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AULA 1 COOLHUNTING Profª Hedilaine Zaniboni Rezende 2 TEMA 1 – COMO SURGIU O COOLHUNTING Convidamos você a conhecer um pouco mais sobre este tema tão atual, mas que já existe há muito tempo, negligenciado em muitos setores, mas extremamente necessário em outros. Estamos falando de coolhunting. Poderíamos traduzi-lo grosseiramente como a “caça ao legal”, mas, afinal, o que é isso? A que se refere? Onde e quando se aplica? Qual seu impacto? Para definir coolhunting, vamos parafrasear Rasquilha (2015): é o processo formal, rigoroso, positivista que segue um padrão lógico que combina um conjunto de metodologias a um determinado conjunto de fatores, a fim de se analisar uma tendência. 1.1 Uma breve introdução Nossa história teve início nos anos 1950, em Paris, com a indústria da moda. O objetivo era auxiliar na evolução da indústria têxtil pós-guerra, para ela se adequar às exigências do mercado, conforme explica Rasquilha (2015, p. 18). O mundo pós-guerra desconhecia os anseios dos consumidores, uma vez que diversos setores ficaram paralisados durante a maioria dos anos em que durara tal evento. Bastante compreensível, pois nosso tema está intimamente ligado a tendências e compreensão do comportamento do consumidor diante de determinado produto/mercado, considerando os impactos que essas tendências causarão nos negócios. Na época, surgiram os primeiros coolhunters, ou seja, pessoas que procuravam observar com atenção o mercado, seu público-alvo, a fim de poder antever, isso mesmo, uma possível tendência que viria a mudar um segmento ou uma indústria. Não bastava olhar, observar o consumidor, era preciso enxergar o que estava por detrás de uma manifestação, quais os valores predominantes, crenças, sistemas de poderes representados, qual a mensagem enviada. Entendemos que esses precursores eram ao mesmo tempo “pesquisadores” e os primeiros a adotar essas mudanças. Seu perfil vanguardista nada se relacionava ao nosso estereótipo de pesquisadores atuais, eram normalmente influenciadores da sociedade, bem relacionados, viajados, com ampla visão e influência no segmento ou na mídia qualificada, como jornalistas, por exemplo. 3 Naquela época os objetivos consistiam basicamente em melhorar a qualidade dos produtos padronizados. Atualmente, no entanto, a visão foi ampliada, assim como os segmentos que estão aplicando as técnicas de coolhunting para descobrir tendências e mudanças significativas. O objetivo primordial desse método é oferecer insights promissores sobre o comportamento futuro dos mercados, como uma tendência existente irá se desenvolver e quais outras surgirão. A adoção da técnica em marketing não tem mais de 20 anos. 1.2 Entendendo o cenário da moda dos anos 1950 Para que possamos entender a profundidade do nosso tema, destaco alguns tópicos a fim de traçarmos um breve cenário da indústria da moda dos anos 1950, baseados no artigo de Claudia Garcia (S.d.) para o Almanaque da Folha. Como você pode observar, os impactos das mudanças nesse cenário ainda estão presentes nos nossos dias. Com o fim da Segunda Guerra, os países retomam seu desenvolvimento e as indústrias, os seus negócios, alguns beneficiados pelo conflito, outros nem tanto, como é o caso do segmento moda. Ao contrário do que se imaginava, conforme descreve Garcia (S.d.), após os longos anos de guerra, com racionamento de tecidos, restrição de recursos produtivos, a moda se tornaria mais simplista e prática para o dia a dia e surge uma explosão fashion liderada por Paris, na pessoa de Christian Dior, que consegue perceber os desejos das mulheres. O período de restrições por que haviam passado não tinha apagado o desejo de luxo e sofisticação das mulheres e elas estavam desejosas de se sentirem femininas, jovens e valorizadas. Cuidar do visual era a nova ordem e elas rapidamente aderem à nova tendência Garcia (S.d.). Os principais movimentos, segundo Garcia (S.d.), foram: Em 1947, Dior surpreende apresentando o seu New Look – vestidos amplos, fartos em tecido, com cintura bem marcada e no comprimento dos tornozelos, cujos acessórios eram compostos por luvas, saltos altíssimos, joias e peles, estilo completamente oposto ao esperado e que fez o maior sucesso. Outros segmentos correlatos o seguiram. 