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Estudos Socioculturais - Cap1

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Capítulo 1
Cidadania e Direitos Humanos
Cidadania como conquista de direitos
Cláudio Damaceno Paz
A vida em sociedade constitui um imperativo, pois as interações entre os 
humanos e com o meio em que estão inseridos não são escolha, mas necessárias 
para a potencialização das suas capacidades. Porém, pela divergência de 
interesses, essas relações tendem a se tornar conflituosas. Em decorrência, 
para viabilizar suas existências, os humanos têm desenvolvido mecanismos que 
viabilizem a resolução de conflitos. Diversos são os meios criados e utilizados 
para disciplinar as condutas na busca da harmonia social, entre eles podemos 
destacar o Direito.
É o Direito que deve garantir os interesses de cada um e impedir que uns sejam 
prejudicados pelos outros. A pessoa que tem um direito violado está sofrendo 
uma perda de alguma espécie. E quando uma pessoa que teve um direito 
ofendido não reage, isso pode encorajar a ofensa de outros direitos seus, pois 
sua passividade leva à conclusão de que ela não pode ou não quer defender-se. 
(DALLARI, 1985).
A caminho do trabalho, no dia 1º de dezembro de 1955, uma costureira negra, de 
42 anos, Rosa Parks (1913-2005), moradora de Montgomery, capital do Alabama, 
nos EUA, tomou um ônibus, sentou-se numa poltrona situada ao meio para 
frente do veículo de transporte coletivo. Minutos depois, o motorista exigiu que 
ela e outros três trabalhadores negros cedessem seus lugares para passageiros 
brancos, os quais embarcaram no ponto seguinte. Rosa Parks negou-se a 
cumprir a ordem do motorista. Foi, então, retirada do ônibus, detida e levada 
para a prisão. Em decorrência do seu ato, Rosa Parks enfrentou ameaças de 
morte, humilhações e teve até de se mudar de estado por não conseguir arranjar 
emprego no Alabama. 
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Capítulo 1 
No entanto, a atitude de resistência pacífica de Rosa Parks deflagrou uma 
série de protestos contra a discriminação racial nos EUA. Trabalhadores negros 
recusaram-se a embarcar em ônibus enquanto estivesse em vigor, no estado 
do Alabama, a lei discriminatória que impunha aos negros ocuparem os lugares 
do fundo dos transportes coletivos, enquanto aos brancos eram reservados 
os lugares dianteiros. Durante os protestos, era comum encontrar grupos de 
trabalhadores negros dirigindo-se a pé para o trabalho, acenando e cantando nas 
ruas, enquanto eram xingados pelos brancos.
O exemplo emblemático de Rosa Parks e os avanços ocorridos nos EUA em 
relação aos direitos civis nas décadas subsequentes demonstram que os direitos 
nascem das lutas dos seres humanos contra as formas de opressão. No entanto, 
são conquistas gradativas que se configuram no processo histórico. 
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são 
direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, 
caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra 
velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma 
vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 1992, p.5).
Compreender os direitos humanos como conquista e construção humana ao 
longo da história afirma o protagonismo das pessoas na luta pelos direitos a 
serem positivados como direitos fundamentais. Ressalta-se que as expressões 
“direitos humanos” e “direitos fundamentais” são frequentemente utilizadas como 
sinônimos. 
Segundo a sua origem e significado, poderíamos distingui-los da seguinte 
maneira: direitos do homem [humanos] são direitos válidos para todos os povos 
e em todos os tempos; [...] os direitos fundamentais seriam [são] os direitos 
objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (CANOTILHO, 1998). 
Partindo do pressuposto de que os direitos humanos resultam de conquistas 
que se materializam no processo histórico, pela ação humana, evidencia-se a 
importância das Revoluções Liberais (Inglesa, Americana e Francesa) para a 
emancipação dos indivíduos e das coletividades no contexto de construção da 
modernidade e da criação dos direitos.
No processo da Revolução Inglesa, em 1689, o Parlamento inglês apresentou 
à monarquia uma declaração de direitos (Bill of Rights), que assegurava aos 
indivíduos os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade, como garantia 
frente ao poder soberano – e arbitrário – do Estado absolutista.
