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11 Capítulo 3 Sociedade: teorias clássicas e contemporâneas Tade-Ane de Amorim Concepções de sociedade: autores clássicos O que nos mantém juntos? Por quais motivos nós, homens e mulheres, vivemos em sociedade? A palavra sociedade deriva do latim societas e significa “associação amistosa com outros”. Assim, uma definição mais geral de sociedade pode ser um conjunto de interações humanas padronizadas culturalmente. Dessa forma, pode-se pensar em sociedade como valores, cultura, sistema de símbolos. A sociedade não é apenas um conjunto de indivíduos que vivem juntos em determinado local. Designa, também, o pertencimento a uma dada organização social compartilhada entre seus membros, com a presença de instituições e leis que regem a vida de cada indivíduo e da coletividade. A sociedade é objeto de estudo de diferentes áreas das ciências sociais, como Sociologia, História, Geografia e Antropologia. Também é amplamente estudada pela Filosofia. O sociólogo Norbert Elias (1994, p.13) apresenta-nos uma questão bastante interessante: Que tipo de formação é esse, esta “sociedade” que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe um grande número de pessoas, só continua a funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas, e no entanto sua estrutura e suas grandes transformações históricas independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular. Essa é uma das questões que a Teoria Social vem buscando responder desde o início de sua trajetória. Mobilizaremos as teorias de sociólogos considerados os clássicos da Sociologia: Emile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, para discutirmos por que vivemos juntos! 12 Capítulo 3 Emile Durkheim Para Durkheim, a sociedade constituía-se como um reino social, com individualidade distinta dos reinos animal e vegetal. Dessa forma, a sociedade não é apenas a soma dos indivíduos que a compõem; ela é uma síntese que se encontra em cada elemento que compõe os diferentes aspectos da vida. Durkheim definiu sociedade como um complexo integrado de fatos sociais, que são as maneiras de agir, pensar e sentir, como práticas coletivas de um grupo, e que exercem coerção sobre os indivíduos. Além disso, os fatos sociais dizem respeito ao caráter objetivo da sociedade, isto é, são independentes dos indivíduos. Durkheim esforçou-se muito para afirmar a exterioridade dos fatos sociais, isto é, para separá-los de razões pessoais ou de impulsos da consciência individual. Segundo ele: Fato social é toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. (DURKHEIM,1978, p. 13). Assim, para o autor a sociedade seria resultado da ligação existente entre as partes e o todo, sendo que o todo predomina sobre as partes. Nesse sentido, o fundamento da vida social estaria na sociedade e não no indivíduo. As estruturas sociais, uma vez que foram criadas pelo homem, passariam a funcionar independentes dele. E mais: passariam a condicionar suas ações. O predomínio da sociedade sobre a ação individual é o que mais se destaca no entendimento de sociedade de Durkheim. Para o autor, homens e mulheres não agem como desejam agir, mas são condicionados pela sociedade, que exerce um poder coercitivo sobre as ações individuais. Dessa forma, o modo como o indivíduo age é sempre condicionado pela sociedade, pois o agir individual origina-se no exterior, ou seja, na sociedade. Ele é imposto pela sociedade ao indivíduo, por isso é coercitivo, tem existência própria e independente da existência do indivíduo, que age como a sociedade gostaria que ele agisse. Durkheim chamou esse processo de coerção social, isto é, a sociedade dita regras e os indivíduos as seguem, e na maior parte das vezes sem nem perceber que estão seguindo regras impostas. 