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O ENSINO DA LEITURA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Fabíola Sucupira Ferreira Sell CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Norberto Siegel Revisão de Conteúdo: Prof.ª Márcia Maria Junkes Revisão Gramatical: Prof.ª Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 372.414.2 S4671o Sell, Fabíola Sucupira Ferreira. O ensino da leitura/ Fabíola Sucupira Ferreira Sell Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial:Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 85 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-239-9 1. Leitura 2. Hábito e Ensino da Leitura I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Fabíola Sucupira Ferreira Sell Graduada em letras-alemão, mestrado e doutorado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, na área de Teoria e Análise Linguística. Entre 1998-1999 e 2003-2005, atuou como professora substituta na UFSC. Atualmente, é professora em três instituições de ensino superior em Santa Catarina, trabalhando nos cursos de Pedagogia, Direito, Ciências Contábeis, Administração e Ciência da Computação. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em estrutura sentencial, atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem, interrogativas WH e teoria gerativa, bem como em metodologia e ensino de língua materna. Trabalha com ensino a distância desde 2007, atuando como conteudista, professora, monitora e designer instrucional no curso de letras-libras da Universidade Federal de Santa Catarina. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Concepções de Leitura, Texto e Ensino .............................9 CAPÍTULO 2 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura ..................................................31 CAPÍTULO 3 Práticas Linguísticas de Leitura no Ensino Fundamental e Médio ...............................................57 CAPÍTULO 4 Pedagogia de Projetos e o Ensino de Leitura ..................75 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Este caderno de estudos traz a você uma discussão sobre o ensino de leitura de textos não-literários no ensino fundamental e médio. Você verá que o primeiro passo para o trabalho com a leitura é ter claro que tipo de concepção de língua, de texto e de leitura está por trás das nossas práticas pedagógicas de ensino de leitura. Além disso, é importante também explicitarmos qual o papel social da leitura e que tipos de conhecimentos do leitor estão envolvidos na atividade de leitura. Veremos que para formar cidadãos letrados, conforme preconizam os PCN, precisamos pensar na leitura como prática social, e não como um fim em si mesma. A partir disso, veremos quais as habilidades de leitura queremos desenvolver em nossos alunos e qual o papel da escola no desenvolvimento dessas habilidades. Por fim, vamos discutir a proposta de trabalhar o ensino da leitura a partir de projetos interdisciplinares com temas transversais, os quais ampliam a responsabilidade de ensino de leitura para além das aulas de língua materna, mostrando que todo professor é, em princípio, professor de leitura também, já que esta será o meio pelo qual o aluno terá acesso aos conhecimentos específicos das disciplinas curriculares. Você está convidado(a) a entrar agora neste estudo sobre o ensino de leitura. Boa leitura, bons estudos! A autora. CAPÍTULO 1 Concepções de Leitura, Texto e Ensino A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar diferentes concepções de linguagem/língua, atreladas às difer- entes concepções de leitura. Discutir o papel social da leitura na formação de cidadãos letrados. Distinguir e analisar os tipos de conhecimentos que o leitor utiliza na atividade de leitura. 10 O Ensino da Leitura 11 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Contextualização Lemos por prazer, lemos para adquirir conhecimento, lemos para nos informar, enfim, lemos com os mais diversos objetivos, e lemos os mais variados textos e não-textos. Ao falar de leitura, podemos estar diante de um conceito mais amplo, como leitura de mundo, podemos falar de leitura de imagens, de leituras de diferentes textos e, também, de diferentes leituras de um mesmo texto. Você já parou para pensar na importância da leitura nas nossas vidas? Pense nas leituras que fazemos no nosso dia a dia, nas leituras involuntárias de letreiros, cartazes, outdoors; pense nos livros que você leu nos últimos doze meses, naqueles cujas leituras foram prazerosas e que, de alguma forma, mudaram sua perspectiva, sua leitura diante da vida, dos outros e de si mesmo, e naqueles cujas leituras foram feitas por obrigação, atreladas a um determinado objetivo muito específico que deveria ser alcançado; pense nas leituras rápidas do cotidiano, do cartão do estacionamento, da receita médica, do aviso no elevador, da placa de trânsito, etc.; pense, enfim, na importância que as leituras do dia a dia têm nos constantes ajustes que as nossas leituras de mundo passam ao longo das nossas vidas. Veja o que nos diz Marisa Lajolo em seu livro Do mundo da leitura para a leitura de mundo, a respeito da amplitude do que pode ser entendido como leitura: Figura 1 - Pierre Auguste Renoir [Le Deux Soeurs], 1889 Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/HgMWmW>. Acesso em: 15 jun. 2009. Se pensamos no ambiente escolar, facilmente veremos que a leitura terá um papel crucial porque é ela que está lá desde o processo de alfabetização, nas aulas de português e em todas as outras disciplinas, porque é justamente a partir dela que entramos em contato com os diversos conhecimentos passados pela escolarização. Ninguém nasce sabendo ler: aprende- se a ler à medida que se vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na chamada escola da vida: a leitura do vôo das arribações que indicam a seca - como sabe quem lê Vidas Secas de Graciliano Ramos - independente de aprendizagem formal e se perfaz na interação cotidiana com o mundo das coisas e dos outros. (LAJOLO, 2000, p. 7) Se pensamos no ambiente escolar, facilmente veremos que a leitura terá um papel crucial porque é ela que está lá desde o processo de alfabetização, nas aulas de português e em todas as outras disciplinas. 12 O Ensino da Leitura Mas a leitura não é só isso. Ela ultrapassa os muros da escola. A leitura está no nosso dia a dia, na lista de compras do supermercado, nos manuais de instrução dos eletrodomésticos, nas contas a pagar, nos bilhetes, nas placas de trânsito, nos gibis, nas atividades em frente ao computador, nas idas ao banco, no letreiro do ônibus, no registro de nascimento de um filho; enfim, a leitura faz parte do nosso cotidiano e estápresente nos mais variados momentos das nossas vidas. Paulo Freire (1981), em seu ensaio A importância do ato de ler, mostra- nos, de forma ao mesmo tempo simples e tocante, como partimos da leitura de nosso pequeno mundo de criança para a leitura das palavras e como esta leitura nos remete novamente à leitura de mundo, agora mais ampla, mais segura, mais consciente. Vejamos um trecho de seu ensaio: A retomada a infância distante, buscando compreender do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela memória -, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re- crio, e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores. (FREIRE, 1981, p. 9) Como você pode perceber, falar sobre leitura é falar sobre uma atividade bastante ampla que, embora não constitua uma disciplina autônoma, pode ser tomada como um objeto de estudo por uma variada gama de áreas de conhecimento. Precisamos, então, especificar a que tipo de leitura estamos nos referindo. Neste caderno de estudos, vamos tratar do tema leitura de uma maneira mais específica e em condições específicas; ou seja, vamos tratar do ensino da leitura de textos não-literários. Nesse sentido, precisamos, antes de mais nada, definir que tipo de concepção de leitura, e também de texto, estamos tomando como pressuposto básico aqui. Repare que trataremos das concepções de língua especificamente no que diz respeito ao ensino de leitura. É o que veremos na próxima seção. 