4 Empresas como Revlon e Helena Rubinstein investiram grandes somas em publicidade. Biotherm (1952) e Clarins (1954) lançam produtos cosméticos, a base de plantas, na Europa, tendência presente até hoje. Em 1954, o francês Roger Vivier lança o salto agulha; em 1959, o salto choque, e é dele também o bico chato e quadrado. O grupo intitulado Costureiros Associados torna a alta-costura mais difundida e possível. Costureiros importantes de várias maisons, unidos a profissionais de confecção, editam modelos selecionados e os entregam para um seleto grupo de lojas para comercialização. Está iniciado o prêt- à-porter (pronto para vestir). Em 1954, Coco Chanel, aos 70 anos, lança suas peças mais marcantes: seu tailler clássico, o escarpin bege com ponta escura e a bolsa a tiracolo em matelasse. Em 1955, a grife Jean Dessès-Diffusion inicia a fabricação de tecidos em série para algumas lojas da França e da África do Norte. Nos Estados Unidos era aprimorada a indústria de confecção de roupas ready to wear. Este setor americano era forte, com técnicas de produção em massa desenvolvidas e muito especializadas. A grande e rápida diversificação dos produtos que surgiam por meio do sistema de licenças impactava grandemente a estratégia econômica das marcas. Atentemos para o fato de como uma única e assertiva observação a respeito do comportamento de consumo das mulheres dos anos 1950 gerou uma tendência extremamente abrangente, que impactou inúmeras indústrias: têxtil, de sapatos, de confecção, de cosméticos, de licenciamento de marcas e até o segmento publicitário lucraram com isso por mais de uma década. Esse é o efeito de uma tendência. Nos anos 1960 e 1970 sugiram as primeiras agências de pesquisa de tendências, a Promostyl e a Peclers. Situadas em Paris, mas de abrangência global, emitem seus trendbooks detalhados e ilustrados minuciosamente, falando de cores, tecidos, esboços e padrões com antecedência de um ano e meio a dois anos. 5 TEMA 2 – EM BUSCA DO COOL Lembremos Gomes, Lopes e Alves (2016): É através dos padrões comportamentais formados pela expressão individual e coletiva de uma sociedade que se identificam e consolidam mentalidades, ajudando a construir diversas realidades e identidades culturais. O modo como os indivíduos se relacionam com a moda constitui um reflexo das mentalidades de uma determinada sociedade. Assim, compreendemos que o estudo dos padrões comportamentais expressos por uma sociedade nos permite identificar suas ideologias e, dessa forma, construir cenários reais e identidades culturais. O reflexo disso é constatado na forma como os indivíduos se relacionam com a moda. 2.1 Afinal, o que é cool? Quanto à origem do termo, os autores divergem: alguns relacionam o uso de cool ao jazz, outros à gíria utilizada entre os jovens, outros a frio, mas fato é que concordam que, quando utilizado para expressar a ideia de caçada, esse termo se relaciona a itens que são admirados ou desejados. Quando nos remetemos ao setor da moda, em que surgiu nossa técnica, esse termo está relacionado às manifestações/expressões do consumidor, sejam elas comportamentais, sociais, ideológicas e/ou religiosas, que possam gerar uma tendência e servir de insight para um negócio existente ou inovador.Cool, quando adotado é por um indivíduo, este o aceita, usa ou faz de forma espontânea porque realmente se agrada disso. A aderência é voluntária. Para Gladwell (1997), o cool está relacionado ao que ele denomina de cultura de rua, que gera tendências que, quando devidamente captadas pelos coolhunters, renderam bilhões às empresas que adotaram suas ideias. Como exemplo, ele cita o caso da Dee Dee Gordon, uma coolhunter americana, na época atuando na Converse, que compreendeu o desejo dos jovens de simplicidade e autenticidade e levou a Converse a relançar o tênis One Star, um estilo clássico old school que repaginou a marca e a incluiu no clube das marcas cool (o tênis era usado por Kurt Cobain, do Nirvana, referência dessa América cool, como consta na famosa foto do roqueiro morto). Dessa forma, compreendemos melhor porque coolhunting é, para Gladwell (1997), uma coleção de observações espontâneas e prognósticos, 6 diferindo de um momento para o outro e segundo o ponto de vista do coolhunter que a observa. Entretanto, podemos afirmar que o cool é alguma coisa que você não pode controlar, muito embora haja marcas que, ao identificarem uma tendência, tentem manipulá-la, e para isso precisam de uma pessoa que a encontre e a interprete, traduzindo-a para os demais. É aqui que as habilidades do coolhunter fazem a diferença, pois, além de identificar o que de diferente determinado público está usando, ele precisa ser capaz de dizer que aquele diferente é de fato cool e vai gerar uma onda realmente grande, justificando um investimento nela. Fontenele (2004) nos ensina que: A ênfase na busca do cool indica, também, uma passagem da cultura de massas para o mercado de nichos, gerando uma absoluta diversidade a ser explorada em meio a um público cada vez mais heterogêneo. Assim, houve uma mudança de foco metodológico: de padrões sociológicos centrados em paradigmas descritivos de interações e comportamentos sociais, para abordagens mais antropológicas, centradas na observação cultural. Conforme lemos, o foco principal da busca pelo cool reside em observar nichos e não mercado de massas; sendo assim, a observação dos aspectos culturais