno orlginario de uma funC;;ao essencial no mundo da !
produc;;ao economica. cria para si. ao mesmo tempo, organicamente. uma 01.1 mals carnadas de 
intelectuals que Ihe dao homogeneidade e consciencia da pr6pria func;ao. nao apenas no campo t 
economico, mas tambem no social e politico' (GRAMSCI, 2000a, p. 15).· . 
5 Cultura e aqui entendidil,como "0 conjunto de vis6es de mundo - valores. cren .. as e autopercepc;6es 
de seu lugar na sociedade· - desenvolvido por cada grupo social ou frac;ao de classe (MENDON<;A. 
1998, p. 21). 
28 
AOIRFJTAPAAAOSOClAt.EAESQUERDAPAAAOCAPlTAL:Ifm!'.LECl'UAISDANOVAPEOAOOGIADAHEGEMONIANOBRASIL 
'~erce funt;6es organizalivas em sentido lato, seja no campo da produ~ao, 
;~';.(t.seJa no da cultura e no politico-administrativo: correspon.dem aos suboficiais 
L~Jubaltemos no Exercito e tambem, em parte, aos oficiais superiores de ori­. 
. fQb~sem supalterna., 
8!)itiCom esta concepc;ao abrangente, Gramsci, tal como fez com 0 concei­
to de Estado, realiza dma ampliac;ao consideravel do conceito de intelec­
'blal nas' fonnac;6es sociais ocidentais, dando-Ihe nova expressao quantita­
tiva e qualitativa. Ele observou que ''OS' intelectuais exercem nessas fonna­
C;Oes sociais tarefas diferenciadas por graus, na criac;ao e difusao de certa 
tUltura'.No mais'alto grau'siltiartl-se os criadores das varias ci~ncias, da 
filosofia e da arte~ e no mais baixo, "os modestos 'administradores' e di­
vulgadores da riqueza intelectual ja existente, tradicional, acumulada" 
(GRAMSCI, 2000a, p. 21). Nas sociedades ocidentais, portanto, os intelectu­
ais profissionais6 fonnulam e disseminam capilarmente as ideias, ideais e 
praticas das classes fundamentais. Diferentemente do senso comum, que 
\J. \ destaca a dimensao de vanguarda dos intelectu~s - artistica, cientlfica, 
~ Ifilos6fica ou poUtica -, Gramsci alertava para a importancia politico-ideo­
116gica da difusao de verdades ja conhecidas, na criasao e ,consolidac;ao de 
ihegemonias. 
l Gramsci lucidamente compreendeu que a relac;ao entre os intelectu­
. ais e 0 mundo da produc;ao nao se da de formaimediata. Ela "e 'media­
. tizada', em diversos graus, por todo 0 tecido social, pelo conjunto das su­
'''' I perestruturas, do qual os intelectuais sao precisamente 'os funcionarios'." 
\ (GRAMSCI, 2000a, p. 20) Nessa perspectiva; os intelE~ctuais sao majoritari­
amente os funciom'irios subalternos da classe dominante nos dois pIanos ~ 
. superestruturais: aparelhagem estatal e sociedade civil. Paraele, os inte­
lectuais organicos do proletariado, em geral menos numerosos e mais 
~ desqrganizados, tambem se constituem em funcionarios especializados das 
classes 49!!linadasfla 'Cons.truc;ao e execuc;ao da pedagogia da contr..a­
?' '. . ~.-.".."...!!,egemooJa. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que os intelectuais sao os 
ag~ consolidac;ao de uma concepc;ao de mundo e de uma vontade 
coletiva de urn "bloco historico" (COUTINHO, 1988). 
Mesmo com 0 olhar voltado para a organizac;ao de uma nova cultura ­
a cultura proletaria -, as reflexoes gramscianas sobre a diversificac;ao em 
1_1,_;' , 
r • Gramscl ulllize a expressAo Intelec.luaJ profissi~na1 para.de~ominar ~s intelecluais, em senlido 
\ esbUo, aquoici que exercem na socledade fun<;oes orgamzallvas em dlferentes nivels .. 
