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1 2 AULA 8: PÓS-MODERNIDADE, JUDICIALIZAÇÃO DA (GEO)POLÍTICA E CONSTITUCIONALISMO ESTRATÉGICO 3 INTRODUÇÃO 3 CONTEÚDO 4 O CONSTITUCIONALISMO DO ESTADO PÓS-SOCIAL DE DIREITO 4 PARA ALÉM DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA 5 A GLOBALIZAÇÃO, O FIM DA GUERRA FRIA E O CONSTITUCIONALISMO DA PÓS- MODERNIDADE 13 UM MUNDO A SER REFEITO: DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMO ESTRATÉGICO E DEMOCRÁTICO BRASILEIRO 20 ATIVIDADE PROPOSTA 24 REFERÊNCIAS 25 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 26 CHAVES DE RESPOSTA 31 ATIVIDADE PROPOSTA 31 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 31 3 Introdução A presente aula pretende apresentar e discutir algumas características centrais e implicações do constitucionalismo da pós-modernidade, aqui compreendido como o novo ciclo democrático que surge com o fim da Guerra Fria e com a globalização da economia. A discussão se ocupa, preliminarmente, do fenômeno, ainda oculto na academia brasileira, que vai além da judicialização da política, para alcançar a judicialização da geopolítica. Na sequência dos estudos, pretende-se então identificar as bases epistemológicas que informam a construção do chamado constitucionalismo estratégico, que, em essência, acrescenta a dimensão estratégica à racionalidade das decisões jurídicas envolvendo as grandes decisões políticas fundamentais do Estado. O artigo também propõe um mapeamento conceitual acerca dos desafios do constitucionalismo brasileiro no limiar do terceiro milênio, trazendo reflexões multidisciplinares que envolvem o direito, a geopolítica e a economia. Sendo assim, esta aula tem como objetivo: 1. Compreender as características principais que informam a pós- modernidade, a judicialização da (geo)política e a nova dimensão estratégica da Constituição democrática. 4 Conteúdo O Constitucionalismo do Estado Pós-social de Direito O constitucionalismo da pós-modernidade, também chamado de constitucionalismo do Estado pós-social de Direito ou Estado pós-moderno de Direito, é um novo ciclo democrático que surge a partir do fim da Guerra Fria e do colapso do socialismo utópico soviético. Com efeito, como já visto preliminarmente na aula 6, trata-se de um novo paradigma constitucional que ainda se encontra em evolução. 5 Apesar disso, não se pode negar que o constitucionalismo pós-moderno, num primeiro momento, apontou para a desconstrução do constitucionalismo social dirigente, notadamente a partir dos influxos da ideologia neoliberal. Daí o já estudado contraponto com o Estado neoconstitucional de Direito. Assim sendo, a presente aula visa introduzir na cultura jurídica brasileira o exame das relações entre o direito, a geopolítica e a economia (geodireito). Trata-se de um novo ramo da ciência jurídica, cuja linha epistêmica se propõe a estudar não apenas os desdobramentos da judicialização da política, mas, principalmente, a judicialização da geopolítica e seus desdobramentos na ordem jurídico-constitucional do Estado nacional. Para tanto, vamos seguir três grandes linhas temáticas, a saber: • A judicialização da geopolítica; • Os desdobramentos do fim da Guerra Fria e da globalização da economia no âmbito do constitucionalismo da pós-modernidade; • Os desafios do constitucionalismo estratégico do Brasil no século XXI. Para Além da Judicialização da Política Uma das principais características do constitucionalismo da pós-modernidade é o fenômeno da judicialização da política. De fato, nos dias de hoje, juízes e tribunais, notadamente o STF, decidem sobre problemas politicamente relevantes e é nesse sentido que se estabelece o fenômeno da judicialização da política. É importante compreender que o conceito de judicialização da política não é coincidente com o de ativismo judicial, já analisado na aula passada. Judicialização significa que, em nome do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (direito de ação), questões políticas fundamentais do 6 Estado são levadas ao poder judiciário, como, por exemplo, uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo chefe do poder executivo contra uma determinada lei feita pelo Congresso Nacional. Observe, com atenção, que é o próprio sistema de controle de constitucionalidade que deu azo, nesse caso, ao fenômeno da judicialização da política. Ou seja, tal fenômeno não depende da vontade política de juízes e tribunais. Bem diferente, como vimos, é o ativismo judicial, este, sim, uma postura que parte do próprio poder judiciário na criação de direito, daí as posições conservadoras do não concretismo e das posições avançadas concretistas. Portanto, sob a égide do constitucionalismo da pós-modernidade, vive-se o contraponto que coloca, de um lado, o fenômeno da judicialização da política (decisões políticas fundamentais do Estado migram do Congresso Nacional para o Supremo Tribunal Federal) e, do outro, a criação jurisprudencial do direito sob a influência política do juiz (decisões judiciais criam direito ainda que submetidas à dificuldade contramajoritária). Essas perturbações/irritações do constitucionalismo democrático pós-moderno são inevitáveis em razão do papel do poder judiciário, tanto no controle da constitucionalidade das leis, como na realização das normas constitucionais. Nesse sentido, questão tormentosa se apresenta ao neoconstitucionalismo da pós-modernidade e à dogmática pós-positivista: Deve o juiz ser ativo na proteção da plena efetividade das normas constitucionais, agindo como legislador positivo e criando direito independentemente do legislador democrático, ou, não, deve o juiz limitar-se ao texto da lei, deixando para o legislador a tarefa de realizar as normas constitucionais mediante elaboração das normas infraconstitucionais? Duas imagens daí derivam: de um lado, a imagem do magistrado progressista neoconstitucionalista, isto é, a figura do juiz-herói, guardião axiológico da 7 Constituição, protetor dos direitos fundamentais e da força normativa da Constituição, intérprete