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Monografia Luiz Tati

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UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE - UNIPLAC
CURSO DE DIREITO
LUIZ DE OLIVEIRA JÚNIOR
A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO
LAGES
2015
LUIZ DE OLIVEIRA JUNIOR
A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Planalto Catarinense - UNIPLAC, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Especialista Marco Antonio Souza Arruda.
LAGES
2015
UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE – UNIPLAC
CURSO DE DIREITO
O Trabalho de Curso elaborado por Luiz de Oliveira Junior, sob o título “A constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato”, foi submetido à avaliação mediante exposição oral e, posterior arguição promovida pela Banca Avaliadora abaixo nominada, resultando_________________________________________, sendo julgado adequado para o cumprimento do requisito legal previsto no artigo 10 da Resolução n°9/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE), bem como se encontra de acordo com o Regulamento de Monografia do Curso de Graduação em Direito aprovado pelo CONSEPE, em 03 de maio de 2001, ata n°47/2001.
Lages, __________ / __________ / 2015
____________________________________________________
Professor Especialista Marco Antonio Souza Arruda
Orientador
_____________________________ _____________________________ 
 Professor Avaliador Convidado Professor Avaliador Convidado
Aline Lampert Pagliosa Rocha
Supervisão Trabalho de Conclusão de Curso
Dedico este trabalho a meu filho Matheus Medeiros de Oliveira que em meio a um momento turbulento, em meio à escuridão e a dúvida, me deu luz e discernimento mostrando o verdadeiro caminho da felicidade.
“I've loved, I've laughed, and cried
I've had my fill, my share of losing
And now, as tears subside
I find it all so amusing
To think I did all that
And may I say, not in a shy way,
Oh no, and more, much more thanthis, I did it my way".
Frank Sinatra - My Way
Preliminarmente gostaria de tecer um agradecimento especial a minha esposa Tatiane Almeida Medeiros pela paciência, apoio, motivação e por entender minha ausência no lar. A meus filhos Matheus e Sofia, e a todos os outros que de alguma forma contribuíram para que eu pudesse hoje galgar o Bacharelado em Direito, um sonho de criança. 
Agradeço ao Professor Marco Antonio Souza Arruda, pelos conhecimentos transmitidos, pela atenção dispensada, pela motivação em momentos que pensei em desistir e ainda, pelo belo exemplo de vida, bondade e dignidade que demonstrou ter no decorrer desses 10 semestres de curso.
Agradeço a todos os meus colegas de graduação por todo o auxílio acadêmico, companheirismo, pelas risadas e pelo choro derramado nessa dura caminhada.
Estendo meus agradecimentos a todo corpo docente, aos Coordenadores do curso de Direito da UNIPLAC e todos os demais colaboradores que me auxiliaram nessa árdua jornada.
É difícil agradecer todas as pessoas que de algum modo, nos momentos serenos e ou turbulentos, fizeram ou fazem parte dessa jornada, por isso agradeço a todos de coração.
Por fim, agradeço a Deus, por proporcionar estes agradecimentos a todos que tornaram minha vida mais afetuosa, além de ter me dado uma família maravilhosa e amigos sinceros. Deus, que a mim atribuiu alma e missões pelas quais já sabia que eu iria batalhar e vencer, agradecer é pouco. Por isso lutar, conquistar, vencer e até mesmo cair e perder, e o principal, viver é o meu modo de agradecer sempre.
RESUMO
A presente pesquisa concentra-se no Direito penal e tem como finalidade elucidar a celeuma que envolve a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Para analisar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, procurou-se confrontá-lo ao princípio constitucional da lesividade ou ofensividade. Os crimes de perigo abstrato são crimes que dispensam a lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado. O princípio da lesividade ou da ofensividade “nullum crimen sine iniuria” por sua vez, versa sobre a necessidade de uma lesão real ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado para que a conduta seja legítima. Nesses termos, ao confrontar o crime de perigo abstrato com o princípio da ofensividade resta uma evidente incompatibilidade. Ora, se o princípio da ofensividade ou da lesividade exige que o Direito Penal atue tão somente quando houver efetiva lesão ao bem jurídico protegido, como o Estado deve punir uma conduta que apenas presume a existência dessa lesão? Analisou-se o conceito de crime de perigo abstrato, sua acepção e origem, a sociedade de risco, o princípio da lesividade, e, por fim, a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato frente ao princípio da lesividade, para ao final extrair conclusões acerca da legitimidade dos crimes de perigo abstrato, investigar se esse crime específico se justifica, especialmente confrontando-o à nossa carta magna, a Constituição Federativa do Brasil de 1998.
PALAVRAS-CHAVE: crimes de perigo abstrato; constitucionalidade; princípio da lesividade ou ofensividade; sociedade de risco. 
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ABSTRACT
This research focuses on criminal law and aims to elucidate the fuss surrounding the constitutionality of abstract danger of crimes. To review the constitutionality or unconstitutionality of abstract danger crimes , tried to confront him the constitutional principle of harmfulness or offensiveness . The abstract danger of crimes are crimes that do not require injury or risk of injury to a legal ward well. The principle of harmfulness or offensiveness " nullum crimen sine iniuria " in turn , is about the need for a real injury or risk of injury to a subordinate legal right to the conduct to be legitimate. In these terms, to confront the abstract danger of crime with the principle of offensiveness remains an obvious incompatibility . But if the principle of offensiveness or harmfulness requires the Criminal Law act as effective only when there is injury to the legal interest protected , how the state should punish conduct that only assumes the existence of this injury? We analyzed the concept of abstract danger of crime, its meaning and origin, the risk society , the principle of harmfulness , and finally , the constitutionality of crimes of abstract danger against the principle of harmfulness to the end draw conclusions about the legitimacy of abstract danger of crimes , investigate whether this specific crime is justified , especially comparing it to our magna Carta , the Federal Constitution of 1998 Brazil.
KEYWORDS: crimes of danger abstract; constitutionality; principle of harmfulness or offensiveness; risk society. 
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	09
CAPÍTULO 1 - A SOCIEDADE DE RISCO	11
1.1 Origem	12
1.2 A Sociedade de risco e o Direito Penal	14
CAPÍTULO 2 - DOS CRIMES	18
2.1 Crime – Aspecto Material, Formal e Analítico	18
2.2 Dos crimes de dano e de perigo	21
2.3 Dos Crimes de perigo abstrato	21
CAPÍTULO 3 - O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE E A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO	29
3.1 Princípio da ofensividade e o papel do Direito Penal	30
3.2 O princípio da ofensividade e sua relação com outros princípios	34
3.3 A Constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato	41
CONSIDERAÇÕES FINAIS 	48
REFERÊNCIAS 	50�
INTRODUÇÃO
O presente estudo é de fundamental importância à sociedade em geral, pois analisa de forma criteriosa a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. 
Tendo como ponto de partida o princípio da ofensividade ou da lesividade,o qual aponta que o Direito Penal somente deverá atuar quando houver efetiva lesão ao bem juridicamente protegido, a pesquisa procura responder e demonstrar a Constitucionalidade ou não dos crimes de perigo abstrato.
Se demonstrada a inconstitucionalidade desse instituto, uma grande quantidade de pessoas será lesada em seus direitos fundamentais quando punidas pelo Estado por tais delitos.
O Estado deve utilizar o Direito Penal única e exclusivamente quando houver uma lesão efetiva ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado, todavia os crimes estudados nessa pesquisa são crimes que dispensam a ocorrência desses resultados danosos. A mera presunção de perigo já é suficiente para o Estado agir, punir e encarcerar o agente que pratica tal tipo penal. Seria justo e coerente que o Estado puna da mesma forma um cidadão que porta uma arma de fogo desmuniciada (sem o devido porte), transportando essa arma para um clube de tiro, da mesma forma que pune um assaltante, que dotado de dolo e ANIMUS FURANDI, porta uma arma de fogo municiada com intuito de praticar um delito? Existe coerência quando o Estado castiga da mesma maneira determinado cidadão que ingere determinada quantidade de álcool e dirige seu veículo automotor oferecendo alto risco à sociedade, da mesma forma que pune outro cidadão, que consciente que ingeriu álcool, que mesmo ciente do delito que estará praticando ao dirigir, o faz com extrema atenção e cuidado redobrado, evitando assim, de forma preventiva, a “presunção” do fatídico perigo abstrato?
Em outras palavras, se o Direito Penal exige uma lesão efetiva ou perigo de lesão a um bem jurídico e esses delitos por sua vez não possuem essa lesão efetiva não seria razão suficiente para indagar a veracidade de sua legitimidade?