A Bill of Rights impunha limites ao poder real ao deslocar para o Parlamento as 
competências de legislar e criar tributos. Ao mesmo tempo, instituía a separação 
de poderes para evitar o autoritarismo do poder absolutista do monarca. 
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Estudos Socioculturais
No entanto, ao consentir em manter a imposição de uma religião oficial, a 
anglicana, – estabelecida pelo rei Henrique VIII – muitos ingleses, sem a liberdade 
de professar e manifestar sua crença religiosa, distinta da oficial, viram-se 
constrangidos a migrar para terras distantes, temerosos de perseguições. Para 
os puritanos (calvinistas ingleses), a América consistiu em alternativa para viver 
em liberdade, conforme suas crenças. 
Depois de estabelecidos na “nova Canaã”, como denominavam a América 
do Norte, os agora colonos americanos foram constrangidos, em 1765, pelas 
imposições fiscais da autoridade metropolitana – que contrariava o estabelecido 
na Bill of Rights – a recolher uma série de impostos para cobrir o déficit da Coroa 
que havia se envolvido na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a França. 
Em 1773, na cidade de Boston, ocorreu a The Boston Tea Party. Colonos que 
viviam do comércio, por se sentirem prejudicados com a Lei do Chá, disfarçaram-
se de índios peles-vermelhas, assaltaram os navios da companhia de transporte, 
que estavam ancorados no porto de Boston, lançando o carregamento de chá 
no mar. A reação inglesa foi imediata e mesmo violenta. Em 1774, os rebelados 
criaram um exército comum entre as colônias, demonstrando a fragilidade 
das suas relações com a metrópole inglesa, fato que abriu caminho para a 
independência.
Em 1776 foi elaborada a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, 
afirmando que todos os seres humanos são livres e independentes, possuindo 
direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a 
segurança, registrando o início do nascimento dos direitos humanos na história. 
(COMPARATO, 2003).
A referida Declaração de Direitos, que abriu caminho para a independência dos 
EUA, ocorrida em 4 de julho de 1776, proclamada na Filadélfia, positivada na 
Constituição da República dos Estados Unidos da América em 1787, afirmou 
que o governo tem de buscar a felicidade do povo, definiu a separação de 
poderes, estabeleceu o direito dos cidadãos à participação política, à liberdade 
de imprensa e a livre escolha da religião, conforme a consciência individual. No 
entanto, a pátria da liberdade manteve a mácula da escravidão que deixou a 
herança da segregação racial.
A prática da escravidão foi abolida nos Estados Unidos da América em 1863, com 
a Declaração de Emancipação promulgada pelo presidente Abraham Lincoln, no 
contexto de uma guerra civil, a Guerra da Secessão. No entanto, a discriminação 
racial, mesmo com a abolição, assumiu na cultura estadunidense um caráter 
segregacionista, que deu origem a inúmeras ações afirmativas e reações violentas.
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Capítulo 1 
Em virtude das manifestações decorrentes do protesto pacífico de Rosa Parks, 
em 13 de novembro de 1956, a Suprema Corte aboliu a segregação racial nos 
transportes coletivos de Montgomery, tornando também ilegal essa discriminação 
racial em todo o território dos EUA. Em 21 de dezembro de 1956, o ativista negro 
Martin Luther King e o sacerdote branco Glen Smiley entraram juntos num ônibus 
e ocuparam lugares na primeira fila. 
Martin Luther King organizou e liderou marchas que reivindicavam para os 
negros o direito ao voto, o fim da segregação e das discriminações, bem como a 
conquista de outros direitos civis básicos. A maior parte desses direitosfoi, mais 
tarde, agregada à constituição estadunidense, com a aprovação da Lei de Direitos 
Civis (1964) e da Lei de Direitos Eleitorais (1965). 