do verdadeiro sentimento constitucional de justiça. Do outro, a imagem do magistrado positivista, isto é, a figura do juiz- máquina, juiz boca da lei, guardião da norma posta, defensor do dogma da certeza jurídica máxima e curador da aplicação axiomático-dedutiva da lei. É preciso, portanto, tratar com a devida acuidade científica o papel do poder judiciário no âmbito do constitucionalismo da pós-modernidade, porque ambas as imagens (juiz-máquina do positivismo jurídico e juiz-herói do pós- positivismo jurídico) apresentam vantagens e desvantagens. Contemporaneamente, o Judiciário – enquanto parte integrante das forças políticas do Estado – se vê cada vez mais envolvido nos complexos problemas constitucionais que são levados para os tribunais, valendo desde logo fazer referência às questões de ordem geopolítica (demarcação das terras indígenas) e questões estratégicas (questões do meio ambiente versus construção de hidrelétricas na Amazônia), que irão dar ensejo ao assim chamado constitucionalismo estratégico. Nesse sentido, José Luiz Borges Horta alerta para a necessidade de imprimir ao constitucionalismo suas efetivas dimensões estratégicas. Marcelo Neves, por sua vez, inova substancialmente o debate em matéria constitucional com seu impactante Transconstitucionalismo, com o qual subverte criativamente a vinculação do fenômeno constitucional ao Estado nacionale o conecta de modo bastante atual ao universo da globalização. É necessário, no entanto, que os constitucionalistas, teóricos e filósofos do Estado percebam a importância de fazer avançar o constitucionalismo de modo a dar-lhe dimensões estratégicas. O estabelecimento dos marcos do constitucionalismo estratégico incentiva um repensar amplo do fenômeno – tanto material quanto 8 formal – do Estado constitucional, em ao menos três campos até aqui pouco explorados: político, econômico e cultural.1 De tudo se vê, por conseguinte, que para além das grandes questões políticas nacionais que se apresentam ao poder judiciário, o juiz constitucional, sob a égide do neoconstitucionalismo na sua vertente estratégica, já não pode mais ficar atrelado à formulação de políticas internas, normativamente, pré-posta pelo legislador pátrio, mas, deve, sim, compreender o conteúdo geopolítico e geoestratégico que subjaz à questão constitucional sendo aferida de modo a poder aplicar concretamente os princípios constitucionais que materializaram o Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana. É a ele que cabe a arte de interpretar a lei, desvelando a noção de bem comum (Larenz). É a ele que cabe compreender a dimensão estratégica da questão constitucional que lhe é apresentada para decisão. Não se pode olvidar, portanto, que a força jurígena de decisões exemplares abre caminho para a realização do justo e justifica o movimento de invasão do direito, não apenas sobre a política e as relações sociais internas, mas, também, sobre a geopolítica como um todo (contexto funcional luhmanniano). É no contexto geopolítico que transitam os debates da elite intelectual do país, representantes das empresas multinacionais, jornalistas, líderes políticos, professores universitários, empresários nacionais com interesses diretamente ligados ao tema, doutrinadores, juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos, advogados, etc. Daí nasce a figura de um novo ator ou centro de poder no Estado contemporâneo: a intelligentzia jurídica, intelectuais especializados do direito, guardiões dos direitos fundamentais, elite jurídico-política capaz de descobrir o sentido e garantir aquilo que é justo, o que é política e geopoliticamente correto. É a constitucionalização da geopolítica que se justifica a partir da 1 HORTA, José Luiz Borges. Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. Ano1. N.1. jan/mar 2007. 9 necessidade de o poder judiciário ser obrigado a penetrar no discurso geopolítico para poder aferir a questão constitucional trazida sob a roupagem de grandes políticas públicas. Isto transforma o poder judiciário em centro de poder político do Estado, isto é, uma força política do Estado em todas as suas dimensões, inclusive a estratégica e a geopolítica. Com rigor, este fenômeno da judicialização da (geo)política – aqui compreendido como a invasão do direito sobre a (geo)política – já era diagnosticado desde os tempos de Alexis de Tocqueville, valendo reproduzir in verbis, fragmentos de seu pensamento que impressionam pela atualidade e clarividência: O que o estrangeiro encontra maior dificuldade em compreender nos Estados Unidos é a organização judiciária. Quase não há, por assim dizer, ocorrência política na qual não se evoque a autoridade do juiz. De onde se conclui, naturalmente, que nos Estados Unidos o juiz é uma das primeiras forças políticas. (...) Aos olhos do observador, o magistrado dá a impressão de jamais se imiscuir nos negócios públicos a não ser por acaso; só que esse acaso acontece todos os dias. (...) De onde vem esse poder? (...) A causa acha-se neste fato singular: os americanos reconheceram o direito dos juízes de fundamentar suas sentenças mais na Constituição do que nas leis comuns. Em outras palavras, é-lhes permitido não aplicar as leis que lhes pareçam inconstitucionais. (...) Os americanos outorgaram a seus tribunais um imenso poder político. Mas, obrigando-os a só arguir as leis por meios judiciários, diminuíram bastante o perigo desse poder. Se o juiz tivesse podido arguir as leis de uma forma teórica e geral, se lhe tivesse sido possível tomar a iniciativa e censurar o legislador, teria entrado com estardalhaço no cenário político. Tornar-se-ia, então, paladino ou adversário de um partido e assumiria todas as paixões que dividem o país, ao participar da luta. (...) O juiz americano é, por conseguinte, levado ao terreno da política, independentemente de sua vontade. Ele só julga a lei porque tem de julgar um processo, e não pode eximir-se de julgar um processo. A questão política que ele deve resolver liga-se ao interesse dos pleiteantes, e não poderia recusar-se a 10 decidi-la sem incorrer na negação da justiça. É cumprindo os rigorosos deveres impostos à sua profissão que o magistrado pratica sua cidadania. 