13 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Antes passarmos para a próxima seção, que tal refletirmos um pouco acerca das nossas práticas de ensino de leitura? Faça uma avaliação do papel da leitura em suas aulas. A leitura de textos não-literários aparece em suas aulas como uma atividade principal ou secundária em relação ao ensino de outros conteúdos? Anote aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Concepções de Língua e de Leitura Antunes (2003, p. 39, grifo da autora) salienta que “toda atividade pedagógica de ensino do português tem subjacente, de forma explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua.” Nesta mesma direção, Koch e Elias (2007) mostram que dependendo da concepção de língua adotada e, consequentemente, da concepção de sujeito, de texto e de sentido, estaremos lidando com uma concepção de leitura diferente. Assim, as diferentes concepções de leitura podem ter seu foco voltado 1) para o autor; 2) para o texto; 3) para a interação autor-texto-autor. 14 O Ensino da Leitura Na concepção de língua cujo foco é o autor, língua é representação do pensamento e o sujeito é visto como um sujeito psicológico, individual, “um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja ‘captada’ pelo interlocutor da maneira que foi mentalizada”. (KOCH, 2002, p. 13-14). Ou seja, nesta concepção de língua temos um sujeito que constrói uma representação mental, isto é, produz um texto o qual deverá ser ‘”captado” passivamente pelo leitor, juntamente com as intenções psicológicas do produtor do texto. Note que a leitura é, pois, uma atividade passiva na qual captamos as intenções do autor, sem levar em conta o conhecimento prévio do leitor e sua interpretação do texto. Já se o foco está no texto, estamos diante de uma concepção de língua vista como estrutura. Neste caso, o sistema linguístico-social é que pré- determina o sujeito, e o texto é visto como um produto de codificação do emissor a ser decodificado pelo receptor, ou seja, pelo leitor/ouvinte, do qual se espera apenas o conhecimento do código a ser utilizado. Assim, a leitura, a partir desta concepção de língua como código, é vista como uma atividade linear em que se exige do leitor o reconhecimento e a reprodução do sentido das palavras e da estrutura do texto, já que “tudo está dito no dito”. Repare que nestas duas concepções de leitura o leitor tem apenas um papel passivo diante do texto, não cabendo a ele nada além de reconhecer, decifrar e reproduzir. A leitura é vista, portanto, como decodificação. Vejamos agora o que nos diz a concepção de leitura cujo foco está na interação autor-texto-leitor. Nesse caso, a concepção de língua subjacente é a interacionista, para a qual o sentido de um texto é construído dialogicamente na interação entre sujeitos ativos em situações de atuação social. Assim, a leitura é “uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos”. (KOCH; ELIAS, 2007, p.11). Esta construção de sentido se dá a partir dos elementos linguísticos presentes na superfície do texto, mas levam em conta também todo o conhecimento que os sujeitos envolvidos na interação têm acerca das práticas sociais que perpassam tal evento comunicativo. A leitura é vista, portanto, como construção de significados. Na concepção de língua cujo foco é o autor, língua é representação do pensamento e o sujeito é visto como um sujeito psicológico, individual, “um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja ‘captada’ pelo interlocutor da maneira que foi mentalizada”. (KOCH, 2002, p. 13-14). Repare que nestas duas concepções de leitura o leitor tem apenas um papel passivo diante do texto, não cabendo a ele nada além de reconhecer, decifrar e reproduzir. A leitura é vista, portanto, como decodificação. 15 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Neste caderno de estudos, assumimos a concepção interacionista, funcional e discursiva da linguagem. Consequentemente, consideramos a leitura como “atividade de produção de sentido” (KOCH; ELIAS, 2007, p.12). Nesse sentido, todo ato de leitura leva em conta a visão de um leitor como sujeito ativo, produtor de sentidos, que compreende e interpreta textos a partir de suas próprias experiências, de seus conhecimentos e das práticas sociais envolvidas em cada evento discursivo. Portanto, estamos considerando a leitura para além da simples decodificação de sinais gráficos, como afirma Antunes (2003, p.67), para quem a leitura é “uma atividade de interação entre sujeitos”. Assim, autor e leitor são tomados como sujeitos da interação, na qual o leitor tem uma participação ativa, recuperando, interpretando e compreendendo o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor. Procure no site do Museu na Língua Portuguesa o texto O que se entende por língua e linguagem, de Ataliba de Castilho, no qualvocê vai encontrar uma visão mais detalhada das relações entre língua e linguagem e suas concepções. Neste site, você encontrará também outros materiais interessantes a respeito da língua. Vale à pena conferir. www.museulinguaportuguesa.org.br Neste caderno de estudos não abordaremos a história social da leitura. No entanto, é interessante que você leia o capítulo A leitura na escola, do livro Leitura em crise na escola: as alternativas do professor, de Regina Zilberman (1982), da editora Mercado Aberto. 16 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) Monte um quadro comparativo entre as três concepções de língua, texto e leitura apresentadas nesta seção: Leitura e Letramento O conceito de leitura está intimamente ligado a outro conceito que será de grande importância no ensino de língua materna em geral e, mais especificamente, no ensino de leitura. Estamos falando do conceito de letramento. Podemos definir letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a leitura e a escrita de acordo com as necessidades sociais do indivíduo. Assim, o sujeito letrado não é só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita. O sujeito letrado é o que exerce práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita dos mais variados tipos/gêneros. Por exemplo, ler um cartaz de cinema, ler/ escrever uma carta, um ofício, preencher um formulário, ler/escrever um artigo acadêmico etc. Estamos considerando aqui que você já conheça a noção de tipos e de gêneros textuais. Se estas noções ainda não estão claras, indicamos a leitura do trabalho de Fiorin (2005) intitulado “Gêneros e tipos textuais”. Note que este conceito se diferencia do de alfabetização, que pode ser definido como o processo que envolve a decodificação e a codificação de sinais linguísticos, bem como a combinação desses sinais formando palavras e frases. A alfabetização envolve habilidades mecânicas, desenvolvidas por meio de técnicas. Assim, quem é capaz de ler e escrever é alfabetizado. Soares (2004) nos mostra, entretanto, que o que distingue esses dois conceitos é o conceito de “práticas sociais”. Enquanto a alfabetização é a Concepção 1 Concepção 2 Concepção 3 Língua Texto Sujeito Leitura Podemos definir letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a leitura e a escrita de acordo com as necessidades sociais do indivíduo. 17 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 aquisição do sistema convencional da escrita, o letramento é o desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e de escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita. Note, portanto, que aqui estamos tratando leitura ligada ao conceito de letramento e, assim, ligada a contextos de escrita. Outro conceito que está intimamente relacionado aos conceitos de alfabetização e letramento e, obviamente, com o tema leitura, é o de analfabeto funcional. Veja um exemplo prático que Perini (1998, p. 79) nos dá sobre o analfabeto funcional: Imaginemos um eletricista que seja incapaz de se informar sobre sua especialidade, a não ser de viva voz; diante de uma situação nova no trabalho, ele só poderá consultar um colega ou uma chefia, colocando-se assim automaticamente em posição de dependência – quando a informação necessária poderia estar facilmente disponível em um texto técnico que passou por suas mãos. Apenas, ele não o poderia compreender se o lesse; e não localizaria sequer a informação dentro do texto, por não ter o convívio suficiente com o mundo da escrita e suas próprias convenções. Perini observa, também, que das pessoas consideradas como analfabetos funcionais, há, inclusive, aquelas que frequentaram vários anos de escolarização, incluindo o ensino médio. Isso evidencia, segundo o autor, que apesar de ter aumentado a taxa de escolarização dos brasileiros, esta