Em 4 de abril de 1968 Martin Luther King foi assassinado em Memphis, no 
Tennessee. Em 20 de janeiro de 2009 Barack Obama tomou posse da presidência 
dos Estados Unidos como primeiro negro eleito para o comando executivo do 
mais influente Estado-nação do mundo:
Neste dia, estamos reunidos porque escolhemos a esperança 
acima do medo, a unidade de objetivos acima do conflito e da 
discórdia. Neste dia, vimos proclamar o fim dos sentimentos 
mesquinhos e das falsas promessas, das recriminações e dos 
dogmas desgastados que por tanto tempo estrangularam nossa 
política. (OBAMA, 2009).
A sociedade organizada com justiça é aquela em que os encargos e os benefícios 
são partilhados entre todos, pois os direitos, para além da sua criação histórica 
e positivação jurídica, precisam constituir-se em prática social. A Declaração 
de Direitos do Povo da Virgínia (1776) consistiu numa ação pioneira na luta 
pelos direitos humanos ao reivindicar direitos políticos e justiça social, porém, 
apresentava, na época, como referido, caráter seletivo. No entanto, foi a 
Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Nacional francesa, 
no contexto revolucionário, em 1789, que exerceu grande influência sobre os 
movimentos emancipacionistas e libertários na modernidade, pelo seu caráter de 
universalidade.
A França quer ser exemplar, não para ensinar, mas porque é 
a história dela, é sua mensagem. Exemplar para as liberdades 
fundamentais: é a sua luta, é também sua honra. Esta é a razão 
pela qual a França vai continuar a realizar todas essas lutas: 
para a abolição da pena de morte, pelos direitos das mulheres 
à igualdade e dignidade, para a descriminalização universal da 
homossexualidade, que não deve ser reconhecida como um 
crime, mas, pelo contrário, reconhecida como uma orientação. 
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Estudos Socioculturais
[...]. Todos os países membros [da ONU] têm a obrigação de 
garantir a segurança de seus cidadãos, e se um país adere a 
esta obrigação, então é imperativo que nós, nas Nações Unidas, 
facilitemos os meios necessários para fazer essa garantia. Estas 
são as questões que a França vai levar e defender nas Nações 
Unidas. Digo isso com seriedade. Quando há paralisia e inação, 
então a injustiça e a intolerância podem encontrar o seu lugar. 
(HOLLANDE, 2012).
Os revolucionários franceses de 1789 iniciaram a Declaração de Direitos do 
Homem afirmando, no artigo primeiro, que “Os homens nascem e são livres e 
iguais em direitos”, e no artigo quarto enfatizam que 
A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o 
próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem 
não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros 
membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes 
limites apenas podem ser determinados pela lei. 
Outro aspecto relevante da Declaração de Direitos criada pelos franceses está 
explicitado no artigo dezesseis, nos seguintes termos: “A sociedade em que não 
esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos 
poderes não tem Constituição.” (DALARI, 1985, p. 53-54). 
O século XX foi marcado por duas grandes guerras de proporções mundiais. Na 
origem dessas guerras está o choque entre interesses imperialistas das potências 
capitalistas e seus asseclas. A ambição pelo poder e pela riqueza, somada ao 
desprezo aos direitos humanos, explicam os horrores gerados pelos referidos 
conflitos, materializados em privações das liberdades e das garantias individuais 
e sociais, crises de desabastecimento, bombardeios, destruição, terror e mortes 
físicas e psicológicas.
O trauma causado pelas referidas guerras impeliu as lideranças mundiais à 
criação e consolidação de uma organização (ONU) com o propósito de: assegurar, 
por meios pacíficos, a manutenção da paz internacional; lutar pela defesa dos 
direitos humanos; estabelecer relações amistosas entre as nações, com base 
no princípio de autodeterminação dos povos; gerar mecanismos de cooperação 
entre os países na busca de solução para os problemas internacionais de 
ordem econômica, social, cultural e humanitária; e constituir-se em centro de 
convergência das ações dos Estados-nação na luta por objetivos comuns.
Para que fosse permanentemente relembrado o valor da pessoa humana e para 
estabelecer o mínimo necessário que todos os países e todas as pessoas devem 
respeitar, a ONU encarregou um grupo de pessoas muito respeitadas, entre as 
quais havia filósofos, juristas, cineastas, políticos, historiadores, de várias partes 
do mundo, para redigir uma nova Declaração de Direitos. 