Grandes são as evidências que norteiam a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, não obstante, em face ao princípio da ofensividade, o reconhecimento dos crimes de perigo abstrato sem demonstrar à periculosidade do comportamento ou a presunção de dano à incolumidade pública, pode implicar em condenações que não possuem capacidade de afetar de forma efetiva bens jurídicos, levando a um Direito Penal que vise apenas resguardar a validade da norma, sem observar o principal, que seria sem sombra de dúvidas a dignidade da pessoa humana.
Cabe ressaltar que é de grande valia o estudo desse tema, pois somente por meio dele e das discussões geradas, restará sanada essa celeuma em relação à Constitucionalidade ou não dos crimes supracitados, que além de interessar a todo o núcleo jurídico penal brasileiro, atinge também, de forma contundente, todas as pessoas que foram condenadas por tais condutas.
O estudo se dá partindo da sociedade de risco, da origem e acepção dos crimes de perigo abstrato, passando pelo conceito de crime, crime material e formal, dos crimes de perigo, dos crimes de perigo concreto e, por fim, dos crimes de perigo abstrato.
Buscar-se-á num segundo momento, conceituar o princípio da lesividade ou culpabilidade e seu papel no Direito Penal.
Finalmente, em seu último capítulo, o trabalho confrontará os crimes de perigo abstrato com o princípio da lesividade inferindo assim a constitucionalidade ou não dos crimes de perigo abstrato. 
Optou-se pelo uso do método dedutivo, com técnica de pesquisa indireta, por meio de consulta bibliográfica à doutrina, legislação e jurisprudência.
O tema é relevante e de interesse de toda a comunidade jurídica, seja acadêmica ou profissional.
CAPÍTULO 1
A SOCIEDADE DE RISCO
A Constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato em uma visão globalizada e atual é uma questão bastante polêmica, dividindo doutrinadores e estudiosos do assunto. 
Conforme ensaia Luís Greco (2011, p. 75):
Adoramos estar na moda. Isso vale para o que vestimos, comemos, para os lugares que frequentamos – por que não valeria para as teorias que defendemos? Pois bem, não existe nada mais in, nada mais fashion atualmente do que dizer que os crimes de perigo abstrato seriam in totum inconstitucionais, por violarem um certo princípio da lesividade ou ofensividade. Afinal, segundo esse princípio, não haveria crimes sem lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico. E como os crimes de perigo abstrato são justamente aqueles cujo tipo se considera preenchido sem que o bem jurídico seja sequer exposto a um perigo concreto, neles o dito princípio da lesividade estaria violado. Uma vez que o princípio teria hierarquia constitucional, os crimes de perigo abstrato seriam simplesmente contrários à constituição.
Afinal, os crimes de perigo abstrato realmente estão indo de encontro aos princípios constitucionais? Houve esse descuido por parte do Legislador?
Para Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 49) não resta dúvidas que o Direito penal trás constantemente novas teorias tentando se adaptar cada vez mais as necessidades que a sociedade impõe. Ao constatar que uma nova conduta ou atitude, pode de alguma forma, causar ou vir a causar dano a um cidadão ou a sociedade como um todo, o Direito Penal procura se adequar e se adaptar a fim de reprimir os delitos, cominando penas com a finalidade de preservar a sociedade e de proporcionar o seu desenvolvimento ético, protegendo assim uma eventual lesão a princípios fundamentais como à vida, à saúde, a propriedade, a liberdade, ao meio ambiente e a incolumidade pública.
Vive-se hoje em uma sociedade dinâmica, em constante transformação. Essas transformações são decorrentes de um capitalismo voraz, de uma tecnologia mutante que se torna obsoleta da noite para o dia, proporcionando ao cidadão vantagens e inseguranças. São transformações decorrentes de modelos econômicos inovadores que criaram uma realidade complexa denominada de sociedade de risco, conforme afirma Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 49).
Com o intuito de analisar e se aprofundar acerca do tema de pesquisa em apreço, que, cabe frisar, trata-se de uma análise de constitucionalidade avaliando os crimes de perigo abstrato frente ao princípio da lesividade ou ofensividade, convém analisar, antes de mais nada, a sociedade de risco, sua evolução histórica e sua dogmática influência na origem dos crimes de perigo abstrato.
1.1 Origem
A Sociedade atual diferencia-se em muito da sociedade de outrora, da sociedade vivida na revolução industrial. Vivemos hoje uma sociedade voltada à tecnologia, voltada novas produções de energia, novos modelos econômicos e juntamente com toda essa nova realidade temos também novos delitos e novos riscos.
Afinal, em que sociedade vivemos? Para responder essa pergunta, Paulo Silva Fernandes (2001, p.32) ensaia:
Em uma sociedade que constata a desagregação de tudo o que, até agora, se considerava homogêneo na análise. [...] Efetivamente, a sociedade industrial entendida como um modelo de vida em que os papéis dos sexos, a unidade familiar e as classes formavam parte de uma mesma cadeia, desaparece [...] por causa do motor da dinâmica industrial. [...] a sociedade industrial na sua evolução, dá lugar a uma sociedade de sequelas industriais, reflexo dela mesma, que excede nas dimensões. Uma parte considerável dessas sequelas são os riscos inerentes (e resultantes) à opção pelo caminho trilhado. 
Na visão de Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p.35):
A sociedade de risco é fruto do desenvolvimento do modelo econômico que surge na revolução industrial, que organiza produção de bens por meio de um sistema de livre concorrência mercadológica. Este modelo econômico exige dos agentes produtores a busca por inovações tecnológicas que permitam a produção e distribuição de insumos em larga escala, sob pena de perecimento por obsolescência. A produção artesanal é substituída pela produção industrial, que atinge um número maior de consumidores e apresenta custos mais baixos, por meio de agregação de técnicas inovadoras.
Em outras palavras, buscou-se inovação, novas tecnologias, novos métodos de produzir o mesmo em grande escala e não se observou o resultadofatídico dessa nova perspectiva. Ainda citando Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 35):
A obstinação na inovação importa na velocidade da descoberta de novas tecnologias que, por sua vez, decorre de financiamento de pesquisas científicas destinadas a tais finalidades. Este fenômeno cria uma dinâmica peculiar, pois a intensidade do progresso da ciência não é acompanhada pela análise, por parte dessa mesma ciência, dos efeitos decorrentes da utilização dessas novas tecnologias. A criação de novas técnicas de produção não é seguida pelo desenvolvimento de instrumentos de avaliação e medição dos potenciais resultados de sua aplicação. Do descompasso entre surgimento de inovações científicas e o conhecimento das consequências de seu uso surge à incerteza, a insegurança que obriga o ser humano a lidar com o risco sob uma nova perspectiva. O risco, fator indispensável ao desenvolvimento econômico de livre mercado, passa a ocupar papel central no novo modelo de organização social. O risco torna-se figura crucial para a organização coletiva, passa a compor o núcleo da atividade social, passa a ser sua essência. Surge a sociedade de riscos.
O filósofo Ulrich Beck apud Paulo Silva Fernandes (2001, pg.34), em sua obra, apelidou a sociedade em que vivemos, essa sociedade pós-industrial europeia, multicomplexa e global, ou globalizante, ou ainda, globalizada de sociedade de risco.
Outro não é o entendimento de giddens apud Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 36), que define:
A sociedade de risco compreende um período em que as consequências da modernidade se tornam mais radicalizadas e universalizadas do que antes, e podem ser compreendidas, então, como o conjunto de relações econômicas e sociais que se desenham na era pós industrial, em que o novo modelo de produção determina um novo papel ao risco.
	Para arrematar, Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 48) incita: 
A base do modelo de produção atual é a busca por inovações. A estrutura das relações econômicas exige o emprego de esforços constantes na modernização, na descoberta de novas tecnologias, que permitam maior produtividade a um custo menor. O desenvolvimento econômico é pautado e estruturado pela rapidez com que as inovações são apresentadas, e a própria sobrevivência empresarial, em um sistema capitalista de mercado, exige a adaptação constante, sob pena de obsolescência e perecimento.
Esse mesmo progresso e globalização ocorrido na indústria, que trouxe à tona o risco, também ocorrem na economia, no comércio, nas tecnologias e nos crimes. Paulo Silva Fernandes (2001, p. 36) esclarece:
Do mesmo modo, o crime também se tornou global: é a multiplicação da criminalidade organizada em redes altamente densificadas, que percorrem todos os setores da sociedade. Sociedades são criadas com intuito único de praticar crimes ou facilitar ou encobrir sua execução. A evolução da técnica propiciou novas e perigosas formas de delinquir.
Com a globalização de novos delitos, o surgimento de novas formas de transgredir a lei, o Direito penal viu-se em um momento onde deveria atuar em caráter emergencial. Desse ponto de partida nasceu uma estreita relação entre a sociedade de risco, o risco em si e o Direito penal por ser o órgão responsável por tutelar toda politica criminal.