2 Verdadeiramente admirável a lição tocquevilliana quando destaca que o poder judiciário é uma das primeiras forças políticas dos Estados Unidos, o que evidentemente faz do magistrado um dos principais decisores (geo)políticos da nação. E assim é por dever de ofício, na medida em que, ao decidir a questão político-estratégica que lhe é submetida, o juiz decide o destino do país. É cumprindo sua missão judicante que o juiz penetra na esfera (geo)política. De observar-se, por conseguinte, que o fenômeno da judicialização da (geo)política decorre da própria atividade jurisdicional, sendo por isso mesmo necessário que se trace um limite para sua atuação. Da mesma forma com o que ocorre com o fenômeno da judicialização da política, a invasão do direito sobre a geopolítica somente dará bons frutos quando acompanhada pela autolimitação que o juiz a si próprio deve impor-se, abrindo o espaço normativo para a vontade majoritária democraticamente respaldada. É bem de ver, pois, que o eixo hermenêutico do constitucionalismo da pós- modernidade imprime mais uma dimensão à atividade exegético- concretizadora do poder judiciário e que é a dimensão estratégica, travestida sob a forma de políticas públicas feitas pelo Congresso Nacional. De toda esta análise, como bem destaca o Professor Guilherme Sandoval Góes, é importante extrair a intelecção de que a efetividade ou eficácia social dos direitos fundamentais e a própria força normativa da Constituição podem estar sorrateiramente subordinadas a uma grande questão geopolítica ou estratégica envolvendo o país e outros Estados nacionais. 2 HORTA, José Luiz Borges. Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. Ano1. N.1. jan/mar 2007. 11 Ou seja, a concretização dos direitos constitucionais, notadamente, os direitos fundamentais de segunda dimensão, não depende apenas da superação dos problemas de ordem interna (desigualdade e exclusão sociais, baixa escolaridade, corrupção, grau de pobreza etc.), mas, também, da capacidade de identificar e reconhecer o jogo geopolítico e seus reflexos na ordem jurídica interna. Assim sendo, no âmbito da judicialização da (geo)política, o juiz constitucional se depara com inúmeros desafios estratégicos, sendo certo afirmar que somente após identificar ou pelo menos reconhecer as consequências no campo interno, é que deve então decidir juridicamente o caso concreto. Assim, a decisão judicial – no plano do constitucionalismo estratégico – é aquilo que o juiz-intérpretedesvelou ou designou entre muitas outras alternativas exegético-estratégicas com diferentes impactos na ordem constitucional e, em casos que prejudiquem o interesse nacional, a opção deve ser pelo reconhecimento daquela que garanta os direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana do cidadão brasileiro comum. Em suma, o que se quer aqui ressaltar é o fato de que os problemas do fenômeno da judicialização da política não ocorrem apenas por força de fatores internos, e.g., disputa partidária pelo poder político, mas, também, pelas tensões advindas do jogo geopolítico mundial e seu complexo quadro de desregulamentação jurídica do mercado global. Com efeito, há que se compreender que, no plano epistemológico do constitucionalismo da pós-modernidade, as grandes questões estratégicas mundiais transcendem as fronteiras dos Estados nacionais para desaguarem no âmbito normativo de proteção dos direitos fundamentais do cidadão comum. Dessarte, o sistema constitucional pós-moderno passa a ser 12 alimentado por argumentos políticos, como querem Larenz 3 e Paulo Bonavides, 4 lado a lado com argumentos geopolíticos e estratégicos, dificultando ainda mais o descobrimento do direito pelo intérprete. E assim é que, diante da ideia de argumentos políticos de Larenz/Bonavides e agora, também, de argumentos geopolíticos e estratégicos, a interpretação constitucional pode mostrar-se cada vez mais complexa e duvidosa com relação a seu desfecho. Não se pode olvidar que para além dos aspectos semânticos e sintáticos da linguagem do texto da norma constitucional aberta e principiológica, há que se considerar agora a dimensão estratégica do cenário jurídico-político mundial. Em suma, em tempos pós-modernos de globalização, a teoria constitucional pós-positivista deve agora incorporar a dimensão estratégica da questão constitucional, sem descurar, entretanto, do princípio da separação de poderes. Sob este aspecto, é importante destacar que, da mesma forma que na judicialização da política, o poder judiciário deve obedecer aos limites impostos ao ativismo judicial. Em consequência, tudo parece indicar que nestes primórdios de um novo tempo dogmático, juízes, juristas e legisladores terão que repensar um novo paradigma constitucional, considerando agora novas formas de relações de poder e novas fórmulas de interpretação da Constituição. Qualquer que seja a solução vislumbrada terá que incorporar a dimensão estratégica da questão constitucional. Uma coisa, entretanto, não muda: imposição de limites e autocontenção do ativismo judicial continuam a ser necessárias na 3 Cf. David Diniz Dantas, ob. cit., p. 204. 