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Sociologia AS INTERPRETAÇÕES DO BRASIL DOS ANOS 1930: CAIO PRADO JÚNIOR 1 Sumário Objetivos ..............................................................................................................................................2 1. Os anos 1930: as crises nacionais e internacionais e as ideologias políticas ......................2 2. A “interpretação do Brasil” de Caio Prado Júnior. .................................................................3 2.1. Quem foi Caio Prado Júnior? ............................................................................................3 2.2. A interpretação materialista do Brasil .............................................................................4 Exercícios .............................................................................................................................................6 Gabarito ...............................................................................................................................................8 Resumo ................................................................................................................................................9 2 Introdução Na apostila passada, estudamos alguns dos principais aspectos das “interpretações do Brasil” formuladas pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre e pelo historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda. De modo mais aprofundado, estudamos como Freyre elaborou uma interpretação que valorizava a miscigenação da população brasileira e como Holanda formulou a sua ideia de “homem cordial”. Agora, vamos estudar o terceiro grande “intérprete do Brasil” dos anos 1930, o historiador paulista Caio Prado Júnior. Para tanto, além examinar as crises nacionais e internacionais das ideologias políticas na década de 1930, vamos estudar sua trajetória e o seu principal livro: Formação do Brasil contemporâneo: colônia (1942). Ao estudá-la, vamos compreender como o historiador paulista entendeu a formação da colônia brasileira e seus impactos na história do país a partir do conceito de “sentido da colonização”. Objetivos • Caracterizar as condições históricas em que surgiram as chamadas “interpretações do Brasil” formuladas na década de 1930. • Apresentar os principais elementos da “interpretação do Brasil” de Caio Prado Júnior. 1. Os anos 1930: as crises nacionais e internacionais e as ideologias políticas Vimos nas aulas anteriores alguns dos principais acontecimentos dos anos 1920 e 1930. O contexto de radicalização política era influenciado tanto pelas crises internacionais – de que a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Russa (1917) e a criação da chamada República de Weimar (1918) na Alemanha e a crise mundial de 1929 são exemplos – como pela crise nacional, exemplificadas, entre outros, pela ressonância do movimento civilista (1910), pela Greve Geral (1917), pelo tenentismo, que culminou na Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922). Como estudamos, boa parte desses movimentos, frequentemente apoiados nos setores sociais vinculados à industrialização e urbanização do país, eram críticos da corrupção política existente no regime republicano instaurado em 1889. No Brasil, o resultado da conjunção desses fatores foi a Revolução de 1930. Em seu bojo, surgiram diversas correntes radicais de pensamento. À direita, o 3 principal representante foi o escritor Plínio Salgado (1895-1975). Pautando-se por ideias conservadoras, Salgado pregava a ordem, a disciplina, o autoritarismo e a tradição. Ele foi um dos responsáveis pela criação da Ação Integralista Brasileira (AIB), o que deu origem ao que ficou conhecido como “integralismo”, movimento político e cultural inspirado no fascismo de Benito Mussolini. Como revela a análise do Manifesto de outubro (1932), os integralistas sustentavam que o Estado tinha como missão conciliar as contradições da sociedade brasileira, bem como combater o marxismo e o liberalismo. Para tanto, pregavam o nacionalismo e a herança étnica do período colonial. Chegaram a apoiar Vargas, contra quem se revoltaram em 1938. Nesta ocasião, foram derrotados. Autor de diversos livros, Salgado chegou a se lançar candidato à presidência da República em 1955, pelo Partido de Representação Popular (PRP). Tendo como causa também a radicalização política do período, à esquerda, destacou-se a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922. Até ali, pode-se observar que os movimentos operários brasileiros eram, em grande parte, influenciados por ideais anarquistas. Vinculando-se intimamente à Internacional Comunista (Comintern) liderada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o PCB logo se tornou o principal núcleo partidário da esquerda brasileira do período, como revela sua influência na criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935, frente política composta por vários agrupamentos políticos da qual Luiz Carlos Prestes, um dos principais nomes do partido, foi eleito presidente de honra. O objetivo da ANL era lutar contra o governo Vargas, contra o imperialismo e contra o nazi-fascismo. 2. A “interpretação do Brasil” de Caio Prado Júnior. 