escolarização parece não estar contribuindo substancialmente para a solução desta questão, embora a alfabetização funcional seja um dos objetivos da escolarização. Como veremos mais adiante no capítulo 3, o autor procura centrar a sua discussão na aquisição da leitura funcional e na qualidade dos textos de que o aluno dispõe para basear esta aquisição. Veja alguns conceitos, apresentados por Soares (1999, p.47), que vão ajudá-lo a compreender o conteúdo deste capítulo. Alfabetização: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. [Cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita; exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita]. Aqui é importante salientar que quando falamos de letramento estamos falando de graus ou níveis de letramento (e também de alfabetização), uma vez 18 O Ensino da Leitura que justamente este conceito está relacionado com o uso social da língua. Essa ideia de graus ou níveis de letramento pode ser pensada a partir do contínuo escuta>fala>leitura>escritura; ou seja, de um processo contínuo de desenvolvimento da linguagem, pois os diferentes tipos e graus de letramento estão ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social. (SOARES, 1999; FREITAG; GORSKI, 2008). Veja o que diz Soares (1999, p. 58): Termos despertado para o fenômeno de letramento […] significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e escrever, mas é, sobretudo, levar os indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Repare que se consideramos o letramento como algo que apresenta graus ou níveis, isso significa dizer que numa sociedade considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, dificilmente vão existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de letramento. Assim, quanto maior é a nossa competência para ler e, também, escrever os mais diversos textos que circulam na sociedade, maior é o nosso grau de letramento. Se você quiser aprofundar seus conhecimentos sobre letramento e alfabetização e as relações entre dois contextos, sugerimos a leitura de Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares (1999). Figura 2 - Letramento: um tema em três gêneros, Magda Soares (1999) Fonte: Disponível em: <http://www.autenticaeditora.com.br/img/fotos_ livros/letramento_um_tema-z.jpg>. Acesso em: 23 ago. 2009. Termos despertado para o fenômeno de letramento […] significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e escrever, mas é, sobretudo, levar os indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 1999, p. 58). 19 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Reflita sobre a seguinte situação: o letramento de um advogado deve ser o mesmo de um chef de cozinha? Quais são as diferenças e as semelhanças entre eles? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Leitura e Conhecimentos do Leitor Na atividade de construção de sentido de um texto, o leitor utiliza, conforme Koch e Elias (2007), determinadas estratégias sociocognitivas, a partirdas quais realiza o processamento textual. As autoras mostram que podemos considerar tal processamento estratégico porque o leitor, na medida em que lê um texto, realiza simultaneamente várias ações interpretativas a fim de compreender os sentidos postos em um determinado texto. Na mesma direção, Antunes (2003) ressalta que, além do conhecimento das regras gramaticais propriamente ditas no nível mais superficial do texto, a interação verbal requer um conhecimento do real e do mundo, um conhecimento das normas de textualização e um conhecimento das normas sociais de uso da linguagem. Também Koch (2002) afirma que, no processamento textual, recorremos a três sistemas de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. O conhecimento linguístico que o leitor utiliza abrange conhecimentos da gramática e do léxico de sua língua materna para compreender a estrutura mais superficial do texto no que diz respeito a sua organização coesiva e sequencial. Por exemplo, a leitura de qualquer texto exige do leitor o conhecimento das relações lógicas estabelecidas entre as sentenças através de elementos coesivos, tais como as conjunções. Todavia, Koch e Elias (2007) observam que, para uma compreensão mais completa dos sentidos de um texto, é preciso que o leitor recorra também ao seu conhecimento enciclopédico (ou conhecimento do real e do mundo, nas palavras 20 O Ensino da Leitura de Antunes, 2007). Este conhecimento, segundo as autoras, abrange conhecimentos gerais sobre o mundo e também “conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espacio-temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos”. (KOCH ; ELIAS, 2007, p.42). Note que a atividade de leitura conta, portanto, com um conhecimento partilhado entre autor e leitor. Assim, boa parte do que é interpretado está implícito no texto e precisa ser recuperado a partir de outras estratégias que vão além da simples decodificação de itens linguísticos. Veja que Antunes (2007, p. 55) se refere a isso quando afirma que: [...] em todos os nossos textos, é desnecessário dizer absolutamente tudo, pois nossos interlocutores partilham conosco muito do conhecimento adquirido. Ouvir os outros, ler o que eles escreveram são atividades que mobilizam esse saber já partilhado. Kleiman (2002, p.20-1) observa, por sua vez, que o conhecimento de mundo: abrange desde o domínio que um físico tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos como o gato é um mamífero, Angola fica na África, não se deve guardar fruta verde na geladeira, ou na consulta médica geralmente há uma entrevista antes do exame físico. Assim, a parte do nosso conhecimento de mundo que é importante para a compreensão da leitura deve estar ativada. A autora nos oferece um bom exemplo disso, a partir do texto a seguir, e nos convida a lê-lo tantas vezes quantas forem necessárias para entendê-lo, para depois tentarmos recontar o que lembramos: Como gemas para financiá-lo, nosso herói desafiou valentemente todos os desdenhosos que tentaram dissuadi-lo de seu plano. “Os olhos enganam” disse ele, “um ovo e não uma mesa tipificam corretamente este planeta inexplorado”. Então as três irmãs fortes e resolutas saíram à procura de provas, abrindo caminhos, às vezes através de imensidões tranqüilas, mas amiúde através de picos e vales turbulentos. Os dias se tornaram semanas, enquanto os indecisos espalhavam rumores apavorantes a respeito da beira. Finalmente, sem saber de onde, criaturas aladas e bem-vindas apareceram anunciando um sucesso prodigioso. (KLEIMAN, 2002, p. 21) E então? De que trata este texto? Kleiman explica que este texto foi usado em um teste para demonstrar como a ativação do nosso conhecimento prévio, relevante para o contexto, interfere na compreensão da leitura. A maioria das pessoas que leram o texto acima o consideraram vago demais e quando solicitadas a escreverem o que se lembravam dele, estas lembranças eram fragmentadas e distorcidas Boa parte do que é interpretado está implícito no texto e precisa ser recuperado a partir de outras estratégias que vão além da simples decodificação de itens linguísticos. 21 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Por outro lado, se conhecemos o título do texto – A descoberta da América por Colombo - é possível, então, acionar nosso conhecimento prévio sobre este evento histórico e o texto passa a fazer sentido, porque identificamos quem é o herói, que são as três irmãs as caravelas, que o planeta é a Terra, etc. Experimente ler o texto novamente agora que você já conhece o título. Vejamos agora o conhecimento interacional. Koch e Elias (2007) mostram que este tipo de conhecimento se refere às situações de interação verbal e abrange os conhecimentos ilocucional, comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. O conhecimento ilocucional é aquele que permite ao leitor identificar os objetivos, os propósitos pretendidos pelo autor ao escrever seu texto. Um exemplo bem simples disso é quando alguém nos pergunta Você sabe que horas são? Há muitas maneiras de interpretar essa frase, mas o contexto mais comum seria aquele em que a pessoa está pedindo que informemos a ela que horas são no momento da pergunta, e o menos provável é aquele em que ela quer saber se sabemos que horas são. Na interpretação mais habitual da sentença, nosso conhecimento ilocucional nos permite identificar a intenção da pergunta e