4 Paulo Bonavides ensina que: As relações que a norma constitucional, pela sua natureza mesma, costuma disciplinar são de preponderante conteúdo político e social e por isso mesmo sujeitas a um influxo político considerável, senão essencial, o qual se reflete diretamente sobre a norma, bem como sobre o método interpretativo aplicável. (...) o intérprete ao concretizar a norma constitucional não deve desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade política fundamental. (Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 419-420) 13 concretização de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Não é somente uma questão da judicialização da política ou da judicialização da geopolítica, mas, principalmente, de autolimitação exegética do próprio poder judiciário. Em suma, à Constituição cabe moldar a vida dos fatos, e, não, apenas, regulá-la. A falta de visão estratégica dos decisores e formuladores das políticas públicas desemboca inexoravelmente nas classes menos favorecidas, daí a relevância da leitura estratégica da Constituição como instrumento de garantia de direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais de cunho prestacional. Esta é a razão pela qual vamos, na sequência dos estudos, investigar os reflexos da globalização da economia e do fim da Guerra Fria no âmbito da ordem constitucional dos países de modernidade tardia, como, infelizmente, é o caso do Brasil. A Globalização, o Fim da Guerra Fria e o Constitucionalismo da Pós-Modernidade Neste segmento temático, colima-se examinar o constitucionalismo da pós- modernidade, sob a ótica da dimensão estratégica da questão constitucional e seus reflexos no âmbito de proteção normativa dos direitos fundamentais. Para grande parte da doutrina, o fim dos ciclos democráticos da modernidade (Estado liberal e Welfare State) ocorre exatamente com a queda do Muro de Berlim, símbolo do colapso do império soviético e do fim da bipolaridade geopolítica. No seu lugar, surge um novo ciclo democrático, agora dito pós- moderno, pós-bipolar, pós-social, pós-welfarista, pós-tudo no dizer de Luis Roberto Barroso. 14 Com efeito, trata-se, induvidosamente, de um novo paradigma constitucional que ainda se encontra em construção. Apesar disso, como já comentado na aula 6, não se pode negar que o constitucionalismo da pós-modernidade, num primeiro momento, apontou para a desconstrução do constitucionalismo social dirigente, notadamente a partir dos influxos da ideologia neoliberal. Era o “fim da História” de Francis Fukuyama: vitória do capitalismo, imposição do projeto neoliberal, universalização dos valores ocidentais e triunfo da democracia. Com rigor, por detrás desse projeto neoliberal de “pax americana” encontrava-se o poder das empresas multinacionais da tríade capitalista (EUA, União Europeia e Japão) e seu efeito mais nocivo, qual seja, o esvaziamento da Constituição.5 FIM DO COMUNISMO SUPREMACIA DA CORRENTE LIBERAL VITÓRIA DA DEMOCRACIA E DO CAPITALISMO COMPARTILHA- MENTO DE VALORES UNIVERSAIS The End of History Queda do Muro de Berlim 1989 PENSA- MENTO ÚNICO- É o que se pode chamar de neutralização axiológico-normativa da Constituição, que coloca em risco toda a plêiade de direitos fundamentais de segunda dimensão, notadamente os direitos sociais e trabalhistas. 5 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira. Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7-8. 15 O modelo neoliberal ganhou ares de unicidade (pensamento único) e projetou-se com tal latitude no seio da sociedade de Estados periféricos que era quase impossível oferecer resistência. Daí a obediência cega dos países de modernidade tardia ao chamado Consenso de Washington, conjunto de dez mandamentos desregulamentadores da atuação interventiva do Estado no domínio privado. O Consenso de Washington é o símbolo da subordinação da periferia do sistema internacional aos centros mundiais de poder. Para se ter uma pequena ideia de sua dimensão, basta registrar que todo o processo de privatizações dos países da América Latina obedeceu às diretrizes impostas pelos países detentores do poder mundial. Nesse sentido, há um axioma inexorável do consequencialismo jurídico-estratégico (geodireito): se o Estado é incapaz de fazer juridicamente o seu próprio futuro, alguém o fará no seu lugar.6 Com isso, o constitucionalismo da pós-modernidade – na sua versão neoliberal – logrou rapidamente promover a redução jurídica do Estado e da Constituição, patrocinando as grandes reformas constitucionais, cujo objetivo era retirar as normas reguladorasda intervenção do Estado no domínio privado, deixando, apenas, as estruturas negativas e meramente procedimentais de limitação estatal e desvinculadas, por via de consequência, de valores axiológicos. Ora tal perspectiva tinha como alvo a neutralização da força normativa da Constituição e dos direitos fundamentais de segunda dimensão, tão arduamente conquistados ao longo do welfarismo constitucional, bem como tentava, ao mesmo tempo, nulificar o papel transformador, emancipatório e fixador de tarefas, programas e fins para o Estado e para a sociedade da Constituição dirigente. 6 GÓES, Guilherme Sandoval. Os direitos fundamentais e o constitucionalismo da pós- modernidade. Disponível em: WWW.xxxxxx. DUQUE PROFESSORES. Acesso em: 25 set. 2012. 16 Nesse sentido, concorda-se plenamente com Miguel Calmon Dantas quando assevera “ao contrário do que outrora já se asseverou, o dirigismo constitucional brasileiro não morreu e nem está prestes a tanto; ao invés do réquiem, a ode, ode pela potencialidade emancipatória”. É razoável afirmar, nesse contexto, a relevância da dimensão estratégia do constitucionalismo contemporâneo: não compreender o jogo estratégico mundial simboliza a redução de direitos sociais e trabalhistas das classes menos favorecidas. Isto significa dizer que o Estado tem a missão de formular as políticas públicas necessárias para assegurar os valores constitucionais, notadamente aqueles relacionados ao bem de todos (bem comum), erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, promoção do desenvolvimento nacional, construção de uma sociedade livre, justa e solidária e garantia do pluralismo político, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da soberania. Esses valores constitucionais são os objetivos nacionais permanentes, isto é, os grandes objetivos estratégicos do Estado brasileiro. Toda e qualquer política pública deve contribuir de alguma maneira para a consecução desses objetivos estratégicos da República. É nesse diapasão que vale trazer a lume a construção pretoriana da douta Ministra Cármen Lúcia na ADI 2.649, julgamento realizado em 8-5-08, DJE de 17-10-08: Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a Constituição e que devem servir de orientação para a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais (...). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escolia José Afonso da Silva que ‘O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de 17 determinados valores supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico. Entendemos, portanto, que a Constituição não tem apenas a função de ser a lei suprema do Estado (conceito jurídico de Constituição), mas, desempenha, também, um papel emancipatório relevante dentro do Estado Democrático de Direito, papel este que somente se cumpre se houver por parte do Estado ações estratégicas concretas voltadas para a realização dos valores constitucionais (conceito estratégico de Constituição). Ou seja, uma Constituição permanecerá como letra morta enquanto a ação estratégica do Estado não for capaz de promover a consecução das imposições constitucionais. A questão é complexa, mas não pode deixar de ser enfrentada pelo jurista e pelo exegeta constitucional do século XXI: é preciso compreender o novo estádio hermenêutico-científico do constitucionalismo pós-moderno, que incorpora na sua equação epistemológica a intrincada relação de forças hegemônicas, estatais e não estatais (empresas multinacionais, ONGs, etc.) com o direito constitucional. O dirigismo constitucional é emancipador, na exata medida em que tem potencialidade jurídico-constitucional para transformar a realidade social do país, especialmente a condição miserável dos hipossuficientes. Deixá-los ao talante de organizações privadas e até mesmo do legislador democrático pátrio, sem a possibilidade de controle judicial de políticas públicas, significa abandoná-los à própria sorte. Como bem observa Lindgren Alves: transfere-se à iniciativa privada e às organizações da sociedade civil a responsabilidade pela administração do social. Estas, não 18 obstante, funcionam apenas na escala de seus meios e de seu humanitarismo. Abandona-se, assim, a concepção dos direitos econômico-sociais.7 Dessarte, parece inexorável que o projeto epistemológico neoliberal, fazendo uso da retórica do constitucionalismo da pós-modernidade, projeta sobre as Constituições dos países de modernidade tardia a neutralização do catálogo jusfundamental dos direitos econômico-sociais (segunda dimensão de direitos) através do enfraquecimento do papel emancipatório-vinculante do texto constitucional. Não se vislumbra, no contexto atual da periferia do sistema mundial, a tendência de o poder governamental dirigir, de modo autóctone, suas políticas públicas de acordo com os objetivos constitucionais, ao revés, a força da constitucionalização da economia neoliberal afastará, cada vez mais, as orientações constitucionais próprias, em prol dos processos de desregulamentação jurídico-política do mercado global. Na companhia do italiano Natalino Irti, um dos grandes jurisconsultos da atualidade, defende-se a tese de que o sistema internacional – impulsionado pelas forças de “des-limitação” da economia e da tecnologia – não desconhece a máxima de que o território estabelece a medida do senhorio jurídico do Estado 8 e que por isso mesmo é fundamental saber explorar a dimensão espacial do direito. É a ideia de spatium terminatium, vale dizer, lugar de política e direito, isolado e identificado pelos limites da jurisdição constitucional do Estado territorial e que, em muito, se aproxima do conceito de impenetrabilidade da ordem jurídica externa dentro do território nacional de Hans Kelsen. 7 ALVES, J.A. Lindgren. A declaração dos direitos humanos na pós-modernidade. Revista No. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lindgrenalves/lindgren_100.html>. Acesso em: 20 out. 2007. 8 IRTI, Natalino. Geodireito. Tradução de Alfredo Copetti Neto e André Karan Trindade. Conferência sobre biodireito e geodireito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. p.1. 19 Acontece que na era do constitucionalismo da pós-modernidade (nesta primeira versão do Estado pós-moderno neoliberal de Direito), o poder das empresas multinacionais e da tecnoeconomia não conhecem limites, não têm pátria, se expandem para qualquer lugar. São forças de des-limitação,(...) e que, juntas, conjuntas e aliadas, geram(...) espaço artificial sem limite, não lugar, onde a vontade do lucro, desraizada e desterritorializada, se expressaalém dos Estados e além do direito dos Estados 9. De clareza meridiana, portanto, a clivagem jurídica do constitucionalismo neoliberal e da globalização da economia, onde o projeto epistemológico liberalizante enfraquece o dirigismo constitucional, mormente nas Constituições dirigentes de países de modernidade tardia e faz renascer das cinzas a fênix constitucional de arquétipo negativista-absenteísta. Nesses tempos de predominância neoliberal, o ciclo constitucional que surge tenta neutralizar a conquista de direitos sociais e busca a conquista de mercados e mentes (massificação por estruturas eficazes de marketing de âmbito mundial). Deslocar para o epicentro do constitucionalismo democrático ocidental a abertura mundial do comércio é o novo imperativo categórico da pós-modernidade liberal, comandada por interesses globais de poderosos agentes infraestatais privados. É nesse sentido que Ignácio Ramonet 10 põe a nu a ideia de civilização do caos dos novos senhores do mundo (conglomerados financeiros e industriais privados), do planeta saqueado (destruição sistêmica do meio ambiente), das metamorfoses do poder e suas formas negociadas, reticulares e horizontais (mídia, grupos de pressão e organizações não governamentais), do choque 9 IRTI, Natalino. Geodireito. Tradução de Alfredo Copetti Neto e André Karan Trindade. Conferência sobre biodireito e geodireito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007, IRTI, p. 4-5. 10 Para uma investigação científica importante acerca da nova ordem mundial após a queda do muro de Berlim e a perspectiva de um neo-hegemonismo norte-americano, sugere-se a leitura de RAMONET, Ignácio. A geopolítica do caos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. 