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Esses estudiosos reuniram-se, pediram a opinião de muitas outras pessoas e 
prepararam um documento que proclama os Direitos Humanos, os quais devem 
ser considerados fundamentais. (DALLARI, 1985, p. 51 e 52).
Os autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela 
Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, 
evitaram redigir uma mera carta de intenções. Nos artigos da referida declaração 
foram incluídas exigências que devem ser atendidas para que a dignidade 
humana seja respeitada. O artigo terceiro, por exemplo, lembra que “Todo homem 
tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Em decorrência, no artigo 
quarto está expressamente ordenado que “Ninguém será mantido em escravidão 
ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as 
suas formas.”
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada por países do mundo 
inteiro, inclusive pelo Brasil, valendo como um compromisso moral desses países. 
É necessário que o maior número possível de pessoas conheça a Declaração, 
para cobrar de seus governos o respeito ao compromisso assumido. (DALLARI, 
1985, p. 52).
Leia na íntegra os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: 
http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/index.html#deconu
A ênfase da referida Declaração está na internacionalização dos direitos humanos, 
fixando-o no contexto internacional dos direitos fundamentais, ensejando a 
prevalência desse no ordenamento jurídico dos Estados signatários do referido 
documento e daqueles que se integram à comunidade das nações unidas como 
filiados da ONU.
O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, criado em 2006, em 
substituição à Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, criticada 
pela tolerância com Estados cujas ações constituíam desrespeito aos direitos 
humanos, tem como objetivo combater as violações aos direitos humanos em 
todo o mundo.
O Brasil, membro da ONU, signatário da Declaração Universal dos Direitos 
Humanos, define na Constituição Federal, promulgada em 1988, os direitos 
fundamentais no título II, Dos Direitos e Garantias fundamentais. O capítulo I 
dos Direitos Individuais e Coletivos é constituído pelo artigo 5º, com 78 incisos, 
alinhados com o referido documento da ONU. No caput deste artigo lê-se: “Todos 
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, 
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...].”
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Estudos Socioculturais
A dificuldade da concretização dos direitos humanos, entre outros fatores, reside 
na adoção, pelos Estados-nação, de políticas seletivas, dando prioridade a alguns 
direitos e postergando a positivação de outros.
Ressalta-se que os direitos humanos foram sendo positivados de maneira 
gradativa. Estudiosos do tema, para fins didáticos, sem desconsiderar o princípio 
estrutural de indivisibilidade, apontam para quatro gerações de direitos que foram 
sendo criados e incorporados às constituições dos Estados-naçãoao longo do 
processo histórico-social na modernidade.
Na escala evolutiva dos direitos, legislados ao longo dos séculos XIX e XX, há 
quatro gerações sucessivas de direitos fundamentais:
 • Os direitos de primeira geração: Os direitos de liberdade foram os 
primeiros a constar dos instrumentos normativos constitucionais, 
a saber: os direitos civis e políticos. Os direitos de liberdade têm 
por titular o indivíduo. Os direitos de liberdade fazem ressaltar, na 
ordem dos valores políticos, a nítida separação entre a Sociedade 
e o Estado, e a submissão do segundo à primeira. Essa geração de 
direitos corresponde aos direitos diretamente ligados ao conceito de 
pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo: 
vida, dignidade, honra, liberdade. Basicamente, a Constituição de 
1988 os prevê no art. 5º, tão significativo para todos os brasileiros.
 • Os direitos de segunda geração: decorrem dos efeitos 
provocados pelas transformações econômicas e sociais gerados 
pela industrialização e urbanização. São os direitos sociais 
vinculados aos econômicos, bem como os direitos coletivos e os de 
coletividades. Nasceram em decorrência das lutas dos trabalhadores 
e estão articulados ao princípio da igualdade. A consciência de um 
mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas deu 
lugar a que se buscasse outra dimensão dos direitos fundamentais, 
aquela que se assenta sobre a fraternidade. Dotados de altíssimo 
teor de humanismo e universalidade.