1.2 A Sociedade de Risco e o Direito Penal
	Com essas alterações na sociedade e com surgimento desses novos e inovadores delitos, surge a necessidade de adaptação do Direito Penal. Esse novo papel do direito penal vem tentar restaurar a segurança perdida conforme ensaia Paulo Silva Fernandes (2001, p. 52):
Daqui deriva a demanda de novos modos de operar do Direito Penal: o catálogo clássico e individualista dos bens jurídicos, diz-se, já não conseguirá dar uma resposta adequada às novas necessidades. Diz-se também que o modelo antropocêntrico e liberal do Direito Penal não serve para fazer face aos novos desafios. E que não há tempo a perder. A sociedade agitando-se num clima de segurança e incerteza, “foge para o direito penal”, na esperança que este dê cabal resposta aos receios e anseios daquela. Por seu turno, HERZOG explica esta fuga, este “reclamar” do Direito Penal e de uma atividade legislativa temperamental como fruto de recorrentes formas de desorganização social e de um debilitar da consciência da responsabilidade, referindo ainda à esperança que deposita, erroneamente, a sociedade de hoje em uma intervenção penal que pare “a erosão de normas e vínculos sociais”, como se o ius puniendi pudesse vencer o mal e afastar o caos por força da violência, ou consubstanciar-se em remédio para os conflitos sociais.
A nova Sociedade que surgiu com as inovações tecnológicas demanda novos delitos, e necessita de uma nova postura do Direito penal, todavia Renata Carvalho Derzié (2012, n.p) questiona:
A sociedade se modificou e se modifica constantemente, trazendo para dentro da vida social, modelos que nem sempre o direito consegue acompanhar. Com o avanço social, novas figuras penais aparecem, assim como aumenta a periculosidade, a violência, que são figuras presentes, hoje, na vida em sociedade, em virtude do sistema capitalista, das novas interações sociais, das novas tecnologias. A partir daí, surgiu para o direito a tarefa de zelar para que a harmonia se faça sempre presente na coletividade, de modo que sejam sempre respeitados, de forma contundente e efetiva, não só os direitos coletivos, mas também os individuais. Foi justamente sob esse novo panorama social que foram criados, como já estudados, os crimes de perigo, principalmente os de perigo abstrato, para que haja uma efetiva tutela dos bens jurídicos penalmente protegidos, do espaço do próximo, da sua integridade, da sua liberdade. No entanto, até que ponto esses delitos efetivamente trazem essa proteção que pregam? Até que ponto essa "pseudo-proteção", se pode-se assim dizer, é tão eficiente a ponto de justificar um certo desrespeito a princípios constitucionais fundamentais do indivíduo, da lei?
Assim, o Direito Penal corre o risco de afastar-se de seus princípios basilares para atender a necessidade de restauração da paz social, para amenizar o risco advindo da sociedade de risco conforme exemplifica o doutrinador Paulo Silva Fernandes (2001, p.53):
Paradoxalmente – permita-se-nos a expressão -, o direito penal arrisca-se a “fugir do direito penal”. É o risco de se tornar simbólico (sucumbindo, quiçá muitas vezes, à “técnica do bode expiatório”), de se revitalizar, funcionalizar (ou politizar), administrativizar-se, procurar ancorar-se em pontos diversos do seu, para conseguir uma maior efetividade.
Todavia Pierpaolo cruz Bottini acredita-se que essa explosão revolucionária dos métodos de produção e de novas tecnologias não teve paralelamente o acompanhamento do direito penal e dos riscos advindos dela. Assim ele exemplifica (2011, p. 49): 
Porém, a velocidade das descobertas científicas, da criação de novas técnicas de produção e de novos insumos não se faz acompanhar pelo conhecimento científico sobre os efeitos destas inovações, nem sobre os potenciais perigos oriundos de sua aplicação em processos produtivos: é o que gera o risco. A produção de riquezas e a manutenção e a manutenção da atual organização econômica são associados à produção de riscos. [...] Por outro lado, a presença do risco como fator nuclear da ordem econômica e social, e suas características de alto potencial lesivo, de dificuldade de medição, e de reflexividade (efeito bumerangue) acarreta à sociedade um efeito uma sensação de insegurança coletiva.
Esse risco é o berço do direito penal moderno. Dele advém as teorias de crimes de perigo abstrato, nesse viés Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 51) adverte:
O risco, elemento central na organização social, será fator determinante para orientação da política criminal. A forte presença de tipos penaisde perigo abstrato nas legislações, a normatização dos nexos causais pela teoria da imputação objetiva, o desenvolvimento das normas de cuidado e dos delitos culposos, as novas definições dogmáticas de omissão e de autoria utilizam o risco como elemento nuclear. O risco é incorporado no direito penal da mesma forma que é incorporado em outros setores comunicativos da sociedade, de maneira impactante e incisiva.
Paulo Silva Fernandes (2001, p. 57) adverte que os novos riscos não se referem a danos ocorridos, não são o mesmo que destruição, embora se saiba de antemão que desde sempre a sociedade, para mais a industrial, na sua evolução atuou e atua de forma destrutiva. Conforme entendimento de Paulo Silva Fernandes esses riscos podem ser, por exemplo:
Os riscos para o meio ambiente, causados pela indústria ou pelas centrais nucleares, ou para os consumidores, provenientes de “falhas” técnicas inerentes ao desenvolvimento de novos produtos, a intromissão da ciência em áreas novas da biologia, da manipulação genética, das comunicações, da informática etc., ou mesmo criados “por todos nós”, expõem-nos, diariamente, ao confronto com raízes da nossa própria existência.
Do mesmo modo entende Pierpaolo Cruz Bottini (2011) que traz o risco como elemento principal dessa nova sociedade, ou seja, ao mesmo tempo que a sociedade busca a inovação tecnológica tanto nos setores econômicos, políticos e sociais, essa mesma inovação cria novos riscos que necessitam de uma atenção especial do Direito penal, que por sua vez procura reduzir essa tecnologia desfreada que e assim adverte (2011, p. 52):
O modelo da sociedade de risco tem por elemento básico estruturalmente o risco em suas novas dimensões e seu relacionamento paradoxal com os níveis de ordenação social , pois ao mesmo tempo em que se faz imprescindível para a atividade produtiva e, por isso, para todas as estruturas do sistema, apresenta-se como elemento desagregador e ameaçador para este mesmo sistema. Este fenômeno revela os motivos do tratamento ambíguo que os sistemas de controle social oferecem ao problema do risco. Ao mesmo tempo em quesetores econômicos, políticos e sociais enaltecem e incentivam o desenvolvimento tecnológico acelerado e dinâmico, aplicam e aprimoram instrumentos para a redução desse mesmo desenvolvimento, no sentido de reduzir os riscos a ele atrelados.
É clara a necessidade de uma resposta a uma sociedade com tamanha periculosidade intrínseca em seus riscos, todavia, resta à questão de como o direito penal responderá a esse dilema. Paulo Silva Fernandes (2001, p. 109) cita Chernobyl como exemplo, onde os efeitos foram devastadores em toda Europa, provocando danos aterradores, no espaço e no tempo. Nesse caso, ainda nem nasceram todas as vítimas desse desastre. Reside nessa realidade os contornos do problema, novo, da sociedade de risco. De riscos invisíveis, incalculáveis, potencialmente ilimitados, que não conhecem fronteiras, credo ou raça: todos somos simultaneamente agentes e vítimas. Em outras palavras, como bem finaliza Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 30), a sociedade atual caracteriza-se como uma sociedade de riscos. A assunção do risco como elemento nuclear da organização social lhe confere uma dinâmica peculiar, que permite inferir um novo papel do direito penal e dos demais discursos jurídicos que nela se produzem.
CAPÍTULO 2
DOS CRIMES 
Preliminarmente, após o entendimento das mudanças que trouxeram o risco presumido para a sociedade, resta necessário voltar o foco para a definição de crime de perigo abstrato e para os princípios constitucionais que serão confrontados, proporcionando assim os subsídios essenciais para a compreensão do problema trabalhado.
2.1 Crime – Aspecto Material, Formal e Analítico
	Para Cleber Masson (2012, p. 169) o conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal. Embora aparentemente simples, a sua definição completa e pormenorizada apresenta questões complexas. Qualquer operador do Direito, iniciante ou avançado, ainda que não muito versado na área penal, se considera apto a fornecer o conceito de crime. Diz-se frequentemente: “Crime é o fato típico, ilícito e culpável”, sem maior preocupação científica.
	Assim não deve ser. Quando lhe for indagado o conceito de crime, uma resposta mais técnica e minuciosa deve ser apresentada.
Segundo Cleber Masson (2012, p. 169), o crime pode ser conceituado levando em conta três aspectos: material, legal e formal ou analítico.
No critério material ou substancial, Cleber Masson (2012, p.169) assim descreve: “Crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.”