"T ; rn" 
29 
1ANOVA J>EDAOOOt.\ DAHEGEMONIAEA I'OR~QlAruN;AoD£SEUS lNTEI.ECllJAIS0RGAN1COS 
graus da atuac;ao poUtico-ideol6gica dos intelectuais podem ser pertinen­
tes tambem para explicitar como a hegemonia burguesa veio paulatina­
mente sendo eonstruida no decorrer do seculo XX e como, nesse processo, 
assumem importancia estrategica os intelectuais disseminadores da visao 
de mundo e das praticas da classe dominante. Para Gramsci, 
Criar uma nova cultura nao slgnifica apenas fazer indlvidualmente descober­
tas "originais"; significa tambem, e sobretudo, difundir critlcamente verda­
des ja descobertas, "socializa-Ias" por asslm dizer; e, portanto, transrorma-Ias 
em base de a<;oes vitais, em elemento de coordemi<;ao e de or<iem intelectual 
e moral. 0 fato de que uma multldao de homens seja conduzlda a pensar 
coerentemente e de maneira unitana a realidade presente e urn fato "mosofi­
co" bem mais importante e "original" do que a descoberta, por parte de um 
"genio" filosofico, de uma nova verdade que permane~a como patrimonio 
de pequenos grupos intelectuais. (GRAMSCI, 1999, p. 95-96) 
No capitalismo, os intelectuais sao majoritariamente organicos da clas­
se burguesa, mas, em geral, em menor m1mero, sao tambem intele.ctuais 
organicos da classe trabalhadora. Entretanto, 0 capitalismo herdo~ do modo, 
de produc;ao anterior urn conjunto de inteleduais nao imediatamente vin­
culados ao desenvolvimento dasrelac;oes sociais capitalistas(eclesiasti­
cos, administradores, cientistas, fi16sofos nao-eclesiasticost professores, etc.)., 
POl serem intelectuais preexistentes, Gramsci denominou-oS'de "intelectu­
ais tradicionais", para diferencia-Ios dos que "nascem" na dinAmica da 
sociedpde capitalista. Apesar de serem considerados no plano imediato 
como aut6nomos e independentes das classes sociais fundamentais, sao 
de fato atrafdos e assimilados pelas concepc;oes de mundo e de sociabili­
dade que os envolvem. 
be modo geral, devido ao lugar ocupado nas formac;oes sociais prece­
dentes, eles tendem a reproduzir majoritariamente as relac;oes sociais vi­
gentes, constituindo-se em prepostos importantes das classes dominantes 
do capitalismo, nas formac;oes sociais ocidentais. Este e 0 caso, por exem­
plo, dos intelectuais de tipo rural atuantes nos centros urbanos de pequeno 
porte (advogados, tabeliaes, padres, professores, medicos) que, ao reali­
zarem:a conexao entre a actministrac;ao estatal ou local e as massas cam­
ponesas, acabam por concretizar uma grande func;ao polftico-social con­
servadora, ja que a mediac;ao profissionai dificilmente se separa da medi- I 
, , a<;ao polltica. 
Mas, dependendo do estagio da correlac;ao das forc;as sociais, alguns 
podem ser atraidos ri!1nbem pelas forc;as sociais contra-hegem6nicas, cons­
titulndo-se inclusive em intelectuais orgAnicos do proletariado. 
~ 
•
ill 
• 
~ 
II 
II 
II 
, 
I, 
30 
ADtREITAPARAO~EAESQUERDAPARAOCAPlTAL:INTELECI1IAlSDANOVAPED"'GOGIADAHEGEMONIANOBRASIL 
Amedida que a moderniza~ao capitalista se intensificava ao longo do 
. seculo xx, esses intelectuais de lipo rural, de origem tradicional, foram per­
dendo a centralidade polilica para os intelectuais urbanos formadosem meio 
ao processo de desenvolvimento de praticas politico-ideol6gicas mais con­
dizentes com a intensifica~ao da socializa~ao da participac;ao poUlica 
Os novos intelec!tuais do capitalismo monopolista, devido A crescente 
inser~ao cientifica e tecnol6gica na produ~ao da exist~ncia, v~em-se im­
pelidos a redefinir 0 conteudo e a forma de suas praticas conectivas e 
r organizativas. Nas palavras do pr6prio Gramsci (2000a, p. 53), "0 modo de 
\ ser do novo intelectual nao pode mais consistir na eloqli~ncia, motor exte­
! rior e momentaneo dos afetos e das paix6es, mas numa inser~ao ativa na 
;, vida pralica, como construtor, organizador, 'persuasor permanente' [ ...Jda 
I tecnica-trabalho, chega A tecnica-ci~ncia e A (concepc;ao filos6fica) [ ... J 
, especialista + politico". 
