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, , (...) ESTA OBRA CORAJOSAMENTE CONTRIBUI PARA DESMONTAR ·0 DISCURSO, TAo ENFADONHO QUA~TO EFICAZ, DE EXALTA~AO DAS VIRTUDES SUPOSTAMENTE REDENTORAS DE UMA "SOCIEDADE CIVIL ATI~A", "AMIGAVEL COM 0 MERCADO" EASSEPTICAMENTE ESVNlIADA DE RELAC;OES DE EXPLORAC;AO ECONFUTOS DE CLASSE." Apartir da obra de Antonio Gramsci, este livro analisa a renova~ao das formas de domina~ao e diresao sob 0 capitalismo neoliberal, mapeando algumas de suas principais referencias intelectuais e estabelecendo os nexos .entre 0 caso brasileiro e mudan)as fundamentais na ~conomia ·politicainternacional ocorridas nas ultimas decadas. vern a lUI, mim, Ii papel politico e intelectual de ponta exerddo por organismos internacionais (como Banco Mundial e UNESCO) e grandes funda)oes norte-americanas (como Ford e Rockfeller), bern (omo a densa malha de rela)oes que .os conetta, no ambito national, a prestigiosas institui)iies de ellsino e pesquisa, emprms privadas "socialmente respons3veis" e orgariiza)iies nao-governamentais especializadas .em "participa)ao". Fruto de urn trabalho coletivo, eSla· obra co~aiosamente contribui para desmontar 0 discurso, tao ellladonho quanto elicaz, de exalta~ao das virtudes supostamellte redentoras de uma "sociedade civil ativa", "amig~vel com 0 mercado" e assepticamente esvaziada de rela)iies de explora)ao e conflitos de classe. APOIO: Coletlvo de Estudos sobre Politica Educacional 1~1l~1IJr ~ DIREITA PARA oSOCIAL EESQUERDA PARA 0 CAPITAL LUCIA HARIA WANDERlEY NEVES (ORG.) And~e Silva Martins. Daniela Motta de Oliveira. lale FaUeiros, Marcela· Alejandra Pronko. Marcelo Paula de Melo. Marco Antonio Carvalho Santos. Maria Teresa Cavalcami de Oliveira eVanja da Rocha Monteiro I j 1 ~"., .~. Lucia Maria Wanderley Neves (organizadora) Andre Silva Martins • Daniela Motta de Oliveira • lah~ Falleiros Marcela A1ejandra Pronko • Marcelo Paula de Melo • Marco Antonio Carvalho Santos Maria Teresa Cavalcanti de Oliveira • Vanja da Rocha Monteiro t A direita p"ara 0 so~ial e a esquerda para.ocapital: intelectuais da nova pedagogia da hegemon'ia no Brasil Sao Paulo ~ .", ~ 2010 ~ ~ ! l ! ! t 1 C 2010 byLucia Marla Wanderley Neves Direitos desta edil;ao reservados ~ Xama Edltora Uda. Proiblda a reprodu<;ao total ou parcial, por quaisquer meios, sem autoriza<;ao expressa da edltora. Edi<;ao: Expedito Correia Capa: Thlago Lopes da Costa1: Magalhiies Revisao: Estela Carvalho Editora<;ao eletronica: Xama Editora Dados Intemacionais de Catalogac;ao-na-publicac;ao (CIP) D5~8 A direita para 0 social e a esquerda para 0 ca pital : intelectuais da nova pedagogia da h~ gemonia no Brasil/Lucia Maria Wanderley N~ ves (organizadora) ; Andre Silva Martins .•. let al.]. - Sao Paulo: Xama,_ 2010. 223 p. ; 23 cm. Bibliografia: p. 203-215. ISBN 978-85-7587-113-3 1: Pedagogia critica. I. Neves, Lucia Maria Wan<1frley. II. Martins, Andre Silva. . COO 370.115 Apoio: Coletivo de Estudos dePoHtica Educacional (CNPq/Fiocruz-EPSJV) Xama Edilora Rua Proressor Trariquilli.-27 - Vila Afonso Celso CEP 04126·010 - Sao Paulo (SP) • Brasil Tel.: (011)5083-4649 TelJFax: (011)5083·4229 www.xamaeditora.com.brvendas@xamaeditora.com.br Lista de siglas Abia - Associa<;ao Brasileira Interdisciplinarde Aids Abong -Associa<;ao Brasilelra de Organiza<;Oes nao-Govemarnentais AID -Associa<;ao Intemacional do Desenvolvimento Anpec - Associa<;ao Nacional dos Centros de P6s-Gradua<;ao em Economla Anpocs - Associa<;ao de Pesquisa e P6s-Gradua<;ao em Ci~nciasSociais AP - A<;ao Popular A1pa - Ag~ncia de Pesquisas em Projetos Avan<;ados (Advanced Research Project Agency) BAD - Banco de Desenvolvimento Ashitico BAlD - Banco de Desenvolvimento Africano BID - Banco Interarnericano de Desenvolvimento Bird - Banco Intemacionalpara a Reconstru<;ao e 0 Desenvolvimento BM - Banco Mundial BNB - Banco do Nordeste do Brasil BNDES - Banco-Nacional de Desenvolvimento Economico e Social C&T - Ci~ncia e Tecnologia Cademp - Cursos de Curta Dura<;ao em Administra<;ao de Empresas Cadis - Centro de Analise e de Interven<;6es Sociol6gicas Capes - Coordena<;ao de Aperfei<;oamento de Pessoal de Nfvel Superior CDES - Conselho de Desenvolvimento EconOmico e Social -CEAPG ..,Centro de Estudosde Administra<;ao Publica e Govemo Cebrap - Centro Brasileiro de Analise e Planejamento Cece - Comissao Economica para a Europa Cempre - Cadastro Central deE!npresas - Cepa - Comissao Economica para a Africa Cepal- Comissao Economica para a America Latina e 0 Caribe Ceped - Centro de Estudos e Pesquisa no Ensino de Direilo CES - Centro de Estudos em Sustentabilidade Cespac - Comissao Economica e Social para a Asia Ocidental Cesp~p - Comissao Economica e Social para a Asia e 0 Pacifico Ceta - Centro de Treinamento Audiovisual Cels - Centro de Estudos do Terceiro Setor CIA - Ag~ncia Centra1<!e Inteligencia (Central of Intelligence Agency) Cida - Associac;ao Canadense de Desemiolvimento Inlemacional (Canadian Intemational Development Association) .,..., Cives - AssociaC;ao Brasileirade Empresanos para a Cidadania Clacso - ConselhoLatino-Americarmde Ciencias Socials H ~ j '~I 1 I '''I -j j I I , ~ I ,I ~ -1 'i:!" ;" Clapcs - Centro de Pesqulsas em Ch~ncias Sociais CNC - Confedera.;ao Nacional do Comercio CNI-Confedera.;ao Naclonal da Industria CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Clentifico e Tecnol6gico Conjuve - Conselho Nacional de Juventude Consea- Conselho Nacional de Seguran.;aAlimentar CPDOC - Centro de Pesquisa e Documenta.;ao de Hist6ria Contemporanea do Brasil CPS - Centro de ~Utlcas Socials Crla - Centro Radiomnico de Informa.;ao Altemativa Dasp - Departamento Adminlstrativo do Servi.;o Publico [)().RJ - Diretoria de Opera.;6es das Unldades do Rio de Janeiro DO-SP - Diretoria de Opera.;6es das Unidades de Sao Paulo Eaesp - Escola de Administra.;ao de Empresas de sao Paulo Ebap - Escola Brasilelra de Adrninistra.;ao Publica E'bape - Escola Brasileira de Admlnistrac;;ao Publica e de Empresas ECA - Comissao Economica das Na.;6es Unidas para a Africa (United Nations Economic Commission for Africa) " EED - Servi.;o de Igrejas da Alemanha para 0 Desenvolvimento Eesp - Escola de Economlade sao Paulo Flap - Escola Interamericana de Admlnlstra.;ao Publica Enad - Escola Naclonal de Administra.;ao· de Angola Ensp - Escola Nacional de Saude Publica Sergio Arouca EPGE - Escola de P6s-Gradua.;ao em Economia EPSJV - Escola ~litecnica de Saude Jaaqulm Venanclo Faetec - Funda.;ao de Apoio aEscola Tecnica do Estado do Rio de Janeiro Faperj - Funda.;ao de Amparo aPesqulsa do Estado do Rio de Janeiro Fasfil- Funda.;5es privadas e associa.;5es sem fins lucrativos FBES - F6rum Braslleiro de Economia Solidana FBO - F6rum Brasileiro de Or.;amento FBSAN - F6rum Brasileiro de Seguran.;aAlimentar e Nutricional FGV - Funda.;ao GetUllo Vargas FHC - Femando Henrique Cardoso Finep - Financiadora de Estudos e Projetos Fiocruz - Funda.;iio Oswaldo Cruz Flacso- Faculdade Latino-Americana de CiE!ncias Sociais .FMI-Fundo Monetario Intemacional FSM - F6rum Social Mundial GCAP - Chamada Global para Ac;ao contra a ~breza e pela Igualdade (Global Call for Action Against ~verty - Together for Iguality) Gife - Grupo de Institutos, Fundac;5es e Empresas Ibad -Instltuto Brasilelro de Ac;ao Democratica Ibase -Instituto Braslleiro de Analises Socials e Econ6micas IBGE -Instituto Brasllelro de Geografia e Estat!stica , Ibra -Instituto Braslleiro de Administra.;ao Ibre -Instituto Braslleiro de Economia IDE -Instituto de Desenvolvimento Educacional IDRC - Centro Intemadonal de Desenvolvimento e Pesquisa- Canadalesae -Instituto de P6s-Graduac;ao em Educa.;ao IGP - Indice Geral de Prec;os Indipo -Instituto de Direlto PUblico e CiE!ncia ~litica IndocC -Instituto Nacional de Documentac;ao Inep -Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnisio Teixeira i ; Instituto Ethos -Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social IPA - (ndice de-Prec;os por Atacado IPC- Indice de Prec;os ao Consumldor Ipea -Instituto de Pesqulsa Econ6micaApUcada Ipes -Instituto de Pesquisas e Estudos Socials !~ Isec -Instituto Superior de Ensino Contabll lsop -Instituto de Sele.;ao e Orientac;ao Profissional luperj -Instituto Universitarlo de Pesquisas do Rio de Janeiro JUC - Juventude Universitana Cat6lica Lateps - Laborat6rio de Trabalho e Educac;ao Profissional em SaMe LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educac;ao Naclonal MBA - Mestre em Administrac;ao de Neg6clos (Master of Business Administration) MDS - Ministerio do Desenvolvimento Social e Combate AFome MEC - Minlsterio da Educac;ao ·1 Mercosul- Mercado Comum do Sui MIM - Mestre em Administra.;ao Intemacional (Master in Intemacional Management) MTE - Ministerio do Trabaiho e do Emprego Nettec - Nucleo de Educac;ao, Trabalho e Tecnoiogia OC - Obrervat6rio da Cidadania OCDE - prganizac;ao para a Cooperac;ao e 0 Desenvolvimento Economico ORA- Organizac;ao dos Estados Americanos OECF - Fundo de Cooperac;ao Economica Exterior do Japao (Japan's Overseas Economic Cooperation Fund) . OIT:- OrganizaC;ao Intern(!.Cional do Trabalho ONG - Organizac;ao nao-govemamental ONU - Organizac;ao das Na4;5esUnidas OS - prganizac;;6es sociais Oscip -Organiza.;5es socials de interesse publico Otan - Organiza.;ao do Tratado do Atlantico Norte Oxfan Novib '- Organizac;ao Holandesa de Cooperac;ao Internacional para 0 Desenvolvimento PAC - Programa de Acelerac;ao do Crescimento PCF - Partido comUilfSta Frances PCN - Parametros Curriculares Nacionais ~ ... .;' L .,. PCPG - Programa Cicio Basko de Gradua<;ao Pegs - Programa de Estudos em GestAo Social Petrobras - Petmleo Brasileiro S. A. PIB - Produto Intemo Bruto . PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais Pnud - Programa das Na<;Oes Unidas para 0 DesenvoIvimento PPGAPG - Programa de Pos-Gradua<;ao em Administra<;ao Publica e Govemo PPGDD - Programa de P6s-Gradua<;ao em Direito e DesenvoIvimento PPHPBC - Programa~e P6s-Gradua<;ao em Hist6ria, PoUtica e Bens Culturais Preal-Programa de Promoc;ao da Reforma Educativa naAmerica Latina e Caribe Proeja - Programa Nacional de Integra<;ao da Educa<;ao Proflssional com a Educa<;ao Basica na Modalidade de Educa<;ao de Jovens e Adultos PSDB - Partido da Social-Democracia Braslleira PSI-Partido Socialista Italiano <.; J PT - Partido dos Trabalhadores PUC-RJ - Pontiffcia Universidade Catolica do Rio de Janeiro RAE - Revista de Administra<;ao de Empresas Rits - Rede de Informa<;oes para 0 Terceiro Setor RSE-Responsabilidade Social Empresarial Senac - Servi<;o Nacional de Aprendizagem Comercial Senai -Servic;o Nacional de Aprendizagem Industrial Sesc - Servi<;o Social do Comer<:io Sesi - Servi<;o Social da Industria SRVPR - Secretaria de Rela<;Oes lnstitudonais da Presidencia da Republica Sunfed - Fundo Especial das Na<;oes Unidas para 0 Desenvolvimento Econ6mico SUS - Sistema Onico de Sallde Tepp - Transforma.