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6 Unidade: Introdução à Linguística Textual Contextualização Coordenar a rotina da sala de aula não é tarefa fácil e muito menos simples. No entanto, a nova abordagem, introduzida pela Linguística Textual, vem ajudar os professores a otimizarem seus trabalhos no dia a dia. A partir do momento que se abarca o texto como um “evento comunicativo” que apreende o mundo nas suas mais variadas possibilidades de manifestação entra em cena uma noção dialógica desse objeto, transformando-o em objeto de comunicação e de construção de saberes. Assim sendo, utilizar os textos, nas suas mais diversas possibilidades de realização, tornará, com certeza, as aulas mais dinâmicas e interessantes, tanto para os alunos como para os próprios professores. Por tudo isso, o campo da LT ganha a cada dia maior importância e mais visibilidade no ambiente acadêmico e escolar, pois trata-se de uma disciplina que fornece elementos de aplicação e uso direto pelos educadores que estão no labor da sua profissão. O estudo da Linguística Textual também fornece elementos para aqueles que querem entender melhor o mundo textual e produzir com mais propriedade seus textos. 7 Introdução A disciplina de Linguística Textual delimita como seu corpus de estudo “O texto”. Alguns, então, perguntarão: Para pensar • O texto não é um objeto que sempre existiu? • Qual a novidade em estudá-lo? • De qual tipo de estudo estaremos tratando se nos livros sempre trabalhamos com textos? Falaremos a respeito dessas e de muitas outras questões que giram em torno desse objeto. Ora, aparentemente, tão conhecido, mas que na realidade envolve diversos mistérios. Antes de qualquer coisa, apresentamos abaixo alguns objetos para que você, reflita se eles são ou não textos. APAGUE A LUZ AO SAIR A V I S O Fonte: Thinkstock / Getty Images Dos elementos acima, quais você definiria como texto e Por quê? Antes de respondermos a essas perguntas, vamos conversar um pouco sobre a linguística textual, seu desenvolvimento e seu objeto de estudo, o texto. A década de 1960 apresenta uma inquietação a respeito da noção de texto que culminará na criação da disciplina Linguística Textual (LT). Ela, a LT, surge primeiro na Alemanha e entre nós, aqui no Brasil, os primeiros estudos começam a ganhar visibilidade e maiores discussões em meados da década de 1970 e na década de 1980 propriamente dita. Alguns nomes expressivos nessa área são Ingedore Villaça Koch, Luiz Antônio Marcuschi, Anna Christina Bentes, Leonor Lopes Fávero, entre 8 Unidade: Introdução à Linguística Textual outros que serão por diversas vezes citados ao longo de nossa disciplina, porque são estudiosos que contribuíram com diversos trabalhos acadêmicos sobre a Linguística Textual. A Linguística Textual surge em contraposição aos estudos da Linguística Estrutural, como bem nos ensina a Prof.ª Anna Christina Bentes: Sem dúvida, o surgimento dos estudos sobre o texto faz parte de um amplo esforço teórico, com perspectivas e métodos diferenciados, de constituição de outro campo teórico (em oposição ao campo construído pela Linguística Estrutural), que procura ir além dos limites da frase, que procura reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a situação da comunicação, excluídos das pesquisas sobre a linguagem pelos postulados dessa mesma Linguística Estrutural – que compreendia a língua como sistema e como código, com função puramente informativa. (Bentes, 2000. p. 259) Ou seja, surge aqui uma proposta de trabalho que não mais está relacionada à análise de frases isoladas, pois os estudiosos perceberam que ocorriam fenômenos linguísticos que a análise sintática não dava conta de explicar. E, foi na perspectiva de solução de uma série de questionamentos que uma nova área de conhecimento começou a ganhar seu escopo. A Linguística Textual, até transformar-se no que é hoje, galgou um caminho que pode ser estruturado em três momentos, apesar de não ser consensual entre os estudiosos dessa área a ideia de passagem gradual de um momento para o outro. No entanto, essa perspectiva nos servirá como balizador do desenvolvimento da LT ao longo do tempo. 