Observando 0 fenomeno do industrialismo, ainda em seus primordios, 
GramsCi constatou 0 nascimento de um lipo especffico de intelectual orga­
nieo: 0 intelectual de lipo urbano. Para ele,esse novo intelectual urbano 
.linha como tarefa politicO=ideologica, naquele momento, articular a mas­
sa instrumental fabril com 0 empresariado industrial. Tendo como refer~n­
cia as praticas layloristas e fordistas da organizac;ao cienHfica do trabalho 
nos Estados Unidos, Gramsci observa que, embora realizasse tarefas de 
natureza conectiva e organizativa, esse intelectual de tipo urbano nao atu­
ava ainda como um grande articulador politico-social, circunscrevendo sua 
ac;ao predominantemente ao espac;o fabril. Essa limitada func;ao politico­
ideol6gica desempenhada pela nova ger~ncia industrial nao se estendia, 
no entanto, aos demais intelectuais. ~ 
Com 0 desenvolvimento do industrialismo e a intensificac;ao das prati­
cas polftico-organizativas, caracteristicas das formac;oes sociais de tipo 
ocidental, a divisao entre intelectuais de tipo urbano e intelectuais de lipo 
rural, registrada pelo pensador italiano nas decadas iniciais do seculo XX, 
tendea ser superada no processo historico. 
Os intelectuais do seculo XXI sao majoritariamente intelectuais orga­
nicos da cultura urbano-industrial, no exerdcio de func;oes polltico-ideolo­
gicas gerais de diferentes niveis. As praticas individualizadas dos intelectu­
ais de tipo rural vao sendo de modo crescente substituidas por.ac;6es cole­
tivas na disputa por projetos de sociedade e de sociabilidade, e as praticas 
limitadas ao ambiente fabril, dos ate entao denominados intelectuais de 
tipo urbano, vao-se ampliando para 0 conjunto da sociedade. Alias, Gramsci 
ja havia assinalado que "a hegemonia nasce na fabrica, [ ... mas nao se 
31 
I... NOVA PEDAGOGIA DA HEClEMONIA EA FORw.c;.\QIATUAy\o DESf.lJS INTEl.ECTUAIS ORGANICOS 
restringe a ela, requerendo J intermedianos profissionais da politica e da 
ideologia" para consolida-Ia (GRAMSCI, 2001, p. 247-248) . 
Coutinho (2006b) brinda-nos com importantes reflexoes sobre 0 papel 
do intelectual no mundo contemporaneo. Ele aponta primeiramente para a 
diversidade e 0 alargamento das fun~6es intelectuais. Nesse senti do, repor­
tando-se a Grarnsci, observa que existe 0 grande intelectual, 0 produtor de 
conce~6es de mundo universais, mas existe tambem um sem-mlmero de 
rarnifica~oes e mediac;6es,.por meio das quais os pequenos e medios inte­
lectuais fazem com que as grandes concepc;oes de mundo cheguem ao 
povo. Esse autor observa ainda que, alem do aumento consideravel do seu 
quantitativo, houve no mundo contemporaneo uma metamorfose na 
"morfologia dos intelectuais", salienlando que continua a ser de fundamen­
tal importancia entre esses "criadores e propagadores de ideologias" a so-. 
cializac;ao do conhecimento, sobretudo do conhecimento ligado ao pensa­
men to social (COUTINHO, 200Gb, p. 115-116). 
Essas observac;5es de Coutinho sobre os intelectuais no mundo con tempo­
raneo oferecem importantes pistas para refletir sobre 0 papel do intelectual 
na realidade brasileira contemporanea, em especial sobre as possibilida­
des concretas de construc;ao·de uma outra hegemonia politicb-ideoI6gica. 
Vale ressaltar, noenlanto, que, devido ao processo tardio ou hipertardio 
do desenvolvimento capit.:ilista brasileiro, os intelectuais d~ tipo rural ain­
da t~m papel significativo na organizac;ao cultural do pais. Entretanto, 0 
processo aceleradode urbanizac;ao efetivado a partir dos anos 1970 e 0 
crescente alargamento da socializac;ao da participac;ae polftica amplia­
ram consideravelmente 0 quantitativo dos intelectuais umanos e redefiniram 
suas caracteristicas e pralicas, na disputa politico-ideol6gica entre classes 
e frac;6es de classe na atualidade. 