<;oes do Estado e Polflicas Pilblicas TIC - Tecnologlas de informa<;ao e comunica<;ao Uerj - Universldade Estadual do Rio de Janeiro UFF - Universidade Federal Fluminense UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora IJfpe - Universidade Federal de Pernambuco UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UNE - Uniao NaCional dos Estudantes Unesco - Organiza<;ao das Na<;6es Unidas para a Educa<;ao, a Cienda e a Cultura Unesp - Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" Uniabeu - Centro Universilario Associa<;ao Brasileira de ErIsino Universilario Unicamp - Universidade Estad,ual de Campinas Unifern - Fundo de IJcsenvolvimento eas Na<;6es Unidas para a Mulher Usaid - Agenda dos Estados Unidos para 0 Desenvolvimento lntemacional (United States Agency for International Development) USP - Unlversidade de Sao Paulo '- Sumcirio Prefacio. Uma penetrante perspectiva te6rica para compreender 0 modo como os dominantes dominam, 11 Apresenta~ao, 19 1 A nova pedagogia da hegemonia e a forma~ao/atua~ao de seus intelectuais organicos, 23 2 Fundamentos hist6ricos da forma~ao/atua~ao dos intelectuais da nova pedagogiada hegemonia. 39 o cenario da Guerra Fda e a constru<;ao de uma pedagogia da hegemonia em tempos de "guerra: cultural", 39 Crise do capitalismo, "neoliberaliza~ao" do mundo e a nova pedagogia da hegemonia, 65 3 Fundamentos te6ricos da forma~ao/atua~ao dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia t, Direita para 0 social e esquerda para 0 capital: suas ideias, 105 Direita para 0 social e esquerda para 0 capital: a constru~ao de urn novo senso comum, 151 , 4 A forma~o/atua~ao dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia: experiencias no Brasil, 155 Funda~ao Getulio Vargas, 155 o Instituto Brasilt!iro de AnaUses Sociais e Economicas em sua rela~ao com a nova pedagogia da hegemonia, 182 J ,j "i::. .. ~ !, -I l d 1"'1 I u~ Referencias, 203 . ~ . ,~. Anexo A-Minibiografia dos autores estudados, 217 .. If •••IPrefacio ~ ,i .~Sabre os autores, 221 , IUma penetrante perspectiva te6rica para , I • iI , •'Iicompreender como os dominantes dominam ~ " A ci~ncia vern sendo desafiada a compreender controverslas. parado 1, xos e contradlc;6es aparentemente insohlveis. Na Ffsica, urn dos mais I apaixonantes debates dos dltimos seculos foi sobre a natureza da luz: part( I cula ou onda? Gigantes da ci~ncia como Huygens, Newton, Faraday, Maxwell I polemizaram, em seus tempos, sobre 0 assunto com magistrais trabalhos. Mas foi somente quando Einstein promoveu uma ruptura epistemol6gica, propugnando que a natureza da luz era onda-partfcula (r6ton). urn novo con tinente te6rico foi aberto para a questao. A ousadia intelectual de Einstein fol nao apenas olhar para fora do sistema de Ideias estabeleCido, mas pro mover a rupturacom aquele para desvendar 0 paradoxo; Em outra escala, nas Ci~ncias Socials, muitas contradic;6es e paradoxos tambem t~m gerado intensas controversias te6rico-polfticas e exigem ousa dias epistemol6gicas. Os determinantes objetivos e subjetivos das chamadas Revoluc;6es d~ Veludo,.no Leste Europeu, da Queda do Muro de Berlim, do desmonte da Unlao Sovietica, no rastro da crise estrutural do capitalismo dos anos 1970 e que levaram ao neoliberalismo, promovendo deslocamentos t t no sistema de Estados, ainda precisam ser mals bern conhecidos para que 0 sociatismo possa ganhar forc;a na disputa pela hegemonia. -Nao menos Im- " portante, e preciso compreender como a soclal-democracia europeia assi milou o neoliberalismoe, mais do queisso, passou a seroperadora das poUticas neoliberais, a exemplo dos governos Mitterrand e Gonzalez, redefinindo a agenda da social-democracia mundial. Com efeito, a relevan- . cia da contribui<;;ao da social-democracia, redefinida para 0 manejo da crise estrutural que transtomou a economia mundial nas quatro (dUmas decadas, ' nao pode ser minimizada. Esta forma de gestao da crise ocorreu em provei to das.classes.dominantes hegemonicas e das fra<;;6es burguesas locais a , elas associa9asl 0 que nao deixa de ser inusitado. Como desdobramentodesses tectonicos acontecimentos que trans tor naram 0 mundO'tlos anos 1980 e 1990, muitas mudanc;as v~m reconfigu Iando a esquerda e tambem a direita na America Latina: ,.,. 12 ADlREITA PARA 0 SOClAL EA ESQUERDA PARA 0 CAPITAL: INTEL£CTUAIS DA NOVA PEDAGOOIApA HEGEMONIA NO BRASIL (0a esquerda hegemOnica na regiao (excluindo, por diversos moti vos, BoHvia, Venezuela e Cuba) opera estrategicamente em prol do recru descimento do imperialismo - em nome de urn desenvolvimentismo que '1\ nao pode prescindir da macroeconomia neoliberal e da flexibiUzac;ao tra balhista e ambiehtal -, em urn contexto de crise estrutural do capitalismo prolongada; e (ii) setores mais "esclarecidos" da direita atuam em prol do "social", por meio de empresas-ddadas, entidades representativas empresariais, \( organizac;Oes nao-governamentais (ONGs), organismos intemacionais e fun dac;oes corporativas, em distintos domini os: emprego, renda, seguranc;a, educac;ao, espo .. rtes, saude, assistencia social, cultura, etc. JA partir desse arco comp6sito (que pode ou DaO compor urn mesmo bloco de poder), o..padrao de acumulac;ao capitalista dependente vern sen ( <i.oaprofuodadocol1) altograu deconsentimento popular, a despeito daper sistencia de selvagens desigualdides, da violencia da expropriac;ao de ter ras e direitos sociais e da erosao das pollticas universalistas. A adesao popular aoprojetoem curso naosignHica que a coerc;ao tenha sido abandonada em favor da produc;ao do consentimento, mas que a coerc;ao passa a ter urn forte componente educativo e que 0 consenso nao pode abrir mao de dimensOes coercitivas. A chamada polHica de paci ficac;ao nas favelas do Rio de Janeiro e ilustrativa. 0 Estado pro move a ocupac;ao por meio de forte aparato policial, nao hesitando em promover muitas mortes "educativas", e alardeia que agora os moradores e,stao Ii vres do juga dos traficantes e que finalmente 0 Estado podera adentrar 0 territ6rio. Mas 0 Estado nao e 0 ator principal da goveman~a da pacifica c;ao. Uma midade de ONGs e programas de parceria entre 0 governo e as empresas e espalhada pelo territ6rio dito pacificado, inclusive assumindo as instituic;oes educacionais formais do Estado. . A doutrina-da pacificac;ao, adaptada do colonialismo, preconiza que a ocupac;ao somente pode ser exitosa com a conquista de corac;oes e men tes dos moradores locais. Assim, para que essas medidas tenham coer~n cia e eficacia, e crucial urn largo colchao ideol6gico. Se sempre 0 dominio envolveu 0 mimejo da ideologia, ha novos elementos nasestrategias de dominic atuais, que exigerri uma miradate6rica inovadora sobre a proble matica da ideologia. 0 deslocamento da explorac;ao/expropriac;ao para exclusao/inclusao e decisivo. Apartir dessacaracterizac;ao, todo urn enor me aparato de noc;oes e ideias e difundido para que os ditos excluidos possam vislumbrar a possibilidade da inclusao social. A esquerda para 0 capital e a direita para 0 social funcionam de modo I complementar e compartilham urn horizonte de longa durac;ao comum: 13 I'RfFAao operam a ideologia de que a ordem do capital e imutavel. Nao pode surpre ender, pois, 0 estreitamento cada vez maior dos lac;os que as unem. Urn ..J ..governo social-liberal pode atribuir a urn movimento empresarial a poUtica , i , ~{ ieducacional do pais, como fez 0 governo Lula da Silva ao assurnir a agenda y , . . , , ...jdo Movimento Todos pela Educac;ao (organizado pelas principais corporac;oes l do agroneg6cio, do setor financeiro, das mineradoras e dos meios de comuni ..I cac;ao) em seu Plano de Desenvolvimento da Educac;ao. I' I Isso DaO significa que 0 modus operandi do social-Iiberalismo e da direi ! ta "modema" seja 0 mesmo, a despeito da imensa zona de intersec;ao entre t ambos. Persistem divergencias sobre 0 tamanho e a irradiac;ao das gotas '1que atenuam a explorac;ao da massa trabalhadora, sobre a intensidade da i coerc;ao em deterrninadas situac;Oes e, tambem. na forma de interac;ao com "\ I os sindicatos e movimentos sociais. Eimportante destacar, entre tanto, que no plano estrategico as referidas perspectivas convergem no fundamental: a repr09u.c;ao dosJ~ndamentos do capitalismo dependente. I I ---Caberia indagar, entao: por que esta dupJa dimensao segue existindo? 