13 Estudos Socioculturais Pense, por exemplo, que, antes de dormir, você “naturalmente” vai escovar os dentes. Esse ato de escovar os dentes não é “natural” e, sim, imposto como uma regra que deve ser seguida por todos. Mas, como não pensamos se devemos ou não escovar os dentes ao irmos dormir, já interiorizamos essa regra, de tal modo que ela não parece mais uma coerção social. E é exatamente no momento no qual não a sentimos mais como impositiva que a regra obtém o sucesso. De acordo com Durkheim, os fatos sociais têm objetividade porque eles têm existência independente dos indivíduos. A sociedade, nesse sentido, é mais do que a soma dos indivíduos, sendo uma espécie de síntese que não se encontra em nenhum dos elementos que compõem os diferentes aspectos da vida. Uma vez constituído um fenômeno, ele tem uma forma que cada elemento individual não possui. A sociedade, nesse sentido, é mais do que a soma das partes. Por isso, os fenômenos, uma vez combinados e fundidos, fazem nascer algo completamente novo, o qual não está mais nas motivações individuais e nem é o resultado das partes colocadas mecanicamente uma ao lado da outra. A interação entre os indivíduos possui uma força peculiar capaz de gerar novas realidades. Durkheim mostra que a mentalidade do grupo não é a mesma coisa que a mentalidade individual; que o estado de consciência coletiva não é a mesma coisa que o estado de consciência individual e que um pensamento encontrado em todas as consciências particulares ou um movimento repetido por todos, não é, em si, um fato social. Para ter um caráter social, é necessário que sua origem esteja na coletividade e não nos membros da sociedade. A exterioridade do fato social é dada pela possibilidade de entendê-lo como objeto de observação, independentemente das ações dos indivíduos. Os fatos sociais constituem-se a partir de causas externas que se processam nas interações grupais, na pluralidade de consciência e como obra coletiva, com ascendência sobre os indivíduos, e que, por isso, são externos a eles. Como reconhecer se um fato é social ou não? Podemos reconhecê-lo pela coerção que ele exerce sobre os indivíduos. Para Durkheim, o organismo social precisa manter o estado saudável e identificar os fenômenos doentes, a fim de orientar sua cura. O caráter coercitivo nem sempre é percebido pelos indivíduos. A presença desse poder é reconhecível pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a violentá-lo, ou pela difusão geral que se apresenta no interior do grupo. 14 Capítulo 3 Em cada indivíduo só existe um fragmento da sociedade. Se olharmos os indivíduos isoladamente, nunca compreenderemos a sociedade. É o todo que tem precedência sobre as partes. Na concepção de Durkheim, é a sociedade que pensa, deseja, sente, embora o faça sempre por meio dos indivíduos. Mas estes são resultados diretos do que é a sociedade. Uma assembleia não é a soma dos indivíduos, mas é a produção de algo novo, nas palavras de Durkheim, algo “Sui Generis”. A realidade Sui Generis da sociedade pode ser chamada de representação coletiva de um fenômeno, ou seja, a forma como a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia, por meio de suas lendas, mitos, concepções religiosas e suas crenças morais. A partir das representações coletivas, encontramos as bases nas quais se originam os conceitos, que são traduzidos nas palavras do vocabulário de uma comunidade, de um grupo ou de uma nação. Note que, para Durkheim, os conceitos e categorias são sociais e não individuais; assim, as percepções do belo, do feio, do agradável não são inatas ao indivíduo, mas passadas pela sociedade. Para o autor, até mesmo em um momentoextremo, em que o indivíduo resolve acabar com sua própria vida, é a sociedade que se manifesta nesse desejo. Geralmente, atribuímos o ato do suicídio a um problema estritamente de ordem individual. Contrariamente a essa ideia, e de forma bastante original, Durkheim apontou que o suicídio deve-se a fatores sociais. Marx Karl Marx viveu no século XIX, no período da consolidação do sistema capitalista, que imprimiu uma nova maneira de ser da sociedade. Suas formulações teóricas sobre a vida social, com destaque para as análises que fez da sociedade capitalista da sua época, causaram repercussões entre os intelectuais, a ponto de a Sociologia Ocidental Moderna preocupar-se basicamente em confirmar ou negar as questões levantadas por ele. Ele cumpriu o papel de desvendar o sistema capitalista de forma ampla, analisando seus aspectos políticos, sociais e econômicos, com a utilização do método dialético. Isso é tão marcante que se pode afirmar que o conceito de realidade social de Marx é dialético. Caracterizando o método, Marx (1982, p. 179) afirmava que “o movimento do pensamento é o reflexo do movimento real, transportado e transposto no cérebro do homem”. É o movimento da matéria, da realidade social e da vida do ser humano que é objetivamente dialético. 