1º Momento 2º Momento 3º Momento Análise Transfrástica Gramáticas textuais Teoria do Texto Percorreremos, brevemente, cada um desses momentos para entendermos, principalmente, nosso momento atual, como chegamos a LT e suas vantagens na abordagem do texto. O primeiro momento, conhecido como da análise transfrástica observa e tenta explicar os fenômenos que acontecem no interior das frases e suas ligações na formação de períodos dando que por fim, formam o texto. Nesse momento, os estudos caminham em uma direção que vai da frase para o texto, para tentar explicar ocorrências que não eram satisfatoriamente equacionadas por teorias sintáticas ou semânticas e que estavam notoriamente presentes nos enunciados como, por exemplo, a construção de significados por meio de elementos de coesão referencial (aqueles elementos que remetem a outros dentro do texto) ou até mesmo pela ausência desses elementos. Trataremos dos elementos de conexão textual na unidade relativa a coesão. Aqui, queremos que você perceba apenas que ouve uma mudança na tratativa da língua e para isso podemos destacar dois conceitos de texto presente nesta fase: ...neste primeiro momento de constituição da Linguística Textual, um dos principais conceitos de texto era o de Harweg (1968), afirmando que um texto era “uma sequência pronominal ininterrupta” e que uma de suas principais características era o fenômeno do múltiplo referenciamento. Outro conceito de texto importante era o de Isenberg (1970): um texto era definido como uma sequência coerente de enunciados. (Bentes, 2000. p.261) 9 Esses dois conceitos demonstram que a definição de texto está estritamente correlacionada a ideia de encadeamento dos enunciados e seus significados por meio da presença ou ausência de conectores textuais na cadeia sintagmática. Contudo, percebia-se que era necessário considerar outros pontos interessantes: Por exemplo, o falante-leitor no momento de compreender o texto ativa conhecimentos prévios sobre as relações significativas dos enunciados, independente se existe ou não conectivos textuais grafados no sintagma; isso fez os teóricos perceberem relações que transpassavam a noção de texto como um encadeamento dos significados de suas frases e, na tentativa de depreender novas relações textuais, surge o segundo momento, denominado como das “Gramáticas textuais”. Era um projeto ambicioso, pois consistia na ideia de elaboração de uma gramática que explicasse os fenômenos que ocorrem em todos os textos, da mesma maneira que se procedia com as análises das frases. É interessante ressaltar aqui que o projeto de elaboração de gramáticas textuais foi bastante influenciado, em sua gênese, pela perspectiva gerativista. Essa gramática seria, semelhante à gramática de frases proposta por Chomsky, um sistema finito de regras, comum a todos os usuários da língua, que lhes permitiria dizer, de forma coincidente, se uma sequência linguística é ou não um texto, é ou não um texto bem formado. Este conjunto de regras internalizadas pelo falante constitui, então, a sua competência textual. (Bentes 2000, p. 265) Observe, caro(a) aluno(a), que existia a vontade de construir um compêndio que desse conta de todos os elementos implicados na formação do texto e que servisse para justificar todas as ocorrências dentro dele, por meio de regras aplicáveis a todo tipo textual. Ainda citando a Prof.ª. Anna Christina Bentes: Nas primeiras propostas de elaboração de gramáticas textuais, nas palavras de Marcuschi (1998a), tentou-se construir o texto como objeto da Linguística. Apesar da ampliação do objeto dos estudos da ciência da linguagem, ainda se acreditavaser possível mostrar que o texto possuía propriedades que diziam respeito ao próprio sistema abstrato da língua. Dizendo de outra forma, as primeiras gramáticas textuais representavam um projeto de reconstrução do texto como um sistema uniforme, estável e abstrato. Neste período, postula-se o texto como unidade teórica formalmente construída, em oposição ao discurso, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída. (Bentes, 