interpretá-la adequadamente, informando, no mais das vezes, a hora a nosso interlocutor. É pouco provável que respondamos com um simples Sei, a menos que estejamos querendo brincar (ou irritar, talvez) com nosso interlocutor. Já o conhecimento comunicacional, segundo as autoras, está ligado a três fatores: a quantidade de informação necessária para que o leitor consiga recuperar o objetivo da produção textual; a seleção da variante linguística adequada à situação de interação; e a adequação do gênero textual à situação sociocomunicativa. Nas palavras de Antunes (2007, p. 63), significa dizer que “ninguém fala o que quer, do jeito que quer, em qualquer lugar”. Pensando neste tipo de conhecimento em relação à leitura, podemos dizer que quando lemos recorremos ao nosso conhecimento comunicacional para avaliar a adequação/inadequação do texto aos objetivos do autor no que se refere a sua informatividade, à variedade linguística e ao gênero textual utilizado. Já o conhecimento metacomunicativo, segundo Koch e Elias (2007, p.52), “é aquele que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido”. Vários tipos de ações linguísticas podem ser usados para assegurar esse efeito, tais como a introdução de sinais de articulação ou apoios textuais e também pela realização de atividades específicas de formulação ou construção textual para fazer referência ao próprio 22 O Ensino da Leitura discurso. Este conhecimento, segundo Koch (2002, p.48), permite evitar possíveis mal-entendidos ou conflitos ocorridos no processo de comunicação a partir, por exemplo, de realces ou grifos no texto, que asseguram a interpretação desejada. Um exemplo disso é a famosa frase de parachoque de caminhão “Sou casado com a Fátima, mas vivo com a MERCEDES”. Repare que o fato de a palavra Mercedes estar em caixa alta indica ao leitor que há alguma informação a mais na sentença que precisa ser interpretada. No caso, o realce chama a atenção para o fato de que Mercedes neste contexto não é simplesmente o nome de uma mulher, mas a marca do caminhão, o que leva o leitor a entender a intenção do autor, qual seja, mostrar que vive mais na estrada, trabalhando como motorista de caminhão, do que em casa, com suaesposa, a Fátima. Por fim, o conhecimento superestrutural abrange o conhecimento das macrocategorias ou unidades globais que distinguem os vários tipos de textos e também a ordenação e a sequenciação textuais, permitindo ao leitor identificar a adequação de determinado texto às práticas sociais que regulam o comportamento das pessoas nas mais variadas situações de interação verbal. (ANTUNES, 2007). Koch (2002) salienta ainda que, para cada um destes sistemas existe um conhecimento específico que regula, adapta e atualiza o uso de cada sistema de acordo com as necessidades dos interlocutores no momento da interação. Ou seja, na atividade de leitura, por exemplo, este sistema específico coloca os outros sistemas em prática na medida em que o leitor precisa deles a fim de realizar o processamento textual. Isso significa dizer também que o leitor, considerado aqui como um sujeito ativo em interação com o texto e com o autor, ao construir os sentidos de um texto, faz antecipações, formula hipóteses que serão confirmadas ou rejeitadas no decorrer da leitura. Para as rejeitadas, volta a levantar novas hipóteses, testando- as a partir dos conhecimentos arquivados na memória e ativados na interação com o texto. (KOCH; ELIAS, 2007). Tal interação, naturalmente, dependerá dos objetivos da leitura, já que, nas palavras de Koch e Elias (2007, p.19), “são os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou menos tempo; com mais ou menos atenção; com maior interação ou com menor interação”. Isso fica evidente se compararmos, por exemplo, a leitura que fazemos de um outdoor, cuja leitura é “obrigatória”, e a leitura prazerosa de um romance. No capítulo 2 voltaremos a esta questão dos objetivos da leitura. Para fechar esta seção, vejamos o trecho de Kleiman (2002) que resume o conhecimento prévio que o leitor coloca em jogo quando lê: Segundo Koch e Elias (2007, p.19), “são os objetivos do leitor que nortearão o modo de leitura, em mais tempo ou menos tempo; com mais ou menos atenção; com maior interação ou com menor interação”. 23 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo da vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 2002, p. 13). Atividade de Estudos: 1) Sintetize com suas palavras os três sistemas de conhecimento que utilizamos no processamento textual. Você pode ilustrar sua explicação com exemplos. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Leitura, Intertextualidade e Produção de Sentidos Vejamos agora um conceito extremamente importante na atividade de leitura e de construção de sentidos: a intertextualidade, a qual pode ser definida como: elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e que compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (KOCH; ELIAS, 2007, p.86). Embora existam vários tipos de intertextualidade, seguiremos aqui Koch et al. (2007) e trataremos dos quatros tipos básicos de intertextualidade: a temática, a estilística, a implícita e a explícita, bem A intertextualidade pode ser definida como: elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e que compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/ recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (KOCH; ELIAS, 2007, p.86). 24 O Ensino da Leitura como de suas relações com a construção de sentidos na atividade de leitura. A intertextualidade temática pode ser encontrada em textos cujos temas, conceitos e terminologias são partilhados, pois já estão predefinidos no interior de cada área de conhecimento. Como exemplo, podemos citar os textos científicos pertencentes a uma mesma área e conhecimento. Outro exemplo dado por Koch et al. (2007) são os contos de fadas tradicionais ou as lendas folclóricas pertencentes a várias culturas. A interação do leitor com estes textos se torna mais fácil ou não, na medida em que ele compartilha o mesmo conhecimento temático veiculado pelo texto. Isto fica claro, por exemplo, quando lemos um texto acadêmico de uma área da qual temos pouco conhecimento ou, ainda, quando o texto veicula informações muito especializadas de determinadas áreas com as quais não temos muita intimidade. A produção de sentidos a partir da leitura, nestes casos, será prejudicada. A intertextualidade estilística ocorre, segundo Koch et al. (2007, p.19), “quando o produtor do texto, com objetivos variados, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades linguísticas”. Um exemplo disso, apresentado pelas autoras, é o caso de textos que se emolduram na linguagem bíblica, como este a seguir que volta e meia circula na internet: Oração do internauta Satélite nosso que estais no céu, acelerado seja o vosso link, venha a nós o vosso host, seja feita vossa conexão, assim em casa como no trabalho. O download nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai nosso tempo perdido no Chat, assim como nós perdoamos os banners de nossos provedores. Não nos deixeis cair a conexão e livrai-nos do Spam, Amém! (KOCH ; BENTES; CAVALCANTE, 2007, p. 20). Repare que a construção de sentido do texto acima, isto é, o engraçado nele acontece justamente no fato de ele remeter ao Pai Nosso. Assim, a interpretação deste texto como algo jocoso só se dará se o seu leitor conhecer a estrutura retórica de uma oração. A intertextualidade implícita vai apelar, portanto, para a memória social acerca dos diferentes tipos e gêneros textuais. Já a intertextualidade explícita acontece quando há menção, no próprio texto, da fonte do intertexto. Por exemplo, como foi feito no primeiro parágrafo desta seção, quando citamos um trecho do texto de Koch e Elias (2007). É, ainda, o caso de generalizações do tipo “segundo os povos antigos”, ou quando reportamos o que está sendo dito como tendo sido dito pelo outro (que não nós), como em citações, referências, resumos, resenhas, traduções etc. (KOCH, 2007; KOCH; ELIAS, 2007). 