15 Estudos Socioculturais Marx reencontrou a dialética na sua unidade, isto é, no conjunto de seu movimento. A realidade em estado de movimento, a realidade em processo, impulsionada pela superação de elementos contraditórios que a permeiam, é uma ideia básica no método dialético. Para ele, tudo parecia levar à própria contradição e, por consequência, à mudança, à transformação. Para os historiadores, as teorias ou abstrações são representações que os homens fizeram para si mesmos na história. Nesse aspecto, elas são o resultado da história humana, estando ao mesmo tempo destinadas a descrevê-la e a permitir sua continuidade ou descontinuidade. Portanto, são contextualizadas e podem ser modificadas, porque toda história traz em si o germe da sua própria destruição. A dinâmica das relações sociais, o movimento das mudanças e transformações constantes, e a dialética da realidade e do pensamento constituem a força motora da história. As circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias. Ao produzir seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material e social, processo que implica o surgimento de contradições. Nesse sentido, o sociólogo poderia compreender a sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria transformando-se, graças as suas contradições internas. Na verdade, Marx nunca tratou da produção em geral, mas referiu- se à produção num estágio de desenvolvimento social, como sendo a produção dos indivíduos que vivem em sociedade. A sociedade depende do estágio de desenvolvimento social, de suas forças produtivas e das relações sociais de produção, conforme citação que segue: [...] os homens não são livres árbitros de suas forças produtivas, pois toda força produtiva é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior. Portanto, as forças produtivas são os resultados da energia prática dos homens, [...] determinada pelas condições em que os homens se encontram colocados, pelas forças produtivas já adquiridas [...]. (MARX apud QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA, 2001, p. 71). A maneira pela qual os homens produzem seus meios de existência depende da natureza dos meios de existência já conhecidos e que precisam ser reproduzidos ou substituídos. A compreensão dos processos históricos não pode ser feita sem referência à maneira como os homens produzem sua sobrevivência material. Por isso, o conceito de trabalho é fundamental para o entendimento, pois é nesse processo que se estabelece a interação com a natureza e é por meio do trabalho que o homem a transforma. 16 Capítulo 3 Na concepção marxista, o homem trabalhando é considerado como força de trabalho, significando a energia despendida no processo de trabalho, por meio do qual chega ao produto. E é o trabalho que atribui ao produto um valor determinado. Weber e a sociedade Diferentemente de Marx e Durkheim, Weber apontou que, para compreendermos a sociedade, precisamos centrar a análise no sujeito, pois é a partir da ação individual que se dará a constituição da sociedade. Weber não apresentou uma teoria geral sobre a sociedade, estando mais preocupado em discutir situações sociais concretas. Desse modo, esse pensador partiu da ideia de que o indivíduo é o elemento primordial para compreender a realidade social. E essa análise passava pelo comportamento dos indivíduos, já que tudo que existe na sociedade é resultado da vontade e da ação dos indivíduos. É em suas condutas individuais que o agente associa um sentido orientado pelo comportamento dos outros. Leia as palavras do próprio autor: Falaremos de ação na medida em que o indivíduo atuante atribua um significado subjetivo ao seu comportamento– seja ele claro ou disfarçado, omissão ou aquiescência. A ação é “social” na medida em que o seu significado subjetivo leva em conta o comportamento dos outros e é por ele orientado em seu curso. (WEBER, 1994, p. 4). A ação social está, deste modo, profundamente ligada ao conceito de relação social. A expressão ‘ação social’ será usada para indicar o comportamento de uma pluralidade de atores na medida em que, em seu conteúdo significativo, a ação de cada um deles leva em conta a ação de outros, e é orientada nesses termos. (IDEM, p. 26). Weber deu ênfase à relação na qual a atribuição de sentido é uma ação necessária e até mesmo fundadora do intercâmbio social. É por isso que ele firmava ser a Sociologia uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social e para a explicação causal no seu transcurso e nos seus efeitos. É o sentido que os homens estabelecem em suas ações que, segundo Weber, fundamenta a ordem social. Assim, o homem passa a ter, na teoria de Weber, como indivíduo, um significado e uma especificidade que não encontramos no positivismo. Não existe nesse autor a mesma oposição presente em Durkheim entre sociedade e indivíduo. Em Weber, as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam nos indivíduos sob a forma de uma motivação. 