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1 Mestrado em Ensino da Música Distúrbio Hiperativo de Défice de Atenção Trabalho realizado por: Cristiana Val nº20140569 Orientadores Professora Rosário Quelhas Junho de 2019 2 Introdução No âmbito da Unidade Curricular de Necessidades Educativas Especiais, do Mestrado em ensino da música, foi proposto aos alunos a realização de um pequeno trabalho sobre uma tipologia de uma deficiência e como tal eu escolhi abordar o Distúrbio Hiperativo de Défice de Atenção (DHDA) pois o ano passado na banda filarmónica onde dava aulas tive um aluno com esta patologia e como tal pretendo dar a conhecer a minha experiência com este tipo de deficiência e como a música pode ser uma mais valia para indivíduos com este distúrbio (Portal da Hiperatividade com Défice de Atenção, 2019) Distúrbio Hiperativo de Défice de Atenção (DHDA) O Distúrbio Hiperativo de Défice de Atenção é uma perturbação genética do foro neurobiológico, que é evidente na primeira infância e que se manifesta para o resto da vida da pessoa que dela padece. Este distúrbio foi descrito pela primeira vez por G. Still em 1902 e é um problema de saúde pública que atinge cerca de 5-7% da população. O DHDA é um dos distúrbios mais estudados, mas também é aquele que cria mais controvérsia (Cruz, s.d.). Este é uma perturbação do neuro desenvolvimento definida por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade e impulsividade e tem como característica principal um padrão persistente desses sinais com uma maior intensidade mais frequente e grave do que quando observado em sujeitos com um nível semelhante de desenvolvimento (Fonseca,2015). As crianças com DHDA apresentam níveis elevados de desatenção quando comparadas com crianças da mesma idade. No entanto deve ter-se em conta que a atenção é um conceito multidimensional e que se pode referir a problemas relacionados com a ativação, a seleção e/ou a manutenção da atenção, ou ainda com o nível de apreensão. Existem diferenças nos comportamentos das crianças que são permanentemente hiperativas, em comparação com os que o são em situações específicas. O DHDA apresenta manifestações diferentes consoante a idade, como se pode ver no seguinte quadro 1 (Cruz, s.d.): 3 0-2 anos 2-3 anos 4-5 anos A partir dos 6 anos Descargas mioclónicas durante o sono Imaturidade da linguagem expressiva Problemas de adaptação social Impulsividade Problemas no ritmo do sono e durante a alimentação Atividade motora excessiva Desobediência social Défice de Atenção Períodos curtos de sono e despertar sobressaltado Escassa consciência de perigo Dificuldades em seguir normas de conduta ou regras Insucesso Escolar Resistência aos cuidados habituais Propensão para sofrer numerosos acidentes Comportamentos anti- sociais Reatividade elevada aos estímulos auditivos Problemas de adaptação social Irritabilidade Quadro 1 Diferentes Manifestações de DHDA Os problemas de atenção são mais acentuados em atividades em que se exige uma atenção mais prolongada e sobretudo em tarefas que não sejam de carácter lúdico, ou seja atividades mais repetitivas (Cruz, s.d.). Etiologia Existem várias teorias que explicam as causas do DHDA. Algumas referem que o distúrbio neurobiológico hereditário é a causa maior para este distúrbio e mencionam que diferentes elementos da mesma família tendem a manifestar sintomas característicos do DHDA. Outros que este distúrbio depende mais de problemas de cérebro, resultantes de fatores hereditários, do que de fatores ambientais, estes podem potencializar ou abrandar os sintomas de DHDA. De acordo com Sekikowitz (2010), o DHDA é um distúrbio cerebral e justifica-o através de pesquisas feitas em quatro áreas de investigação científica que são: défices da função executiva, esgotamento de neurotransmissores, pouca atividade do lobo frontal do cérebro, deficiências genéticas. (Fonseca, 2015). 