1 Nao e simples responder a essa indagac;ao. Certamente, a existencia de frac;oes de classe em conflito e urn fator decisivo para manter viva aapa~ rente polarizac;ao entre 0 social-liberalismo e a direita para 0 social.· As tensoes entre as frac;oes burguesas. seguetn existindo e as lutas sociais podem ganhar maior forc;a em periodos de crise, acarretando problemas de govemanc;a. Epossivel incluir a hip6tese de que alimentar essa falsa polarizac;ao e funcional para 0 sistema do capital, pois, seja qual for 0 desfecho de conflitos e disputas na sociedade, a ordem do capital sempre vence. ~ssa ressignificac;ao da esquerda e da direita esta imersa em uma sofis'ticada garna de conceitos, perspectivas e noc;oes elaboradas edifun didas por intelectuais de prestigio na esquerda e entre os liberais. Essas noc;oes sao colocadas em circulac;ao por interrnedio de universidades, re vistas, editoras, meios de comunicac;ao de massa, sindkafos, partidos so cial-liberais, igrejas, muitas vezes por intermedro de debates (orjados, con tando com osuporte de governos (Terceira Via) e capitalizadas fundac;oes e think tanks' prestigiosos. Os termos do debate limitam 0 alcance das Think tanks: centros de fonnulac;;ao de pensamento especiallzados, em geral Iigados ao capital. mantendo vinculos c,~ organismos internacionais e, no caso dOs Eslados Unidos, com 0 Departamento de Estado. Reunem especiallstas que sislematizam as demandas dos setores dominantes, na fonna de IdlHas. conceitos e disposlc;;6es ideo\6g1cas. ~:r \~~ ;) r 14 ADlRElTA PARAOSOCIALEA ESQUERDAPARA 0 CAPITAl: INTELECTUAIS DA NOVA PFDAOOGIA DA HEGEIoIONIA NO BRASIL altemativas entre "neoliberals com rosto humano" e "p6s-neoliberais neode senvolvimentistas" que, contraditoriamente, necessitam dos fundamentos impostos pelo neoliberalismo, colocando 0 movimento social anticapitalista diante de problemas praticos e estrategicos. Apenas para citar urn exemplo que mobiliza grande parte da esquer da: nos processos teleitorais latino-american os - como ocorreu recente mente no Chile e, ao que tudo indica, uma equac;;ao semelhante sera repetida no Brasil em 2010 -,ocampo ideol6gico dominante procura limitar os trabalhadores a duas opc;;oes: 1) apoiar a opc;ao "menos pior", a esquerda para 0 capital,'admitindo a maxima thatcheriana de que nao ha altemativa,.mas ao custo da destruic;;ao dos pr6prios movimentos. Eo i1us6rio acreditar que as medidas dos govemos social-Iiberais nao im pactam a organizac;;ao da c1asse trabalhadora. Por meio do transformismo e da cooptac;;ao por poUticas de alivio a pobreza direcionadas ao imenso contingente que compoe 0 exercito industrial de reserva, atualmente mun dializado e, no caso dos dirigentes dos sindicatos e partidos de esquerda, cargos govemamentals, empregos em ONGs, participac;;ao em fundos de pensao, os govemos social-liberals v~m erodindo a base dos movimen tos; Da{"porque a celebrac;;ao do novo individualismo e das medidas soci~ . ais focalizadas em micronichos; 2) a opc;;ao de referendar a direita "dis sica" obviamente nao e plausivel para a esquerda social, embora possa ser urn caminho para grande parte da populac;ao, visto que, como apon tado anteriormente, a direita para 0 social vern incidindo vigorosamente , sobre a massa popular, valendo~se da responsabilidade social das em , presas e da nova filantropia. Assim, concretamente restaria para a es querda apenas uma altemativa: referendar a opc;;ao "menos pior", mas pagando 0 prec;;o da erosao paulatina dos moVimentos e das organiza c;oes populares. Eo ess~dramatica reaUdade que 0 novo livro do Coletivo de Estudos de POlftica Educacional (CNPq/Fiocruz-EPSN) A direita para 0 social e a es querda para 0 capital: iflteiectuais da nova pedagogia da hegemonia noBrasil analisa de forma inovadora. Os autores propoem-se urn extraordi nario desafio politico que, como assinalado, vern alimentando acalorados debates, em especial a partir dos anos 1990: produzir conhecimento te6ri co rigoroso que possacontribuir para_abrir novas perspectivas para as lutas e para a definic;;ao de estrategias anticapitalistas. No Prefacio de Para a crftica d(l cconomia politica, de 1859, Marx sustenta que "a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma considerac;;ao mais rigorosa, Se acharii selTlpre que a propria tare fa 1 15 ! PREf'Aao 1 s6 aparece onde jii existem, ou pelo menos estao no processo de se for ~ mar, as condic;;6es materiais da sua resoluc;;ao".2 ~ o exame das lutas socials latino-americanas na Bolivia, no Equador, 1no Mexico, em Honduras, no Brasil, na Argentina, etc. permite reconhecer que existem lutas socials e produc;ao de conhecimento pelos movimentos que recusam, a1nda que em germe, essa disjuntiva entre as referidas vari I, I ~ ac;6es neoliberais. Seguem existindo movimentos empenhados na cons truc;;ao do socialismo e na descomodificac;a03 radical dos direitos socials. I I~ Na virada para 0 presente seculo tambem aconteceram lutas muito inten sas e criativas em defesa do socialismo de inspirac;;ao camponesa eind[ge ~/ .~na expresso pelo "bem viver". Entretanto, embora reconhec;;amos a impor . '~i ! tfulcia da exist~ncia dessas lutas, a1nda restam profundas lacunas na pro i duc;ao do conhecimento sobre 0 modo como os dorninantes dominam na atualidade:-Os -aesafios teoricos e pedagogicos dos movimentos na disputa I por otlti'ahegemonia sao, por conseguinte, relevantes, em que pesem avan c;;os no plano epistemol6gico advindos da critica ao eurocentrismo e' em jdefesa da interculturalidade. Os desafios da batalha das ideias apontados anteriormente ultrapas sam 0 campo acad~mico; entretanto, e preciso sublinhar que a presente obra e vigorosamente.estrategica para as lutas da preSente decada. Trata- .. se do mais amplo, sistematico e abrangente estudo publicado no Brasil I Isobre os fundamentos te6ricos que estruturam 0 mencionado campo ideo logico no qual nao e posslvel vislumbrar urn horizonte anticapitalista, nem mesmo em uma temporalidade de longa durac;;ao.. o Coletivo realizou imenso esforc;;o teorico de anAlise de quase uma dezena de autores, de distintas orientac;6es e tradic;oes teoricas, motivado ~ pelo objetivo de oferecer aos movimentos sociais que fazem luta urn rigo . roso mapeamento das ideias e instituic;oes que estao na base do que Lucia Nevese seu grupo denornimlram de'pedagogia-da hegemonia. Amparados em cuidadosa leitura de Gramsci, principal referencia te6- \ rico-metodol6gica do grupo, 0 Coletivo sistematizou conceitos-cbave como: I Man:, Karl. Para a aftica da economla politica (PrerAclo). In: ___. Obras escolhldas. 3 I. Tradu<;ao: Jose Barata·Moura. Usboa: Avante!, 1982. p. 2. Disponlvel em: <http://www.marxists.org! portugues/marx!1859/01/preraclo_htm>. Acesso em: 12 jan. 2010. I Descomodilica<;lio: pJP.Cesso de luta social objelivando relirar domlnios socials apropriados pelo capital (educa<;ao, sa6oe, melo amblente, recursos naturals ...) da esfera mercantil, com vistas a assegurar 0 dever do Estado para com esses dlre\tos e pelo controle social desses. I 16 ADIREITAPARA 0 SOCIAL E A ESQU ERDA PARA 0 CAPITAL: INTELECTUAIS DA NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL intelectual, Estado e seus nexos com a sociedade civil e hegemonia. lnvesti gou as ideologias que informaram 0 chamado desenvolvimentismo do pos Segunda Guerra Mundial, no contexto da Guerra Fria, colocando em rele vo as estrategias de convencimento e de coen;ao implementadas contra a ameaqa socialista. As ressignifica<;6es da social-democracia nos seculos XX e XXI e 0 processo de transforma<;ao de urn Estado de bem-estar social numa sociedade de bem-estar social, e suas implica<;6es na formula<;ao e difusao da nova pedagogia da hegemonia, foram objeto de inspirada revi sao bibliografica. Por meio de uma abordagem dialeticamente marxista, 0 Coletivo tra balhou com distintos nfveis de analise, indo do abstrato ao concreto pensa do. Examinou como os autores analisados conceituaram as transforma <;6es advindas da crise dos anos 1970 e, a partir destes achados, definiu os eixos gerais que fundamentam a atual pedagogia da hegemonia, a saber: uma ordem social pos-tradicional; uma globaliza<;ao intensificadora; uma sociedade civil ativa; urn novo Estado democratico; e uma radicaliza<;ao da democracia. Posteriormente, estes eixos serviram de referenda para 0 estudo mais denso dos nove autores analisados. A sele<;ao de autores que 0 Coletivo considerou fundamentais para a nova pedagogia da hegemonia foi produto de laborioso percurso de pesqui sa que vern sendo diligentemente construido desde 2002, e cujo ponto alto foi 0 livro Anova pedagogia da hegemon/a: estrategias do capital para eduCBJ:' o consenso, publicado em 2005. Eimportante ressaltar que este livro logrou enorme impacto na academia e entre movimentos sociais, tornando-se rapi damente uma obra de referenda que popularizou 0 termo "pedagogia da hegemonia". Desde entao, 0 Coletivo tem-se dedicado a mapear autores, conceitos e no<;6es presentes nas formula<;6es da Terceira Via. Resultou desse longo trabalho a sele<;ao dos autores examinados: Alain Touraine, Adam Schaff, Robert Putnam, Peter Drucker, Boaventura de Sousa Santos, Manuel Castells, Edgar Morin, Zygmunt Bauman e Michael Hardt e Antonio Negri. Como salientado pelo Coletivo, sao autores distintos, alguns de direita, outros de esquerda nao-marxista, outros ainda ex-marxistas, mas que, no fundamental convergem para a impossibilidade da revolu<;ao, para 0 fim da luta de classes e para a tese de que as energias utopicas devem ser direcionadas para a sociedade dvil, compreendida, majoritariamente, como parte de urn esquema de tres vertices: Estado, sociedade civil e mercado. Desse modo, a sociedade civil