2000. p. 263) Talvez, a contribuição mais relevante deste momento foi uma mudança de olhar, passou-se a observar o texto não mais como uma projeção da frase para o texto, como se ele fosse o resultado do encadeamento contínuo dos enunciados. Os autores que trataram desse tema nos trouxeram contribuições interessantes pois “... possuem alguns postulados em comum. Em primeiro lugar, consideram que não há uma continuidade entre frase e texto porque há, entre eles, uma diferença de ordem qualitativa e não quantitativa, já que a significação de um texto, segundo Lang (1972), constitui um todo que é diferente da soma das partes.” (Bentes, 2000. p. 263) O projeto da gramática textual não vingou, pois os estudiosos perceberam que o texto não se constituía como uma extensão das frases. Ao contrário, ele apresenta proposições bem distintas das que organizam frases e parágrafos. 10 Unidade: Introdução à Linguística Textual Neste momento, emerge a noção de Competência Textual, que se apoia na percepção de que o falante/leitor ativa muito mais do que os seus conhecimentos sobre regras gramaticais ao produzir um texto, ele coloca em ação: sua competência formativa (de elaborar ilimitadamente um novo texto e avaliar se ele está bem construído ou não); sua competência transformativa (competência a partir de um texto já existente de resumir, parafrasear ou reformular o texto original); sua competência qualificativa ( competência para dizer a qual tipologia um dado texto se insere: narração, descrição, dissertação ou argumentação). Assim sendo, a necessidade agora passa a girar em torno de uma teoria que busque responder a questão. Quais os elementos que fazem de um texto um texto? A Gramática textual não deu conta de responder a questão colocada acima, porém possibilitou a transposição para um terceiro momento, no qual: Os estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto, que, ao contrário das gramáticas textuais, preocupadas em descrever a competência textual de falantes/ouvintes idealizados, propõe- se a investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso. (Bentes, 2000. p. 265) Para pensar Apesar de interessante e importante para os estudos textuais, o projeto de uma Gramática textual teria como dar certo? Você acredita ser possível construir um modelo de análise textual que abarcasse todo e qualquer tipo de texto? Esse, terceiro momento de estudo sobre o texto, foi denominado de Teoria Textual ou Linguística Textual e será o sustentáculo dos estudos que norteiam o ensino de língua hoje em todos os seus aspectos. Na base dessa teoria são observados os elementos que constituem um texto, como ele funciona de forma prática ao circular nas mãos dos seus leitores, quais mecanismos estão implicados na sua produção e quais os conhecimentos ativados para a compreensão dos textos, ou seja, o texto passa a ser pensado pragmaticamente. Glossário Pragmática é a ciência que estuda os fatos relacionados ao uso efetivo da língua no momento da comunicação. Essa alteração na abordagem textual introduziu uma perspectiva que não apenas visualizava os elementos internos ao texto, mas também considerava o contexto (elementos externos) como responsável na produção de significados, e a partir de então o texto passa a ser visto como um objeto dialógico e concreto e não apenas como uma unidade virtual e fechada em si mesmo. 11 Caro(a) aluno(a), essa nova perspectiva, como verá no decorrer dessa disciplina, tem uma função essencial no uso do texto pelos educadores, pois altera toda uma doutrina de análise textual estruturante que estava arraigada nos estudos e nas produções textuais. Aqui surge uma abertura na tratativa do texto. As mudanças teóricas ... fizeram com que se passasse a compreender a Linguística de Texto como uma disciplina essencialmente interdisciplinar, em função das diferentes perspectivas que abrange e dos interesses que a movem. Ou ainda, mais atualmente, segundo Marcuschi(1998a), pode-se desenhar a LT como “uma disciplina multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não autônoma nem sob seu aspecto formal.” (Bentes, 2000. p. 266) Essas considerações nos permitem olharmos para o texto não mais fechado em si mesmo, mas principalmente num processo multidisciplinar, ou seja, em constante conversa entre diversos saberes e das mais diferentes formas. Atribuindo-lhe uma característica dialógica. 