25 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Por outro lado, a intertextualidade implícita é aquela em que o leitor precisa recuperar o intertexto na memória a fim de construir os sentidos do texto, já que não há nenhuma menção explícita da fonte. Como exemplo deste tipo de intertextualidade, temos as alusões a textos de outros autores ou até do coletivo, como, por exemplo, a paródia, alguns tipos de paráfrase e as ironias. Neste tipo de intertextualidade também é tarefa do leitor identificar os objetivos de o autor ter inserido determinadointertexto em seu discurso. Se o leitor não consegue perceber os objetivos ou, ainda, recuperar o intertexto na memória, inevitavelmente a construção de sentido do texto ficará prejudicada. Um bom exemplo disso são os filmes Shrek, Shrek 2 e Shrek Terceiro, nos quais há o tempo inteiro o uso da intertextualidade com outros filmes, outras histórias, outros personagens, como o gato de botas, os três porquinhos, as princesas dos contos de fadas, as fadas-madrinhas, etc. Inclusive, há nestes filmes intertextualidade com a estrutura própria dos contos de fadas, em que há uma princesa em perigo que deve ser salva por um príncipe, com o qual se casará e viverá feliz para sempre no final da história: Atividade de Estudos: 1) Assista a um dos filmes do Shrek e faça uma lista dos filmes e das histórias que são referenciados via intertextualidade implícita e explícita. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ No capítulo 4 deste caderno de estudos, retomaremos o conceito de intertextualidade porque, como mostram Kleiman e Moraes (1999), ele é peça- 26 O Ensino da Leitura chave para compreendermos por que e como a leitura rompe com a fragmentação disciplinar criada, de um modo geral, pela escola. Neste capítulo, vimos que a produção de sentido de um texto depende em grande medida de se perceber/reconhecer a presença de outros textos (os intertextos) nos textos e, mais que isso, perceber que o uso de intertextos provoca uma nova construção de sentidos nos textos. Para uma visão mais detalhada sobre intertextualidade, leia Intextextualidade: diálogos possíveis, de Koch, Bentes e Cavalcante (2007). Atividade de Estudos: 1) Volte à primeira atividade de estudo deste capítulo e veja o que você respondeu lá sobre suas práticas pedagógicas ligadas à leitura. Agora que nós já estudamos as concepções de língua, texto e leitura, reflita sobre as concepções, implícitas ou não, que estavam envolvidas nestas práticas. Você mudaria algo nelas? O quê? Por quê? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 27 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1 Leitura, Texto e Contexto A leitura, como vimos até aqui a partir dos estudos de Koch e Elias (2007) et al., e partindo de uma concepção interacionista da linguagem, caracteriza- se como uma atividade complexa de produção de sentidos que envolve tanto elementos linguísticos da superfície do texto e de sua organização, como também conhecimentos prévios do leitor. Vimos também que os sentidos de um texto são construídos na interação leitor-autor-texto, o que torna o contexto essencial para a produção de sentidos, uma vez que, para tanto, o leitor recorre a aspectos contextuais como conhecimento de língua, de mundo, de situação sociocomunicativa, etc. Para entender melhor a dimensão do contexto na produção de sentido de um texto, podemos pensar na metáfora do iceberg, segundo a qual as informações explícitas de um texto são a ponta do iceberg, que está aparente na água. Já toda a parte submersa seriam os implícitos do texto, os quais fundamentam a interpretação deste. Uma vez que tanto a parte de superfície como a parte submersa contribuem para a interpretação e a produção de sentidos do texto, o iceberg como um todo representa o contexto. (KOCH; ELIAS, 2007). Figura 3 – Iceberg Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/J2xj2j>. Acesso em: 23 ago. 2009. Assim, segundo Koch e Elias (2007, p. 64), o contexto é “um conjunto de suposições, baseadas nos saberes dos interlocutores, mobilizadas para a interpretação de um texto”. Isso significa dizer que para que a construção de sentidos de um texto aconteça, é necessário que os contextos sociocognitivos de autor-leitor sejam pelo menos parecidos. Ou seja, os conhecimentos prévios que vimos anteriormente, como o enciclopédico, o textual, o conhecimento de mundo de ambos precisam ser, pelo menos em parte, compartilhados, para que possa haver a compreensão do texto. 28 O Ensino da Leitura Koch e Elias (2007) ressaltam, ainda, que a importância do contexto é tal para a interpretação de um texto que é a partir dele que podemos, por exemplo, desambiguizar sentenças, preencher lacunas no texto, ou ainda dar a uma mesma expressão linguística significados diferentes a partir de fatores contextuais, já que o contexto acaba por justificar o que é dito. Além disso, a noção de intertextualidade, que vimos anteriormente, é um dos conhecimentos, como salientam as autoras, que constituem o contexto. Algumas Considerações Vimos neste capítulo que a leitura é uma atividade ligada a práticas sociais e que pressupõe diversos tipos de conhecimento que vão desde o conhecimento mais básico dos sinais gráficos até um conhecimento mais amplo sobre gêneros textuais e usos interativos da linguagem. Percebemos, também, que para o leitor realizar a produção de sentidos de um texto, é necessário que ele coloque em ação seus conhecimentos referentes às informações explícitas do texto, bem como seus conhecimentos referentes às informações implícitas. Retomando a metáfora do iceberg, as primeiras estão representadas pela parte visível deste e as últimas pela parte submersa. O iceberg como todo representará o contexto a partir do qual o leitor, como um sujeito ativo, realiza a produção de sentidos do texto. No próximo capítulo, retomaremos as discussões feitas aqui, levando em conta o papel da escola no desenvolvimento das habilidades linguísticas de leitura. Para fechar este capítulo, vejamos o que nos diz Soares (1999, p. 48) sobre a leitura: Ler é um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete,ou um história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal...Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto deste continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura? 29 Concepções de Leitura, Texto e Ensino Capítulo 1Referências ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. ______. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se complementam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1981. FREITAG, Raquel; GÖRSKY, Edair. Ensino de língua materna. Florianópolis: UFSC, 2008. FIORIN, José Luiz. Gêneros e tipos textuais. In: MARI, Hugo; WALTY, Ivete; VERSIANI, Zélia. (Org.). Ensaios sobre leitura. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2005. p.101-117. KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8.ed. Campinas, SP: Pontes, 2002. KLEIMAN, Ângela; MORAES, Silvia. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça et al. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. KOCH, Ingedore; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Monica. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007. KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura de mundo. São Paulo: Ática, 2000. PERINI, Mário. A leitura funcional e a dupla função do texto didático. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, Ezequiel T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 4. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 78-99. 30 O Ensino da Leitura SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2004. _____. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. _____. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 5. ed. São Paulo: Ática, 1988. ZILBERMAN, Regina. A Leitura na Escola. In: _____. Gunderlines (Org.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado aberto, 1982. CAPÍTULO 2 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Reconhecer a importância das práticas sociais de leitura como condição para o ensino da língua materna. � Discutir o papel da escola no desenvolvimento das habilidades linguísticas de leitura. � Desenvolver atividades didático-pedagógicas voltadas para o ensino da leitura. 