20 das novas tecnologias (bem ao lado do choque de civilizações) e tudo isso fazendo exalar nessa sociedade ocidental pós-moderna um mau cheiro de remorso e algo parecido com um sentimento de náusea. 11 Lamentavelmente, esta é a compilação que se faz do atual quadro constitucional da pós-modernidade. É forçoso reconhecer que a pós- modernidade jurídico-estatal vem trazendo até agora uma perspectiva sombria de agravamento do ciclo de miséria da periferia do sistema internacional, de aumento de exclusão social e de desamparo de hipossuficientes. Neste contexto, é preciso ganhar sensibilidade acadêmica apurada para compreender o conceito de Constituição estratégica e a necessidade de criação de um modelo próprio de constitucionalismo para o século XXI. É o que vamos examinar na sequência dos nossos estudos. Um Mundo a Ser Refeito: Desafios do Constitucionalismo Estratégico e Democrático Brasileiro Construir um modelo de constitucionalismo verdadeiramente autônomo em relação aos centros mundiais de poder é um dos grandes desafios da intelectualidade brasileira. Mais uma vez na esteira da lição de Natalini Irti, é preciso compreender que, na qualidade de grandes detentores das forças de des-limitação (tecnologia e economia), os centros de reverberação geopolítica do sistema mundial têm a possibilidade de influenciar a construção da ordem jurídico-constitucional dos países da periferia do sistema mundial. Muitas vezes, nossos projetos de Emendas à Constituição e nossas leis infraconstitucionais são concebidas sem qualquer relação com um projeto estratégico de desenvolvimento nacional, ao revés, o que prepondera é a estratégia das grandes potências, caracterizando-se aquilo que Natalino Irti 11 RAMONET, Ignácio. A geopolítica do caos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 7-12. 21 denomina de mercado de ordenamentos jurídicos, ou seja, as empresas multinacionais – amparadas por seus respectivos Estados nacionais matrizes – têm a seu inteiro dispor um verdadeiro mercado de Constituições e escolhem aquela que for mais vantajosa e conveniente. 12 E mais grave ainda é perceber que esta ideia-força de um mercado de Constituições não surge do nada, muito ao revés, é decisão política fundamental do Estado tomada pelo poder legislativo e pelo poder executivo. Quanto maior a falta de visão estratégica dos nossos representantes políticos, maior será a intensidade dos danos sofridos pelos cidadãos comuns. Enfim, o resultado deste constitucionalismo condescendente em demasia, estruturado a partir de relações verticalizadas de poder é melancólico e foi muito bem capturado por aquela imagem trazida pelo mestre Celso Mello quando alerta que os gastos com perfumes ou com sorvetes nos EUA e na Europa seriam suficientes para o atendimento das necessidades sanitárias e nutricionais de todo o mundo subdesenvolvido. Igualmente forte, o registro de que as pessoas estão mais ricas do que os Estados nacionais.13 Tudo isso a refletir o fenômeno da judicialização da geopolítica, que não se confunde com o fenômeno da judicialização da política, nem com o fenômeno do ativismo judicial. Com rigor, é o ativismo judicial um importante instrumento de mitigação do “poder hegemônico” das forças de des-limitação irtianas, bem como arma jurídica eficaz para rejeitar “modificações constitucionais comandadas” por tais forças hegemônicas. Eis aqui a relevância do exame do assim chamado consequencialismo jurídico-estratégico. Nesse sentido, é imperioso engendrar um modelo de 12 IRTI, op.,cit.,p.6. 13 As pessoas estão mais ricas que os estados. As 15 pessoas mais ricas ultrapassam o PIB da África Subsaárica. (...) Para atender às necessidades sanitárias e nutricionais fundamentais custaria 12 bilhões de euros, isto é, o que os habitantes dos EUA e União Europeia gastam por ano em perfume e menos do que gastam em sorvete. (...) Cada uma das 100 principais empresas globais vende mais do que exporta cada um dos 120 países mais pobres. As 23 empresas mais importantes vendem mais que o Brasil. Elas controlam 70% do comércio mundial. Cf. Celso de Mello. Ob. cit. p. 57. 22 constitucionalismo pós-moderno brasileiro capaz de analisar o jogo estratégico mundial, identificando os pontos de reação e os pontos de cooperação com os grandes centros de poder do sistema internacional (Estados Unidos, União Europeia, Japão e mais recentemente China). Não se trata de atuar ideologicamente (como, por exemplo, um antiamericanismo infantil que nada mais faz senão afastar o país do mercado global), mas, também, evitando o alinhamento cego e acrítico, patrocinado pela corrente dos economistas liberais (postura de subserviência, como, por exemplo, a observada na década de 90, a partir de alinhamento automático ao já comentado Consenso de Washington). Com efeito, convém não embarcar na onda da desconstrução do Estado nacional e, em especial, do constitucionalismo social welfarista, garantidor da segunda dimensão de direitos fundamentais. É tarefa do estudioso do direito público no Brasil compreender os desafios do constitucionalismo estratégico pátrio, deixando de recepcionar acriticamente construções teóricas estrangeiras muito bem delineadas e sistematizadas por autores de nomeada, que nada mais fazem senão agravar a exclusão social no Brasil (lembrem-se do tão propalado Consenso de Washington), cujo desfecho restou indubitável: miserabilidade humana aumentada de vastas camadas proletárias da sociedade e fomentada pela própria política econômico-constitucional adotada pelo Estado brasileiro. Com isso, agravou-se o ciclo da periferia em nosso país. De que adianta comemorar-se a força normativa da Constituição de 1988 sob a égide de uma pujante democracia, quando se constataa inaptidão do país para conceber uma estratégia nacional que garanta efetivamente os direitos fundamentais mínimos do cidadão comum, seu núcleo essencial de dignidade humana? 