e concebida como 0 16cus do diaIogo, das iniciativas criadoras, do comunitarismo e da busca de uma vida melhor, autonoma (ou relativamente autonoma) em rela<;ao ao Estado e ao merca 17 PREfACIO do. Contudo, a participa<;ao dos chamados excluidos na sociedade civil nao e espontanea, dependendo das iniciativas dos aparelhos privados de hegemonia, por meio de uma pedagogia especifica que vern sendo forjada pelo capital: a pedagogia da hegemonia. A partir desses pilares, ainda que polissemicos, vern sendo erigida a pedagogia da hegemonia que busca difundir urn determinado conformismo nas massas populares e, mais especificamente, em suas organiza<;6es. Os indicadores de crescimento das organiza<;6es que operam a "repolitiza<;ao da politica" (forjando as disposi<;6es ideologicas para 0 novo conformismo) sao, realmente, impactantes. Entre 1996 e 2005, as funda<;6es privadas e associa<;6es sem fins lucrativos (Fasfil) cresceram 215,1%. Esse crescimento representou quase tres vezes a media de crescimento de todos os demais grupos de entidades, public as e privadas, existentes no Cadastro Central de Empresas. Ainda de acordo com os dados de 2005, as Fasfil empregavam 1,7 milhao de pessoas como trabalhadores assalariados. Ao examinar 0 caso brasileiro, 0 Coletivo trabalha a proposi<;ao de que duas organiza<;6es foram centrais na difusao dos autores e dos pressu postos da pedagogia da hegemonia, embora sob angulos distintos. A Fun da<;ao Getulio Vargas (FGV), que historicamente vern formando intelectu ais organicos do capitalismo brasileiro ao longo do seculo XX, inicialmen te direcionada para quadros do setor publico e, mais recentemente, prio ritariamente para 0 setor privado, mas com grande abertura para 0 estudo e a forma<;aode dirigentes de ONGs. A segunda organiza<;ao estudada, 0 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase), originalmen te criada como assessoria aos movimentos sociais e com posicionamento crHico ao capitalismo, sofre mudan<;as que abriram fortes intera<;6es com iniciativas empresariais, muitas vezes em atividades de coordena<;ao de outras ONGs. o Coletivo situa-os como aparelhos privados de hegemonia que, ~o incorporarem os fundamentos e preceitos da nova pedagogia da hegemonia em suas atividades, assumem a fun<;ao de organizadores des sa ideologia no pais, tanto no meio empresarial (FGY, responsabilidade social das empresas, estruturando as funda<;6es empresariais, apoiando programas elaborados pelos empresarios) quanto em espa<;os articuladores das lutas como 0 Forum Social Mundial, em cursos de forma<;ao de lide ran<;as populares, na assessoria e implementa<;ao de program as sociais, etc. Os autores sustentam que existem pontos de interse<;ao entre essas organiza<;6es que contribuem para tornar mais organicas as a<;6es pedago gicas em prol da hegemonia de fei<;ao social-liberal. I ' t/ --- , 18 ADlREITAPARA 0 SOCIAL E A ESQIJERDA PARA 0 CAPITAL: INTEl.ECTUAIS DA NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL o presente livro e uma obra de agudo acerto estrategico, incidindo sobre dilemas cruciais da conjuntura brasileira e latino-americana. Toda a esquerda anticapitalista tera muito a aprender com a leitura desta impres cindfvel obra. 0 Cpletivo construiu urn projeto de pesquisa extraordinario que faz deste livr~, escrito com ampla participa~o de jovens pesquisado res, urn trabalho de (olego, coeso e coerente, que tern tudo para repetir 0 exilo do primeiro livro do grupo. Ap6s percorrer suas paginas, fica claro 0 ~ quanto a batalha das ideias e central nos dias de hoje e, sobretudo, oi quanto a pratica polftica tern de ganhar densidade para que a falsa oposi c;ao entre a Tercelra Via e 0 imperialismo possa ser compreendida pelo conjunto da classe trabalhadora, objetivando a melhor diferenciac;ao das lutas de classes. Rio de Janeiro, verao de 2010 . Roberto Leher* • Doulor em Educ~v.ao pela Universidade de Sao Paulo(USP), professor da Faculdade de Educa<;ao e do Programq de P6s-Grildua<;ao em Educac;ao da Universidade Federal do Rio-de Janeiro (UFRJ), pesqulsador do Conselho National de Desenvolvimento Cientifico e Tecnol6gico (CNPq) e coordenador do Ob~eIVal6rio So<;ial :?a Amelica Latina - Brasil (Clacso). I Apresenta~ao I ... -jEste livro e a continuac;ao do trabalho de pesquisa sobre educac;ao 'I poUtica no Brasil de hoje que 0 Coletivo de Estudos de Pol[tica Educacional "'I - grupo do Conselho Nacional de Desenvolvimento CienUfico e Tecno16gico, da Fundac;ao Oswaldo Cruz e da Escola Politecnica de Saude Joaquim VenAncio (CNPq/Fiocruz-EPSN) - vem desenvolvendo desde 2002. 0 pri meiro trabalho resultou no livro A nova pedagogia da hegemonia: estrategi TIl11 'ias do capital para educar 0 consenso, publicado em 2005. 0 segundo trans Iforrnou-se neste livro que ora apresentamos. r o primeiro liv~o partiu da constatac;ao de que 0 capitalismo neoliberal, iflli ique se"tem-des€I1volvido no mundo e no Brasil a partir da ultima decada do se,culo passado, segue um programa politico especifico - 0 programa da.Terceira Via"':, di-fundido a partirde.uma nova pedagogiada hegemonia: uma educac;ao para 0 consenso em tome de ideias, ideals e praticas ade quadas aos interesses privados do grande capital nacional e intemacional. 'Para fazer umacriticaa esse projeto polftico, 0 Coletivo primeiramente analisou, nos enunciados da Terceira Via, seus pressupostos, principios e I II estrategias que, por sua vez, norteiam a nova pedagogia da hegemonia, I assim como as diretrizes dos organismos intemacionais que contribufram efetivamente para sua propagac;ao em nivel muridial. Em urn segundo momento, analisou 0 processo de repolitizac;ao d, polftica no mundo e no Brasil contemporaneos, salientando as alterac;6es pcorridas na estrutura e ~ 'Ina dinamica da sociedade civil brasileira; 0 empresariamento progressivo I . das politicas sociais e a construc;ao de novo padrao de sociabilidade; a I recorifigurac;ao da aparelhagem estatal e os mecanismos regulatorios que estimulam e orientam a difusao da nova pedag6gia da hegemonia no pais. E, finalmente, em urn terceiro momento 0 Coletivo procurou identificar na pratica social contemporanea a aplicac;ao dos pressupostos, principios e estrategias da nova pedagogia da hegemonia, mais especifiearnente nos Parametros Curriculares Nacionais, nas ac;6es da Fundac;ao Belgo-Mineira para educar as novas gerac;6es de trabalhadores matriculados. na reele publica do municipio mineiro de Vespasiario, na doutrina e na-pratica das ac;6es filantr6picas empreendidas pela 19reja Cat61ica nesse perfodo e na ac;ao da Vila Olimpioo da Mare, expressao da politica publica de esportes nas favelas do Rio de Janeiro. 'J! f: 'i" 20 AOIREITA PAllA 0 SOCIAl.E A ESQUI'lIDA PARA 0 CAPITAL: 1NTf.I.ECI'IJAiS DA NOVA PEDAGOGIA DA IIEGEMOHIA NO BRASIl. Este novo livro e 0 resultado de cerca de quatro anos de estudo em que se procurou estabelecer uma rela¢o entre conhecimento e hegemonia Tal como no anterior, este se enquadra na linha de pesquisa denominada Edu rca~ao Politica, que busca[analisar 0 papel educador do Estado capitalista na l atualidade mundial e nacional. A identifica~ao de diferentes formula~6es te6ricas interpretativas das mudan~as atuais no capitalismo mundial como expressao do surgimento de urn "novo mundo". constituido por novas subjetividades e novas rela~oes sociais, levou-nos a investigar os fundamentos hist6ricos e poUtico-ideoI6gi cos dessas teoriza~6es.A partir de referendais te6rico-metodol6gicos do ma terialismo hist6rico, em especial das contrlbui~6es do pensador italiano An tonio Gramsci, constatamos que essas teorias se configuram em substrato ideol6gico fundamental da nova pedagogia da hegemonia e evidenciamos, tambem, que elas subsidiam a forma~ao e atuac;ao de individuos e organis mos que se constituem em intelectuais organicos da nova pedagogia da hegemonia nas diferentes formac;6es sociais concretas no seculo XXI. o presente livr~, A direita para 0 social e a esquerda para 0 capital: . intelectuats orgtinicos da nova ped.agogia. da hegemonia no Brasil,· nao e uma coletanea de arUgos de pesquisadores associados: e 0 resultado do trabalho de urn grupo de pesquisadores envolvidos em produzir coletiva mente conhecimento a partir de urn linico objeto de pesquisa. Durante mais de tres anos, em encontros quinzenais, todo 0 grupo de pesquisado res estudou esta tematica sistematicamente, retirando dar suas formula c;oes conjuntas. 