4 Disfunção executiva: O cérebro é um órgão vital que permite controlar todo o organismo e é este que reage aos estímulos do meio ambiente. Estas respostas são dadas de forma hierárquica pelo cérebro. São designadas de funções executivas as que são consideradas as funções superiores (autovalorização e auto-organização). São estas que permitem ao individuo refletir, podendo assim alterar o seu humor consoante a situação em que se encontra. No caso de pessoas com DHDA, estas função não funcionam completamente o que leva a pessoa a agir de forma desorganizada e confusa. Assim cada falha nas funções executivas origina sintomas da doença. (Idem). Esgotamento de neurotransmissores: Existem inúmeras células no cérebro humano, com um número elevado de redes, sendo a informação transmitida entre elas por substâncias químicas designadas de neurotransmissores. Estes surgem quando um neurónio pretende transmitir informações a outros neurónios através do seu axónio para o recetor do seguinte. No entanto não há contacto entre estes (o que se designa de sinapse). Assim os neurotransmissores ligam-se diretamente ao recetor da próxima célula, permitindo uma resposta conveniente ao estímulo. Em pessoas com DHDA quando há a transmissão de informação pode haver defeitos, o que origina uma fraca transferência de impulsos nervosos. (Idem). Escassa atividade no lobo frontal: Existem alterações no cérebro dos indivíduos com DHDA, especialmente nas regiões do córtex pré-frontal, sendo este um constituinte do lobo frontal. Esta região delineia e regula as ações da pessoa, respondendo aos estímulos recebidos, através das ligações nervosas. As pessoas com DHDA, não recebem a informação das ligações devidamente. (Idem). Anomalias genéticas: Todas as células e as suas ações são determinadas por um conjunto de genes, recebidos pelos transmissores, o que leva as pessoas a terem determinadas características e formas de agir diferentes. Existem vários genes que controlam o metabolismo dos neurotransmissores em indivíduos com DHDA e os sintomas surgem quando há falhas na sinapse, que é provocado por vários genes defeituosos. (Idem). Segundo Selikowitz (2010), o DHDA é um distúrbio poligenético, ou seja, é causado por vários genes defeituosos. Como este distúrbio é poligenético, pode 5 apresentar genes em comum com outras doenças, como a depressão ou doença bipolar. Desta maneira, este autor afirma que a doença apresenta comorbidade com outras, podendo surgir ambas no indivíduo. (Idem). Segundo Rodrigues e Antunes as causas do DHDA são “complexas e multifatoriais”. Estes autores apresentam um modelo da etiologia desta perturbação, tal como se pode ver na figura 1 (Idem). Assim sendo concluo que o DHDA tem como causas fatores genéticos e ambientais. O papel da escola perante o processo de inclusão Desde sempre que o ser humano tende a excluir o diferente e o mais desfavorecido, assim cabe à escola a erradicação da exclusão. Segundo Ariés (1983), durante vários séculos a organização escolar privilegiou e permitiu o acesso a uma educação escolar de qualidade, apenas a famílias com melhores condições financeiros e com um nível elevado na sociedade. O processo de inclusão escolar não é algo atual, mas sim, algo que têm se vindo a construir. Assim, segundo Rodrigues (2001), através de Oliveira (2017): “Criada para dar educação básica a todos e à qual todos deveriam ter acesso, a escola públicatradicional desenvolveu práticas e valores que progressivamente contribuíram para acentuar as diferenças entre os alunos e que colocaram precocemente fora da corrida da aquisição de competência largos estratos da população escolar. Assim, o Causas genéticas Interação gene/ambiente Causas envolvimentais Causas pré e perinatais Diferenças neurobiológicas (áreas e rede neural fronto-estriado e cerebelo) Lesão cerebral significativa Fatores psicossociais Fenótipo de DHDA Figura 1 Modelo visual explicativo da etiologia de DHDA 6 insucesso escolar, o abandono da escola, os problemas de disciplina, a rigidez dos currículos, etc., fizeram com que a escola que deveria integrar e acolher todos, fosse, ela própria, um instrumento de seleção que, em muitos casos, acentuava as diferenças culturais e de caraterísticas e capacidades pessoais e capacidades pessoais de que os alunos eram portadores” (Rodrigues, 