 • Os direitos de terceira geração: tendem a cristalizar-se enquanto 
direitos que não se destinam especificamente à proteção 
dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou determinada 
sociedade, pois seu destinatário primeiro é o gênero humano e 
sua existencialidade concreta. Emergiram da reflexão sobre temas 
referentes à autodeterminação dos povos, incluindo o direito 
ao desenvolvimento, à paz, à dignidade humana, o combate às 
diferentes formas de discriminação, bem como a necessidade de 
universalizar o acesso aos bens necessários para a vida digna, ao 
meio ambiente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade. 
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Capítulo 1 
 • Os direitos de quarta geração: constituem-se no direito à 
democracia, à informação, à defesa da vida, à proteção da 
intimidade, o direito à diferença e o respeito ao pluralismo num 
mundo multicultural. (Texto adaptado de palestra proferida por Paulo 
Bonavides, quando do aniversário de quinze anos da Constituição 
Federal do Brasil, promulgada em outubro de 1988.).
Considerando este resumo, você, caro aluno(a), pode alargar sua compreensão 
sobre os Direitos Humanos e sua positivação na legislação brasileira. São muitas 
as possibilidades para aprofundar estudos nesta área. Selecionamos no EVA 
para vocês o texto do autor SARMENTO, Jorge. AS GERAÇÕES DOS DIREITOS 
HUMANOS E OS DESAFIOS DA EFETIVIDADE. Leia e destaque alguns avanços e 
possibilidades de efetividade dos Direitos Humanos na vida dos brasileiros.
Apesar de inúmeras dificuldades produzidas historicamente, o Brasil tem 
buscado, em meio às desigualdades econômicas e sociais, promover ações 
destinadas à emancipação dos indivíduos na busca e efetivação dos direitos 
fundamentais. A discussão dos direitos humanos e as ações políticas e práticas 
empreendidas por meio de programas governamentais e iniciativas da sociedade 
civil tem criado condições objetivas para a promoção da cidadania e o respeito 
aos direitos humanos. No entanto, ainda existem brasileiros sem acesso aos 
meios que os assegurem usufruir dos direitos fundamentais.
Direitos humanos como prática social 1 
Valéria Rodineia Zanette
Em tempos de pluralidade de valores, como é o caso da contemporaneidade, 
é bastante complexo estabelecer conteúdos gerais a que todos devem seguir, 
mesmo que esses conteúdos sejam os direitos humanos. Ocorre que tais direitos 
conseguem até se fazer presentes nos ordenamentos jurídicos de muitos Estados. 
Prova disso é o fato de um grande número deles terem assinado a Declaração 
Universal dos Direitos Humanos. Mas a verdade é que, no cotidiano das pessoas, 
os direitos humanos, muitas vezes, estão ausentes ou inexistem. 
1 Extraído de: ZANETTE, V.R. Schulze. Desafios da cidadania e dos direitos humanos na contemporaneidade. 
In: Ética, cidadania e direitos humanos. Livro digital, 5ª ed. Palhoça: UnisulVirtual, 2012.
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Estudos Socioculturais
É consenso, entre muitos autores que tratam do tema dos direitos humanos, 
que a democracia e o Estado de direito são elementos indispensáveis para a 
realização desses direitos. No entanto, como já deve ser de seu conhecimento, 
existe mais de um tipo de Estado de Direito, bem como mais de um tipo de 
democracia. Qual Estado e qual sistema democrático praticam melhor os direitos 
humanos? Aliás, algum desses pode realizar tais direitos? 
Como uma resposta à própria evolução histórica, podemos observar que muito se 
tem evoluído na garantia dos direitos humanos, no próprio entendimento do que 
eles são e de sua importância na sociedade mundial e brasileira. 
Tendo feito essa análise dos direitos humanos até o presente, cabe agora pensar: 
quais são os desafios dos direitos humanos, hoje? E amanhã? Mais ainda: pode-
se afirmar que os direitos humanos são efetivamente garantidos no Brasil? E 
no mundo? A resposta mais rápida e fácil a ser dada é que, evidentemente, os 
direitos humanos não são garantidos de maneira efetiva como um todo; e nem 
para todos, como podemos ver a seguir. 