	Voltado a preencher essa lacuna e facilitar o entendimento levando a olhar o problema sobre nossa perspectiva, o trabalho definirá e conceituará de forma individualizada e pormenorizada o conceito de crime, os crimes de dano, os crimes de perigo, os crimes de perigo concreto e os crimes de perigo abstrato.
	O Código Penal por sua vez não define o que é crime, ficando este fardo a cargo da doutrina, apenas a lei de introdução ao código penal (LICP) em seu artigo 1° define como;
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Certamente não se trata de matéria simples definir o que é realmente o crime. Esse complexo mecanismo pode ser desmembrado em três formas distintas: material, formal e analítico.
Segundo Fernando Capez (2011, p.134):
O aspecto material é todo aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que propositada ou descuidadamente lesa ou expõem a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.
Damásio de Jesus (1999, p. 151) por sua vez entende que:
O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma sanção. É certo que sem descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime. Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns fatos como criminosos. [...] delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse penalmente protegido. [...] Como se nota, sob o conceito material, o conceito de crime visa aos bens protegidos pela lei penal. Dessa forma, nada mais é que a violação de um bem penalmente protegido.
Todavia, levando em conta os aspectos formais do crime, Júlio Fabrini Mirabete (2005, p. 96) entende:
As definições formais visam apenas ao aspecto externo do crime, é necessário indagar a razão que levou o legislador a prever a punição dos autores de certos fatos e não de outros, como também conhecer o critério utilizado para distinguir os ilícitos penais de outras condutas lesivas, obtendo-se assim um conceito material ou substancial de crime.
Damásio de Jesus (1991, p. 1511) explana que:
Sob o aspecto formal, crime é um fato típico e antijurídico. A culpabilidade, como veremos, constitui pressuposto da pena.
Fernando Capez (2011, p. 134) complementa:
O conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua existência ou lesividade material afronta o princípio constitucional da dignidade humana.
Além do aspecto material e formal, temos ainda o aspecto analítico. Esse aspecto é entendido por Cléber Masson(2012, p. 175) como o critério que se funda nos elementos que compõem a estrutura do crime, ou seja, traz como elementos do crime o fato típico, ilicitude e culpabilidade. Lembrando é claro que os adeptos da teoria bipartida entendem que a culpabilidade é pressuposto da aplicação da pena. 
Fernando Capez (2011, p. 134) alude:
É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade desse enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só nesse caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito já surge a infração penal. A partir dai, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto é preciso que o fato seja típico e ilícito. 
Antes de explanar acerca do crime de perigo abstrato, é imprescindível realizar a diferenciação dos crimes para ao final definirmos de forma cristalina o conceito de crime de perigo abstrato. Para essa definição, vamos conceituar preliminarmente os crimes de dano e perigo, para em um segundo momento fazer menção aos crimes de perigo, descrevendo suas modalidades. Ao final, após descrever e conceituar os crimes e suas modalidades partir-se-á para o núcleo de estudo dessa pesquisa: os crimes de perigo abstrato.
2.2 Dos crimes de dano e de perigo
Preliminarmente, para um melhor entendimento do crime de perigo e suas variações, torna-se indispensável uma análise na diferença entre crime de perigo e crime de dano.
Fernando Capez (2011, p. 286) traz que o crime de dano:
Exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação (homicídio, furto, dano etc.).
Não obstante a esse entendimento Cleber Masson (2012, p. 192) entende:
Crimes de dano ou de lesão são aqueles cuja consumação somente se produz com a efetiva lesão do bem jurídico. Como exemplos podem ser lembrados o homicídio (CP, art. 121), lesões corporais (CP, art. 129) e dano (CP, art. 163).
Por outro lado temos o crime de perigo que assim é conceituado pelo doutrinador Cleber Masson (2012, p. 193):
Crimes de perigo são aqueles que se consumam com a mera exposição do bem jurídico penalmente tutelado a uma situação de perigo, ou seja, basta a probabilidade de dano.
Fernando Capez (2011, p. 286) explana que no crime de perigo:
Para a consumação, basta a possibilidade de dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitação da vida ou saúde de outrem – art. 132 do CP).
Logo, conclui-se que para a consumação dos crimes de perigo basta uma simples exposição a perigo do bem jurídico tutelado, sem nem mesmo que haja uma lesão efetiva, e por outro lado, o crime de dano exige uma efetiva e comprovada lesão (dano), ele somente se consuma quando a ação delituosa ocasiona uma lesão ao bem jurídico protegido.
2.3 Dos crimes de perigo abstrato.
Para entendermos o crime de perigo abstrato, núcleo mais valioso desse estudo, precisamos dessecar o crime de perigo em suas modalidades. 
O crime de perigo se subdivide em três espécies distintas quais são: Crime de perigo real ou concreto, crime de perigo abstrato ou presumido, crime de perigo individual e crime de perigo comum ou coletivo conforme ensaia Fernando Capez (2011, p. 286):
Subdivide-se em: a) crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo; b) crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime; c) crime de perigo individual, que é o que atinge uma pessoa ou um número determinado de pessoas, como os dos arts. 130 a 137 do CP; d) crime de perigo comum ou coletivo, que é aquele que só se consuma se o perigo atingir um número indeterminado de pessoas, por exemplo, o incêndio (art. 250 CP), explosão (art. 251 CP) etc.
Após entendimento categórico das subdivisões do crime de perigo, resta voltar à atenção única e exclusivamente ao crime de perigo abstrato. Confabulando com entendimento do doutrinador Fernando Capez, Cleber Masson (2012, p. 193) descreve:
Crimes de perigo abstrato, presumido ou de simples desobediência: consuma-se com a prática da conduta, automaticamente. Não se exige a comprovação da produção da situação de perigo. Ao contrário, há presunção absoluta (iuris et de iure) de que determinadas condutas acarretam perigo a bens jurídicos. É o caso do tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput). Esses crimes estão em sintonia com a Constituição Federal, mas devem ser instituídos pelo legislador com parcimônia, evitando-se a desnecessária inflação legislativa;
Após a análise desses primeiros componentes, é de suma importância diferenciar de forma categórica os crimes de perigo abstrato dos crimes de mera conduta, pois apesar da semelhança e dessa confusão ser bastante comum, eles são totalmente diferentes.
 Para Pierpaolo Cruz Bottini (2012, p.1) essa diferença é trabalhada da seguinte forma:
Esses tipos penais são distintos dos demais porque neles o legislador deixa de indicar qualquer resultado naturalístico, descrevendo apenas o comportamento penalmente relevante. Por isso, são chamados por alguns de crimes de mera conduta. São de perigo abstrato o tráfico de drogas, o porte de armas, a embriaguez ao volante e tanto outros tipos penais cuja redação indica apenas a conduta.
[...] Por isso, ainda que o tipo penal descreva a mera conduta, cabe ao intérprete – em especial ao Juiz – a constatação de que o comportamento não é inócuo para afetar o bem jurídico tutelado pela norma penal. Em outras palavras, não basta à mera ação descrita na lei faz-se necessária a verificação da periculosidade da conduta, sua capacidade – mesmo que em abstrato – de colocar em perigo bens jurídicos.
Conforme a lição de Eduardo Correia apud Ângelo Roberto Ilha da Silva (2003, p. 57):
Não se deve confundir crime de perigo com crime formal ou com crime de mera conduta. Ocorre que o crime pode ser, a um tempo, material e de perigo, como ocorre no crime de falsificação de moeda. O ato de falsificar moeda implica materialidade. No entanto, para o bem jurídico fé pública configura-se uma situação de perigo. Com efeito, quanto à afetação do bem jurídico é que o crime poderá ser de dano ou de perigo, ou, se se preferir, dano efetivo e dano potencial, correspondendo este ao perigo concreto ou abstrato. No entanto, com respeito a exteriorização do delito relativamente ao objeto material ou objeto da ação é que se fala em crime material.
Os crimes de mera conduta por sua vez, muito similares ao crime de perigo abstrato, são crimes que descrevem apenas uma conduta, não possui no tipo penal nenhum resultado. Esse crime é cristalinamente conceituado por Cleber Masson (2012, p. 190) que assim o descreve:
Crimes de mera conduta ou de simples atividade são aqueles em que o tipo penal se limita a descrever uma conduta, ou seja, não contém resultado naturalístico, razão pela qual ele jamais poderá ser verificado. É o caso do ato obsceno (CP, art. 233).
Na definição de Manoel Pedro Pimentel: “Crime de mera conduta é aquele em que a ação ou omissão bastam para constituir o elemento material (objetivo) da figura típica penal”.
Seguindo o mesmo viés, Fernando Capez (2011, p. 286) conceitua e arremata:
Crime de mera conduta: o resultado naturalístico não é apenas irrelevante, mas impossível. É o caso do crime de desobediência ou da violação de domicilio, em que não existe absolutamente nenhum resultado que provoque modificação no mundo concreto.