12 Unidade: Introdução à Linguística Textual Alguns autores fundamentais Você viu que a LT desenvolve-se a partir de estudos realizados na Alemanha. Agora, conversaremos um pouco sobre alguns autores que tiveram expressiva importância no desenvolvimento da LT e com os quais você irá se deparar ao ler as bibliografias a respeito de LT. Não faremos aqui um relatório exaustivo sobre cada um deles, ao contrário, apenas desejamos que você se familiarize com os nomes, pois é muito comum observar que o aluno, quando estuda sobre uma disciplina qualquer que seja, algumas vezes encontra enorme dificuldade em compreendê-la por se deparar com citações e nomes de autores que nunca ouviu falar. Respaldamo-nos aqui pelo texto “Linguística Textual: Retrospectos e Perspectivas”, da Professora Ingendore Grunfeld Villaça Koch - 1997, de quem falaremos mais adiante, e seguiremos a mesma ordem cronológica apresentada por ela no seu texto. Pois, como citamos anteriormente, o nosso objetivo é situar você dentro de um contexto. Roland Harweg Roland Harweg é considerado um dos primeiros estudiosos da Linguística Textual na Alemanha. Seus trabalhos adotam a noção de referencialização na análise textual e para a constituição do texto. Pois, ele define texto como “uma sucessão de unidades linguísticas constituídas por uma cadeia de pronominalizações ininterruptas”. Dentro dessa concepção o texto se constitui como unidade pela boa articulação dos usos dos pronomes ou expressões nominais quando retomam e/ou antecipam nomes. No entanto, esse conceito não dará conta de definir o que seria um texto, pois somente o recurso da referencialização não define a unidade textual e o texto como um todo. Harald Weinrich Harald Weinrich é um estruturalista, portanto suas propostas serão de base estrutural de análise, para atingir esse intuito ele define o texto como uma sequência linear de lexemas e morfemas que se condicionam reciprocamente e que, também reciprocamente, constituem o contexto. Isto é, o texto é uma “estrutura determinativa”, “um andaime de determinações, em que tudo está necessariamente interligado. Assim sendo, para ele, toda linguística é necessariamente uma linguística de texto. (Koch,1997. p. 71) Para esse autor tudo dentro do texto está intrinsecamente ligado formando uma estrutura maior que será concebida como a unidade textual, sendo passível a construção de uma “macrossintaxe do discurso” com o olhar voltado para as classes gramaticais. Koch comenta que ele “postula como método heurístico o da “partitura musical”, que consiste em unir a análise frasal por um tipo de palavras e a estrutura sintática do texto em um só modelo, tal como uma “partitura musical a duas vozes”.” (Koch, 2001. p.13) 13 Dieter Wunderlich É um autor de grande importância na medida em que introduz os conceitos pragmáticos na análise textual, pois aborda questõesrelativas à interação face a face, aos atos de fala e a dêixis enunciativa. interação face a face A Interação face a face se estabelece em um contexto comunicativo onde os participantes do discurso estão presentes. atos de fala Os atos de fala estão relacionados a produção linguística de certo tipo enunciados e como eles devem ser compreendidos pelo receptor. (pedido, ordem, proibição, desejo etc.) dêixis enunciativa Dêixis enunciativa designa um conjunto de palavras, conhecidos como dêiticos, que possibilita instaurar as categorias de pessoa, espaço e tempo no discurso. Siegfried J Schmidt Segundo Koch, este autor prefere a denominação Teoria de Texto à Linguística de Texto. Isso se deve a sua concepção de texto como “qualquer expressão de um conjunto linguístico num ato de comunicação – no âmbito de um ‘jogo de atuação comunicativa’ – tematicamente orientado e preenchendo uma função comunicativa reconhecível”. Elisabeth Gülich Seus