deve prevalecer sobre comportamentos sociais. Outro ponto interessante a destacar, pois está presente na grande maioria da literatura a respeito do tema, é que a observação está centrada no consumidor jovem, que é influenciador de uma série de setores, a ver: moda, maquiagem, cosmética, tecnologia, automobilístico, de alimentos e bebidas, entre outros. A agência de pesquisa de tendências Look Look possui coolhunters jovens “infiltrados” nessas comunidades/nichos o que permite um tempo de resposta realmente pequeno nas suas pesquisas. O cool não é popular, tampouco facilmente visível, mas sem dúvida passa a estar presente no cotidiano de determinado público ou segmento. Para Rasquilha (2015, p. 29), o cool deve: Ser atrativo/atraente: capaz de despertar a atenção e nos fazer parar; Ser inspirador: capaz de nos fazer sonhar, voar, criar; Demonstrar potencial de crescimento: que possa virar negócio com escala de crescimento. 7 É importante, sem dúvida, considerar aspectos gerais do cenário, economia (macro e micro), fatores influenciadores internos e externos, motivações ou restrições ambientais. Quando identificado algo realmente cool, devemos questionar qual a sua relevância, rentabilidade, quais mudanças essa ideia gera e, se convertida em negócio, como suportá-la e divulgá-la. Esse processo ocorre após a coleta de informações, faz parte da interpretação dos dados. O cool está diretamente relacionado ao conceito de Tendência, e cabe aqui entendermos um pouco mais o que isso significa. Tendência é o movimento capaz de impactar negócios, dissolvendo-os, desenvolvendo-os ou criando novos. Está diretamente ligada à mudança na forma como o consumidor (em massa ou grupo) se relaciona com determinado produto, marca, serviço ou companhia. Como exemplo, podemos citar o consumo do cigarro, o que nos anos 1960 e 1970 era amplamente permitido, divulgado, aceito socialmente e tido como símbolo de status e charme e hoje é visto como vício, algo incômodo e antissocial, sendo rejeitado em bares, restaurantes, outros locais fechados e dentro de transportes públicos (isso mesmo, anteriormente seu uso era aceito em aviões e ônibus rodoviários). TEMA 3 – O COOLHUNTER E SEU PAPEL NO PROCESSO DE TENDÊNCIA MERCADOLÓGICA Para Fontenele (2004), “ser um caçador do cool é tentar chegar às tendências na fonte, descobrir de onde elas estão vindo. Sabendo disso, é possível sair na frente”. Podemos perceber nitidamente a ênfase dada pelo autor ao processo investigativo dessa atividade e que ela possibilita um diferencial competitivo para uma empresa. Já para Rasquilha (2015, p. 36), ”o Coolhunter por definição é o primeiro a mapear, interpretar e adotar um produto inovador, um design ou estilo”. O autor nos oferece uma escala de adoção de uma tendência, que reproduzimos a seguir: 1º lugar: inovadores (2,5%). Aderem rapidamente a uma nova tendência logo que ela aparece, são aventureiros, vanguardistas, arrojados, gostam do risco e entendem rapidamente uma proposta. 8 2° lugar: adotantes iniciais (13,5%). Bem-sucedidos, são reconhecidamente líderes locais e, por serem respeitados, conseguem influenciar a comunidade em que estão inseridos. 3° lugar: maioridade inicial/precoce (34%). São também líderes de opinião, assim como o grupo anterior, desfrutam de projeção e respeito nos seus grupos, como usufruem de algum tipo de liderança. Entretanto, refletem antes de aderir a uma inovação. 4° lugar: maioridade tardia (34%). Adotam uma inovação devido a uma pressão, economia ou necessidade. São céticos, desconfiados e cuidadosos. 5° lugar: reacionários (16%). Não atuam como líderes, tampouco influenciam seu meio; muito desconfiados, suspeitam de todo tipo de inovação. O seu processo de adoção de uma inovação é lento e limitado. Assim, pela visão de Rasquilha (2015), os coolhunters fazem parte do primeiro grupo (inovadores), pois sua sensibilidade à observação os permite saírem à frente, ignorarem a opinião dos outros ao adotarem algo novo (Figura 1). Figura 1 – Ciclo de adoção de tendências Fonte: adaptado de Rasquilha, 2015, p. 32. Entretanto, os coolhunters não são suficientes para propagar uma tendência. Nessa etapa, entram em cena os trendsetters participantes do grupo 9 de adotantes iniciais, que, quando aceitam e adotam uma tendência, a fazem propagar e massificar. Esses são indivíduos influentes e dispostos a pagar para sair na frente. Todavia, foram os coolhunters os responsáveis pela segmentação dos grupos a serem observados, descobriram a tendência, a interpretaram e a transformaram em insight de negócios. Em geral, mas não obrigatoriamente, tanto o coolhunter como o trendsetter participam do mesmo grupo social e esse grupo se caracteriza por ser polissocial, ou seja, aquele que se mistura a outros, de diversas maneiras. É nesse movimento que uma tendência é adotada/imitada por coolhunters de