32 O Ensino da Leitura 33 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo, vamos retomar a concepção de leitura que adotamos no capítulo 1, baseada na concepção interativa da linguagem e mostrar quais as implicações de assumi-la para o ensino da leitura. Além disso, vamos entender um pouco como acontece o aprendizado da leitura pela criança para, então, discutirmos que habilidades de leitura queremos desenvolver nos nossos alunos. O primeiro passo para isso é começarmos a pensar sobre qual a importância da leitura nas nossas aulas. Em um primeiro momento a resposta parece simples, não é mesmo? A leitura é o começo de todo aprendizado, é a partir dela que nossos alunos têm acesso aos conteúdos das aulas, das disciplinas. Mas, repare, pensando desta maneira, não estaremos utilizando a leitura apenas como um meio para alcançar outros objetivos de ensino-aprendizagem? Não estaremos dando à leitura um papel secundário nas nossas aulas? Não estaremos “marginalizando” um dos pontos fundamentais da educação dos nossos alunos, tirando da leitura sua característica de prática social? Vejamos o que alguns autores têm a nos dizer a esse respeito. Antes de entrarmos nas próximas páginas, convidamos você para refletir sobre o ensino da leitura numa concepção interativa da linguagem, a partir do trecho abaixo, de Lajolo (1982, p. 52): O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida o igualmente solitário ato da escritura. No entanto, sua presença na escola cumpre funções várias e nem sempre confessáveis, frequentemente discutíveis, só às vezes interessantes. 34 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) Agora que você já leu o trecho acima e já observou o quadro do leitor solitário, com o horizonte a sua frente, procure refletir sobre quais seriam os objetivos de ensino da leitura na escola a partir de uma concepção interativa de linguagem. Escreva aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Concepção de Leitura e a Prática do Indivíduo como Professor e Leitor Um ponto importante para o ensino da leitura, já levantado por vários autores, é a própria prática de leitura dos professores envolvidos com o ensino da leitura. Ou seja, como estes professores veem a leitura e que tipo de relação estabelecem com ela. A este respeito, vejamos o que Silva (1998, p. 22) observa: 35 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Sem professores que leiam, que gostem de livros, que sintam prazer na leitura, muito dificilmente modificaremos a paisagem atual da leitura escolar. Mesmo com o preenchimento de todos os quesitos e ideias para a efetivação da leitura na escola, sem a presença devidamente instrumentalizados na comunicação escrita, não existe a mínima possibilidade de transformação e avanço. Silva (1998) procura mostrar que para formar leitores é preciso em primeiro lugar que o professor seja leitor, goste de ler e passe para seus alunos o encantamento e a beleza de se ler um bom livro e, mais que isso, mostre a seus alunos a importância que a leitura, nas suas mais variadas funções, tem na vida cotidiana. Ainda sobre esta questão, Anne-Marie Chartier (2005), por exemplo, em uma pesquisa com futuros professores, realizada no Instituto Universitário de Formação de Mestres, na França, mostra que quando estes tratam da pedagogia da leitura, demonstram a necessidade de expor os alunos a gêneros textuais diversos, sem hierarquizá-los. Contudo, quando interrogados sobre suas práticas de leitura, estes mesmos futuros professores parecem selecionar na memória as “verdadeiras leituras”, daquelas consideradas em um primeiro momento como menos importantes, como evidencia o relato que segue: “Evidentemente, também li romances policiais e histórias em quadrinhos, mas isso não conta”. (CHARTIER,2005, p. 90). O que isto ilustra? Que nós professores, às vezes, ainda trazemos arraigados alguns resquícios das concepções de língua e de leitura a que fomos expostos quando estudantes ainda, em que a atividade de leitura estava intimamente associada à leitura dos clássicos, voltada para a instrução cultural e que pouco tinha a ver com as práticas de leitura vividas pelos leitores no cotidiano. Vários autores mostram que esses ecos do passado influenciam nossas práticas pedagógicas em relação à leitura sem muitas vezes nos darmos conta disso. Ademais, como observa Lajolo (1982), o professor não pode esquecer que para além de sua condição docente, ele continua a ser leitor e um leitor privilegiado, já que sua leitura é, em princípio, mais abrangente que a leitura imatura de seus alunos. Neste sentido, a leitura do professor deve ser aquela em que a cada nova leitura há um deslocamento e uma alteração de significados, no sentido de que, como vimos até agora, a cada nova leitura se estabelece uma nova interação entre leitor-autor-texto. Ou seja, “se a relação do professor com o texto não tiver significado, se ele não for um bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor”. (LAJOLO, 1982, p. 53). É preciso em primeiro lugar que o professor seja leitor, goste de ler e passe para seus alunos o encantamento e a beleza de se ler um bom livro. (SILVA, 1998). 36 O Ensino da Leitura Lembre-se de que vimos no capítulo 1 que Antunes (2003) nos chama a atenção para o fato de que toda atividade pedagógica de ensino do português apresenta de forma subjacente, implícita ou explicitamente, uma determinada concepção de língua. Veja o que nos diz esta autora: Nada do que se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são percebidos e tudo, consequentemente, se decide. Desde a definição dos conteúdos, passando pela definição dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem. (ANTUNES, 2003, p.39). Isso não é diferente com a leitura. Qualquer prática em sala de aula envolvendo a leitura tem, por trás, um posicionamento em relação à linguagem, mesmo que de modo implícito. Antunes (2003) também observa que, algumas vezes, percebe certa desconfiança da parte dos professores no que se refere a fornecer-lhes mais embasamentos teóricos que possam fundamentar melhor suas práticas. Segundo a autora, afirmativas vindas dos professores do tipo “queremos mais prática” podem significar um descontentamento com as explicações teóricas que lhes são oferecidas em cursos de formação para professores, o que pode se justificar se o que lhe foi oferecido do ponto de vista teórico não contribui significativamente para sua prática pedagógica. Por outro lado, esta desconfiança pode ser traduzida também como uma incompreensão do que seja teoria e prática e da interdependência que existe entre ambas, ou ainda como uma acomodação por parte dos professores, que esperam receber passivamente “fórmulas prontas“ para sua prática pedagógica, de forma que os dispense de “estudar , de pesquisar, de avaliar, de criar, de inventar e reinventar sua prática, o que naturalmente supõe fundamentação teórica, ampla, consistente e relevante.” (ANTUNES, 2003, p.40). Embora reconhecendo os esforços feitos para melhorar a qualidade de ensino nas escolas, Antunes (2003, p.27-28) nos oferece um panorama de como geralmente acontece a atividade pedagógica de ensino da leitura. Pensemos agora nas nossas próprias práticas pedagógicas de ensino de leitura a partir dos pontos negativos listados pela autora a seguir, que se referem ao ensino de leitura de textos não-literários: • uma atividade de leitura centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir, contudo, a aquisição de tais habilidades para a 37 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 dimensão da interação verbal; • uma atividade de leitura sem interesse, sem função, pois aparece inteiramente desvinculada dos usos sociais que se faz da leitura atualmente; • uma atividade de leitura puramente escolar, sem gosto, sem prazer, convertida em momento de treino, de avaliação ou em oportunidade para futuras “cobranças”; leitura que é, assim, reduzida a momentos de exercício, sejam aqueles da “leitura em voz alta” realizados, quase sempre, com interesses avaliativos, sejam aqueles que têm de culminar com a elaboração das conhecidas “fichas de leitura”; • uma atividade de leitura cuja interpretação se limita a recuperar os elementos literais e explícitos presentes na superfície do texto. Quase sempre esses elementos privilegiam aspectos apenas pontuais do texto (alguma informação localizada em um ponto qualquer), deixando de lado os elementos de fato relevantes para a compreensão global (como seriam todos aqueles relevantes à ideia central, ao argumento principal defendido, à finalidade global do texto, ao reconhecimento do conflito que provocou o enredo da narrativa, entre outros); • uma atividade incapaz de suscitar no aluno a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (muitas vezes, o que se lê na escola não coincide com o que se precisa ler fora dela); • enfim, uma escola “sem tempo para a leitura”. Fiorin (2007), ao discutir as práticas atuais da escola em relação ao ensino de língua materna nos níveis fundamental e médio, também aponta para problemas semelhantes a estes tratados por Antunes (2003) no que se refere à leitura. O autor observa que “o ensino de língua deve sempre ter em vista que as formas da língua existem para produzir sentido”. (FIORIN, 2007, p. 96). Contudo, o principal problema é que a escola ainda insiste no ensino de leitura sem uma boa fundamentação em teorias do discurso e do texto. Segundo o autor, “[...] o ensino do texto precisa fundamentar-se no estudo cuidadoso de mecanismos intra e interdiscursivos de produção de significados. Sem isso, ensina-se a ler um texto determinado, não a ler qualquer tipo de texto” (FIORIN, 2007, p.105). “[...] o ensino do texto precisa fundamentar- se no estudo cuidadoso de mecanismos intra e interdiscursivos de produção de significados. Sem isso, ensina-se a ler um texto determinado, não a ler qualquer tipo de texto” (FIORIN, 2007, p.105). 