Com esses conceitos em mãos, fica mais fácil à compreensãode crime de perigo abstrato, foco nesse estudo.
Os crimes de perigo abstrato têm em sua natureza uma grande diferença com os demais crimes existentes em nosso ordenamento jurídico, são diferenciados principalmente por não indicar qualquer resultado lesivo ou naturalístico ao bem tutelado, esses crimes tem uma peculiaridade, eles somente formulam a conduta relevante.
Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 114) conceitua os crimes de perigo abstrato da seguinte forma: 
Crimes de perigo abstrato são aqueles que não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto. São tipos penais que descrevem apenas um comportamento, uma conduta, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do injusto.
Para demonstrar a relevância dos crimes de perigo abstrato e vincular a conduta do individuo ao crime de perigo abstrato, alguns doutrinadores usam como argumento o princípio da confiança, onde os indivíduos devem agir de forma responsável e confiante, acreditando que o outro irá agir da mesma maneira. Assim, Fernando Capez (2011) funda-se na premissa de que todos devem esperar por parte das outras pessoas que estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as normas da sociedade, visando a evitar danos a terceiros. 
	Fernando Capez (2011, p. 147) descreve ainda que “a vida social se tornaria extremamente dificultosa se cada um tivesse de vigiar o comportamento do outro para verificar se está cumprindo todos os seus deveres de cuidado”.  
Levando em consideração tal entendimento, as condutas que ultrapassarem a confiança ou ainda, o abuso da mesma, devem ser tipificados, com o intuito de preservar e reparar os danos à sociedade por meio do comportamento dos indivíduos. 
Para Ângelo Roberto Ilha da Silva (2003, p. 72):
Os crimes de perigo abstrato ou presumido são aqueles cujo perigo é ínsito na conduta e presumido, segundo a doutrina majoritária, júris etde jure. Como se viu, os crimes de perigo concreto pressupõem a afirmação do perigo no caso concreto a posteriori, enquanto os delitos tratados neste capítulo já o tem definido a priori. 
Segundo José Francisco de Faria Costa apud Ângelo Roberto Ilha da Silva (2003, p.72): “[...] nos crimes de perigo concreto o perigo constitui elemento do tipo legal, ao passo que nos crimes de perigo abstrato o perigo não é elemento do tipo, mas tão só sua motivação”.
Conforme a lição de Antônio José Lima Pereira, em seu artigo, os crimes de perigo abstrato possuem o perigo intrínseco na conduta, no ato a ser praticado, e assim descreve: (n.d, p. 04):
Os crimes de perigo abstrato constituem aqueles que possuem perigo residente somente na conduta, na descrição do ato, em que a probabilidade do resultado se dá pela observação de casos particulares em que a lógica aponta como possível um resultado danoso. 
Visando reforçar esse ponto de vista, Borba (2005) apud Antônio José Lima Pereira elucida a questão ao afirmar (n.d, p. 04):
nestes tipos de crime, o perigo não é elementar do tipo, ao contrário dos crimes de perigo concreto, sendo apenas a motivação para sua criação. Assim, não necessariamente a conduta ofereça uma provável consequência e tão somente configure uma possibilidade de resultado, já se constitui crime. Salientando, conforme afirmação anterior, que o perigo se encontra na motivação, na simples exposição e não na geração de um perigo concreto. Muitos dos crimes de perigo abstrato são tipos incorporados ao direito penal, mas sua finalidade primeira é a de proteger bens jurídicos que são matérias de ramos como o administrativo, econômico, ambiental e civil. Tais matérias passam a ser tratadas pelo direito penal tendo em vista a proteção de bens a partir da criminalização de condutas nocivas à sociedade. Neste caso, a conduta delituosa caracterizada por crime de perigo abstrato traz em seu cerne uma nocividade que atinge à ordem social, independente de resultado concreto no mundo material.
A doutrina dominante ainda trabalha com um bem jurídico coletivo: a incolumidade pública. Se compreendermos esse delito como um delito para proteção de bens jurídicos individuais, como a vida e a integridade física, será ele transformado em um crime de perigo abstrato.
No entanto, as correntes doutrinárias se dividem, criando pontos de vista distintos. Ângelo Roberto Ilha da Silva (2011, p. 74), conhecedor da distância entre os dois entendimentos, acredita que boa parte dos julgadores mantém-se refratária à interpretação menos positivistas, como se vê do seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmando subsistir a contravenção penal referente à direção de veículo sem habilitação, no modelo de perigo abstrato:
Direção de veículo sem habilitação é o quanto basta para a configuração do delito, não importando se a conduta cause ou não perigo concreto, sendo suficiente o perigo abstrato. A conduta delituosa disposta no art. 32 da lei das contravenções Penais não autoriza o trancamento da ação. Recurso desprovido. (STJ, RHC 8.137-SP, rel. Min. José Arnaldo Fonseca, J. 16. mar.1999, DJU 19. abr.1999, p. 151).
No entanto, os Tribunais se dividem em jurisprudências confrontantes. As Jurisprudências mais antigas demonstram a tendência nítida de migração a um ponto de vista favorável a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato conforme jurisprudência do STJ, que considerava que o crime de porte ilegal de arma de fogo seria de perigo concreto. Esse entendimento remete ao fato de que arma para ser arma, tem que ser eficiente, ou seja, em outras palavras, a ausência de munição retiraria a tipicidade do crime conforme demonstra o julgado a seguir:
Arma de fogo (porte ilegal). Arma sem munição (caso). Atipicidade da conduta (hipótese).
1. A arma, para ser arma, há de ser eficaz; caso contrário, de arma não se cuida. Tal é o caso de arma de fogo sem munição, que, não possuindo eficácia, não pode ser considerada arma.
2. Assim, não comete o crime de porte ilegal de arma de fogo, previsto na Lei nº 10.826/03, aquele que tem consigo arma de fogo desmuniciada.
3. Ordem de habeas corpus concedida. (TJ-RJ, recurso em sentido estrito, Porte iegal de arma de fogo, atipicidade, de relatoria do Exmo Sr. Ministro Nilson Naves, HABEAS CORPUS Nº 70.544 - RJ 2006/0253512-4).
No Habeas Corpus citado acima, resta claramente demonstrada à tese desse trabalho, onde aduz que sem ofensividade o crime é nulo conforme voto do Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura:
Quando do julgamento do citado HC 56.358/RJ, de minha relatoria, diante da tipificação trazida pela Lei 10.826/03, incriminando o porte tão-apenas da munição (sem a arma), entendi que, ipso iuris, também se deveria aceitar - logicamente - a tipificação do porte de arma, sem a munição.
Todavia, melhor refletindo sobre a matéria, à luz do Direito Penal do fato e daculpa, iluminado pelo princípio da ofensividade, vejo-me forçada a reformular minha posição, alinhando-se ao entendimento do Ministro Nilson Naves.
Da leitura da denúncia, não apuro concreta colocação em risco do bem jurídico tutelado - incolumidade pública-, evidenciando-se, no caso, a atipicidade material. Saliente-se que não são poucos os doutrinadores a defender a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, por entenderem insuficiente o mero enunciado de um comportamento sem a co-respectiva sondagem de afetação ao bem jurídico, verbis:
Ao sancionar-se penalmente um comportamento dentro destes parâmetros de valoração somos confrontados com a inexistência de uma qualquer 'ofensividade' relativamente a um concreto bem jurídico. É claro que sempre se poderá dizer e, mais do que dizer, sempre se poderá encontrar um bem jurídico que sustente formalmente o mais extremo dos tipos legais de crime abstracto. Nesta óptica, os bens jurídicos penais da paz jurídica, ou da segurança desempenham um papel agregador de referências vinculantes, mas desempenham um papel tão agregador que, quanto a nós, desaguam, se assim entenderem em meros significantesde vaguíssima referência axiológica, desprovidos de conteúdo. Se os virmos e os percebermos nessa veste, aqueles importantes valores nunca serão significados axiologicamente relevantes, porquanto também nunca ascenderão à dignidade de nódulos normativos susceptíveis de congregarem um sentido de desvalor (objectivo) que o ilícito-típico tem decomportar. O que nos leva a confirmar a fragilidade e a inconsistência de uma tal via argumentativa para justificar os chamados crimes de perigo abstrato.
Outro é o ponto de vista do Supremo tribunal Federal que é contrário a tese da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e vem indeferindo pedidos de tal natureza. Em recente julgado o Supremo Tribunal Federal entende de forma unânime que:
Decisão: Depois dos votos dos Ministros Relator e Joaquim Barbosa, indeferindo o pedido de habeas corpus, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo eminente Ministro Cezar Peluso. 2ª Turma, 05.06.2007.
Decisão: Após os votos dos Senhores Ministro-Relator e Joaquim Barbosa, que denegavam a ordem, e do voto do Senhor Ministro Cezar Peluso, que a concedia, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pela Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 20.04.2010.