outros grupos distintos e isso ocorre porque o trendsetter de um grupo social é observado pelos coolhunters dos outros grupos sociais com os quais se relaciona. Quando uma tendência se instala, inicia-se um processo de mudança, que não se manifesta de forma linear nas várias camadas da sociedade. Normalmente, essa mudança se inicia timidamente e, ao se dar o processo de sua adoção pelos demais participantes de uma sociedade/segmento, ela ganha corpo, atingindo seu ápice quando adotada pelosde maioridade (mainstreamers), depois vai atingindo outras camadas sociais até que também timidamente se vai. Como podemos constatar, tudo tem início com o coolhunter, que observou, identificou e que primeiro adotou a tendência. Essa observação também se dá por etapas e com técnica, ela é sistemática e metódica, ou seja, os grupos-alvo desse estudo são observados com frequência e método e por um bom tempo e, depois de coletadas as informações, passa-se a uma etapa de reflexão sobre os dados, para em seguida se gerar uma interpretação, ou seja, aí entra o ponto de vista do coolhunter e sua expertise. Baseado nos dados coletados, ele gera uma recomendação, apresentada em um relatório detalhado e ilustrado, que finaliza com os insights gerados para negócios. Esse processo, embora aparentemente simples, leva tempo, tanto para a coleta de informações como para sua análise e interpretação. É um trabalho meticuloso, que exige sensibilidade para captar as pequenas e sutis alterações no gosto e no estilo dos consumidores, que se transformarão na tendência futura que ditará uma evolução ou a emergência de um novo mercado. O observador deve ser perspicaz, pois, quando uma tendência se inicia, a atitude/comportamento e a mentalidade que a originam podem se manifestar em mais de um setor, em geral com características correlatas, como por exemplo 10 moda e mobiliário ou moda e cosméticos. Quando um estilo novo atinge a faixa de mainstreamers, em geral os trendsetters já estarão movendo-se para algo novo, já que o cool atingiu a maioria. Emerge uma nova mentalidade a respeito do produto/serviço/setor. Observamos que identificar uma tendência com precisão é de suma importância para uma empresa nos tempos atuais. Consequentemente, ter profissionais capacitados a fazê-lo é fundamental. TEMA 4 – O COOLHUNTER COMO PROFISSIONAL E SEU FOCO Como citado anteriormente, a prática do coolhunter no meio mercadológico é recente, data dos anos 1990, quando se fez muito importante e significativa a atuação das empresas nos segmentos de mercado e não mais nos mercados de massa, cada vez mais escassos. Conforme discorre Fontenele (2004): [...] enquanto nos anos 1970 ainda se podia pensar em mercados de massa, os anos 1990 se veem com o desafio da segmentação. Assim é que esse novo desafio provoca o nascimento das "coolhunting", empresas "caçadoras do cool", daquilo que pode ser gerador de tendências de consumo. O que essas empresas buscam é fazer uma mediação ainda mais direta entre uma forma de expressão cultural – especialmente da cultura jovem – e uma prática de consumo. Em outras palavras, transformar cultura em mercadoria. (Fontenele, 2004) Nessa época, embora entendido que o conhecimento sobre tendências era extremamente relevante, as empresas em geral não estavam preparadas para tal prática; assim, esse campo, em muitas empresas, foi delegado a profissionais de publicidade e pesquisa. No princípio, no meio da moda, esse profissional era jovem, na sua maioria, e atuava como um “olheiro de futebol”. Ele saía a campo com sua máquina fotográfica e procurava capturar todo tipo de comportamento, cores, formas de expressão e cenas que lhe chamavam a atenção e depois transformava tudo isso em um relatório. Atualmente os consumidores estão absolutamente muito segmentados e seus interesses são diversos, mudam o tempo todo e a uma velocidade altíssima, fruto certamente desse mundo digital e globalizado em que vivemos. Os relacionamentos, os gostos e a fidelidade são líquidos. Picoli (2009) esclarece, em artigo, que os ciclos de vida dos produtos são cada vez mais curtos, com isso as empresas necessitam antecipar as 11 tendências e acompanhar as rápidas mudanças para se manterem competitivas. Esse motivo impulsionou a emergência de um novo especialista, o coolhunter. O coolhunter é um profissional com uma formação consistente, observador astuto e perspicaz do meio e de indivíduos, capacitado a interpretar os cenários que estuda apresentando e comprovando uma tendência que ninguém ainda percebeu. Para exemplificar, cito Deweik (S.d.), pioneira em pesquisa de tendência e coolhunter brasileira: Sou jornalista de formação (PUC-SP) e comecei minha carreira professional no Jornal O Estado de S. Paulo, no Caderno 2. Fiz também dois mestrados: um no Brasil em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e outro