trabalhos se desenvolveram na Alemanha da década de 1970 e segundo Koch, sua contribuição foi que “Entre seus objetos de pesquisa, destacaram-se os sinais de articulação do texto (Gliederungssignale), os procedimentos de reformulação textual, a narrativa oral (em conjunto com U. Quastoff), bem como a interação face a face de modo geral.” Robert de Beaugrande e Wolfgang U. Dressler Beaugrande & Dressler contribuíram na medida em que fazem uma abordagem considerando tanto os elementos centrados no texto quanto aqueles centrados no usuário (leitor/ falante); ou seja, trataram tanto do campo da coerência quanto da coesão, trazendo à tona o que chamaram de padrões ou critérios de textualidade, como também questões relativas ao uso do texto. Koch faz o seguinte comentário sobre eles: Na obra Einführung in die Textlinguistik, Beaugrande & Dressler (1981) procederam ao levantamento do que denominam critérios ou padrões de textualidade, que, segundo eles, seriam: coesão e coerência (centrados no texto); informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade (centrados no usuário). A obra é dedicada ao exame de cada um desses critérios, bem como ao estudo do processamento cognitivo do texto, tomando por base os pressupostos da semântica procedural. A maioria dos trabalhos posteriores na disciplina incorpora essas questões, inclusive alargando o rol dos fatores de textualidade e dedicando especial atenção, à questão da coerência. (Koch, 1997. p. 72) 14 Unidade: Introdução à Linguística Textual Teun A. Van Dijk Van Dijk, na década de 1970 e meados da década de 1980, contribui com os conceitos: • de macroestruturas textuais que está intrinsecamente ligado às questões de produção de resumo; • de superestruturas ou esquemas textuais que diz respeito ao estudo descritivo dos mais diversos tipos de texto que circulam na sociedade. Koch conta que Van Dijk “no início da década de 1980, passa a dedicar-se, parcialmente em coautoria com Walter Kintsch (Van- Dijk & Kintsch, 1983), ao estudo das estratégias de processamento textual, buscando construir um modelo de compreensão do discurso.”(1997, p. 73) e também desenvolve estudos com notícias de jornal. Esses estudos irão direcioná-lo a uma linha de pesquisa denominada Análise Crítica do Discurso. Abordamos alguns autores que participaram ativamente nas discussões que ocorriam entre as décadas de setenta e oitenta e que colaboraram para a elaboração de um constructo teórico a respeito dos estudos dos textos, cada qual com suas contribuições. No entanto, como bem nos lembra Koch 1997, p. 73): Não se pode falar de Linguística Textual sem mencionar alguns autores funcionalistas, cujos trabalhos, embora não sejam comumente considerados como fazendo parte dos quadros dessa disciplina, tiveram enorme importância no seu desenvolvimento. É o caso de Halliday e Hasan (1976), cuja obra Cohesion in English define e explica o conceito de coesão, básico para os estudos textuais; e dos funcionalistas de Praga (Danes, Firbas, Mathesius, Sgall, entre outros), que descreveram a organização hierárquica da informação em frases e sequências textuais, a partir da perspectiva funcional, desenvolvendo as noções de tema/rema, dinamismo comunicativo e progressão temática, que não só se mostraram bastantes produtivas para o estudo do texto, como podem ser consideradas como um de seus pontos de partida. Apesar de não comentarmos sobre a relevância dos estudos dos linguistas franceses vale colocar aqui uma pequena nota da Prof. Koch (2001:14) a respeito deles: É preciso lembrar, também, os linguistas franceses como Charolles, Combettes, Vigner, Adam e outros que se dedicaram aos problemas de ordem textual e à operacionalização dos construtos teóricos para o ensino de línguas. Eles abarcaram as questões relativas à coesão e coerência que estavam em destaque na década de oitenta. 