No passado, o Brasil vivia em um Estado escravagista, em que o negro africano 
não merecia direitos porque não era visto como pessoa, mas sim como 
propriedade. Para ter direitos, tinha-se que preencher requisitos importantes 
como: o sexo, a cor da pele, a classe social, as relações de poder, a religião etc. 
O que vemos atualmente é um Brasil bastante evoluído, mas distante, muito 
distante, de ser chamado de um país alheio às discriminações. O que falar das 
inúmeras leis que tentam garantir um tratamento digno aos homossexuais, que, 
no fundo, ainda enfrentam, diariamente, situações discriminatórias? E, no caso da 
mulher que os relatórios estatísticos de violência revelam a grave desigualdade 
de gênero? E da diferença salarial entre homens e mulheres? E o nordestino que 
escuta diariamente piadinhas de sua origem? E, pior ainda, daqueles que, pelo 
simples fato de serem pobres, são taxados de marginais? 
Tais circunstâncias são corriqueiras e fazem parte do cotidiano de todos nós, de 
forma tão natural que nem parece uma verdadeira afronta aos direitos humanos. 
A conscientização de todos em relação a isso é um processo demorado. De 
qualquer forma, o Brasil tem trabalhado bastante na elaboração de um sistema 
normativo que prima pelos direitos fundamentais, assim como na ratificação e 
engajamento aos direitos humanos no plano internacional. Sendo assim, o que 
falta então? 
O problema está no cumprimento das normas jurídicas criadas, sejam elas de 
direitos humanos ou fundamentais. Bem como assevera Norberto Bobbio (1992, 
apud PIOVESAN, p. 110), o problema dos direitos humanos hoje: “não é mais o 
de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”. 
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Capítulo 1 
Uma constatação negativa é que ainda temos trabalho escravo em todas as 
regiões do país, como descreve Breton (2002, p. 25): 
Hoje em dia as coisas são um pouco mais sutis. Você não possui 
a pessoa, você apenas a usa por quanto tempo precisar dela. É 
a escravidão por dívida. Funciona assim: oferecem um emprego 
para o cara, dão um adiantamento, e ele começa a trabalhar. 
Quando chega o dia do pagamento, ele descobre que está 
endividado. Tem de descontar o adiantamento, o pagamento do 
transporte e o que deve na cantina – alimentos, ferramentas e 
remédios – a dívida não termina nunca. 
Com isso, as pessoas trabalham, horas a fio, no meio do nada, correndo risco 
de vida e, ao final,o que recebem é muito pouco. A boa notícia é que a Justiça 
Federal está condenando fazendeiros por terem submetido trabalhadores a 
condições semelhantes à escravidão: pessoas que vivem sem remuneração, 
presas a relações de dívidas forjadas e as mais variadas condições degradantes 
de trabalho, expostas a existência de alojamentos precários, instalações 
sanitárias em péssimo estado de conservação, não fornecimento de água potável, 
não fornecimento de equipamentos de proteção individual, entre outras. São 
muitas as situações sendo superadas pela ação dos órgãos que combatem o 
trabalho análogo a escravo.
Outro exemplo são as ações afirmativas, como o sistema de cotas nas 
universidades. Esse sistema foi criado com o intuito de promover a igualdade 
material, já que as pessoas negras, constantemente, formam um número muito 
inferior nas universidades. Isso pode ser justificado como uma consequência 
das desigualdades econômicas, pois as pessoas negras não têm acesso a 
uma educação fundamental de qualidade, precisam trabalhar para seu próprio 
sustento e de sua família, ficando impossibilitadas de competir, em grau de 
igualdade, com os outros com melhores condições e preparo. 
Nesse contexto, 
[...] o Estado abandona sua tradicional posição de neutralidade 
e de mero espectador dos embates que se travam no campo 
da convivência entre os homens e passa a atuar ativamente 
na busca de concretização da igualdade positivada nos textos 
constitucionais. (GOMES, 2001, p. 20). 
Mesmo parecendo um caminho simples, muitos brasileiros, na verdade, são contra 
esse tipo de ação. Não conseguem entender que tudo isso faz parte de um círculo 
vicioso e que, se não forem promovidas ações discriminatórias positivas em favor 
dos desprivilegiados, possivelmente o caminho ainda será mais longo para se 
alcançar a igualdade. O caso do acesso ao ensino superior ilustra, bem, isso. 