2.1. Quem foi Caio Prado Júnior? Nascido na cidade de São Paulo (SP) em 1907, Caio Prado Júnior era membro de uma das mais ricas famílias do Brasil, os Silva Prado, tradicional no ramo cafeeiro. Caio Prado Júnior se formou em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), contexto em que aderiu ao Partido Democrático, que congregava membros da elite e das classes médias descontentes com os rumos da Primeira República. Decepcionado com os rumos do partido e da Revolução de 1930, Prado Júnior aderiu ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Esse momento foi marcante para o historiador por dois motivos: em primeiro lugar, porque foi a partir do seu ingresso no PCB que Prado Júnior decidiu estudar o Brasil com o objetivo de transformá-lo; em segundo lugar, porque se manteve vinculado o partido, a despeito de suas críticas a ele, até o fim de sua vida. 4 Prado Júnior chegou a ser deputado estadual pelo PCB, fundador da Revista Brasiliense e vice-presidente da seção paulista da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Morreu em 1990. 01 Caio Prado Júnior 2.2. A interpretação materialista do Brasil Autor de diversas obras de interpretação histórica do Brasil, entre as quais se destacam Evolução política do Brasil (1933), Formação do Brasil contemporâneo: colônia (1942) e A Revolução Brasileira (1966), Caio Prado Júnior se notabilizou como o primeiro intelectual que se utilizou do materialismo histórico, tal como formulado por Karl Marx e Friedrich Engels, para interpretar o sentido da história brasileira. É claro que já haviam surgido tentativas de fazer o mesmo antes de Prado Júnior, porém foi o historiador paulista o primeiro a conseguir aplicar o método marxista de análise sobre a história brasileira sem projetar sobre ela os esquemas teóricos rígidos formulados pelos adeptos do marxismo-leninismo orientados pelas teorias soviéticas. EXEMPLO Entre suas obras, a que mais teve repercussão foi Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. Como o próprio título do livro afirma, seu objetivo é Um exemplo da rigidez teórica do marxismo-leninismo do início do século XX era a tese de que o Brasil ainda tinha “restos feudais”. Como demonstraram vários autores,entre os quais Caio Prado Júnior, o conceito de feudalismo jamais se aplicou ao Brasil. 5 compreender a formação do Brasil contemporâneo a partir de suas origens coloniais. Para tanto, do ponto de vista metodológico, o historiador buscou analisar a forma como se produzia a vida nesse período. Assim, sua lente recaiu sobre as formas de produção, de distribuição e de circulação de mercadorias. Um dos méritos da intepretação de Prado Júnior foi destacar que a formação da colônia ocorreu no contexto da expansão ultramarina europeia. Isso significa acentuar que, diferentemente do que ocorreu com os países europeus, a formação do Brasil se deu de fora para dentro. O território colonial tinha como objetivo produzir as mercadorias (como o açúcar) que faltavam aos europeus ou, alternativamente, produzir mercadorias para que estes a negociassem. Assim, a formação brasileira ocorreu no mesmo momento em que se formava uma nova etapa do capitalismo mundial. É a partir dessa compreensão – econômica – que Caio Prado Júnior formula uma das categorias analíticas centrais de sua obra: o sentido da colonização. Para Caio Prado Júnior, a formação da nação brasileira foi possível apenas quando rompemos com o sentido da colonização – isto é, quando o país deixou de ser um país produtor de produtos primários para o exterior. É de Caio Prado Júnior a consagrada divisão entre os países que foram “colônias de exploração”, caso do Brasil, e os países que foram “colônias de povoamento”, caso dos Estados Unidos. O que diferenciava os dois tipos de países é o fato de que no primeiro o objetivo não era produzir uma sociedade, mas sim explorar mercadorias para exportação. Para o historiador, a formação brasileira teve três pilares principais: o latifúndio, a monocultura e o trabalho escravo. Disso resultou o seguinte quadro: havia setores da economia brasileira que eram profundamente integrados ao sistema econômico internacional. Esses setores se valiam do trabalho escravo para produzir produtos tropicais com o objetivo de exportá-los. Este complexo social formado por latifúndio, monocultura e trabalho escravo foi caracterizado pelo historiador como “setor orgânico” da formação brasileira. Percebe-se que esse setor era aquele que lucrava com o sentido da colonização mencionado. EXEMPLO Um exemplo clássico do “setor orgânico” eram os engenhos de açúcar do Nordeste no século XVIII. 6 Em contraste, haveria uma parcela da sociedade brasileira formada por aqueles que produziam para o mercado interno. Essa parcela seria de pequenos agricultores e contaria com os trabalhadores livres, em geral desempregados porque o trabalho encontrado nos setores “orgânicos” era feito pelos escravos. Daí que essa produção fosse mais dispersa. Esse setor era chamado por Caio Prado Júnior de “setor inorgânico”. Exercícios 1. (UNIMONTES / 2013). Entre as décadas de 1920 e 1940, foram publicados alguns dos mais instigantes estudos sobre a formação da sociedade brasileira, que permanecem sendo objeto de leituras críticas e de debate até hoje pelos cientistas sociais. Esses estudos podem ser caracterizados como ensaios de interpretação do Brasil, pois apresentam discussões sobre as instituições políticas, as classes sociais, a produção econômica, o passado, o espaço rural e o espaço urbano, as tensões entre o tradicional e o moderno, e, finalmente, sugeriram uma série de impasses e possibilidades para o presente e o futuro da sociedade brasileira. Sobre esses estudos, relacione as colunas, fazendo a correspondência entre autor e respectiva obra. 1. Mário de Andrade 2. Sérgio Buarque de Holanda 3. Caio Prado Jr. 4. Gilberto Freyre ( ) Raízes do Brasil ( ) Casa-grande & senzala ( ) Macunaíma ( ) Evolução política do Brasil a) 3, 1, 2, 4. b) 2, 1, 3, 4. c) 2, 4, 1, 3. d) 1, 3, 4, 2. e) 4, 3, 2, 1. 