38 O Ensino da Leitura Atividade de Estudos: 1) E então? Você reconheceu alguma das práticas listadas por Antunes (2003) em algum momento de sua prática pedagógica de ensino da leitura? Veja que se assumimos uma concepção interativa da linguagem isso terá consequências para a nossa prática pedagógica. Que consequências seriam? Escreva aqui suas reflexões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________Reforçando o que estudamos no capítulo 1, Antunes (2003) salienta que a atividade da leitura complementa a atividade da produção escrita. Portanto, é uma atividade de interação entre autor-leitor-texto, que vai além da simples decodificação dos sinais gráficos. “O leitor, como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando recuperar, interpretar e compreender o conteúdo e as intenções pretendidas pelo autor” (ANTUNES, 2003, p. 67), a partir de seus conhecimentos prévios à leitura. É importante salientar, neste ponto, que embora estejamos tratando do ensino da leitura em separado, apartado das demais habilidades linguísticas, a atividade de leitura está vinculada a estas por fazer parte do contínuo escuta>fala>leitura>escritura, conforme estudamos no capítulo 1 deste caderno de estudos. Isso significa dizer que apesar de estarmos construindo um olhar particular para o ensino da leitura, esta deve ser vista e pensada a partir da 39 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 interrelação e da interdependência que se estabelece entre as quatro habilidades do contínuo no ensino de língua materna. Assim, em termos gerais, a leitura, segundo Antunes (2003), desdobra-se em três pontos principais. Em primeiro lugar, a autora mostra que a atividade de leitura auxilia na ampliação dos repertórios de informação do leitor e que, por isso mesmo, a leitura escolar de textos de outras disciplinas são essenciais para que o aluno conheça novas palavras ou usos especializados de expressões já conhecidas, ou ainda para que incorpore novas ideias e novos conceitos. Com isso, o que Antunes(2003) quer nos mostrar é que se estamos pensando nas práticas pedagógicas de leitura a partir de uma concepção interacionista da linguagem, isso significa vincular o ensino da leitura a práticas sociais de leitura, incluindo aquelas próprias do ambiente escolar, como, por exemplo, o desenvolvimento das habilidades de leitura dos textos das outras disciplinas da grade curricular. Ou seja, o desenvolvimento das habilidades de leitura para a aquisição de novos conhecimentos institucionalizados, próprios do meio escolar. Em segundo lugar, a leitura possibilita a experiência do gosto pela leitura. Ou seja, ler por gostar de ler, sem que haja cobranças, apenas pela “experiência gratuita do prazer estético”. (ANTUNES, 2003, p. 71). Na mesma direção, Fiorin (2007) observa que os alunos devem ter contato com textos diferentes, tais como: textos jornalísticos, filosóficos, científicos etc., mas o contato com o texto literário é que dará ao aluno a dimensão das diferentes possibilidades de que a linguagem humana é capaz. Por fim, a atividade de leitura permite apreender o vocabulário específico de certos gêneros textuais e/ou áreas específicas, bem como os padrões gramaticais peculiares à escrita (morfologia, sintaxe, organização, forma de apresentação dos textos etc). Levando em conta estes três pontos, Antunes (2003) conclui que a atividade de leitura amplia a nossa competência discursiva da língua. A partir da concepção de leitura que assumimos aqui, e de acordo com Antunes (2003) e com os demais autores que estamos estudando, podemos dizer que a construção de sentidos de um texto não está apenas no texto e no leitor, mas sim em todo o material linguístico que o constitui e em todo o conhecimento anterior que o leitor já tem do objeto de que trata o texto. Desta forma, Antunes (2003) aponta uma série de implicações pedagógicas decorrentes desta tomada de decisão em relação à leitura e à língua e que o professor poderá fazer uso em suas aulas, desde que assuma tais princípios expostos acima. Vejamos quais são estas implicações pedagógicas: 40 O Ensino da Leitura • leitura de textos autênticos: que tenham uma função comunicativa, e que tenham como objetivo a interação, além de apresentarem um suporte social como: jornal, revista etc. Mesmo na fase da alfabetização, a autora recomenda o uso de textos reais e de boa qualidade, mesmo que sejam curtos. • leitura interativa: que sirva como um lugar de encontro entre quem escreveu e quem lê, a fim de que haja a produção de sentidos; • leitura em duas vias: que sirva para que os alunos percebam a dependência mútua entre a atividade de escrever e a atividade de ler e compreender; • leitura motivada: que sirva para mostrar aos alunos as vantagens de saber ler e de poder ler, explicando os objetivos da atividade, por que ele deve ler o texto e, assim, despertar o aluno a fazê-lo bem; • leitura do todo: levar o aluno a identificar a ideia, o tema central do texto, a finalidade, a informação principal e secundária, dando ênfase à interpretação global do texto; • leitura crítica: fazer o aluno interpretar as ideias do texto, mostrando que por trás das palavras e das afirmações existe uma ideia; isso permite que o aluno perceba que nenhum texto é neutro, já que veicula e reforça ideias já sedimentadas; • leitura de reconstrução do texto: depois de entender o texto, desmontar e descobrir os elementos que o compõem tanto no plano das ideias como no plano estrutural; • leitura diversificada: que sirvam para o aluno perceber as diferenças de linguagem e de apresentação e o suporte onde os textos circulam em leituras variadas, de gêneros diferentes e com objetivos diferentes; • leitura também por “pura curtição”: estimular com muita frequência a leitura gratuita sem cobrança, leitura pelo gosto de ler textos que despertem esse gosto; • leitura apoiada no texto: mostrar ao aluno que devemos prestar atenção às pistas que as palavras do texto nos dão, bem como aos seus efeitos de sentido, já que a interpretação de um texto deve estar apoiada nestas pistas; • leitura não só das palavras expressas no texto: mostrar ao aluno que cada leitor em sua leitura vai interpretando enquanto lê e construindo sentidos que estão em níveis que transcendem o material linguístico expresso no texto; ou Podemos dizer que a construção de sentidos de um texto não está apenas no texto e no leitor, mas sim em todo o material linguístico que o constitui e em todo o conhecimento anterior que o leitor já tem do objeto de que trata o texto. 