Decisão: Resolvendo questão de ordem suscitada pelo Ministro Teori Zavascki, a Turma, por votação unânime, considerou prejudicado o pedido de habeas corpus. 2ª Turma, 03.06.2014.
No entanto, antes de confrontar o crime de perigo abstrato em si com princípio da ofensividade (lesividade), é fundamental a ressalva ao princípio da intervenção mínima. Para Ângelo Roberto da Ilha Silva (2011, p.25), a intervenção penal somente ressoará legítima, pois, quando tiver por função a proteção de bens jurídicos (proteção de valores).
Annellise Freitas Macedo Oliveira (2014, p. 01), entende que o Direito Penal deve tutelar somente os bens jurídicos mais significativos para a sociedade, em razão da gravidade das sanções impostas pelo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, influi-se que os crimes de perigo abstrato, cuja consumação ocorrem com a simples verificação de situação hipotética de perigo, não deveriam sequer ser tratados ou considerados como crimes, mesmo porque representam uma afronta ao sistema democrático preconizado pela Constituição Federal.
Para Antônio José Lima Pereira (n.d, n.p), em seu estudo minucioso sobre a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato traz:
O Direito Penal brasileiro, consoante aos princípios constitucionais e de acordo como os fundamentos de um Estado Democrático de Direito, assume, a postura de instrumento de proteção aos bens jurídicos. Onde, o Estado não pode usá-lo como mero instrumento punitivo e coercitivo. Há de se considerar também que o Direito Penal somente pode ser recorrido quando o Estado não dispuser de outra forma de coibir atos, ou seja, a função penal do Estado deve somente ser utilizada em último caso, “ultima ratio”, ou em situações excepcionais.
Quando o Direito penal não é usado para esse fim, Antonio josé Lima Pereira adverte que ele, o Direito, acaba por se maximizar, adotando postura em que qualquer conduta assume caráter lesivo. Neste caso Greco (2009, p.16) apud Antônio José Lima Pererira (n.d, n.p) adverte para o fato que:
 “Os adeptos, portanto, do movimento da Lei e Ordem, optando por uma política de aplicação máxima do Direito Penal, entendem que todos os comportamentos desviados, independentemente do grau de importância que se dê a eles, merecem o juízo de censura a ser levado a efeito pelo Direito Penal).
Não obstante do mesmo entendimento, Luiz Flávio Gomes, apud Fabrício da Mata Correa (2012, p. 02) entende que a importância desses princípios e a contribuição deles para o direito penal é inquestionável, e antecipa-se à própria criação da figura típica.
E retomando o pensamento sobre os crimes de perigo abstrato, maior é a dificuldade de sua aceitação no meio jurídico justamente por força desses princípios, haja vista que até pela fragmentariedade que os cercam, reforça o entendimento de que eles não devam ser tratados pelo Direito Penal, mas talvez por outro ramo (ultima ratio).
CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE
O princípio da ofensividade ou da lesividade, expresso pela máxima “Nullum crimen sine iniuria”, traz como premissa que não há crime sem lesão efetiva ou ameaça concreta a um bem jurídico tutelado. Ora, se é necessária uma lesão ou ameaça de lesão para que um crime não seja nulo, o crime de perigo abstrato que trata de uma mera presunção de perigo torna-se questionável.
Antes de estudar a fundo o princípio da ofensividade ou da lesividade, cabe atentar-se a importância que esse princípio tem junto ao direito penal. Para isso, o doutrinador Luiz Flávio Gomes (2002, nota do autor) impecavelmente coloca:
“Não posso deixar de enfatizar com todas as letras o seguinte: o professor que está ensinando o Direito penal sem levar em conta o princípio da ofensividade, bem como as teorias da norma penal, do bem jurídico e da imputação objetiva; o intérprete que os ignora em seus manuais; o juiz que não os menciona em suas decisões; e o estudante que deles nunca ouviu falar não são professores, nem intérpretes, nem juízes, nem estudantes do terceiro milênio. Continuam atrelados (e limitados) ao método formalista do século XX. São portanto juristas ou estudantes do século passado. Não são juristas ou estudantes do seu tempo. Cientificamente já morreram, embora ainda não tenham sido sepultados. Precisam se atualizar!
O princípio da lesividade, ofensividade ou ainda princípio do fato e da exclusiva proteção ao bem jurídico como é conhecido, não está presente de forma explicita em nossa carta magna, a Constituição federal de 1988, entretanto, Luiz Flávio Gomes (n.d. p. 02) aduz que este princípio está presente de forma implícita na Lei dos juizados especiais criminais, em seu artigo 98, I, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo. Para ele o texto de lei deixa evidente a real necessidade de ofensividade ou lesividade na conduta.
Assim, dando continuidade ao tema e com foco estrito no princípio da ofensividade (lesividade), Ângelo Roberto Ilha da Silva (2011, p. 26) entende que os delitos de perigo abstrato ou presumido, trazem uma afronta ao princípio da lesividade. O referido princípio para melhor auxiliar na pesquisa em questão, será analisado conjuntamente com o exame da função do direito penal de proteção de bens jurídicos, por serem inseparáveis.
Ângelo Roberto Ilha da Silva (2011, p. 28) ressalta ainda que, por serem princípios constitucionais, esses nos levam a concluir que o problema da legitimidade dos crimes de perigo abstrato somente pode ser analisado em face da Constituição. Assim a Constituição Federal de 1988 será um referencial constante, de modo que considerar as infrações penais ilegítimas significará considerá-las inconstitucionais, ao passo que, se a consideração for pela legitimidade, o contrário se dará.
Luiz Flávio Gomes (2002, p. 47) esclarece:
Em que pese à inexistência de uma expressa previsão, não é diminuta a corrente doutrinária que considera que o princípio da ofensividade conta com consagração normativa constitucional e legal. Daí sua irrefutável relevância não só no âmbito político-criminal, senão também e principalmente em sede de hermenêutica e de aplicação do Direito penal aos casos concretos. 
Por sua vez, Damásio de Jesus (2001, p.134) expõe que o princípio da lesividade ou ofensividade está exposto no art. 98 da Constituição Federativa do Brasil de 1988, e ao cuidar desse princípio sublinhou: 
O Direito penal só deve ser aplicado quando a conduta lesiona um bem jurídico, não sendo suficiente que seja imoral ou pecaminosa. Entre nós, esse princípio pode ser extraído do art. 98, da Constituição Federal, ao disciplinar as infrações penais de menor potencial ofensivo.
Luiz Flávio Gomes (2002, p.58) complementa ainda que o fato do princípio da ofensividadenão ter merecido no Brasil (ainda) a devida atenção, seja da doutrina, seja da jurisprudência, não é suficiente para negar sua relevância como princípio cardeal do atual Direito Penal. Não resta a menor dúvida de que o princípio da ofensividade ostenta consagração constitucional (ao menos implícita também no Brasil).
3.1 – Princípio da ofensividade e o papel do Direito Penal
Não é tarefa fácil definir o papel do Direito Penal, todavia, um de seus principais pilares sem dúvida é o princípio da ofensividade ou da lesividade. Luiz Flávio Gomes (2002, pg.26) retrata que:
Justamente nessa linha (garantista e menos intervencionista) cabe lembrar a lição de Silva Sánchez: “O Direito Penal deve cumprir o fim de redução da violência social deve assumir também, em sua configuração moderna, o fim de reduzir a própria violência punitiva do Estado. Esta redução tem lugar por duas vias: sobre a base do princípio utilitarista da intervenção mínima e sobre a base dos princípios garantidores individuais.
Seguindo o mesmo prisma, Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p. 166) entende que o Direito penal deve preocupar-se com bens jurídicos e sempre estar voltado a condutas que possam efetivamente afeta-los, e assim ressalva Mendoza Buergo apud Pierpaolo Cruz Bottini (2011, p.167):
A função do Direito penal é aproteção subsidiaria de bens jurídicos: logo, seus preceitos devem sempre estar direcionados a condutas com potencial para afeta-los. Assim, a periculosidade do comportamento, o risco que gera para os interesses tutelados, seria sempre um elemento necessário do injusto penal. Este risco deveria ser avaliado por um juízo ex ant, em cada caso concreto, que possibilitaria a construção de um efetivo desvalor de periculosidade, não necessariamente expresso no tipo penal. Seria um critério valorativo de interpretação teleológica do direito penal de um Estado Democrático de Direito voltado à proteção de bens jurídicos.
Luiz Flávio Gomes (2002, p. 22) acredita que a construção de todo o sistema penal constitucionalmente orientado, em consequência, deve partir da premissa de que não há crime sem ofensa. Logo ele retrata, por conseguinte, que o axioma nullum crime sine inuria – que conta com uma inequívoca inspiração liberal e que hic et nunc é admitido como eixo de todo o sistema penal – encontra ressonância constitucional e legal, isto é, encontra eco tanto nos modernos modelos do Estado, que se caracterizam por ser constitucionais e democráticos de direito, como nos códigos e leis penais.