2001:24). Todos os envolvidos no processo de inclusão beneficiam desta, pois favorece os que possuem necessidades especiais, pois estes têm acesso ao ensino regular e exercem o direito da educação. Favorecem também os restantes alunos, pois através da convivência destes com os alunos com necessidades especiais, estes aprendem a respeitar e a valorizar as diferenças. Também favorece os professores pois aperfeiçoam as suas experiências e conhecimentos (Oliveira, 2017). A escola tem o papel de realizar mudanças no seu currículo, formulando-o e estruturando-o de acordo com a realidade que a escola tem na altura, procurando a individualização do ensino, para atender as diferentes necessidades dos alunos. Para que a inclusão aconteça é necessário aceitar e reconhecer a escola com todas as diferenças que nela existem e desprender-se dos preconceitos relacionados com os alunos com necessidades educativas especiais. Mas para que isto aconteça a escola tem de investir em formações de inclusão para os profissionais que nela atuam (Idem). O processo de aprendizagem ocorre dentro e fora da escola. Os pais são agentes responsáveis nas condições emocionais, na educação e no comportamento dos seus filhos. O conhecimento não é imprescindível ao ser humano, mas se for imposto com carinho, este pode ser desenvolvido. É através da aprendizagem que o individuo é introduzido na cultura. Para que se possam compreender as dificuldades é necessário a compreensão do processo de aprendizagem (Idem). DHDA e as dificuldades de aprendizagem Nos anos 60, quando começou a aparecer os problemas relacionados com a dificuldade de aprendizagem, falava-se muito em Dificuldade de Aprendizagem o que deu origem a várias terminologias, no entanto segundo Oliveira, a elaborada pela National Joint Committe For Leanirgi Desabilities (NJCLD, 1994) diz: 7 “Dificuldades de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogéneo de desordens, manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura e escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao indivíduo, presumivelmente devem-se as disfunções do sistema nervosos central e podem ocorrer ao longo da vida […]” (NJCLD, Smith 1997:59). Dentro deste conceito pode-se encontrar o DHDA. Os alunos com DHDA são normalmente alunos com mau desempenho escolar e com problemas familiares e sociais ligados à atenção. Este distúrbio é um obstáculo que tem de ser superado no processo de aprendizagem. De acordo com vários estudos, as crianças diagnosticadas com DHDA podem apresentar o desenvolvimento de outras patologias psiquiátricas e transtorno de humor e ansiedade, e apresentam-se em dois grupos caracterizados pelos seus sintomas (Oliveira, 2017). O grupo da desatenção é caracterizado pela dificuldade em prestar atenção aos detalhes durante um grande período, apresentam dificuldades na concentração ao realizar tarefas e não conseguem ter atenção aos diálogos. Estes indivíduos raramente dão continuidade às suas tarefas e apresentam dificuldades em comprometerem-se com regras procurando evitar atividades com esforço mental e distraem-se com bastante frequência (Idem). O grupo da impulsividade tem como características as movimentações descontroladas dos pés e das mãos quando estão sentadas, demonstrando dificuldades a se manterem assim por muito tempo. Estas crianças demonstram uma inquietação em jogos e atividades fazendo muito barulho. Conversam sem se acalmar e não suportam esperar, querendo ter a frente em diálogos ou brincadeiras constantemente (hiperatividade). Como o DHDA é muitas vezes confundido com outras patologias é necessário ter pelo menos seis sintomas de cada um destes dois grupos (Idem). Segundo Rohde (1999) é necessário observar que os sintomas como a impulsividade, a desatenção e a hiperatividade podem ser sintomas isolados e podem ser resultantes do sistema educacional inadequado, ou estarem ligados a outros transtornos comuns. Daí a importância de se contextualizar o histórico de vida da criança, tendo em conta em que momento da vida esta se encontra, já que os sintomas podem ser considerados diferentes na infância e na adolescência (Idem). 