17 Estudos Socioculturais Cada indivíduo é levado a agir por um motivo que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade. Weber deixou dito que, por mais individual que seja a ação, o fato de o indivíduo agir segundo a expectativa do outro faz com que a sua ação tenha um caráter coletivo e social. É o que ele denominou ação social. Quando esse sentido da ação social é compartilhado, temos a relação social. Isso é diferente da ação individual e, para que se estabeleça uma relação social, é preciso que haja um sentido compartilhado. A ação social é a conduta do agente que está orientada pela conduta do outro, pela expectativa que você possui sobre o que o outro espera que você faça. Na relação social, a conduta de cada qual entre múltiplos agentes envolvidos orienta- se por um conteúdo de sentido reciprocamente compartilhado. Ainda é preciso considerar que essa relação orienta-se pelas ações dos outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como futuras (vingança por ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Porém, nem toda espécie de ação, incluindo a ação externa, é social. A conduta humana é ação social somente quando ela está orientada pelas ações dos outros. Por exemplo: um choque de dois ciclistas é um simples evento como um fenômeno natural. Por outro lado, haveria ação social na tentativa dos ciclistas se desviarem, ou na briga, ou, ainda, considerações amistosas subsequentes ao choque. Pensamentocontemporâneo Discutimos três diferentes perspectivas da análise da relação entre indivíduo e sociedade. Emile Durkheim apontou para a coerção que a sociedade exerce sobre os indivíduos. Para Karl Marx, a discussão maior se colocou sobre a inserção dos indivíduos em suas classes sociais. E Max Weber discutiu as ações individuais como constituintes da sociedade. Mesmo olhando a sociedade e os indivíduos por diferentes perspectivas, todos os autores clássicos da sociologia procuraram explicar como se dá a constituição da sociedade. Contemporaneamente, vários outros sociólogos vêm discutindo essa interessante relação entre indivíduos e sociedade. A ênfase mais contemporânea é tentar superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade, ou seja, mostrar que não são as ações individuais que determinam a sociedade e nem a sociedade que determina a ação social, mas que há uma relação entre sociedade e indivíduo, que nessa relação há uma constante transformação tanto da sociedade como dos indivíduos. Dessa forma, os indivíduos modificam a sociedade ao mesmo tempo em que são modificados por ela. 18 Capítulo 3 Um dos sociólogos que discute essa relação é o francês Pierre Bourdieu (1983), que desenvolveu o conceito de habitus. Segundo esse autor, habitus significa: [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]. (BOURDIEU, 1983, p. 65). A questão central de Bourdieu (1983) é mostrar a articulação entre como os indivíduos vivem e suas condições de existência e percepções dentro e fora de grupos sociais. Assim, o conceito de habitus relaciona-se com as práticas cotidianas, com as formas de organização social dos indivíduos sua vida concreta como indivíduo e suas condições predeterminadas pela sociedade, como sua condição de classe. Assim, ele explica que as condições objetivas e pré-determinadas pela sociedade fundem-se com as condições subjetivas. A superação da oposição entre indivíduo e sociedade na obra de Bourdieu (1983) é, assim, proporcionada por meio do conceito de habitus: [...] o todo social não se opõe ao indivíduo. Ele está presente em cada um de nós, sob a forma do habitus, que se implanta e se impõe a cada um de nós através da educação, da linguagem... Tudo o que somos é produto de incorporação da