14 14 Cf. GÒES, Guilherme Sandoval. O geodireito e os centros mundiais de poder. Anais do VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos. Realizado de 06 a 08 de novembro de 2007 – Brasília/DF 23 A maximização do bem-estar social é o elo que deve vincular a Constituição liberal e a Constituição dirigente, com o objetivo de conceber um grande plano estratégico nacional de desenvolvimento, capaz de distribuir renda e promover vida digna para todos; já não mais se admite aquela vetusta imagem de solidão constitucional, desvinculada da ação político-legiferante dos representantes do povo. Ao contrário, urge ao jurista brasileiro superar o abismo científico que nos separa dos países desenvolvidos, em especial dos EUA, cuja estratégia jurídica nacional tem o condão de moldar a ordem jurídica internacional. Repita-se por fundamental: a estratégia de um único Estado nacional direcionando e comandando a ordem jurídica internacional. Enfim, o estudioso do direito público no Brasil tem a obrigação de desvelar a intrincada tessitura jurídico-estratégica do fenômeno da globalização da economia, nesses tempos de constitucionalismo pós-moderrno. Nesse diapasão, muitas vezes, os centros de poder mundial projetam para o resto do mundo uma imagem distorcida de valores axiológicos que não corresponde aos anseios das sociedades de modernidade tardia. É por tudo isso que – na formulação de um constitucionalismo pós-moderno brasileiro – outro caminho não se terá senão o de trilhar o caminho ético da reconstrução neoconstitucionalista do direito, cuja linhagem hermenêutica dominante é focada na garantia dos direitos fundamentais de todas as três dimensões. Pretende-se assim demonstrar que o neoconstitucionalismo transcende o escopo de sua simples literalidade e invade a territorialidade ética dos demais fluxos epistemológicos do saber. A figura abaixo sintetiza as características da fase de filtragem constitucional. sob o patrocínio do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Disponível em: <https://sistema.planalto.gov.br/siseventos/viienee/exec/arquivos/ANAISVIIENEE_INTERNET/02RELAC OESINTERNACIONAIS/MESA26NOVASAGENDAS/MESA26PAPERS/GuilhermeGeodireitoPaper.pdf>. Acesso em: 6 set. 2012. Fim da Guerra Fria e colapso soviético Início do constitucionalismo da pós- modernidade na versão inicial neoliberal Elementos centrais do projeto epistemológico neoliberal: Abertura mundial do comércio e desregulamentação da economia 24 Atividade Proposta Leia o trecho abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: O discurso acerca do Estado atravessou, ao longo do século XX, três fases distintas: a pré-modernidade (ou Estado liberal), a modernidade (ou Estado social) e a pós-modernidade (ou Estado neoliberal). A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto –, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa. Comente o texto lido, procurando elaborar sua resposta enfrentando a questão das perspectivas de implantação da fase metaconstitucional dos direitos humanos, ou seja, em termos de paralelismo entre os paradigmas estatais e os regimes jurídicos de proteção dos direitos humanos, responda se 25 o Estado pós-moderno neoliberal caminha na direção da perspectiva kantiana de um verdadeiro Estado Universal de Direito. Referências ALVES, J.A. Lindgren. A declaração dos direitos humanos na pós- modernidade. Revista No. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lindgrenalves/lindgren_100.html >. Acesso em: 20 out. 2007. BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira. Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. DANTAS, Miguel Calmon. Constitucionalismo dirigente e pós- modernidade. São Paulo: Saraiva, 2009. HORTA, José Luiz Borges. Urgência e emergência do constitucionalismo estratégico. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais. Ano 1. N.1. jan/mar 2007. IRTI, Natalino. Geodireito. Tradução de Alfredo Copetti Neto e André Karan Trindade. Conferência sobre biodireito e geodireito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. RAMONET, Ignácio. A geopolítica do caos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. TOCQUEVILLE, Alexis de. Da democracia na América. Traduzido e condensado por José Lívio Dantas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,1998. 26 Exercícios de Fixação Questão 1 A intensificação da atuação criativa de direito por parte de juízes e tribunais pode ser identificada em diversas causas, entre as quais: I. Ascensão do Welfare State e a consolidação de novos direitos (econômicos e sociais). II. Superação do modelo inglês de supremacia do Parlamento e a adoção da supremacia da Constituição. III. Reafirmação pelo constitucionalismo liberal da concepção clássica da separação de poderes e da ideia de equilíbrio e harmonia nela consagrada. Estão corretas: a) I e II b) II e III c) I e III d) Apenas a alternativa III Questão 2 Com relação ao fenômeno da judicialização da geopolítica, analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: I. A judicialização da geopolítica indica que a efetividade ou eficácia social dos direitos fundamentais e a própria força normativa da 27 Constituição podem depender de uma grande questão geopolítica ou estratégica envolvendo o país e outros Estados nacionais. II. Ideia de “constitucionalismo estratégico” projeta a imagem de estatalidade mínima e de desregulamentação da economia, tendo em vista os efeitos benéficos do processo de globalização em curso. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Questão 3 Leia o trecho abaixo: “A despeito do acendrado movimento neoliberal e dos ventos da globalização que estremeceram o ocaso do século XX, os pilares do Estado Social não foram abalados, mantendo-se ainda mais acentuada a necessidade da ordem econômica e social, consubstanciando direitos e garantias de um novo perfil 28 da cidadania através de normas reguladoras das relações de consumo. Enquanto a Constituição assumia evidente identidade social no plano jurídico- econômico, permanecia o Código Civil, em descompasso com esta realidade, conservando suas feições de tradição liberal-patrimonialista, e como necessária à realização da pessoa, à propriedade como elemento central dos demais interesses privados”. A partir da leitura acima, analise as assertivas abaixo: I. Com o advento do fim da Guerra Fria, ressurge com maior intensidade o constitucionalismo welfarista focado na garantia dos direitosde segunda dimensão. II. Foi com a eclosão da globalização da economia que crismou a repotencialização do conceito de soberania, cuja dinâmica aponta para o controle estatal das atividades econômicas com o objetivo de proteger hipossuficientes. III. Com o advento do chamado “Consenso de Washington”, os países de modernidade tardia foram seduzidos no sentido de adotar o arquétipo constitucional pré-weimariano de cunho absenteísta. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) I b) II e III c) III d) I e III Questão 4 Com relação ao contexto histórico e político do fim da Guerra Fria e da globalização da economia, analise as assertivas abaixo e assinale a resposta CORRETA: 29 I. É clara a clivagem jurídica do constitucionalismo neoliberal e da globalização da economia, onde o projeto epistemológico liberalizante enfraquece o garantismo constitucional e faz renascer das cinzas a fênix constitucional de arquétipo welfarista. II. A ideia de “fim da História” de Francis Fukuyama simboliza o triunfo do capitalismo, da social democracia, do projeto welfarista keynesiano e da universalização dos valores ocidentais. a) As duas assertivas são falsas; b) A assertiva I é verdadeira e a assertiva II é falsa; c) Ambas as assertivas são verdadeiras; d) A assertiva I é falsa e a assertiva II é verdadeira. Questão 5 No modelo do constitucionalismo da pós-modernidade na versão neoliberal, tendencialmente, a ciência do direito deveria buscar um método que garantisse a: 30 I. Repotencialização do conceito de soberania. II. Flexibilização das leis trabalhistas. III. Desregulamentação jurídica da economia. IV. Retomada do welfarismo keynesiano. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) I, III e IV b) II e III c) I e III d) II e IV e) I, II e III 31 Atividade Proposta Com efeito, a versão neoliberal do estado pós-moderno logrou rapidamente promover a redução jurídica do Estado e da Constituição, patrocinando as grandes reformas constitucionais, cujo objetivo era retirar as normas reguladoras da intervenção do Estado no domínio privado, deixando, apenas, as estruturas negativas e meramente procedimentais de limitação estatal e desvinculadas, por via de consequência, de valores axiológicos. É nesse sentido que o Estado neoliberal de Direito patrocina a neutralização da força normativa da Constituição e dos direitos fundamentais de segunda dimensão, tão arduamente conquistados ao longo do welfarismo constitucional. Como visto, ao contrário do que assevera o neoliberalismo, o dirigismo constitucional não está morto e nem está prestes a tanto; ao invés do réquiem, a ode, ode pela potencialidade emancipatória. É razoável afirmar que o contexto neoliberal, ao patrocinar a redução de direitos sociais e trabalhistas das classes menos favorecidas, se afasta da perspectiva de universalização dos direitos humanos de cunho kantiano. Na visão do neoliberalismo, o Estado não tem a missão de formular as políticas públicas positivas necessárias para assegurar os valores constitucionais relacionados ao bem de todos (bem comum), erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, promoção do desenvolvimento nacional, construção de uma sociedade livre, justa e solidária e garantia do pluralismo político, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da soberania. Portanto, afasta- se da fase metaconstitucional, cuja dinâmica coloca no centro do sistema global a dignidade da pessoa humana. Exercícios de fixação Questão 1 - A 32 Justificativa: Somente a assertiva III está errada, porque a reafirmação pelo constitucionalismo liberal da concepção clássica da separação de poderes e da ideia de equilíbrio e harmonia nela consagrada não viabiliza a criação jurisprudencial do direito. Ao contrário, o paradigma defende a tese da aplicação mecânica da lei. Questão 2 - B Justificativa: Somente a assertiva II é falsa. Com efeito, a ideia de “constitucionalismo estratégico” projeta a imagem de estatalidade positiva e de intervenção do Estado na área econômica com o fito de fomentar o desenvolvimento nacional e promover a realização dos direitos fundamentais do cidadão comum, especialmente os direitos de segunda dimensão. Questão 3 - C Justificativa: As assertivas I e II são falsas. Com efeito, o advento do fim da Guerra Fria, fomenta o renascimento constitucionalismo liberal e não do constitucionalismo welfarista. A doxa neoliberal tenta neutralizar os direitos fundamentais de segunda dimensão. Da mesma forma, foi com a eclosão da globalização da economia que crismou a ideia de relativização do conceito de soberania, com o objeto de promover a abertura mundial do comércio, o que evidentemente projeta o encurtamento jurídico do Estado e não o inverso. Questão 4 - A Justificativa: Ambas as assertivas são falsas. Com efeito, é clara a clivagem jurídica do constitucionalismo neoliberal e da globalização da economia, cujo projeto epistemológico liberalizante enfraquece o dirigismo constitucional e faz renascer das cinzas a fênix constitucional de arquétipo liberal. Da mesma forma, a ideia de “fim da História” de Francis Fukuyama simboliza o triunfo da democracia liberal e do projeto minimalista do Estado. Questão 5 - B 33 Justificativa: Somente as assertivas I e IV estão incorretas. Com efeito, o modelo do constitucionalismo da pós-modernidade na versão neoliberal não busca a repotencialização do conceito de soberania, ao contrário, busca impor a sua relativização em nome da abertura mundial do comércio. Da mesma forma, o modelo do constitucionalismo neoliberal afasta a perspectiva do welfarismo keynesiano, cuja dinâmica é a intervenção estatal na área privada. Busca-se, na realidade, a estatalidade mínima. Atualizado em: 22 jun. 2014
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