Luiz Flávio Gomes (2002, p.23), finaliza:
O princípio da ofensividade, por outro lado, deve ser enfocado como critério limitador da intervenção penal, considerada esta em suas duas dimensões: subjetiva e objetiva. No sentido subjetivo, tal como afirmava Von Liszt e Schimidt, “Direito penal significa o direito de castigar (ius puniendi), isto é, o direito de ameaçar com penas, assim como no caso particular, de impor e executá-las; no sentido objetivo o iuspoenale constitui o conjunto de regras e princípios que definem o delito e suas consequências jurídicas”. Em outras palavras: o ius puniendi compreende três momentos: (a) o direito de ameaçar com penas (= direito de criminalizar); (b) o direito de impor a pena (que é a pretensão punitiva que surge a partir do instante em que acontece a infração penal); (c) o direito de executar a pena imposta (que é a pretensão executória). O iuspoenale, por sua vez, é o conjunto de normas que definem o âmbito do proibido e do punível.
Em outras palavras, Luiz Flávio Gomes (2002, p. 28) arremata alegando que dupla é a função do princípio da ofensividade no Direito Penal: (a) função político-criminal (momento em que se decide pela criminalização da conduta) e (b) função interpretativa ou dogmática (instante em que se interpreta e se aplica concretamente o Direito penal).
O papel do Direito Penal é proteger os bens jurídicos extremamente relevantes para a vida em sociedade, visando essa proteção, ele só deve atuar se o bem jurídico for lesionado ou se houver perigo real de lesão ao bem jurídico em questão (intervenção mínima). O princípio da lesividade ou ofensividade, mais conhecido como “Nullum Crimen Sine Injuria“, trata-se de um princípio Constitucional, previsto em nossa Constituição Federal e sua hierarquia não pode em hipótese alguma deixar de ter relevância no ordenamento jurídico penal.
Não se deve acionar a máquina estatal em sua esfera penal caso não ocorra ao menos um resquício de lesividade na conduta do individuo.
Rogério Sanches Cunha (2013, p. 01) esclarece:
O princípio da ofensividade ou lesividade (nullum crimen sine iniuria) exige que do fato praticado ocorra lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Luiz Flávio Gomes explica que o princípio da ofensividade está atrelado à concepção dualista da norma penal, isto é, a norma pode ser primária (delimita o âmbito do proibido) ou secundária (cuida do castigo, do âmbito da sancionabilidade).
[...] A norma primária, por seu turno, possui dois aspectos: (a) ela é valorativa (existe para a proteção de um valor); e (b) também imperativa (impõe uma determinada pauta de conduta).
O aspecto valorativo da norma fundamenta o injusto penal, isto é, só existe crime quando há ofensa concreta a esse bem jurídico. Daí se conclui que o crime exige, sempre, desvalor da ação (a realização de uma conduta) assim como desvalor do resultado (afetação concreta de um bem jurídico). Sem ambos os desvalores não há injusto penal (não há crime). 
O conceito do princípio da ofensividade e lesividade tem intima relação com o princípio da intervenção mínima, eles são tratados de forma tão íntima que chegam a se complementar um ao outro. Este pode ser muito bem exposto conforme remete Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 13):
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.
Tal afirmativa pode ser verificada junto ao posicionamento de diversos doutrinadores, dentre eles, um dos que mais defende essa posição é o Luiz Flávio Gomes apud Marco Antônio Martins (2012, n.p) que coloca de forma sucinta:
O princípio da ofensividade está destinado a funcionar como critério hermenêutico de extraordinário valor, em virtude do qual resulta impossível sancionar penalmente todos os comportamentos que concretamente não chegam a ‘perturbar’ ou afetar o bem consagrado normativamente. Para que um ato humano seja considerado penalmente relevante, além da materialização (exteriorização) de uma vontade criminosa, que é exigência do princípio do fato, faz-se necessário um plus, que é precisamente a ofensa (a iniuria) ao bem jurídico tutelado. (GOMES, 2011, p.122).
Fernando Capez (2011, p. 41) por sua vez entende que não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado ao bem jurídico.
A punição de uma agressão em sua fase ainda embrionária, embora aparentemente útil do ponto de vista da defesa social, representa ameaça à proteção do indivíduo contra uma atuação demasiadamente intervencionista do Estado.
Como ensina Luiz Flávio Gomes apud Alexandre Luiz Gomes (n.d, n.p), “o princípio do fato não permite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudesinternas (enquanto não exteriorizada a conduta delitiva)”.
Para Cleber Masson (Masson, p. 44) o posicionamento não se distancia. Consubstanciando esse entendimento, afirma categoricamente que este princípio atende a manifesta exigência de delimitação do direito penal, tanto em nível legislativo como no âmbito jurisdicional.
De acordo como clássico ensinamento de Francesco Palazzo apud Cleber Masson (2012, p. 44):
Em nível legislativo, o princípio da lesividade (ou ofensividade), enquanto dotado de natureza constitucional, deve impedir o legislador de configurar tipos penais que já hajam sido construídos, in abstracto, como fatores indiferentes e preexistentes a norma. Do ponto de vista, pois, do valor e dos interesses sociais, já foram consagrados como inofensivos. Em nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mais ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico especifico tutelado pela norma.
Conforme analisado, o princípio da lesividade está presente no núcleo do direito penal, em outras palavras, ele foi o alicerce para boa parte da politica criminal do nosso Estado Democrático de Direito que visa resguardar os bens jurídicos mais valiosos como a vida, o patrimônio dentre outros; entretanto esse princípio não caminha sozinho, ele é intimamente ligado a diversos outros princípios.
3.2 – O princípio da ofensividade e sua relação com outros princípios
É certo que neste trabalho o centro da atenção está voltado para o princípio da ofensividade, todavia esse princípio guarda uma estreita relação com diversos outros princípios basilares do Direito penal, restando infrutífero falar do princípio da ofensividade sem tecer comentários a seus parentes mais próximos.
Luiz Flávio Gomes (2002, p.101) esclarece que os princípios, assim como o da exclusiva proteção de bens jurídicos, da ofensividade e tantos outros que emanam da Constituição, em síntese, formam um continuum de critérios garantistas, que vão delimitando, em cada momento, o poder punitivo do estado.
Entre os princípios que iremos correlacionar com o princípio da ofensividade está o princípio da adequação social. Esse princípio mantém uma estreita relação com o princípio da ofensividade, pois estabelece que o Direito Penal só poderá tipificar e tratar condutas que tenham relevância social. Em outras palavras, se não houver relevância social, não será considerada como um delito.
Assim sendo, Fernando Capez (2011 p.38) ressalva:
Para essa teoria, o Direito Penal somente tipifica condutas que tenham certa relevância social. O tipo penal pressupõe uma atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejam contrários e nocivos ao interesse público, para serem erigidos à categoria de infrações penais; por conseguinte, as condutas aceitas socialmente e consideradas normais não podem sofrer este tipo de valoração negativa, sob pena de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade.
A ofensividade e a legalidade também mantêm estreita relação. Na verdade seria como se um princípio completasse o outro, ou seja, nulla iniuria sine Lex e nulla Lex sine iniuria. Luiz Flávio Gomes (2002, p. 34) evidencia a estreita coligação entre esses princípios. Afirma que:
O princípio da ofensividade está estreitamente coligado com o da legalidade (ou reserva legal). Do ponto de vista sistemático ou, mais precisamente, dogmático, já tivemos ocasião de sublinhar que a ofensa (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) não é um plus extra normativo (inventado pelo intérprete) que é exigido para a existência do delito (do injusto penal), senão (mais) um requisito (do fato típico) que está condicionado e limitado pela legalidade (nulla iniuria sine lex). Daí se infere a concepção (constitucionalista e garantista) do delito ou do injusto como um “fato ofensivo típico”.
De qualquer modo, o que nos interessa neste passo não é examinar o aspecto sistemático ou dogmático, senão o técnico legislativo, que é regido por outro axioma: nulla lex sine iniuria.
Uma vez que se concebe que a ofensividade é condição necessária, ainda que não suficiente, da intervenção penal e que o delito é expressão de uma infração ao Direito (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido), tem relevância impar exigir do legislador a descrição do fato típico como uma ofensa a um determinado e especifico bem jurídico.
	Isso significa, claramente, que está vedada a possibilidade de o legislador configurar o delito como uma mera desobediência ou simples infração da norma (imperativa) ou mesmo como simples desvalor da ação (é o que se dá no perigo abstrato, por exemplo), sem considerar qualquer ofensa a um bem jurídico ou mesmo a um autêntico bem jurídico.