totalidade. (BOURDIEU, 2002, p. 33). O conceito de habitus concilia o que outros sociólogos colocaram como oposição: a relação ente realidade exterior e as realidades individuais. O sociólogo explica que habitus é um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes). Tais disposições e experiências são adquiridas pelas experiências práticas, em condições sociais que são definidas pela existência. O habitus é estruturado pelas instituições que atuam na socialização do ator social (a família, a escola, são exemplos de instituições sociais). Outro sociólogo que fez significativas contribuições para a discussão sobre o estudo das sociedades foi o inglês Anthony Giddens. O autor desenvolveu a teoria da estruturação, procurando resolver a dicotomia entre indivíduo e sociedade. (GIDDENS, 1989). 19 Estudos Socioculturais Como já foi discutido anteriormente, alguns autores destacam a importância dos atores e do sentido ao qual tais atores atribuem as suas ações. Por outro lado, há autores que mostram que a estrutura social sobrepõe-se ao indivíduo. Giddens (1989) procurou superar as teorias deterministas, as quais reduzem a ação individual à coerção da sociedade, sendo essa considerada autônoma e coercitiva. Dessa forma, o autor levou a um entendimento de reprodução social como mecânica, entendendo o ator como totalmente livre dos condicionantes sociais. Giddens (1989), portanto, entendeu que tal antagonismo pode ser superado com a proposta teórica que articula estrutura e ação. Nas palavras do autor: Cada investigação realizada nas ciências sociais ou na história está envolvida em relacionar a ação à estrutura, em traçar, explicitamente ou não, a conjunção ou as disjunções de consequências premeditadas ou impremeditadas da atividade, e em verificar como elas afetam o destino de indivíduos. Nenhum malabarismo com conceitos abstratos poderá substituir o estudo direto de tais problemas nos contextos reais de interação. Pois as permutas de influências são intermináveis, e não há um (único) sentido em que a estrutura ‘determine’ a ação ou vice -versa. A natureza das coerções a que os indivíduos estão sujeitos, os usos que eles dão às capacidades que possuem e as formas de cognoscitividade que revelam são todos eles manifestamente variáveis do ponto de vista histórico. (GIDDENS, 1989, p. 178- 179). Na Teoria da Estruturação, proposta por Giddens em seu livro “A Constituição da Sociedade” (publicado originalmente no ano de 1986), ele procurou mostrar que a relação entre indivíduo e sociedade é dinâmica. Para o autor, a sociedade (estrutura) e o indivíduo (ator social) estão em constante processo de mudança mútua. Entende-se estrutura como um coletivo de regras e recursos que se constituem na reprodução social. “As estruturas são conjuntos de regras que ajudam a constituir e regular as atividades, definindo-as como de uma certa espécie e sujeitas a uma determinada gama de sanções”. (GIDDENS, 1989, p. 102). É importante destacar que, para o autor, as regras que regulam as atividades não podem ser assumidas como apenas restritivas ou coercitivas. “A estrutura não deve ser equiparada à restrição, à coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora”. (GIDDENS, 1989, p. 30). Nessa concepção, não há indivíduos independentes da estrutura social, bem como não existe estrutura dada, prévia à ação dos indivíduos. Assim, para entendermos os processos sociais, temos de compreender a ação individual e a relação de tal ação com as estruturas sociais. As estruturas são significadas por meio da ação individual e a ação efetiva-se estruturalmente. 20 Capítulo 3 As teorias de Bourdieu e de Giddens foram desenvolvidas no intuito de superar a oposição entre objetivismo e subjetivismo, ou ação e estrutura. E ambas analisam a ação social como um processo em constante mudança, em que há o peso da sociedade, mas há também capacidade de os indivíduos constituírem sua história. Para Pierre Bourdieu as estruturas objetivas são determinantes na organização do mundo social e, consequentemente, nas práticas do ator social. Já para Giddens, o ator social age no mundo a partir das suas representações e está constantemente alterando suas práticas, a partir de informações renovadas, o que ele chama de reflexividade da vida social. É importante destacar que os dois autores apresentam aproximações e distanciamentos.