8 Quando uma criança é diagnosticada com DHDA, é necessário a ajuda de todos os envolvidos no processo para o desenvolvimento cognitivo, entre eles, os especialistas, os médicos, os professores, os coordenadores pedagógicos e os pais, sendo necessários vários tratamentos e intervenções para que haja sucesso escolar (Idem). O DHDA e o ensino da música O DHDA tende em comprometer a vida da criança em fase escolar e de adolescentes, como também familiares que estão envolvidos diretamente, devido à condição de controle das dificuldades de impulsos, concentração, memória, organização, planeamento e autonomia em todo o contexto pedagógico e social do indivíduo. Este distúrbio abrange uma vasta associação de sintomas comportamentais, sociais e emocionais e somente pode ser diagnosticado clinicamente. Para o desenvolvimento da aprendizagem, as intervenções pedagógicas são consideradas fundamentais. O tratamento deste distúrbio deve envolver atividades didático- pedagógicas planeadas específicas no atendimento destes alunos, promovendo sempre a autoestima e procurando o equilíbrio das crianças e adolescentes em fase escolar. Assim sendo, no ensino da música é preciso haver uma organização do professor bastante boa, quando tem alunos com este distúrbio a frequentar as suas aulas. A meu ver, quando um professor tem um aluno com DHDA este tem de preparar aulas lúdicas em que o aluno que tenha este distúrbio possa participar mais ativamente na aula, pois pode despertar o gosto e o prazer pela música e querer aprender um instrumento. Através da música estes alunos podem desenvolver foco, disciplina e capacidade de concentração. Quando um aluno aprende um instrumento este precisa de desenvolver várias habilidades, como a coordenação motora e a leitura de partituras, que exige do aluno atenção e dedicação. Com a aprendizagem da música, o aluno com DHDA tende a reduzir o stresse e a ansiedade, que são muito comuns na hiperatividade e isto tem impacto de forma positiva na autoestima e no bem-estar do indivíduo. Experiência Real do ensino da música com um aluno com DHDA O ano passado tive um aluno com DHDA e dava-lhe aula de trompete (individualmente) e de formação musical (em grupo). Tinha de preparar sempre aulas 9 diferentes e que o cativassem, pois se não o fizesse este aluno perdia toda a atenção e motivação. Nas aulas individuais só conseguia estar concentrado cerca de 20 a 25 minutose nesse período estava motivado e mostrava interesse sempre a perguntar coisas novas e no início da aula mostrava-me alguma coisa que tinha descoberto sozinho. Nas aulas de grupo mostrava-se menos motivado e a sua atenção durava menos tempo, cerca de 10 a 15 minutos. Esta falta de motivação talvez de devesse ao facto de as aulas serem mais teóricas e não tão práticas. Para o tentar motivar nestas tentava dar uma parte de teoria e depois uma parte mais lúdica em que o chamava ao quadro para que se sentisse mais dentro da atividade. Durante o ano letivo todo este aluno teve pouca evolução, no entanto tendo em consideração a evolução que este teve no ensino regular, a evolução que este teve na música já foi considerável tendo em conta a sua patologia. Referências Bibliográficas Cruz, M.R.D.F. (s.d.). A inclusão do aprendente com distúrbio de hiperactividade e défice de atenção: um estudo de caso. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/282860769_A_inclusao_do_aprendente_c om_disturbio_de_hiperactividade_e_defice_de_atencao_um_estudo_de_caso. Fonseca, C.E.B.S. (2015). Perceções e práticas dos professores do ensino básico face aos alunos com PHDA. Disponível em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/24962/1/CARINA.E.B.S.FONSECA- TESE.FINAL.PHDA.pdf. Oliveira, P.F. (2017). A Aprendizagem Escolar Diante do Déficit de Atenção. Disponível em: https://www.pedagogia.com.br/artigos/deficitatencao/?pagina=0. Portal da Hiperatividade com Défice de Atenção (2019). Hiperatividade com Défice de Atenção. Disponível em: https://hiperatividade.com.pt/definicao/.
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