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Estudos Socioculturais
Uma das principais argumentações contra o “sistema de cotas” era que, mesmo 
conseguindo entrar na universidade, os cotistas acabariam por desistir, ou mesmo 
que isso acabaria por prejudicar o próprio andamento do curso, já que esses não 
conseguiriam acompanhar os outros estudantes em decorrência do déficit no 
ensino médio. No entanto, pesquisas produzidas, por exemplo, Mandelli (2010), 
destacam o fato de que, mesmo vindo de um ensino médio defasado, o esforço 
dos cotistas é tamanho que apresentam bom desempenho acadêmico. 
As mulheres também são objeto desse tipo de ação, como é o caso de se 
destinar a elas um número de cadeiras no executivo. Essa ação afirmativa em 
benefício das mulheres também é uma forma de promover o tratamento igualitário 
entre homens e mulheres, possibilitando-se que ambos tenham acesso na 
administração do nosso país. 
Mas, certamente, há alguns passos importantes a serem dados nessa busca da 
igualdade entre homens e mulheres, já que, infelizmente, a mulher ainda recebe 
salários inferiores (mesmo exercendo a mesma função), ocupa menos cargos de 
chefia (mesmo quando apresenta alto grau de instrução), entre outras situações 
corriqueiras a serem conquistadas pelo gênero feminino. A violência doméstica e 
familiar contra a mulher é uma das evidências mais graves das desigualdades de 
gênero.
Considerando isso e verificando a elevação dos índices de violência e a frágil 
segurança pública a que o povo brasileiro tem sido remetido, seu direito está 
longe de ter a proteção necessária. 
A vida e a boa convivência social são essenciais para a humanidade e compete 
a todos nós, sociedade e organizações do Estado, zelarmos pela sobrevivência 
saudável e sustentável, nossa e do meio ambiente.
 Outro elemento que contribui para o direito à vida saudável é o acesso à 
saúde. O Brasil conta com um sistema único de saúde (SUS) reconhecido 
internacionalmente pela sua cobertura e universalização do acesso, no entanto, 
ele não possibilita atendimento satisfatório. Além da falta de atendimento, os 
profissionais da saúde regularmente protestam por “melhores condições de 
trabalho”. No concernente ao saneamento básico, a realidade evidencia que 
metade dos domicílios brasileiros não possuem qualquer ligação com a rede 
coletora de esgoto, sendo que quanto mais pobre a região, maior o descaso. 
Também está entre os basilares dos direitos civis o direito de “não ter o lar 
violado”. Isso vai depender de uma série de circunstâncias para que realmente 
seja respeitado, tais como: o bairro em que mora, o tipo de policial que está em 
atividade e, até mesmo, o momento histórico. Tudo isso pode ser comprovado se 
nos lembrarmos das invasões que ocorrerem nas favelas dos grandes centros, 
em que absolutamente todos os “barracos” são invadidos, mesmo ali morando 
pessoas de bem. Essas acabaram pagando por estarem no lugar e no momento 
errado. 
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Capítulo 1 
Muitas pessoas constroem suas moradas em áreas de risco, de preservação 
ambiental, em lugares que geram perigos à vida. A violação do direito à moradia/ 
habitação é constante. Acompanhamos diariamente despejos forçados sem 
cumprir as determinações internacionais de realojar essas pessoas, pois, na 
prática, elas são retiradas por meio de força policial (que nada mais é do que o 
braço do próprio Estado). Irresponsabilidades pessoais, privadas e do Estado 
gerando insegurança às famílias, regiões, cidades, pela falta de condições de um 
habitar seguro.
Os direitos humanos são a melhor forma de se defender e garantir a liberdade 
pública, assim como de se proporcionarem as condições mínimas para uma 
existência digna. E, para isso, conta-se com os poderes executivo, legislativo e 
judiciário, voltados para o fortalecimento da democracia e da paz social. 