Devido A heran~a colonial da formaC;ao social brasileira, A heranc;a 
elitista dos seus intelectuais, ao carater inconcluso de nosso processo de 
ocidentalizaC;ao,7 ha no pais uma forte tend~ncia de importac;ao, em dire­
1 Essa ideia de processo de ocidentaliza<;ao eenfaUzada por Carlos Nelson Coutinho em diversos 
trabalhos. Nessa perspecUva, observa: "Com efeito, os conceitos de 'Oriente' e 'Ocidente' nao sao 
[para Gramsci) <:onceitos estaticos, apenas sincr6nico~, definindo duas zonas do mundo: Gramsci 
toma consciencia de que 0 fortalecimento da 'sociedade civil'.e 0 conseqC!ente surgimento de uma 
estrutura social e estatal mais complexa sao processos hist6ricos, diacronicos, que se desenvolvem 
no tempo.lsso significa ql.!'i/egi6es ou proses especificos, que num primeiro momento apresentavam 
formas sociais essencialmente 'orientais', podem evoluir no senUdo de·se tomarem 'ocidentais'.w 
(COUTINHO, 2003, p. 7) 
~ 
~1 
, I 
... 
J 
.~ 
J 
I 
I: I I 
I I 
I 
I 
•
11 
l 
32 
ADlRElTA PARA 0 SOCIAL EA ESQUERDA PARA oCAPITAL: INTELECTUAIS DA NOVAPEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL 
rentes linguagens, da produ<;ao simb6lica das forrnac;6es capitalistas cen­
trais. Aos intelectuais locais e reservado 0 papel, muitas vezes, de meros 
adaptadores e de divulgadores dessa produc;ao forrnulada fora do espac;o 
nacional. Ao disseminar em Ambito interne as ideias, valores e praticas 
dominantes concebidas externamente, os intelectuais brasileiros estao, em 
diferentes nfveis de tonsci~ncia polftica, reforc;ando, em Ambito local, a 
hegemonia burguesa mundial.8 
Gramsci lembra que se deve ainda levar em conta 
[••• J que essas relac;6es intemas de urn Estado-Nac;ao entrelac;am-se com as 
relac;6es intemacionais criando novas combina<;6es originais e historicamente .;!, 
" 
concretas. Uma ideologia, nascida num pais mais desenvolvido, difunde-se em 
pafses menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinac;6es (A reli­
giao, por exemplo, sempre foiuma fonte dessas combina<;6es ideol6gico-po­
liticas nacionais e internacionais; e, com a religiao, as outras forma<;6es inter­
nacionais, como a maC;onaria, 0 Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carrei­
ra, que sugerem recursos politicos de origem hist6rica diversa e os fazem triun­
far em determinados paises, funcionando como partido politico internacional 
que atua em cada nac;ao com todas as suas forc;as intemacionais concentra- . 
das; m~ religiao, ma<;onaria, Rotary, judeus etc. podem ser inclufdos na cate­
goria social dos "intelectuais", cuja fun<;ao, em escala internacional, e a de 
mediar entre os extremos, de "socializar" as descobertas tecnicas que fa2em 
funcionar toda atlvidade de direc;ao, de irnaginar compromissos e altemativas 
entre as solu<;6es extremas). (GRAMSCI, 2000b, p. 42) 
Naconcepc;ao gramsciana de intelectuais, a escola constitui-se no es­
. pac;o e inslrumento estrategicos de formac;ao dos intelectuais profissionais 
da cultura urbano-industrial. Quer para conservar, quer para transformar 
as rela_c;6es sociais vigentes, a escola, em diferentes nfveis e modaJidades, 
forrna os intelectuais criadores e disseminadores da cultura nas socieda­
des ocidentais.9 Assim, no munpo moderno e, mais especificamente, no 
• Coutinho (2000a) desenvolveideias interessantes sobre parcela dos intelectuais brasilelros voitados 
para a crla<;ao da arte, em especial da Ii(eralura e da ciencia social durante 0 seculo XX. Ele atrlbui 
a essa fra<;ilo dos inlelecluais brasileiros uma lendencia ao intimismo a sombra do poder que 
Iraduz umapostura politic a conservadora, embora ressalle 0 caraler nacional·popular de uma 
fl'a<;ao da produ<;ao literarla e cientifica de intelectuais sinlonizados com a conslru<;ao, entre n6s, 
- de uma outra hegemonia politica. 