na Itália, Milão em Fashion Communication, na Domus Academy. Foi neste ano de 1999 que comecei a enveredar pela área de tendências. Fui pioneira em introduzir em 2000 a metodologia de cool hunting (caçar tendências) no Brasil criando o primeiro curso na área no Instituto Europeu de Design e mais tarde na Escola São Paulo. Foi esta paixão que me impulsionou a trazer para o Brasil o renomado e também pioneiro Future Concept Lab, instituto de pesquisa de tendências e consultoria estratégica com sede em Milão, Itália, do qual fui diretora no Brasil. [...] Em 2015 mergulhei em um profundo processo de observar minhas próprias crenças e julgamentos, com uma formação como Coach Ontológico pela Escola Internacional de Coaching Ontológico Newfield Network (Chile), membro da International Coach Federetion, que há mais de duas décadas vêm formando profissionais na América Latina. (Deweik, S.d.) Essa é a apresentação de Deweik em seu site. Podemos perceber que um curso leva a outro e é necessário manter-se em movimento, pois a multidisciplinariedade o constrói o profissional. Picoli (2009) afirma: “As competências do coolhunter na aplicação das teorias, métodos e técnicas de disciplinas como sociologia, psicologia, antropologia, marketing etc. são determinantes no resultado da pesquisa, bem como a formação profissional”. Um coolhunter não deve se limitar à geografia, deve ir atrás de formação que complemente seu conhecimento e o capacite a compreender cada vez mais o que observa, nos grupos em que atua. Algumas disciplinas facilitam mais que outras, não obrigatoriamente, para alguém se tornar um coolhunter: jornalismo, sociologia, pesquisa, antropologia, psicologia do consumo, design. Vários autores procuram destacar características que devem estar presentes na personalidade de um coolhunter: Curiosidade sem limites; 12 Capacidade de observação aguçada, sem se influenciar; Gosto pela inovação; Gosto por experienciar coisas diferentes; Disposição para correr riscos; Adaptabilidade e flexibilidade; Gosto por recriar-se. Para Rasquilha (2015, p. 76), tais profissionais São pessoas com forte vocação criativa para captar sinais de renovação proveniente das subculturas mundiais. São observadores atentos aos comportamentos e necessidades da sociedade, estão em constante atualização, localizam tendências aplicadas a todas as áreas. São pessoas de sensibilidade extrema, observam, analisam tudo o que lhes desperta os sentidos [...]. (Rasquilha, 2015, p. 76) O profissional ainda deve gostar e saber se relacionar com o grupo que estuda e seus pares em outros segmentos. Com o objetivo de traçar um perfil desse profissional, Picoli (2009) entrevistou dez coolhunters, com entre 24 e 30 anos, sobre suas respectivas formações. Apresentamos a seguir as principais conclusões: [...] 50% dos profissionais têm formação nas áreas de ciências sociais, 30% nas áreas de comunicação social e 20% em moda, marketing e administração. Apesar das diferenças registradas na formação de base, todos possuem características semelhantes: apreciam música, cinema, tecnologias e estar sempre bem informado. Manifestam um particular interesse nas pessoas e em viajar, procurar novidades e observar atitudes. Segundo as suas própriasdescrições, identificam-se como pessoas contemporâneas em busca do novo. Alguns destacam ainda a curiosidade, o bom relacionamento com a sociedade, a percepção de elementos que por alguns passariam despercebidos. (Picoli, 2009) Podemos extrair da pesquisa que 100% dos profissionais têm formação na área de humanas, compartilham diversos interesses comuns, sendo a grande maioria expressões culturais, e ficam confortáveis em estar e conviver em público. Quanto ao mercado de trabalho para esse profissional, embora de extrema importância, ainda é muito limitado. No entanto, grandes empresas de marcas mundiais procuram criar suas próprias áreas de informação e pesquisa. Há ainda a possibilidade de atuação em consultoria, como Sabina Deweik, ou em empresas especializadas em pesquisa de tendência: Science of the Time, AYR Consulting Wordwide (AYRWW), WGSN, Future Concept Lab, Stylesight, Look Look, todas com abrangência mundial, e a brasileira, não menos 13 importante, Box 1824, especializada em caça de tendências no segmento entre 18 a 24 anos. Os setores que mais demandam dessas empresas são: moda e beleza, design de interiores, automobilístico e grandes agências de propaganda. Parece restrito, mas esses setores são influenciadores de diversos outros e normalmente são vanguardistas em tendências. Outro ponto a considerarmos é que, a cada dia, essa necessidade de conhecimento sobre o futuro cresce e novos grupos vão surgindo e, com eles, novas tendências. TEMA 5 – PRINCIPAIS FERRAMENTAS DO COOLHUNTER O coolhunting, como já apresentamos, é uma pesquisa de tendências e capturar o que está presente