0 grupo foi subdividido apenas para a apresentac;ao dos resultados sistematizados coletivamente. Mesmo assim, reunioes mensais garanUram que a redac;ao dos capitulos expressasse a unidade te6rico metodol6gica e a coerencia das formulac;oes conjuntamente elaboradas, assegurando, dessa forma, a constituic;ao de urn todo organico. A guisa de intoduc;ao, no lexto "A nova pedagogia da hegemonia e a formac;ao/aluac;ao de seus intelectuais organicos" apresentamos as caracte rfslicas da nova pedagogia da hegemonia e discutimos, atualizando, a con cepc;ao de inlelectual formulada por Antonio Gramsci, procurando desta car as func;oes sociais e a natureza contemporanea da- formac;ao/atuac;ao dos intelectuais organicos da nova pedagogia da hegemonia. No texto "Fundam~ntos hist6ricos da formac;ao/atuac;ao dos intelectuais da nova ped~gogia da hegemonia", procuramos mapear a construc;ao da hegemonia capitalista ao longo do periodo de Guerra Fria, pontuando suas estrategias de convencimento implementadas nos parses centrais, na Ameri ca Latina e no Brasil, em meio autilizac;aode mecanismos de coerc;ao con 21 APRESENTAC'O tra a ameac;a socialista Procuramos, tamhem, situar os parAmetros da cria ~ao de urn novo senso comum nas forma~6es sociais concretas em tome de "uma nova sociedade", enfatizando as metamorfoses da social-democracia nos seculos XX e XXI e 0 processo de transforma~ao de urn Estado de bem '-I estar social em uma sociedade de bem-estar social, bern como suas implica I ~6es na forma¢o escolar e politica dos intelectuais de diferentes nfveis que atuam formulando e difundindo a nova pedagogia da hegemonia. "Fundamentos te6ricos da for~ac;ao/atua~ao dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia" tem por finalidade realizar urn debate entre as teses basiJares do projeto politico da Terceira Via - uma ordem social p6s tradicional; uma globalizac;ao intensificadora; uma sociedade civil ativa; um novo Estado democratico; e uma radicalizac;ao da democracia - e as contribuic;6es de diferentes autores que escreveram sobre 0 surgimento de urn "novo mundo" entre os anos finais do seculo XX e os anos iniciais deste seculo. Tentamos reladonar as formula~6es individuais desses autores a constru~ao coletiva do projetopolitico da social-democracia reformulada e quemantem a formac;ao/atuac;ao dos novosintelecttiais organicos da nova pedagogia da hegemonia. Por lim, em itA formac;ao/atua<;ao dos intelectuais. da nova pedagogia . da· hegemonia: experiencia-s brasileiras" selecionamos dois intelectuais coletivos: a Fundac;ao Getulio Vargas (FGV), que, historic:mtente, vem for mando intelectuais organicos do capitalismo brasileiro ao longo do seculo XX; e 0 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase), inse rido entre os novos aparelhos privados de hegemonia - as organizac;oes nao-govemamentais (ONGs) -, que se multiplicaram nos a~os finais do seculo anterior e na decada inicial do seculo atual. Procuramqs identificar nesses dois aparelhos privados de hegemonia a incorporac;ao dos funda mentos. e preceitos da nova pedagogia da hegemonia em suas atividades como intelectuais organic os. - Agradecemos ao CNPq, adirec;ao da Escola Politecnica de Saude Joa quim Venancio da Fiocruz e aoLaborat6rio de Trabalho e Educac;ao Profis sional em Saude (Lateps) dessa escola, especial mente a coordenadora Monica Vieira e demais colegas de laborat6rio, pelo apoio irrestrito ao projeto desenvolvido. Um agradecimento muito particular a Josiane Me drado, a nossa Jo, que sempre com um sorriso nos labios apoiou-nos em todas as reunioes e nas inumeras demandas do grupo. Agradecemos tam- bem aos colegas da Biblioteca Emilia Bustamante da EPSN, pela presteza e carinho com q.te nos ajudaram a desvendar os misterios bibliograficos que cercavam nosso objeto de estudo. 22 ADIRElTA PARA 0 SOCIALEAESQUERDA PARAO CAPITAL: IM'EI.ECI'UAiS DA NOVA P£DAGOGIA DA HEGEMONIA NOIlRASIL Urn agradecimento muito especial ao fil6sofo argentino lSii~t~;-;K~ f:que, individualmente e com 0 Coletivo Amauta, ajudou-nos a refietir sobre as mudan<;as no pensamento social contemporaneo e as fonnas como essas ~ mudan<;as se espalharam pela America Latina como urn todo. Agraded~mos, ainda, a todos os pesquisadores que participaram em algum momento do desenvolvimento da pesquisa e que, por motivos os mais variados, nao puderam prosseguir ate 0 final: KAtia Regina de Souza lima, Lea Cutz Gaudenzi, Anna Violeta Robeiro Dumo, Claudio Fernandes da Costa, Valeria Fernandes de Carvalho, MOnica Vieira, Renata Reis, Rosilda Bennachio, Andre Dantas e Gabriela Rizo. Por fim; agradecemos aos profissionais que, com carinho e seriedade, ocuparam-se de tornar nosso trabalho mais atraente para 0 leitor, execu tando os trabalhos de revisao e de elabora<;ao da capa do livro. t . ::1 1 '''~ I '1 ~ ~Anova pedagogia da hegemonia e a , 1 forma¢o/atua¢o de seus intelectuais orgfulicos j~ '~ .' !~ .. .-I AndreSilva Martins;LUcia Maria Wanderley Neves I Desde 0 final do seculo XX, no penodo em que, sob 0 novo imperialis mo, intensificam-se as formas de explora<;ao e domina<;ao para assegurar a reprodu¢o ampliada do capital, consideravel numero de pensad9res dedi cou-se a analisar as mudan<;as que vinham acontecendo em Ambito mundi al. Parcela significativa desses te6ricos sugere que as rela<;6es sociais capi talistas estariam definitivamente superadas ou teriam perdido a relevancia na constitui<;ao e na dinAmica das sociedades contemporaneas. As ideias difundidas por esta perspectiva de analise sugerem que 0 "novo mundo" e~igiria novos nexos entre razao e realidade para nao dei xar escapar 0 que estaria diante de nossos olhos: as experiencias multifa cetanas, adiversidade social e politica, as novas intera<;6es entre 0 local e o global, as novas identidades culturais e 0 aparecimento de indivlduos mais autOnomos e reflexivos. 0 ponto em comum assumido pelos intelectu- . ais e sUas-teorias eque as referencias do passado teriam perdido a valida de. Portanto, algumas Iinhas te6ricas de interpreta<;ao da realidade e as . formas tradicionais de organiza<;ao e interven<;ao polltica ter-se-iam torna do obsoletas. Se num primeiro momento as teorias revelam a legltima inquieta<;ao de intelectuais na busca de explica<;6es para as recentes mudan<;as ocorri- . das 'na civiliza<;ao urbano-industrial, no piano hist6rico elas ultrapassam 0 locus academico para integrar-se direta ou indiretamente a processos poll ticos mais complexos de afirrna¢o de novo projeto hegemOnico em dife - rentes:fQrma<;6es so<;.iais. A partir de uma analise da realidade brasileira nas (dtimas decadas, e possivel verificar' ~ue as re.la<;6es sociais capitalistas for<;lm mantidas, e ate rnesrno se inlensificaram, e "que as mudan<;as ocorridas nessas rela<;6es I .I " 24 ADlRElTAPARA 0 SOCIALEA ESQUERDA PARA 0 CAPITAL: INTELECTIlAlS DA NOVAPEDAGOGIA DAIIEGEMONIA NOBRASIL sao apenas expressao, no plano geral, da fase mais intensa da dinrunica capitalista radicalizada pela financeirizac;ao da economia (CHESNAIS, 2005) e, no plano especifico, pela consolidac;ao da nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005). \ A nova pedagogia da hegemonia materializou-se com ac;oes efetivas na aparelhagem estatal e na sociedade civil nos anos finais do seculo XX e nos anos iniciais do seculo XXI, configurando uma nova dimensao educativa do Estado capitalista. Sua principal caracterlstica e assegurar que 0 exerci cio da dominac;ao de classe seja viabilizado por meio de processos edu cativos positivos. Sua efetividade justifica-se em parte pela forc;a de sua fundamentac;ao; te6rica, que legitima iniciativas poUticas de organizac;6es e pessoas baseadas na compreensao de que 0 aparelho de Estado nao pode estar presente em todo tempo e espac;o e que e necessario que a \1 sociedade civil e que cada cidadao se tomem responsaveis pela mudanc;a da politica e pela definh;ao de formas alternativas de ac;ao social. Trata-se de urn intens.o pr()cesso de mudanc;a de concepc;6ese praticas ordenadas (i pela "itepoliU~a.~AoCia polftica1', envolvendo-todo 0 tecido social. Por "re politiza~ao da poIitica"eIltende-s~ a red~finic;ao da- participac;ao politica no contexto democratico das decadaS finais do seculo XX e iniciais do seculo XXI, voltadas ao fortalecimento da coesao social nos moldes do projeto neoliberal da Terceira Via (NEVES, 2005). - Cumpre ressaltar que 0 conceito de hegemonia na acepc;ao gramsciana designa urn complexo processo de relac;oes vinculadas ao exercfcio do poder nas sociedades de classes, que se materializa a partir de uma concepc;ao de mundo e da pratica poHtica de uma classe ou frac;ao de classe. 0 exerdcio da hegemonia e, para Gramsci (1999},._~~!TI pre uma relac;ao pedagogica quebuscasubordinar em term()~_morais e intelectuais grupos sociais inteiros por meio da persuasao e. cl~e~~ca c;ao. Trata-se de- urn conceito que expressa 0 movirhento realizado por -uma classe ou frac;ao de classe sobre outras classese frac;6es de classes para convencer e organizar 0 consenso em tome de uma concepc;ao par tictIlar demundo. A questao fundamental contida no conceito gramsciano de hegemonia e a transformac;ao do projeto particular de uma classe ou frac;ao de classe em uma concepc;ao que passa a ser aceita pela ampla maioria'-Ressalta2se que "I ...tuma reforma intelectuale moral nao pbde-- deixar de estar ligada a urn programa de reforma economica; mais pre cisamente, 0 programa de reforma economica e exatamente 0 modo concreto atraves do qual se apresenta toda reforma intelectual e moral" (GRAMSCI, 2000b, p. 19). 25 I A NOVA PEDAGOGIA DAIIEGEMONIAEAFORMAt;AOIATUAcAo DESEUSINTELECTUAlSOROOICOS A nova pedagogj;l da hegemonia e sinonima do exercicio da domina c;ao, nos anos final!do seculo XX e anos iniciais do novo secu}o, estabe .. 