15 Como as coisas aconteceram no Brasil Para conversarmos a respeito da introdução da Linguística Textual no Brasil, contaremos com um trabalho da Profa. Leonor Lopes Fávero, chamado “Linguística Textual: Memória e Representação”- 2012. Anteriormente, falamos sobre os grandes nomes da Linguística Textual, principalmente na Alemanha, agora queremos que você conheça os três primeiros textos que introduzem essa disciplina no Brasil. Como mencionado anteriormente, foi na década de setenta que os estudos a respeito do texto se desenvolveram até chegar a uma Teoria do Texto (conhecida como Linguística Textual). No entanto, no Brasil, foi apenas na década de oitenta que surgiram os primeiros trabalhos nesta área. Aqui, nos deteremos nos três primeiros trabalhos que se tem notícia (e que são objeto do referido artigo da Prof. Fávero) Ano Autor Obra 1981 Prof. Dr. Ignácio Antonio Neis Por uma gramática textual 1983 Prof. Luiz Antônio Marcuschi Linguística de texto- o que é e como se faz? 1983 Profas. Ingendore Villaça Koch e Leonor Lopes Fávero Linguística textual - Introdução Essas três obras formam juntas um marco inicial nas discussões sobre linguística textual, falaremos um pouco de cada uma delas a seguir. O trabalho do Prof. Ignácio Antônio Neis é um artigo publicado na revista Letras de Hoje, revista do curso de Pós-Graduação em Linguística e Letras do Centro de Estudos Portugueses da PUCRS, em junho de 1981, n. 44. Esse artigo, apesar da sua importância, foi pouco mencionado e utilizado nos trabalhos de LT, no entanto, cabe ressaltar o que Fávero (2012. p. 228) comenta sobre ele: O artigo objetiva dar uma visão de conjunto quanto ao surgimento e ao objeto da gramática textual. Divide-se em quatro partes mais uma introdução em que diz ser de grande interesse a hipótese de que a comunicação linguística se efetua, não com frases sucessivas, mas com textos, e em qualquer texto, encontram-se elementos essenciais, ausentes ou inexplicáveis dentro das frases tomadas isoladamente E continua: Constatando a existência de relações específicas interfrasais e a possibilidade de se definir um texto como um todo coerente, um grande número de linguistas modernos europeus desde a década de 1960, passaram a formular hipóteses e a estabelecer princípios de novos modelos de descrição linguística que ultrapassem o 16 Unidade: Introdução à Linguística Textual âmbito da frase; e procuraram elaborar gramáticas que deem conta dos problemas de coerência textual e que sejam adequadas tanto para caracterizar os diversos aspectos dos diferentes tipos de textos quanto para engendrar modelos de produção de textos bem formados de acordo com determinada língua. (Fávero 2012: 228) Neste trabalho, o Prof. Neis falou sobre diversos conceitos da teoria do texto voltados para as questões da pragmática, da coesão e coerência e seus precursores. Já o trabalho do Prof. Luiz AntônioMarcuschi, surgiu por ocasião de uma conferência realizada na PUC/SP no IV Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa do Instituto de Pesquisas Linguísticas. O que foi em um primeiro momento um artigo tornou-se depois um livro (apesar de algumas modificações) com o mesmo nome e publicado pela editora Parábola. Marcuschi deixa claro que o objeto da linguística é o texto, “o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à frase. E com certeza: a gramática de frase não dá conta do texto.” (2012. p.16) e ainda nos diz mais... Julgo de interesse uma análise sistemática do que seja e como se faz a LT, pois ela é uma das linhas de pesquisa mais promissoras da linguística atual. Os resultados existentes, mesmo não sendo definitivos, são muito animadores, especialmente pelas perspectivas de revitalização teórica que oferecem à linguística e pelas soluções que poderão propiciar ao estudo da comunicação humana e ensino de línguas. (2012. p.16) Neste trabalho, Marcuschi trará algumas definições de texto e as categorias textuais, a saber: Fatores de contextualização, Fatores de conexão sequencial (coesão), Fatores de conexão conceitual-cognitiva (coerência) e Fatores de conexão de ações (pragmática). Por fim, veremos a obra das Professoras Leonor Lopes Fávero e Ingedore Villaça Koch – Linguística Textual – Introdução, foi escrita em 1982 e publicada em 1994. Esse livro nos permite criar um panorama da linguística textual, e está dividido em três capítulos: 1° O primeiro capítulo apresenta quais fatores propiciaram o surgimento das gramaticas textuais; 2° O segundo é voltado aos autores que abordaram em seus estudos elementos que vão além da fronteira dos enunciados além de falarem de algumas disciplinas que tiveram o texto como interesse; 3° O terceiro volta-se para autores tanto estruturalistas quanto gerativistas. Caro(a) aluno(a), sugiro como leitura de aprofundamento tanto o livro do Prof. Marcuschi, como o livro das Professoras Fávero e Koch, que estão na bibliografia dessa unidade ao final do material teórico. 