O poder judiciário é o último guardião dos direitos humanos, isso porque é a 
ele que o indivíduo, provado de seu direito, vai buscar guarida. E, por isso, é 
tão importante que todos esses poderes estejam preparados para tamanha 
responsabilidade: a de garantir os direitos humanos fundamentais. 
A busca pela efetividade dos direitos humanos – principalmente dos direitos 
econômicos, sociais e culturais – passa pela efetivação de políticas públicas e 
pela responsabilidade de todas as instâncias e poderes. Muito ainda precisa ser 
feito, principalmente visando à busca da universalidade e indivisibilidade dos 
direitos humanos, porque o desrespeito aos direitos civis e políticos e a ausência 
dos direitos econômico-sociais remete a preconceitos, exclusão e desigualdades 
evidentes. Aqueles em situação de maior vulnerabilidade social são os mais 
atingidos. São aqueles que vivem em locais com precárias condições de vida, 
sem instrução, sem segurança, às margens da sociedade, os mais suscetíveis 
à violência da criminalidade comum, são vítimas de balas perdidas, de violência 
na escola, de doenças relacionadas à falta de saneamento básico, entre outras 
violações.
Essas desigualdades ficam ainda mais evidentes quando relacionadas às 
minorias, porque, por mais que sejam promovidas leis com o intuito de promover 
a igualdade, ainda enfrentam grandes obstáculos, diariamente. 
Vejamos o caso das mulheres, das crianças e dos idosos. As mulheres, 
como já dito, ainda estão num processo intenso de busca de valorização. 
Profissionalmente, precisam provar que são tão capazes quanto os homens 
para merecerem respeito, quando em muitas circunstâncias são muito mais 
capacitadas. Em casa, nem todas mantêm relações de respeito e igualdade na 
divisão das responsabilidades.
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Estudos Socioculturais
As crianças ainda são as que mais sofrem as vicissitudes da miséria e da 
violência, já que, por si só, não possuem maturidade para lutarem pela sua 
própria subsistência e proteção. E, quando acontece de lutarem, a falta de 
estrutura sempre leva a caminhos bastante tortuosos, que o digam as crianças de 
rua nas cidades brasileiras, entreguesao abandono, aos vícios, aos abusos. 
Os idosos também têm sido objeto de legitimação, na tentativa de a sociedade 
ou os órgãos públicos promover-lhes certa qualidade de vida quando chegam 
à terceira idade. O fato é que a realidade ainda está distante de acompanhar as 
normas. Constatam-se abandonos, descasos, fragilidades, violências tanto por 
parte das famílias quanto por parte do Estado. 
Quanto aos direitos políticos, esses não são amplamente assegurados quando o 
povo não tem um mínimo de instrução para entender a importância de seus atos 
e de suas escolhas, quando prevalece nas práticas dos gestores públicos práticas 
de manobras conduzidas pelos interesses pessoais, políticos partidários, de 
grupos privilegiados acima dos interesses coletivos e da república.
Podem ser citados muitos outros direitos que são violados diariamente em nosso 
país, os quais são resultados de muitos fatores, entre eles deve ser ressaltada 
a falta de informação e até de educação da população quanto aos seus direitos 
humanos. A importância de nos percebermos como sujeitos transformadores da 
vida, dos ambientes de convivência, do local onde moramos, da cidade, do país. 
A paz, a solidariedade, a sustentabilidade a democracia são pilares de uma 
sociedade que todos precisamos visualizar e ajudar a construir. Muito já 
avançamos, precisamos continuar nos colocando como protagonistas da vida e 
da história.
Existem muitas iniciativas que evidenciam a responsabilidade do Estado e da 
sociedade com os Direitos Humanos, veja algumas iniciativas no site da Secretaria 
de Direitos Humanos: http://www.sdh.gov.br e no site da Secretaria de Políticas para 
Mulheres: http://www.spm.gov.br. Os links estão disponíveis no EVA.
Assim, entendemos que: não basta a incorporação dos direitos humanos ao 
ordenamento jurídico brasileiro se esse não for do conhecimento de todos. Faz-
se necessária a promoção da educação para os direitos humanos, a fim de que 
a população em geral possa conhecê-los para então buscá-los, respeitá-los e 
vivenciá-los. 
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