1 lecida nas formac;oes sociais centrais e dependentes, sendo que sua efe tividade decorre da legitimidade das teorias que a sustentam e da per manente atuac;ao de novos intelectuais orgdnicos do capital responsaveis por sua difusao. Uma das principais caracterfsticas do bloco historico que se forma a partir da nova pedagogia da hegemonia, envolvendo a formulac;ao de no vas teorias, a formaC;ao de novos intelectuais organicos e a difusao peda gogica dos novos consensos, eo realinhamento ideol6gico de teoricos e de forc;as politicas nas relac;6es sociais e de poder. Esse realinhamento sugere '/1i'que, com a "crise do marxismo", a "morte do socialismo" e a "insuficien cia da perspectiva neoliberal", 0 futuro da polltica estaria localizado num plano que vai alem da.s formas c1assicas "esquerda" e "direita". A aposta mais significativa da nova pedagogia da hegemonia e 0 complexo movi mento concomitante de criac;ao de novos sujeitos politicos- col~tivDs, de reconversao dos anUgos sujeitospoliticos coletivos e de-desorganizac;ao da . vis.ao crftica ao capitalismo para a construc;ao do novo consenso.! Para tanto, no plano politico 0-novo bloco historito fundamenta-se no processo de depurac;ao do projetoda social-democracia "Que concilia mer cado com justic;a social e, no plano teorico, nas teorias que difundem a existencia de "novas relac;oes" que se constroem supostamente de manei ra independentedas relac;6es sociais capitalistas. Assim, 0 alicerce da for mac;ao e da atuac;ao dos intelectuais organicos, singulares e coletivos, res ponsaveis pela implementac;ao das estrategias economicas, polfticas, d .. enUficas, filosoficas e culturais da nova pedagogia da hegemonia encon tra-se fundamentado na teorizac;ao antimarxista e no projeto politico da nova social-democracia expresso no programa da Terceira Via} .. Cumpre ressaltar que os intelectuais da nova pedagogia da hegemonia sao pessoas e organizac;oes cuja atribuic;ao especifica e a formulac;ao, adap tac;ao e disseminac;ao, em diferentes Jinguagens, das ideias que funda mentam a nova concepc;aq de mundo e praticas polHko-ideo16gicas da burguesia mundial. Eles sao tambem os responsaveis pela organiza~ao de atividades que visam a sedimentar em todo 0 tecido social urn novo senso _ 1_:Para uma compreeRliao l:Ietalhada desse movimento. ver, especilicamente, Neves (2005). 2 -Pani apreensao do programada Terceira Via, ver Giddens (200 1a, 200 1b). _~i • '., .. ,if 26 AOIRElTAPARAOSOCIALEA E$QUEROA PARA 0 CAPrrAL: INTEL£CTUAlSOA NOVAPEOAGOGIA OA HEGEMONIA NO BRASil. cornum em tomo de urn novo padrao de sociabilidade para 0 seculo XXI. Sao, portanto, os funcionanos subaltemos da classe mundialmente domi nante e dirigente na formula<;ao, adapta<;ao e difusao das teorias e das praticas que fundamentam 0 neoliberalismo da TerceiraVia (ou novo desen ~ IvoMmentismo oli social-democracia com aroma UberaI), construindo si multaneamente umA "direita para 0 social" (MARTINS, 2009) e "uma es querda para 0 capital" (COELHO, 2005). E importante ressaltar que 0 termo intelectual, ao longo da hist6ria, vern adquirindo imlmeros significados. Ern sua acep<;ao generica, vern sen do empregado para nomear os indivfduos letrados de uma sociedade. Bobbio, Matteuci e Pasquino (1997) indicam que ha. dois sentidos para esse substantivo. 0 primeiro designa uma categoria ou classe social parti cular que se distingue pela instru<;ao e pela competencia cienUfica, tecni ca ou administrativa, superior a media e que compreende aqueles que exercem atividades ou profissoes especializadas. 0 segundo sentido desig· na intelectuais como escritores, artistas, estudiosos e cientistas ea too os . que tenham adquirido uma autoridade e uma influencia nos debates pu . blicos. . Embora nao percam de vista a competencia tecnica necessaria a ativi dade do intelectual, os ensaios sociol6gicos, filos6ficos e etico-polfticos evidenciam tambem a rela~ao existente entre intelectual e politica. Nessa perspectiva, sao denominados intelectuais aqueles que, por terem conhe cimentolTlais sistematizado em relac;ao a determinadas tematicas sociais, possuem o· discernimento para propor, de forma aut6noma, solu<;oes co muns as necessidades da sociedade em seu conjunto. Com isso, e atribuf· da ao intelectual uma "func;ao publica". Quer como letrados, quer como ieladores do bern comum, os intelectuais, nessas acepc;oes, distanciam se, pela razao, dos conflitos e antagonismos de classe presentes nas for mac;oes sociais. Diferentes estudos destacam a func;ao publica assumida historicamen te pelo intelectual no Brasil. Pecaut (1990) observa que a intelligentsia brasileira, alimentando sua vocac;ao para elite dirigente, colocou-se tendencialmente como mediadora indispensavel entre as classes, uma categoria social a parte com 0 papel privilegiado na construc;ao da socie . daQe, seja ao lado do Estado ou contra ele. De modo similar, Miceli (2008) observou que 0 intelectual abrasileira e urn personagem sardo das elites que se deixa cooptar pelo poder do Estado. Carvalho (2007), analisando as institui<;6es que tern fornecido parametros para 0 exerdcio da atividade intelectual e a illscric;ao socialdos seus participantes ao longo da hist6ria 27 lANOV.APEOAGOOIAOAHEGEMONIAEAFORMA<;:AotAnJAC'-ODESEUSINTELECTlIAISORGANlOOS brasileira, observa que se mantem viva desde a monarquia ate os dias atuais a dimensao publica da atividade intelectual brasileira. Ao analisar a rela<;ao entre intelectual e polftica na passagem do capi talismo concorrencial para 0 capitalismo monopolista nos anos iniciais do seculo XX - momenta de expressiva socializa<;ao da participac;ao pOlitica , (';, e de ocidentaliza<;ao das formac;6es urbano-industriais -, Antonio Grarnsci iniciou suas reflex6es sobre 0 papel desempenhado pelos intelectuais nas I' l sociedades de classes, indagando sobre a natureza de sua ac;ao. !: A primeira constata<;ao gramsciana quanto aos intelectuais, registrada no volume 2 dos Cademos do carcere (volume que concentra, mas nao esgota suas ideias sobre os intelectuais3), foi a de que, em vez de se cons- v titufrem em um grupo aut6nomo e independente, sao uma cria<;ao das ~ classes sociais fundamentais4 para dar homogeneidade e consciencia ao seu projeto de sociedade, nas dimensoes economica, social e politi ca. E nessa perspectiva abrangente que 0 autor atribui aos intelectuais a fun<;ao social de organiza<;ao da cultura.5 Por intelectuais. Gramsd(200.2, p. 93, grifo nosso) entendia· L..I nao s6 aquelas camadas comumente compreendidas nesta denomina ~ <;;ao (os letrados ou elites politicas), mas, em geral, todo 0 estrato social que 1 .. l A Importancia atribufda por Gramsci a tematica dos intelectuaispode ser apreendida por meio da analise dos varios pianos de trabalho para os Cademos do dir~ere. Ela esteve presente desde sua primeira formula .. ao, reglstrada em carta endere .. ada a Tatiana Schuch!, em 19 de marc;;o de 1927, quando incluia 0 estudo dos intelectuais entre os quatro teIiJas que pretendia desenvolver, nos seguintes termos; uJ) uma pesquisa sobre a formac;;ao do «spirito publico na Itatia no seculo passado; em outras palavras, uma pesquisa sobre os inteleetuais italianos, suas origens, seus agrupamentos segundo commtes culturais, seus diversos modos de pensar ...". Novamente em carta a Tatiana Schucht, de 24 de fevereiro de 1929, aparece em primeiro lugar entre os Itens a serem pesquisados nos Cademos.••: uA hist6ria italiana no seculo XIX, com especial referencia a formac;;ao e ao desenvolvimento dos grupos intelectuais". 0 tema dos intelectuals encontra-se tambem no plano enunciado no cademo I, de 8 de fevereiro desse mesmo ano. entre os principals t6picos de estudos. como a seguir; "3) Formal;oo dos grupos inlelectuais italianos; desenvolvimento, atitudes." 0 mesmo tema aparece. ainda, no cademo 8 (193 I). nas notas esparsas e apontamentos para uma hist6ria dos intelectuais Italianos mais estreitamente associado 11 questao escolar (GRAMSCI, 1999. p. 77-80). .. • "Todo grupo social, nascendo no terreno orlginario de uma funC;;ao essencial no mundo da ! produc;;ao economica. cria para si. ao mesmo tempo, organicamente. uma 01.1 mals carnadas de intelectuals que Ihe dao homogeneidade e consciencia da pr6pria func;ao. nao apenas no campo t economico, mas tambem no social e politico' (GRAMSCI, 2000a, p. 15).· . 5 Cultura e aqui entendidil,como "0 conjunto de vis6es de mundo - valores. cren .. as e autopercepc;6es de seu lugar na sociedade· - desenvolvido por cada grupo social ou frac;ao de classe (MENDON<;A. 1998, p. 21). 28 AOIRFJTAPAAAOSOClAt.EAESQUERDAPAAAOCAPlTAL:Ifm!'.LECl'UAISDANOVAPEOAOOGIADAHEGEMONIANOBRASIL '~erce funt;6es organizalivas em sentido lato, seja no campo da produ~ao, ;~';.(t.seJa no da cultura e no politico-administrativo: correspon.dem aos suboficiais L~Jubaltemos no Exercito e tambem, em parte, aos oficiais superiores de ori. . fQb~sem supalterna., 8!)itiCom esta concepc;ao abrangente, Gramsci, tal como fez com 0 concei to de Estado, realiza dma ampliac;ao consideravel do conceito de intelec 'blal nas' fonnac;6es sociais ocidentais, dando-Ihe nova expressao quantita tiva e qualitativa. Ele observou que ''OS' intelectuais exercem nessas fonna C;Oes sociais tarefas diferenciadas por graus, na criac;ao e difusao de certa tUltura'.No mais'alto grau'siltiartl-se os criadores das varias ci~ncias, da filosofia e da arte~ e no mais baixo, "os modestos 'administradores' e di vulgadores da riqueza intelectual ja existente, tradicional, acumulada" (GRAMSCI, 2000a, p. 21). Nas sociedades ocidentais, portanto, os intelectu ais profissionais6 fonnulam e disseminam capilarmente as ideias, ideais e praticas das classes fundamentais. Diferentemente do senso comum, que \J. \ destaca a dimensao de vanguarda dos intelectu~s - artistica, cientlfica, ~ Ifilos6fica ou poUtica -, Gramsci alertava para a importancia politico-ideo 116gica da difusao de verdades ja conhecidas, na criasao e ,consolidac;ao de ihegemonias. l Gramsci lucidamente compreendeu que a relac;ao entre os intelectu . ais e 0 mundo da produc;ao nao se da de formaimediata. Ela "e 'media . tizada', em diversos graus, por todo 0 tecido social, pelo conjunto das su '''' I perestruturas, do qual os intelectuais sao precisamente 'os funcionarios'." \ (GRAMSCI, 2000a, p. 20) Nessa perspectiva; os intelE~ctuais sao majoritari amente os funciom'irios subalternos da classe dominante nos dois pIanos ~ . superestruturais: aparelhagem estatal e sociedade civil. Paraele, os inte lectuais organicos do proletariado, em geral menos numerosos e mais ~ desqrganizados, tambem se constituem em funcionarios especializados das classes 49!!linadasfla 'Cons.truc;ao e execuc;ao da pedagogia da contr..a ?' '. . ~.