17 O Texto, Nosso Incrível Objeto de Estudo Vamos conversar um pouco sobre o objeto de estudo da Linguística Textual, o texto. Esse que desperta fascínio em todos aqueles que se interessam por ele e que apesar de nos ser tão familiar no dia a dia, também nos reserva mistérios ainda por serem decifráveis. Existe uma única coisa da qual se pode ter certeza, lembrando Marcuschi (2012. p.16), ao falar que a LT dispõe, porém, de um dogma de fé: o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à frase. E a gramática de frase não dá conta do texto. Para nos apropriarmos de uma definição de texto que nos seja mais confortável, trataremos de algumas definições propostas por Marcuschi em seu texto “Algumas definições de texto” que se encontra no livro “Linguística de texto: o que é e como se faz?”. Caro(a) aluno(a), sugiro a leitura do livro Linguística de texto: o que é e como se faz?, por tratar-se de obra indispensável para quem deseja aprofundar- se nos estudos textuais. Apesar de as pessoas saberem intuitivamente o que seja um texto e quais as suas diferentes funções, a dificuldade está em definir esse objeto. Essa dificuldade não se encontra apenas entre pessoas leigas no assunto, mas também ocorre entre aqueles que desejam tomar o texto como seu instrumento de análise. As definições que mostraremos a seguir, orientam-se por dois caminhos distintos, a saber: A partindo de critérios internos ao texto (olhando-o do ponto de vista imanente ao sistema linguístico) e B partindo de critérios temáticos ou transcendentes ao sistema (considerando o texto como uma unidade de uso ou unidade comunicativa) (Marcuschi, 2012. p.22) Glossário Imanente significa interno ao texto. Transcendente que está fora do texto. Essas duas definições dizem respeito a duas possibilidades de observação analítica do texto: 1° A primeira, diz respeito a uma abordagem que considere os elementos constitutivos do texto e a sua boa formação interna e 2° A segunda, parte dos elementos ativados quando se coloca esse texto em uso, os critérios externos, relativos ao contexto. Agora, observaremos algumas definições que se baseiam nos critérios da alternativa A e, logo em seguida, algumas definições que se sustentam nos critérios da alternativa B. A classificação de texto baseada no primeiro critério de imanência do sistema linguístico subsidia a proposta de criação das gramáticas textuais, pois considera o texto como uma sequência coerente de sentenças. 18 Unidade: Introdução à Linguística Textual Ou seja, o texto seria definido apenas pelos seus elementos internos, desconsiderando os elementos que fazem parte do nível cognitivo-conceitual e pragmático. No entanto, essa abordagem do texto apresentou uma série de brechas porque na construção de sentido dos textos os elementos do nível cognitivo-conceitual e pragmático são fundamentais. A seguir, apresentaremos as definições de Zellig S. Harris, Roland Harweg, Irena Bellert e Harald Weinrich. Que se definem pelo primeiro critério, aquele que observa os elementos internos do texto. Veja: Zellig S. Harris “Um texto (discurso) compõe-se de uma sequência de expressões ou sentenças ligadas, podendo ir desde sentenças de uma só palavra até uma obra de vários volumes”. (Apud Marcuschi, 2012. p.23) Roland Harweg “Texto é uma sucessão de unidades linguísticas constituídas por uma cadeia pronominal ininterrupta”(1968, p. 148.). (apud Marcuschi, 2012. p 24) Irene Bellert “Um texto é uma sequência de sentenças S1S2,...Sn de tal modo que a interpretação semântica