na mente coletiva é o seu grande desafio. Entendamos aqui por mente coletiva um processo involuntário que se propaga e encontra eco dentro de um grupo ou comunidade, e entendê-lo pode permitir a antecipação de um movimento no grupo ou comunidade que afetará o seu modo de consumo. No ponto de vista de Gladwell (The Merchants, S.d.) sobre coolhunting, isso fica ainda mais evidente: Tem a ver com influência pessoal, influência dentro de redes sociais específicas. Tem a ver com a influência de quem tem o respeito e a admiração e a confiança de seus amigos, e não com uma espécie de inveja de status, que é, para mim, uma noção que vem dos anos 50. É uma noção que não é relevante hoje, e também acontece de ser uma noção que eu acho meio que desagradável. (The Merchants, S.d.) Vemos então que, para ser um profissional dessa área, influência e respeito, entre outros atributos correlatos, no meio/grupo estudado são essenciais, mais que status ou posses. Outro aspecto de grande importância trata-se de se mostrar atualizado em relação ao setor/grupo pesquisado, a sua economia, sistema político, tecnológico e comportamental, e entender o contexto histórico, o zeitgeist (o espírito do tempo, que faz menção a tudo o que está no ar, mas ainda não foi compreendido na sua totalidade; capturando esses sinais, é possível entender a personalidade ou o estilo de uma época) complementa o trabalho. O exemplo que citamos sobre os anos 1950 nos ensina isso, ou seja, o tempo de restrição e a necessidade de atender ao básico suplantaram o 14 supérfluo (a beleza), mas não acabaram com o desejo das mulheres de se sentirem jovens, bonitas e atraentes; ao contrário, assim que a economia demonstrou sinais de estabilização e as carências foram atendidas, os desejos de reconhecimento retornaram e elas se importaram consigo mesmas e com sua aparência. De acordo com Picoli (2009), “os coolhunters são o novo grupo de profissionais que aplicam técnicas etnográficas e sociológicas na pesquisa de mercado”. O método ainda é a observação, mas os processos se aprimoraram. Como técnica investigativa, o coolhunter pode estar inserido no grupo-alvo, mas ele não deve intervir no seu objeto de estudo, deve sim adaptar-se e procurar meios menos invasivos. O coolhunting como método se diferencia das pesquisas tradicionais por ser um processo contínuo e não cíclico. O coolhunting ocorre em meio a redes sociais tanto off como on-line, em blogs, salas de bate-papo, entre outras redes sociais. Considerando o que já foi citado, podemos afirmar que a pesquisa qualitativa, combinada a técnicas de sociologia, antropologia e etnografia, são as ferramentas mais apropriadas aos nossos profissionais. A antropologia nos permite entender mais profundamente comportamentos, motivações, dinâmicas e práticas dos grupos sociais pesquisados, enquanto a etnografia nos permite compreender a realidade por uma lente cultural, nos revela os costumes, as crenças e as tradições de uma sociedade. Por meio da aplicação de entrevistas, de diversas tipologias de observação, de análise documental em busca das pistas, podemos compreender uma rotina, bem como a continuidade de uma determinada cultura ou sociedade. A correta compreensão das tradições de uma população em estudo é essencial para a previsão de futuras tendências. Picoli (2009) ainda nos ensina que “a pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, estimula os entrevistados a pensar e falar livremente sobre o tema, objeto ou conceito. Está fortemente ligada ao mercado e o investigador participa do processo”. Rasquilha (2015, p. 76) nos dá uma ideia da rotina de um coolhunter, que elenco em tópicos para mais bem visualizarmos: Ele partilha os valores, as linguagens e os estilos de vida próprios das tribos de consumo. 15 Anota opiniões de desconhecidos que influenciam as atitudes dos grupos. Navega em blogs, websites, redes sociais e comunidades virtuais. Viaja frequentemente. Analisa as vitrines. Frequenta lugares novos para perceber as suas influências e inspirações, baladas, mercados, transportes públicos. Recolhe fotografias, prospectos, programas de shows. Frequenta teatros e galerias, interessa-se por arte. Passa tudo a pente-fino, sempre à procura de novos sinais e novos comportamentos. Após este intenso trabalho de campo, tão importante quanto reunir todo este material compila-lo é interpretá-lo em um relatório que será entregue aos especialistas das empresas. Dessa forma, fica fácil perceber que, na rotina desse profissional, além de uma boa máquina fotográfica e um smartphone, a tecnologia digital é extremamente presente. Networks e redes sociais off (família, colegas de trabalho ou escola, amigos, grupos religiosos que frequenta etc.) e on-line (Facebook, Instagram, YouTube, WhattsApp etc.) são essenciais, pois são neles que se propagam uma ideia, uma informação e