-.".."...!!,egemooJa. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que os intelectuais sao os ag~ consolidac;ao de uma concepc;ao de mundo e de uma vontade coletiva de urn "bloco historico" (COUTINHO, 1988). Mesmo com 0 olhar voltado para a organizac;ao de uma nova cultura a cultura proletaria -, as reflexoes gramscianas sobre a diversificac;ao em 1_1,_;' , r • Gramscl ulllize a expressAo Intelec.luaJ profissi~na1 para.de~ominar ~s intelecluais, em senlido \ esbUo, aquoici que exercem na socledade fun<;oes orgamzallvas em dlferentes nivels .. "T ; rn" 29 1ANOVA J>EDAOOOt.\ DAHEGEMONIAEA I'OR~QlAruN;AoD£SEUS lNTEI.ECllJAIS0RGAN1COS graus da atuac;ao poUtico-ideol6gica dos intelectuais podem ser pertinen tes tambem para explicitar como a hegemonia burguesa veio paulatina mente sendo eonstruida no decorrer do seculo XX e como, nesse processo, assumem importancia estrategica os intelectuais disseminadores da visao de mundo e das praticas da classe dominante. Para Gramsci, Criar uma nova cultura nao slgnifica apenas fazer indlvidualmente descober tas "originais"; significa tambem, e sobretudo, difundir critlcamente verda des ja descobertas, "socializa-Ias" por asslm dizer; e, portanto, transrorma-Ias em base de a<;oes vitais, em elemento de coordemi<;ao e de or<iem intelectual e moral. 0 fato de que uma multldao de homens seja conduzlda a pensar coerentemente e de maneira unitana a realidade presente e urn fato "mosofi co" bem mais importante e "original" do que a descoberta, por parte de um "genio" filosofico, de uma nova verdade que permane~a como patrimonio de pequenos grupos intelectuais. (GRAMSCI, 1999, p. 95-96) No capitalismo, os intelectuais sao majoritariamente organicos da clas se burguesa, mas, em geral, em menor m1mero, sao tambem intele.ctuais organicos da classe trabalhadora. Entretanto, 0 capitalismo herdo~ do modo, de produc;ao anterior urn conjunto de inteleduais nao imediatamente vin culados ao desenvolvimento dasrelac;oes sociais capitalistas(eclesiasti cos, administradores, cientistas, fi16sofos nao-eclesiasticost professores, etc.)., POl serem intelectuais preexistentes, Gramsci denominou-oS'de "intelectu ais tradicionais", para diferencia-Ios dos que "nascem" na dinAmica da sociedpde capitalista. Apesar de serem considerados no plano imediato como aut6nomos e independentes das classes sociais fundamentais, sao de fato atrafdos e assimilados pelas concepc;oes de mundo e de sociabili dade que os envolvem. be modo geral, devido ao lugar ocupado nas formac;oes sociais prece dentes, eles tendem a reproduzir majoritariamente as relac;oes sociais vi gentes, constituindo-se em prepostos importantes das classes dominantes do capitalismo, nas formac;oes sociais ocidentais. Este e 0 caso, por exem plo, dos intelectuais de tipo rural atuantes nos centros urbanos de pequeno porte (advogados, tabeliaes, padres, professores, medicos) que, ao reali zarem:a conexao entre a actministrac;ao estatal ou local e as massas cam ponesas, acabam por concretizar uma grande func;ao polftico-social con servadora, ja que a mediac;ao profissionai dificilmente se separa da medi- I , , a<;ao polltica. Mas, dependendo do estagio da correlac;ao das forc;as sociais, alguns podem ser atraidos ri!1nbem pelas forc;as sociais contra-hegem6nicas, cons titulndo-se inclusive em intelectuais orgAnicos do proletariado. ~ • ill • ~ II II II , I, 30 ADtREITAPARAO~EAESQUERDAPARAOCAPlTAL:INTELECI1IAlSDANOVAPED"'GOGIADAHEGEMONIANOBRASIL Amedida que a moderniza~ao capitalista se intensificava ao longo do . seculo xx, esses intelectuais de lipo rural, de origem tradicional, foram per dendo a centralidade polilica para os intelectuais urbanos formadosem meio ao processo de desenvolvimento de praticas politico-ideol6gicas mais con dizentes com a intensifica~ao da socializa~ao da participac;ao poUlica Os novos intelec!tuais do capitalismo monopolista, devido A crescente inser~ao cientifica e tecnol6gica na produ~ao da exist~ncia, v~em-se im pelidos a redefinir 0 conteudo e a forma de suas praticas conectivas e r organizativas. Nas palavras do pr6prio Gramsci (2000a, p. 53), "0 modo de \ ser do novo intelectual nao pode mais consistir na eloqli~ncia, motor exte ! rior e momentaneo dos afetos e das paix6es, mas numa inser~ao ativa na ;, vida pralica, como construtor, organizador, 'persuasor permanente' [ ...Jda I tecnica-trabalho, chega A tecnica-ci~ncia e A (concepc;ao filos6fica) [ ... J , especialista + politico". Observando 0 fenomeno do industrialismo, ainda em seus primordios, GramsCi constatou 0 nascimento de um lipo especffico de intelectual orga nieo: 0 intelectual de lipo urbano. Para ele,esse novo intelectual urbano .linha como tarefa politicO=ideologica, naquele momento, articular a mas sa instrumental fabril com 0 empresariado industrial. Tendo como refer~n cia as praticas layloristas e fordistas da organizac;ao cienHfica do trabalho nos Estados Unidos, Gramsci observa que, embora realizasse tarefas de natureza conectiva e organizativa, esse intelectual de tipo urbano nao atu ava ainda como um grande articulador politico-social, circunscrevendo sua ac;ao predominantemente ao espac;o fabril. Essa limitada func;ao politico ideol6gica desempenhada pela nova ger~ncia industrial nao se estendia, no entanto, aos demais intelectuais. ~ Com 0 desenvolvimento do industrialismo e a intensificac;ao das prati cas polftico-organizativas, caracteristicas das formac;oes sociais de tipo ocidental, a divisao entre intelectuais de tipo urbano e intelectuais de lipo rural, registrada pelo pensador italiano nas decadas iniciais do seculo XX, tendea ser superada no processo historico. Os intelectuais do seculo XXI sao majoritariamente intelectuais orga nicos da cultura urbano-industrial, no exerdcio de func;oes polltico-ideolo gicas gerais de diferentes niveis. As praticas individualizadas dos intelectu ais de tipo rural vao sendo de modo crescente substituidas por.ac;6es cole tivas na disputa por projetos de sociedade e de sociabilidade, e as praticas limitadas ao ambiente fabril, dos ate entao denominados intelectuais de tipo urbano, vao-se ampliando para 0 conjunto da sociedade. Alias, Gramsci ja havia assinalado que "a hegemonia nasce na fabrica, [ ... mas nao se 31 I... NOVA PEDAGOGIA DA HEClEMONIA EA FORw.c;.\QIATUAy\o DESf.lJS INTEl.ECTUAIS ORGANICOS restringe a ela, requerendo J intermedianos profissionais da politica e da ideologia" para consolida-Ia (GRAMSCI, 2001, p. 247-248) . Coutinho (2006b) brinda-nos com importantes reflexoes sobre 0 papel do intelectual no mundo contemporaneo. Ele aponta primeiramente para a diversidade e 0 alargamento das fun~6es intelectuais. Nesse senti do, repor tando-se a Grarnsci, observa que existe 0 grande intelectual, 0 produtor de conce~6es de mundo universais, mas existe tambem um sem-mlmero de rarnifica~oes e mediac;6es,.por meio das quais os pequenos e medios inte lectuais fazem com que as grandes concepc;oes de mundo cheguem ao povo. Esse autor observa ainda que, alem do aumento consideravel do seu quantitativo, houve no mundo contemporaneo uma metamorfose na "morfologia dos intelectuais", salienlando que continua a ser de fundamen tal importancia entre esses "criadores e propagadores de ideologias" a so-. cializac;ao do conhecimento, sobretudo do conhecimento ligado ao pensa men to social (COUTINHO, 200Gb, p. 115-116). Essas observac;5es de Coutinho sobre os intelectuais no mundo con tempo raneo oferecem importantes pistas para refletir sobre 0 papel do intelectual na realidade brasileira contemporanea, em especial sobre as possibilida des concretas de construc;ao·de uma outra hegemonia politicb-ideoI6gica. Vale ressaltar, noenlanto, que, devido ao processo tardio ou hipertardio do desenvolvimento capit.:ilista brasileiro, os intelectuais d~ tipo rural ain da t~m papel significativo na organizac;ao cultural do pais. Entretanto, 0 processo aceleradode urbanizac;ao efetivado a partir dos anos 1970 e 0 crescente alargamento da socializac;ao da participac;ae polftica amplia ram consideravelmente 0 quantitativo dos intelectuais umanos e redefiniram suas caracteristicas e pralicas, na disputa politico-ideol6gica entre classes e frac;6es de classe na atualidade. Devido A heran~a colonial da formaC;ao social brasileira, A heranc;a elitista dos seus intelectuais, ao carater inconcluso de nosso processo de ocidentalizaC;ao,7 ha no pais uma forte tend~ncia de importac;ao, em dire 1 Essa ideia de processo de ocidentaliza<;ao eenfaUzada por Carlos Nelson Coutinho em diversos trabalhos. Nessa perspecUva, observa: "Com efeito, os conceitos de 'Oriente' e 'Ocidente' nao sao [para Gramsci) <:onceitos estaticos, apenas sincr6nico~, definindo duas zonas do mundo: Gramsci toma consciencia de que 0 fortalecimento da 'sociedade civil'.e 0 conseqC!ente surgimento de uma estrutura social e estatal mais complexa sao processos hist6ricos, diacronicos, que se desenvolvem no tempo.lsso significa ql.!'i/egi6es ou proses especificos, que num primeiro momento apresentavam formas sociais essencialmente 'orientais', podem evoluir no senUdo de·se tomarem 'ocidentais'.w (COUTINHO, 2003, p. 7) ~ ~1 , I ... J .