7 2. (UEL / 2005). “A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, a certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas de espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio”. (HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 33.) Caio Prado Junior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são intelectuais da chamada “Geração de 30”, primeiro momento da sociologia no Brasil como atividade autônoma, voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade. Sobre as preocupações características dessa geração, considere as afirmativas a seguir. I. Critica o processo de modernização e defende a preservação das raízes rurais como o caminho mais desejável para a ordem e o progresso da sociedade brasileira. II. Promove a desmistificação da retórica liberal vigente e a denúncia da visão hierárquica e autoritária das elites brasileiras. III. Exalta a produção intelectual erudita e escolástica dos bacharéis como instrumento de transformação social. IV. Faz a defesa do cientificismo como instrumento de compreensão e explicação da sociedade brasileira. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. 3. (COLÉGIO LOYOLA - BELO HORIZONTE) Obra brasileira que destaca o sentido da colonização no Brasil. Descreve a colonização como um grande empreendimento 8 comercial. Para seu autor, as condições em que se baseou a formação da nação brasileira durante o período colonial explicam muitas dificuldades encontradas na época contemporânea. Que obra é esta? a) Casa Grande e Senzala b) Formação do Brasil contemporâneo c) Raízes do Brasil d) Os Sertões e) O Manifesto Comunista Gabarito 1. Resposta correta: C. Como vimos Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior são os autores de, respectivamente, Casa-grande & Senzala, Raízes do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo: colônia. 2. Resposta correta: C. Nem Sérgio Buarque de Holanda, nem Caio Prado Júnior defendem a preservação de nossas raízes rurais (o que torna a afirmação I falsa). Os três utilizam novas ferramentas teóricas e metodológicas para “interpretar o Brasil” (o que torna a afirmação III falsa). Cada um a seu modo, todos são críticos do liberalismo da Primeira República, o qual reproduziu o viés autoritário da formação brasileira (o que torna a afirmação II verdadeira). Já no que se refere à afirmação IV, todos utilizam, como mencionamos, novos aparatos teóricos para interpretar o Brasil, embora o termo “cientificismo” utilizado na questão seja claramente infeliz (o que torna a afirmação IV verdadeira). 3. Resposta correta: B. Segundo o que estudamos, a perspectiva da formação do Brasil como um empreendimento comercial é um dos traços que distingue a obra de Caio Prado Jr. 9 Resumo As crises internacionais e nacionais abriram espaço para a radicalização política e ideológica no período dos anos 1920 e 1930. Entre os seus resultados, destacaram-se as criações da Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por PlínioSalgado, e do Partido Comunista do Brasil (PCB). Caio Prado Júnior escreveu seus livros mais importantes após sua adesão ao PCB, em 1931. Em sua obra, destaca-se a sua “intepretação do Brasil” formulada em Formação do Brasil Contemporâneo: colônia (1942). Para o historiador paulista, o Brasil teria se formado no processo de expansão ultramarina europeia. Isso explicaria o “sentido da colonização” sofrida pelo Brasil colonial, condenado a produzir produtos primários tropicais para exportação. Essa orientação econômica, baseada no tripé latifúndio, monocultura e trabalho escravo, teria originado aquilo que Caio Prado Júnior chamou de “setor orgânico”. Em contraste, uma parcela da população brasileira, via de regra composta por sujeitos livres e produtora de alimentos para o mercado interno, ficaria ao léu, pois estaria fora do circuito exportador-importador. Esse é o setor que o historiador paulista chamou de “setor inorgânico”. Diante desse quadro, Caio Prado Júnior argumentava que o Brasil, embora politicamente independente desde 1822, não teria rompido com o “sentido da colonização” e, assim, continuaria a se comportar como uma colônia. Para construir uma verdadeira Nação – ou seja, um país autônomo e voltado para os seus interesses –, Caio Prado Júnior “apostava” nos setores inorgânicos, que deveriam se organizar para resistir à dominação e alterar a direção assumida pelo país. 10 Referências bibliográficas PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda, 2007. Referências imagéticas Figura 1. WIKIPÉDIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caio_Prado_J%C3%BAnior#/media/File:Caio_Prado_Junior.jpg (Acesso em 22/01/19, às 10h33min). .