41 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 seja, o aluno precisa ativar outros conhecimentos prévios à leitura; • leitura nunca desvinculada do sentido: quando houver leitura em voz alta, recomendar as pausas adequadas, boa pronúncia, observando a pontuação, como recurso para que os alunos compreendam melhor o texto, e não como um fim em si mesmo. Para fechar esta seção, vejamos o trecho abaixo, de Beisiegel (1988, p. 21), sobre o papel da escola na formação de seus alunos: A população conseguiu escola, isto é fundamental. E ela precisa continuar lutando para que esta escola deixe de ser de mentira e se transforme em alguma coisa que corresponda a seus interesses. Uma escola que corresponde aos interesses populares não será, nunca, uma escola que se limite a ensinar leitura, cálculo e outras noções elementares. Deverá ser, também, uma escola que discuta, ao mesmo tempo, o próprio conhecimento que está sendo transmitido, explicite os conceitos, os conteúdos ideológicos que estão sendo transmitidos. Os chamados “conteudistas” são objetivamente conservadores nas suas colocações. Leitura: Ensinar o quê? Antes de falarmos das habilidades de leitura que queremos que nossos alunos desenvolvam, é importante nos perguntarmos o que exatamente quer dizer ensinar leitura. Comecemos, então, com um trecho de Kleiman (1989, p. 51) que nos faz parar para pensar sobre o nosso papel como professores de leitura: É desmotivadoraa ideia de que a grande maioria de nossos alunos, que não chegará à Universidade, estaria condenada a sair da escola sem ter desenvolvido as habilidades necessárias para compreender um texto de modo a expressar o mais importante dele num resumo ou a perceber a atitude do autor. Se se crê que essas habilidades são adquiridas tão tardiamente no processo escolar, essa crença é apenas um passo para o abandono do exercício das estratégias que desenvolveriam essas capacidades e habilidades. Kleiman (1989), ao falar sobre ensino de leitura, nos coloca duas questões importantes: Como podemos falar de ensino de leitura? Ensinar a fazer o quê? Como observa a autora, sabemos que o processo de compreensão de um texto é algo subjetivo. A experiência que cada leitor carrega determinará uma leitura em um dado momento e uma leitura diferente em outros momentos diferentes do mesmo leitor. Assim, como podemos pensar em unificar e homogeneizar aquilo que naturalmente é heterogêneo, que depende da experiência e do momento de leitura de cada leitor em particular? 42 O Ensino da Leitura Diante disso, o argumento de Kleiman é de que se pretendemos ensinar a leitura como compreensão, está fora de questão unificar e impor uma leitura única. Ao contrário. Ensinar a ler é, para Kleiman (1989): • criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto; • mostrar que quanto mais o leitor consegue prever o conteúdo do texto, melhor será sua compreensão; • ensinar o leitor a perceber quando tem problemas com a compreensão do texto através de auto-avaliação; • ensinar o uso de diferentes tipos de conhecimento – linguístico, discursivo, enciclopédico, a fim de resolver falhas momentâneas no processo de compreensão; • ensinar que o texto é um todo significativo e que as partes que o constituem só têm sentido na medida em que contribuem para o significado global do texto. A partir disso, ensinar a ler implica muito mais que ensinar apenas um conjunto de estratégias de leitura, ensinar a ler implica “criar uma atitude que faz da leitura a procura da coerência” (KLEIMAN, 1989, p. 152). Mas como criar essa atitude? Em primeiro lugar, como observa a autora, é preciso sensibilizar o aluno para os elementos linguísticos que sustentam o quadro referencial proposto pelo autor do texto, hierarquizando ou salientando informações, dando coesão e coerência, sustentando a progressão temática do texto etc. Nesta mesma direção, Koch e Elias (2007) mostram que muitos dos mecanismos textuais, tais como a referenciação, a coesão, a coerência e a sequenciação textuais são atividades discursivas, uma vez que representam escolhas feitas pelo leitor a partir do material linguístico disponível no momento da interação verbal. Sensibilizar o aluno para isso faz parte do que chamamos ensino de leitura. Isso significa, portanto, que ensinar leitura abrange também ensinar o aluno a perceber os mecanismos de coesão, de coerência, de referenciação etc., dos textos e de que forma tais mecanismos contribuem para a produção de sentido. Um exemplo disso, apresentado em Koch e Elias (2007), é o uso dos hiperônimos com funções anafóricas, os quais podem retomar termos pouco usuais, ativando, assim, o conhecimento prévio do interlocutor: Ensinar a ler implica “criar uma atitude que faz da leitura a procura da coerência” (KLEIMAN, 1989, p. 152). 43 O Papel da Escola no Aprimoramento das Habilidades de Leitura Capítulo 2 Mais do que expressão de criatividade, os brasileirismos são um hábito nacional que se manteve muito depois que as palavras em tupi e guarani fossem incorporadas ao português depois de Cabral. Alguns desses neologismos surgiram da intuição popular, outros por puro impulso nacionalista de uma elite para lá de bacharelesca. Hoje muitas palavras usuais nem parecem ter certidão de nascimento nacional. Mas são brasileiras da gema! (Fonte: Revista Língua Portuguesa, ano 1, n.2, p.62. In: KOCH; ELIAS, 2007, p. 142). Repare que, a partir do exemplo acima, é possível trabalhar com o conceito de hiperônimo de maneira contextualizada e mostrando que o uso do hiperônimo neologismo é utilizado como um suporte anafórico para a construção de sentidos do texto, no sentido de ele retomar a expressão brasileirismo. Kleiman (1989, p. 152), por sua vez, observa que também é preciso “criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente com o autor via o texto”. Isso significa, conforme a autora, que a leitura em voz alta, por exemplo, é uma estratégia interessante para avaliar e desenvolver certas habilidades, tais como descobrir se o aluno reconhece regras ortográficas. Entretanto, não é o tipo de atividade que auxilia nas habilidades de compreensão do texto, uma vez que o aluno não pode utilizar, durante a leitura em voz alta, estratégias de voltar a sequências do texto que não ficaram claras na primeira leitura. Portanto, se o objetivo da leitura é desenvolver a habilidade de compreensão do texto, o mais adequado, segundo Kleiman (1989), seria a leitura silenciosa, na qual o leitor tem, no seu próprio ritmo, as condições necessárias para poder voltar e avançar na leitura, a fim de compreender os sentidos do texto. Kleiman (1989) mostra, inclusive, que o uso excessivo da leitura em voz alta pode ser um fator inibidor do desenvolvimento do bom leitor. Isto porque o aluno estará mais preocupado com a decodificação da escrita e com a correta pronúncia das palavras, além da pressão de estar naquele momento sob a mira da avaliação do professor e dos colegas. Desse modo, as condições para que o leitor se envolva na busca dos significados do texto a partir de estratégias de regressão e releitura que forem necessárias ficarão prejudicadas. E isso ainda se agravará mais no caso do nível fundamental, em que as crianças não apresentam desenvoltura total na leitura. Outra prática comum que, segundo Kleiman (1989), também inibe o desenvolvimento das habilidades de compreensão na leitura é a leitura sem orientação. Como exemplo, a autora cita a prática em que o professor pede que a turma abra o livro na página tal e leia, sem uma preparação prévia que faça uma Também é preciso “criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente com o autor via o texto”. 44 O Ensino da Leitura ponte entre os conhecimentos prévios dos alunos e as informações contidas no texto a ser lido, a fim de facilitar a compreensão dele. O que se poderia fazer neste caso? Kleiman (1989) afirma que o primeiro passo é ter claros os objetivos da leitura para que o aluno possa adaptar suas estratégias de leitura e de abordagem ao texto a ser lido e aos objetivos da leitura em questão. A este respeito, Antunes (2003) observa que qualquer processo pedagógico impõe o cuidado em se prever e se avaliar a todo momento as concepções, os objetivos, os procedimentos e os resultados que temos alcançado, a fim de que possamos efetivamente ampliar as competências comunicativas e interacionais dos alunos. Ler textos sem objetivos claros de leitura é o tipo de prática pedagógica que pode ser evitada a partir de uma concepção de leitura interacionista, pois, neste caso, é importante que o aluno saiba porque está lendo determinado texto e qual o papel social deste. Assim, a leitura e o texto deixam de ser pretextos para outras atividades escolares e se tornam práticas sociais consistentes com objetivos claros para o aluno. Repare que as discussões a que estamos nos referindo aqui em relação ao ensino de leitura estão contempladas nos PCN de língua portuguesa, como podemos observar na citação abaixo: O trabalho com leitura deve ser diário. Há inúmeras possibilidades
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