~ J I I: I I I I I I • 11 l 32 ADlRElTA PARA 0 SOCIAL EA ESQUERDA PARA oCAPITAL: INTELECTUAIS DA NOVAPEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL rentes linguagens, da produ<;ao simb6lica das forrnac;6es capitalistas cen trais. Aos intelectuais locais e reservado 0 papel, muitas vezes, de meros adaptadores e de divulgadores dessa produc;ao forrnulada fora do espac;o nacional. Ao disseminar em Ambito interne as ideias, valores e praticas dominantes concebidas externamente, os intelectuais brasileiros estao, em diferentes nfveis de tonsci~ncia polftica, reforc;ando, em Ambito local, a hegemonia burguesa mundial.8 Gramsci lembra que se deve ainda levar em conta [••• J que essas relac;6es intemas de urn Estado-Nac;ao entrelac;am-se com as relac;6es intemacionais criando novas combina<;6es originais e historicamente .;!, " concretas. Uma ideologia, nascida num pais mais desenvolvido, difunde-se em pafses menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinac;6es (A reli giao, por exemplo, sempre foiuma fonte dessas combina<;6es ideol6gico-po liticas nacionais e internacionais; e, com a religiao, as outras forma<;6es inter nacionais, como a maC;onaria, 0 Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carrei ra, que sugerem recursos politicos de origem hist6rica diversa e os fazem triun far em determinados paises, funcionando como partido politico internacional que atua em cada nac;ao com todas as suas forc;as intemacionais concentra- . das; m~ religiao, ma<;onaria, Rotary, judeus etc. podem ser inclufdos na cate goria social dos "intelectuais", cuja fun<;ao, em escala internacional, e a de mediar entre os extremos, de "socializar" as descobertas tecnicas que fa2em funcionar toda atlvidade de direc;ao, de irnaginar compromissos e altemativas entre as solu<;6es extremas). (GRAMSCI, 2000b, p. 42) Naconcepc;ao gramsciana de intelectuais, a escola constitui-se no es . pac;o e inslrumento estrategicos de formac;ao dos intelectuais profissionais da cultura urbano-industrial. Quer para conservar, quer para transformar as rela_c;6es sociais vigentes, a escola, em diferentes nfveis e modaJidades, forrna os intelectuais criadores e disseminadores da cultura nas socieda des ocidentais.9 Assim, no munpo moderno e, mais especificamente, no • Coutinho (2000a) desenvolveideias interessantes sobre parcela dos intelectuais brasilelros voitados para a crla<;ao da arte, em especial da Ii(eralura e da ciencia social durante 0 seculo XX. Ele atrlbui a essa fra<;ilo dos inlelecluais brasileiros uma lendencia ao intimismo a sombra do poder que Iraduz umapostura politic a conservadora, embora ressalle 0 caraler nacional·popular de uma fl'a<;ao da produ<;ao literarla e cientifica de intelectuais sinlonizados com a conslru<;ao, entre n6s, - de uma outra hegemonia politica. t Gramsci obse..va, ainda, que "a complexidade da fun<;ao intelectual nos varios Eslados pode ser objetivamente medid!\ pela quanUdade_dasescoJas especializadas e pela sua hierarqulza<;ao: quanto mais extensa for a "area" escoiar e _quantQ mais numerosos forem os "graus" "verticais" da 33 I ANOVAPEDAGOGIADAHEGEMONIAEAf'ORMAcAOIATUAC;AoDESEUSINTELECTUAISORClANtCOS industrialismo, a educac;ao cienUfico-tecnol6gica veio se constituindo na base da forrnac;ao do novo intelectual que, na qualidade de persuasor per manente, necessita desenvolver M.bitos cognitivos e disciplina mental ne cessarios ao exerdcio alargado do seu papel de criador e propagador de ideologias. o papel estrategico adquirido pela escola na forrnac;ao dos intelectu ais orgAoicos no mundo contemporAneo faz sobressair, no conjunto dos intelectuais profissionais, 0 papel desempenhado pelos educadores, "des de 0 professor primArlo ate os da universidade", na disputa de projetos de sociedade e de sociabilidade (GRAMSCI, 2002, p. 99). Nessa perspectiva, pode-se afirrnar que os educadores, no decorrer do seculo XX, tiveram papel estrategico na consolidac;ao da hegemonia burguesa nas forrnac:;6es sociais capitalistas centrais, mas tiveram tambem urn peso substancial na elaborac;ao de projetos contra-hegemonicos, em especial nas formac:;6es sociais capitalistas dependentes (MARTINS, 1996). -Aiem das atividades politico-pedag6gicas regulares desenvolvidas pela .. escola, Gramsci chamou a atenc;ae para outras atividades educadoras a ela relacionadas. Os congressos cientfficos sao lembrados por ele como even tos importantes para concentrar e multiplicar a intlu~ncia dos intelectuais de nivel mais elevado e obter, ao mesmo tempo, uma concentrac;ao mais rapida e uma orientac;ao mais decisiva junto aos intelectuais fie niveis infe riores, "que sao levados normalmente a seguir os universitarios e os grandes cientistas por espirito de casta" (GRAMSCI, 2002, p. 99). Nesse sentido, os congressos cientificos sao ao mesmo tempo instancias de formac;ao de inte lectuais e de disseminac;ao de concepc;6es de rvundo. Essa finalidade educadora dos congressos ci~ntificos pode ser estendida tambem a edic;ao de livros e peri6dicos, a programas de atualizac:;ao profis sional e aos congressos das associac:;6es profissionais e politico-siridicais. Como se v~, a formac;ao dos intelectuais no decorrer do seculo XX nao se limitou ao Ambito da instituic;ao escolar.Ela saiu dos muros da escola, atravessando todo 0 tecido social, desde a aparelhagem estatal aos mais diversos aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil (MENDON r;.A, 1997, 2007). Para Gramsci, esta ac;ao pedag6gicado cotidiano societario para a formac;ao do novo intelectual nas formac;6es sociais ocidentais ' ... escola, tao mais complexo sera 0 mundo cultural, a civiliza<;ao, de urn determinado Estado· (GRAMSCI, 2000a, p. 18-l9). . 1 34 ADiRElTAPARAOSOCIALEAESQUERDAPARAOCAPlTAL:IN1'fJ£CIlIAISDANOVAPFJ)AG(l(lIADAHEOEMONIANOBRASIL [ ••• J existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indMduo com rela~ao aos outros indMduos, entre camadas intelectuais e nao-intelectuais, entre govemantes e govemados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguarda e corposde exercito. Toda re1c:l~ao de "hegemonia" e necessariamente uma relac;;ao pedag6gica, que se verifica nao apenas no interior de uma nrc;;ao, entre as diversas forc;;as que a comp6em, mas em todo 0 campo internacional e mUndl8J, entre conjuntos de civiliza~oes nacio nais e continentais. (GRAMSCI, (1999, p~' 399) '.', r:,~tf.. fJ:i" .r" -~~"·a(\, ~ '1 Consubstanciaram-se,e"aindci."se consubstanciam em importantes ins tAncias educadoras de intelectualidades nas forma<;6es sociais ocidentais ou em processo s1e ocidentaJiza<;€to, alem da escola e da convivencia soci al, os inurn eros , partidos na sociedade civil, entendidos em seu sentido amplo como organismos construtores e divulgadores de concep<;oes de mundo (COELHO, 2005). Em urn duplo e concomitante movimento, os diver sos e sempre mais numerosos aparelhos privados de hegemonia se consti tufram, ao longo de todo 0 industrialismo, em 1) instAncias elaboradoras de intelectualidades integrais e totalizadoras de determinada concep<;ao de mundo no interior de cada aparelho e 2) intelectuais coletivos, cons tru to- . res e difusores de hegemonias poUticas na sociedade em seu conjunto. Essa dupla dimensao educadorae organizadora de concep<;oes de mun do dos partidos permite-nos dar prioridade a urn tratamento etico-polltico a tematica dos intelectuais. Nesse sentido, temos de concordar mais uma vez com 0 pensador italiano, quando observa que 0 erro metodol6gic<;> mais freqilente no tratamento das atividades intelectuais e buscarseu sentido no que e intrinseco a essas atividades, em vez debusca-Io'no conjunto das , -l\i ~ t , rela<;6es sociais. Assim, 0 papel do intelectual e sempre, no capitalismo, urn problema de constru<;ao de urn projeto de sociedade e de sociabilidade. A obtenc;ao do consenso em tomo da concep<;ao burguesa de mundo ontem e hoje se deve, de forma significativa, aatua<,;Ao dos seus intelectuais orgfmicos e de intelectuais tradicionais convertidos ao seu projeto societal e educacional. Mas deve-se tambem a urn movimento de desestrutura<;aoda organiza<;ao popular em tomo da concep<;ao de mundo revolucionaria que se processa desde as decadas iniciais do seculo XX. Esta desorganiza<;ao, entretanto, nao tern significado atomiza<,;Ao da classe trabalhadora, mas sim uma redefinic;ao de .sua inserc;ao na arena poUtica contemporanea. Gramsci observou, com muita propriedade; que a desorganizac;ao da . visao de mundo contra-hegemonica asua epoca foi possibilitada pela inci· piente relac;ao entre intelectuais e marxismo, filosofia que embasa 0 pro Jeto polrtico proletario. Os grandes intelectuais que se formaram em seu 35 I A NOVA PF.DAGOOIA DA HEGEMONlA EA FORMA\1OIATUA~O DE SEUS INTEt.ECTUAlS ORGAMCOS terreno, alem de pouco numerosos, devido ao seu distanciamento do povo retomaram as camadas medias nas "viradas" hist6ricas das decadas inid ais do seculo passado, e os que permaneceram procuraram submete-Io a uma revisao sistematica, em vez de prom over seu desenvolvimento auto. 1nomo. Esse fen6meno detectado por Gramsci (2001) p6de ser observado lambem no segundo p6s-guerra, quando 0 ideArio revolucionArio foi ce dendo lugar ao reforrnismo social-democrata classico nos parses capitalis j las centrais e alicen;ando as praticas poUtico-culturais hegem6nicas na J aparelhagem estatal e na sociedade civil. De fato, durante os anos de aura do capitalismo monopolista a seduc;ao da classe trabalhadora nas forma <;6es sociais ocidentais de tipo europeu se fez pelo desenvolvimento de praticas de uma pedagogia da hegemonia, caracterizada, primordialmen te, pela ampUa<;ao de direitos sociais e pela sua participac;ao, de forma subaltema, nas decisoes govemamentais. Este deslocamento do ideano revolucionarlo da classe trabalhadora para o idearlo reformista social-democrata, inicialmente circunscrito as forma <;6es sociais capitalistas centrais, generalizou-see·se agudizoU- nos anos fi nais do seculo passado, quando come<;aram a se difundir mais sistematica~ mente os fundamentos
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