	O que se pretende é que o legislador, já no momento mesmo da construção do tipo penal, expresse de modo inequívoco (taxativo) a ofensividade da conduta (na forma de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão). Esse é o significado sublime da formula nulla lex sine iniuria.
Como exemplo claro do citado acima Luiz Flávio Gomes compara o antigo art. 32 da Lei das contravenções penais que contemplava a conduta de dirigir sem habilitação sem nenhuma preocupação com qualquer ofensa ao bem jurídico tutelado, com o atual art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que expressamente exige perigo concreto de dano, nota-se claramente não só a diferença entre uma descrição meramente formalista e outra garantista, senão também o valor da nulla Lex sine iniuria no Direito penal.
Vale ressaltar que o que importa ainda para Luiz Flávio Gomes (2002, p. 36) é nada mais que:
O que importa nesse momento, destarte, é o aspecto “formal” (técnico legislativo) da relação entre o princípio da ofensividade e o da legalidade. Nesse sentido, pode-se afirmar que o princípio da ofensividade impõe uma exigência mais ao princípio da legalidade penal (nullum crimen nulla poena sine lege).
Desse modo Luiz Flávio Gomes (2002, p.36) entende que o axioma nulla lex sine iniuria complementa a natureza garantista do princípio da legalidade. De certa maneira é um complemento, um plus a exigência liberal e garantista da Lex certa, que proclama que o tipo penal tem a função de determinar com a maior clareza possível o que está proibido e, por exclusão, o que está permitido. Quanto mais o legislador se aprofunde na concretização do bem jurídico protegido e defina com precisão o tipo de ofensa punível, mais segurança estará outorgando ao tipo penal.
A ofensividade também mantém relação com o princípio da materialidade, ou ainda conhecido princípio do fato. Luiz Flávio Gomes (2002, p. 39) adverte:
[...] não se pode deixar de reconhecer que estão indiscutivelmente implicados. É que nenhum dano, por mais grave que seja, pode ser considerado penalmente relevante senão em virtude da exteriorização de uma conduta. Para incidir em uma sanção penal, o sujeito tem de materializar a ação, mesmo porque ele não responde pelo que é, senão pelo que faz. Em outras palavras: ninguém pode ser punido tão-somente porque planejou uma conduta ofensiva a bens jurídicos. É que a conduta (causadora de risco) deve ser exteriorizada e, depois, ainda é necessário que tenha efetivamente afetado o bem jurídico protegido. Assim se completa a tipicidade em sentido material.
Simplificando, ninguém pode ser punido apenas por seus pensamentos, desejos ou intenções, para o Direito Penal somente interessa as condutas, ação ou omissão. Melhor exemplo não há do que o colocado pelo nobre doutrinador Luiz Flávio Gomes (2002, p. 40) que assim dispõe:
No direito brasileiro uma inequívoca incriminação que viola o que acaba de ser dito está no art. 59 da LCP [“Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistênciamediante ocupação ilícita”]. O sujeito é punido não pelo que faz em termos de conduta ofensiva a terceiras pessoas, senão pelo que é. Pela opção que ele fez. O sujeito optou por ser vadio e é punido penalmente por isso. Note-se que o tipo nada traz em termos de ofensividade a terceiros. Parte o legislador da premissa que a vadiagem é perigosa e só isso justificou a incriminação. Pior ainda: o rico tem direito a essa opção. O rico, ocioso, tem direito de ser vadio. O pobre não conta com o idêntico direito. Por isso é que se pode dizer que vadio nada mais é do que pobre ocioso, enquanto ocioso nada mais é que rico vadio. Também está presente aqui uma patente violação ao princípio da igualdade. Numa interpretação constitucional, portanto, rico e pobre têm direito a ociosidade. Tudo isso é moralmente reprovável. Mas o Direito penal não pode punir condutas puramente imorais. A sanção penal justifica-se quando há ofensa a um bem jurídico de terceira pessoa. Não para castigar o modo de vida das pessoas.
[...] Punir alguém pelo seu modo de pensar ou de viver é albergar o denominado Direito penal de autor, do qual fez uso extenso o regime nazista para castigar pessoas pelo que eram ou pensavam e não pelo que haviam feito.
O princípio da exclusiva proteção a bens jurídicos mantêm um intimo vínculo com o princípio da lesividade. Os dois quase convertem para tornar-se um só. São na verdade princípios complementares, como, aliás, o são todos os princípios limitadores do ius puniendi. Para demonstrar tamanha correspondência e dependência um do outro, Agudo Correa apud Luiz Flávio Gomes (2002, p. 42) esclarece ao citar como exemplo:
[...] ad exemplum, esta passagem de Agudo Correa: “O Direito Penal não pode incriminar qualquer conduta, senão tão somente aquelas que lesionam ou põem em perigo o bem jurídico, sendo correspondentes dessa forma o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos e o princípio da lesividade ou ofensividade, que se utiliza para expressar o conhecido aforismo nullum crimen sine iniuria, é dizer, que todo delito comporta lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico.
Nessa mesma linha Gonzalez Cussac apud Luiz Flávio Gomes (2002, p. 42): 
No seio do Direito penal liberal, e com finalidade essencial de separar Direito e Moral, nasce o princípio da ofensividade, lesividade ou exclusiva proteção de bens jurídicos. Deste modo se expressa o dogma nullum crimen sine iniuria, segundo o qual todo delito comporta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.
Voltado à mesma linha de raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt ressalta que o princípio da lesividade obriga o legislador, no ato de criar as leis, e ao intérprete na busca pela correta aplicação da lei, obrigando ambos a verificar se houve realmente uma lesão efetiva ou um perigo de lesão ao bem jurídico que se busca proteger, e assim esclarece Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 22):
Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado. Por essa razão, são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois, no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado. Em outros termos, o legislador deve abster-se de tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo, colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma penal. Sem afetar o bem jurídico, no mínimo colocando-o em risco efetivo, não há infração penal.
Por fim, corroborando com a mesma linha de raciocínio Mata y Martin apud Luiz Flávio Gomes (2002, p. 42), conclui:
O princípio da lesividade ou ofensividade ou exigência de exclusiva proteção de bens jurídicos mediante o Direito penal constitui hoje um postulado nuclear da Ciência Penal. Não destoa dessa tendência nem mesmo o Tribunal Constitucional espanhol, que reconhece que a lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos constitui o conteúdo essencial do conceito de delito (STC 11/1981, de 08.04, e 62/1982, de 15.10) e, ademais, que o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos corresponde ao da ofensividade.
Assim, única e exclusivamente por possuírem estreito vínculo, os dois princípios citados acima são mencionados com frequência para expressar uma única realidade, entretanto, minuciosamente entendidos exprimem conteúdos distintos. O princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, conforme ensina Luiz Flávio Gomes tem o papel de delimitar uma forma de direito penal. Assim ressalva Luiz Flávio Gomes (2002, p. 43): 
[...] a função principal do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é a de delimitar uma forma de Direito penal, o Direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma penal em si, etc. O Direito penal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado como o conjunto normativo destinadoà tutela de bens jurídicos, isto é, de relações sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrática.
O princípio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou forma do Direito penal, senão que expressa uma forma de compreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico. E disso deriva como já afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas de delito (mera desobediência, simples violação da norma imperativa etc.).
Em face ao exposto impede a conclusão de que não podemos mencionar tais princípios de indistintamente, tal como vêm fazendo alguns setores da doutrina e da jurisprudência estrangeira. Cada um tem seu campo de atuação, seu conteúdo, sua finalidade e seu objeto próprio, o que não quer dizer que não exista entre eles pontos de intersecção, de comunicação ou de conexão.
O princípio da intervenção mínima ou da ultima ratio também traz uma íntima relação com o princípio da lesividade ou ofensividade. Ele retrata que o Direito penal deve resguardar apenas os bens jurídicos mais significativos e valiosos para o sociedade, deixando de lado bens e lesões insignificantes. Desse modo, Cleber Masson (2012, p. 39) detalha de forma contundente:
No campo penal, o princípio da reserva legal não basta para salvaguardar o indivíduo. O Estado, respeitada a previa igualdade dos delitos e das penas, pode criar tipos penais iníquos e instituir penas vexatórias à dignidade da pessoa humana.
Para enfrentar esse problema, estatuiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8°, que a lei somente deve prever penas estritamente necessárias. Surgia o princípio da intervenção mínima ou da necessidade, afirmando ser legítima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do ordenamento jurídico.
E nesse contexto já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A missão do Direito penal moderno consiste em tutelar bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade.
A intervenção mínima tem como destinatários principais o legislador e o interprete do Direito. Àquele, recomenda moderação no momento de eleger as condutas dignas de proteção penal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente devem ser castigados aqueles que não puderem ser castigados por outro ramo do Direito. Como enfatiza ClausRoxin, “é evidente que nada favorece tanto

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