t Gramsci obse..va, ainda, que "a complexidade da fun<;ao intelectual nos varios Eslados pode ser 
objetivamente medid!\ pela quanUdade_dasescoJas especializadas e pela sua hierarqulza<;ao: 
quanto mais extensa for a "area" escoiar e _quantQ mais numerosos forem os "graus" "verticais" da 
33 
I ANOVAPEDAGOGIADAHEGEMONIAEAf'ORMAcAOIATUAC;AoDESEUSINTELECTUAISORClANtCOS 
industrialismo, a educac;ao cienUfico-tecnol6gica veio se constituindo na 
base da forrnac;ao do novo intelectual que, na qualidade de persuasor per­
manente, necessita desenvolver M.bitos cognitivos e disciplina mental ne­
cessarios ao exerdcio alargado do seu papel de criador e propagador de 
ideologias. 
o papel estrategico adquirido pela escola na forrnac;ao dos intelectu­
ais orgAoicos no mundo contemporAneo faz sobressair, no conjunto dos 
intelectuais profissionais, 0 papel desempenhado pelos educadores, "des­
de 0 professor primArlo ate os da universidade", na disputa de projetos de 
sociedade e de sociabilidade (GRAMSCI, 2002, p. 99). Nessa perspectiva, 
pode-se afirrnar que os educadores, no decorrer do seculo XX, tiveram 
papel estrategico na consolidac;ao da hegemonia burguesa nas forrnac:;6es 
sociais capitalistas centrais, mas tiveram tambem urn peso substancial na 
elaborac;ao de projetos contra-hegemonicos, em especial nas formac:;6es 
sociais capitalistas dependentes (MARTINS, 1996). 
-Aiem das atividades politico-pedag6gicas regulares desenvolvidas pela 
.. escola, Gramsci chamou a atenc;ae para outras atividades educadoras a ela 
relacionadas. Os congressos cientfficos sao lembrados por ele como even­
tos importantes para concentrar e multiplicar a intlu~ncia dos intelectuais 
de nivel mais elevado e obter, ao mesmo tempo, uma concentrac;ao mais 
rapida e uma orientac;ao mais decisiva junto aos intelectuais fie niveis infe­
riores, "que sao levados normalmente a seguir os universitarios e os grandes 
cientistas por espirito de casta" (GRAMSCI, 2002, p. 99). Nesse sentido, os 
congressos cientificos sao ao mesmo tempo instancias de formac;ao de inte­
lectuais e de disseminac;ao de concepc;6es de rvundo. 
Essa finalidade educadora dos congressos ci~ntificos pode ser estendida 
tambem a edic;ao de livros e peri6dicos, a programas de atualizac:;ao profis­
sional e aos congressos das associac:;6es profissionais e politico-siridicais. 
Como se v~, a formac;ao dos intelectuais no decorrer do seculo XX nao 
se limitou ao Ambito da instituic;ao escolar.Ela saiu dos muros da escola, 
atravessando todo 0 tecido social, desde a aparelhagem estatal aos mais 
diversos aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil (MENDON­
r;.A, 1997, 2007). Para Gramsci, esta ac;ao pedag6gicado cotidiano societario 
para a formac;ao do novo intelectual nas formac;6es sociais ocidentais 
' ... 
escola, tao mais complexo sera 0 mundo cultural, a civiliza<;ao, de urn determinado Estado· 
(GRAMSCI, 2000a, p. 18-l9). . 