de cada sentença Si (para 2> i>n) depende da interpretação S1 ... Si1”[Cf. I. Bellert (1970, p. 335)]. (apud Marcuschi, 2012. p.25) Harald Weinrich “Texto é uma sequência ordenada de signos linguísticos entre duas interrupções comunicativas importantes”[cf. H. Weinrich (1976, p. 186 – 187)]. (apud Marcuschi 2012. p.25) Observe que todas as definições propostas trabalham com a ideia de ordenação das palavras na frase como forma de constituição do texto. Passemos agora, as definições de texto a partir de critérios temáticos e transcendentes ao texto. Essas definições encontram suas bases em relações que ultrapassam o limite do encadeamento frasal, ao perceberem que existem elementos que colaboram para a construção do texto e que estão fora dele. Na perspectiva que considera também os elementos externos ao texto, trabalha-se com as noções de contextos (os elementos que estão fora do texto) e cotexto (trata-se dos elementos de ligação estrutural dentro do texto). Esses dois termos, contextual e cotextual, são propostos por Petöfi. Cotejemos as definições de Janos S. Petöfi, Teun van Dijk, Siegfried Schmidt e M. A. K. Halliday e R. Hasan: 19 Janos S. Petöfi “Uma sequência de elementos linguísticos escritos ou falados organizados como um todo, com base em algum critério qualquer (geralmente extralinguístico), resultam num texto”. (Apud Marcuschi, 2012: 26) Teun van Dijk O texto “é uma estrutura superficial governada por uma estrutura semântica profunda motivada”, ou seja, “um conjunto ordenado de sentenças da estrutura profunda”(cf. van Dijk, 1978 e 1977). (Apud Marcuschi 2012: 27) Siegfried Schmidt “Texto é qualquer expressão de um conjunto linguístico num ato de comunicação (no âmbito de um jogo-de- ação comunicativa), sendo tematicamente orientado e preenchendo uma função comunicativa reconhecível, ou seja, realizando um potencial ilocutivo reconhecível”. (Apud Marcuschi 2012: 28) M. A. K. Halliday e R. Hasan “Um texto é uma unidade em uso. Não é uma unidade gramatical, tal como uma frase ou uma sentença; e não é definido por sua extensão. (...) Um texto é, melhor dizendo, uma unidade semântica:não uma unidade de forma e sim de sentido”. (Apud Marcuschi, 2012. p.28) Nas definições propostas agora, observe que ocorreu uma transposição da abordagem puramente interna (cotextual) para a abordagem que considera os elementos externos (contextual). Essas definições consideram o texto como elemento comunicativo. Chegamos ao fim da nossa unidade, você teve ao longo dela o prazer de passear pelo universo da Linguística textual, conhecendo sua trajetória, alguns de seus grandes nomes e seu objeto de estudo. Esperamos ter despertado em você o interesse ou pelo menos a curiosidade de saber mais sobre os mistérios que envolvem o TEXTO. 20 Unidade: Introdução à Linguística Textual Material Complementar Para aprender mais sobre os conteúdos trabalhados nesta unidade, indicamos os links a seguir: Vídeo: Palestra de atualização do site Livro e Net, proferida pelo Prof. Aguinaldo Martino. Título: A linguística textual: um novo enfoque para o estudo da língua. A palestra aborda as questões sobre o desenvolvimento da Linguística Textual. Último acesso em 15/10/2014. https://www.youtube.com/watch?v=iGpXlQzyckQ Leituras: Entrevista escrita, da Professora Ingedore Villaça Koch à Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. Vol. 1, n. 1, agosto de 2003. Nesta entrevista, a Prof. Ingedore fala sobre o ensino de Língua portuguesa a partir dos conceitos introduzidos pela linguística textual. Último acesso em 10/10/2014. http://www.revel.inf.br/files/feae2f57341478af7ec218b4fc44d8e8.pdf Linguística Textual X Produção de Texto na Escola: Uma Combinação Possível? - Artigo da Profª. Marcilene Oliveira Sampaio (UFES/UNEB) que traça um panorama dos desenvolvimentos da linguística textual. http://www.filologia.org.br/xiicnlf/textos_completos/Linguística textual x produção de texto na escola- uma combinação possível - MARCILENE.pdf Não deixe de acessar o material complementar, pois é muito importante sua ação como protagonista na construção dos seus conhecimentos.