uma cultura. Mesmo em blogs de fofoca há o que se observar, pois onde há uma discussão ganhando corpo podem também estar presentes outras informações valiosas. Outra ferramenta importante e que não pode ser esquecida são as redes de coolhunters. Esse trabalho em rede assemelha-se a um crowdsourcing (modelo de interação social baseado na cooperação coletiva para a construção de uma solução que beneficiará a todos), em que há discussão sobre sinais de tendências identificadas por uma rede de indivíduos, os quais compartilham os seus conhecimentos, experiências e opiniões. Conforme Rasquilha (2015), as redes de coolhunters operam utilizando a inteligência e os conhecimentos do coletivo, que se encontra disperso, aproveitando a mão de obra especializada que pretende colaborar para, assim, construir estruturas de inovação. 16 5.1 Coolhunting interno Rasquilha (2015) nos informa ainda que “o coolhunting tem duas grandes áreas de atuação: a observação de mercados externos e a estimulação da inovação interna”. Observar externamente, comojá expressamos, permite uma melhor percepção sobre as áreas em que as empresas devem atuar e em que áreas de negócio investir. Internamente, a técnica permite: Salientar competências escondidas. Auxiliar na reestruturação das equipes de trabalho, para maior produtividade. Aos funcionários propor novas ideias, de forma a aumentar a performance, a eficiência e a criatividade de uma empresa. O processo de inovação, por meio do coolhunting, continua Rasquilha (2015, p. 59), é alcançado mediante quatro passos: 1. Inovação (a nova ideia que altera a vida das pessoas a quem a inovação é aplicada); 2. Canais de comunicação por onde as novas ideias são conduzidas; 3. Tempo e ritmo de adoção da inovação, de forma a estabelecer que inovações se espalharão mais depressa; 4. Como o ambiente social influencia a forma como a nova tendência se espalha. 17 REFERÊNCIAS DEWEIK, S. Experiência. Sabina Deweik Think Forward. Disponível em: <http://sabinadeweik.com.br>. Acesso em: 27 ago. 2018. FONTENELE, I. A. Os caçadores do cool. Lua Nova, São Paulo, n. 63, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 64452004000300007>. Acesso em: 27 ago. 2018. GARCIA, C. Anos 50: a época da feminilidade. Folha Online. Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/anos50.htm>. Acesso em: 27 ago. 2018. GLADWELL, M. The coolhunt: Who decides what’s cool? Certain kids in certain places – and only the coolhunters know who they are. The New Yorker, 17 mar. 1997. Disponível em: <https://www.newyorker.com/magazine/1997/03/17/the- coolhunt>. Acesso em: 27 ago. 2018. GOMES, N. P.; LOPES, M. V.; ALVES, P. E. Coolhunting e estudos de tendências aplicados à moda: modelo de segmentação estratégica. Moda Palavra E-periódico, n. 17, p. 26, jan./jun. 2016. PICOLI, J. I. Perfil do coolhunter. ABC Design, 29 out. 2009. Disponível em: <http://www.abcdesign.com.br/perfil-do-coolhunter/>. Acesso em: 27 ago. 2018. RASQUILHA, L. Coolhunting e pesquisa de tendências: observar, identificar e mapear as tendências e mentalidades emergentes do consumidor. São Paulo: Actual, 2015. THE MERCHANTS of cool. Intervew: Malcolm Gladwell. PBS. Disponível em: <https://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/cool/interviews/gladwell.html>. Acesso em: 27 ago. 2018. AULA 2 COOLHUNTING Profª Hedilaine Zaniboni Rezende 2 Entendendo o Consumidor TEMA 1 – INDIVÍDUO, EU, AUTO-IMAGEM E PAPÉIS SEXUAIS NO CONSUMO Para podermos nos aprofundar e compreendermos mais sobre nosso tema, é fundamental conhecer mais sobre o consumidor, pois afinal é a partir dele que surgem as tendências – ele é o foco do nosso caçador. Quando o consumidor decide adquirir algo, seja bem ou serviço, complexos processos mentais se iniciam. Vem em revista todas as influências a que ele se submeteu, e que irão certamente pesar no tipo de decisão que será tomada. Maluf (2007) concorda que, embora a psicologia não esclareça alguns aspectos dessas influências no comportamento do indivíduo, é sabido que alguns fatores afetam profundamente o comportamento humano. Estudar as necessidades, motivação, percepção, atitudes e personalidade, entre outros, permite melhor compreensão do comportamento do consumidor. Maluf (2007) cita que o interesse em compreender o consumidor e suas formas de consumo não é recente. Todavia, vemos pouca renovação nas teorias explicativas. Ela aponta, por outro lado, que nunca se consumiu tanto (Maluf, 2007): seja pela variedade imensa de produtos e serviços disponíveis, seja pela influência das celebridades em nosso dia-a-dia, seja pelas facilidades que o crédito nos proporciona, seja por apelos emocionais das campanhas publicitárias e das propagandas, seja pela diversificação dos tipos de mídia - a verdade é que todas as teorias sobre o comportamento ainda são insuficientes para explicar as atitudes