1 
34 
ADiRElTAPARAOSOCIALEAESQUERDAPARAOCAPlTAL:IN1'fJ£CIlIAISDANOVAPFJ)AG(l(lIADAHEOEMONIANOBRASIL 
[ ••• J existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indMduo com 
rela~ao aos outros indMduos, entre camadas intelectuais e nao-intelectuais, 
entre govemantes e govemados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e 
dirigidos, entre vanguarda e corposde exercito. Toda re1c:l~ao de "hegemonia" 
e necessariamente uma relac;;ao pedag6gica, que se verifica nao apenas no 
interior de uma nrc;;ao, entre as diversas forc;;as que a comp6em, mas em 
todo 0 campo internacional e mUndl8J, entre conjuntos de civiliza~oes nacio­
nais e continentais. (GRAMSCI, (1999, p~' 399) 
'.', r:,~tf.. fJ:i" .r" -~~"·a(\, ~ '1 
Consubstanciaram-se,e"aindci."se consubstanciam em importantes ins­
tAncias educadoras de intelectualidades nas forma<;6es sociais ocidentais 
ou em processo s1e ocidentaJiza<;€to, alem da escola e da convivencia soci­
al, os inurn eros , partidos na sociedade civil, entendidos em seu sentido 
amplo como organismos construtores e divulgadores de concep<;oes de 
mundo (COELHO, 2005). Em urn duplo e concomitante movimento, os diver­
sos e sempre mais numerosos aparelhos privados de hegemonia se consti­
tufram, ao longo de todo 0 industrialismo, em 1) instAncias elaboradoras 
de intelectualidades integrais e totalizadoras de determinada concep<;ao 
de mundo no interior de cada aparelho e 2) intelectuais coletivos, cons tru to- . 
res e difusores de hegemonias poUticas na sociedade em seu conjunto. 
Essa dupla dimensao educadorae organizadora de concep<;oes de mun­
do dos partidos permite-nos dar prioridade a urn tratamento etico-polltico a 
tematica dos intelectuais. Nesse sentido, temos de concordar mais uma vez 
com 0 pensador italiano, quando observa que 0 erro metodol6gic<;> mais 
freqilente no tratamento das atividades intelectuais e buscarseu sentido no 
que e intrinseco a essas atividades, em vez debusca-Io'no conjunto das 
, 
-l\i 
~ 
t
, 	 rela<;6es sociais. Assim, 0 papel do intelectual e sempre, no capitalismo, urn 
problema de constru<;ao de urn projeto de sociedade e de sociabilidade. 
A obtenc;ao do consenso em tomo da concep<;ao burguesa de mundo 
ontem e hoje se deve, de forma significativa, aatua<,;Ao dos seus intelectuais 
orgfmicos e de intelectuais tradicionais convertidos ao seu projeto societal e 
educacional. Mas deve-se tambem a urn movimento de desestrutura<;aoda 
organiza<;ao popular em tomo da concep<;ao de mundo revolucionaria que 
se processa desde as decadas iniciais do seculo XX. Esta desorganiza<;ao, 
entretanto, nao tern significado atomiza<,;Ao da classe trabalhadora, mas sim 
uma redefinic;ao de .sua inserc;ao na arena poUtica contemporanea. 
Gramsci observou, com muita propriedade; que a desorganizac;ao da . 
visao de mundo contra-hegemonica asua epoca foi possibilitada pela inci· 
piente relac;ao entre intelectuais e marxismo, filosofia que embasa 0 pro­
Jeto polrtico proletario. Os grandes intelectuais que se formaram em seu 
35 
I A NOVA PF.DAGOOIA DA HEGEMONlA EA FORMA\1OIATUA~O DE SEUS INTEt.ECTUAlS ORGAMCOS 
terreno, alem de pouco numerosos, devido ao seu distanciamento do povo 
retomaram as camadas medias nas "viradas" hist6ricas das decadas inid­
ais do seculo passado, e os que permaneceram procuraram submete-Io a 
uma revisao sistematica, em vez de prom over seu desenvolvimento auto. 1nomo. Esse fen6meno detectado por Gramsci (2001) p6de ser observado 
lambem no segundo p6s-guerra, quando 0 ideArio revolucionArio foi ce­
dendo lugar ao reforrnismo social-democrata classico nos parses capitalis­
j las centrais e alicen;ando as praticas poUtico-culturais hegem6nicas na 
J aparelhagem estatal e na sociedade civil. De fato, durante os anos de aura 
do capitalismo monopolista a seduc;ao da classe trabalhadora nas forma­
<;6es sociais ocidentais de tipo europeu se fez pelo desenvolvimento de 
praticas de uma pedagogia da hegemonia, caracterizada, primordialmen­
te, pela ampUa<;ao de direitos sociais e pela sua participac;ao, de forma 
subaltema, nas decisoes govemamentais. 
Este deslocamento do ideano revolucionarlo da classe trabalhadora para 
o idearlo reformista social-democrata, inicialmente circunscrito as forma­
<;6es sociais capitalistas centrais, generalizou-see·se agudizoU- nos anos fi­
nais do seculo passado, quando come<;aram a se difundir mais sistematica~ 
mente os fundamentos

Continue navegando