do consumidor diante de uma situação de compra. Assim, o desejo exagerado pelo "ter" passou a ser objeto de estudo das mais diversas áreas e hoje profissionais de marketing, professores, psicólogos e sociólogos entre outros, buscam respostas para o comportamento de compra do homem moderno, reconhecendo suas necessidades, suas escolhas, suas atitudes e suas decisões de compra tentando compreender suas motivações e expectativas. Como podemos constatar, estamos sob a influência de uma gama muito grande de estímulos: variedade, diversidade, propagandas, mídias etc. O comportamento de consumo do homem moderno tem recebido grande dedicação de profissionais de diversas áreas, visando entendê-lo em variadas frentes, escolhas, atitudes, decisões, motivações e expectativas. Procuraremos, nesta etapa, discutir esses aspectos para entender melhor o comportamento de consumo, para compreendermos melhor a força motora que nos compele a consumir. 3 1.1 O indivíduo e o eu Penso, logo existo. Se existo, quem sou eu? A resposta a essa questão não é tão simples como parece; ao contrário, passa por uma intrincada rede de conceitos, e ainda assim a resposta não é precisa. Em psicologia, o Eu está relacionado ao conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo; é a instância dotada de consciência, sinônimo de personalidade. Entretanto, o quanto cada indivíduo conhece de si mesmo? O que o torna único ou igual a todos na multidão? Atualmente, podemos observar o quanto as pessoas têm necessidade de falar de si mesmas, de se sentirem únicas, de se diferenciarem, destacarem-se. Pode ser um resultado do advento das redes sociais virtuais? É fato indubitável que o volume de posts, selfs, vídeos e comentários nas redes, em crescimento constante, alimenta essa percepção. Para Solomon (2011, p. 192) “o crescimento dos serviços de rede social como esses permitem que toda pessoa se concentre nela própria e compartilhe detalhes mundanos ou cintilantes sobre sua vida com qualquer pessoa que esteja interessada.” Assim sendo, quanto mais redes sociais, mais compartilhamento, mas não de algo público ou de utilidade, mas de fatos da vida daquela pessoa – onde ela está, o que faz, compra, como se sente, se está só, com amigos ou família – até o que está comendo e bebendo vira notícias nessas redes. Não contente de participar de uma rede, essas pessoas participam de todas: Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, e assim vai. São comentários, posts, vídeos instantâneos e fotos. Tal exposição nos leva a crer que esses indivíduos desejam atenção, desejam ser celebridade, “os 15 minutos de fama”. Esse comportamento, embora extremamente difundido, é mais comum no Ocidente que no Oriente, onde o que importa é o “eu coletivo”. Solomon (2011, p. 192) informa que, para essas culturas, o foco está nas relações que cada pessoa mantém com as demais; é perceptível a interdependência existente nessas sociedades. A cultura do Eu como indivíduo único não é o foco principal, tampouco é estimulada. Na cultura ocidental, ao contrário, os estímulos para diferenciação, originalidade e destaque são cada vez mais incentivados e todos desejam ser singulares. Para ilustrar essas diferenças transculturais, Solomon (2011, p. 192) nos traz o resultado de uma pesquisa realizada pela Roper Starch Worldwide, que 4 comparou consumidores de 30 países a fim de determinar quais eram os mais e os menos vaidosos. Em primeiro lugar, ficaram as mulheres venezuelanas: 65% afirmaram pensar sobre a sua aparência o tempo todo. Na sequência, com alta pontuação (mas não citada), vem Rússia e México. Por outro lado, os escores mais baixos foram Filipinas e Arábia Saudita, com 28%. 1.2 Teoria do autoconceito A ideiade autoconceito ou autoimagem está relacionada ao modo como um indivíduo reconhece a si e seus atributos, e como os avalia. Trata-se de um quadro multifacetado, que está ligado ao sistema de crenças. Apesar de complexo, o autoconceito em geral é positivo na maioria das pessoas; obviamente, a intensidade pode ser diferente dependendo da área em questão. A autoimagem pode ser uma visão distorcida da objetiva, segundo Boone (1995, p. 182). O autor ainda esclarece que a imagem espelhada, o modo como o indivíduo pensa que os outros o veem, pode ser bem diferente da autoimagem, uma vez que as pessoas projetam para os outros uma imagem diferente daquelas que acreditam ser na realidade. Solomon (2011, p. 193) nos esclarece que a autoestima está relacionada com a positividade da autoimagem de uma pessoa. Pessoas com baixa autoestima não creem que se sairão bem, e assim tentam evitar constrangimento, fracasso ou rejeição. As empresas que conhecem a baixa autoestima dos seus consumidores procuram trabalhar essas questões nas suas campanhas e produtos – por exemplo, a campanha da Retratos da Real Beleza (Dove Brasil, 2013) é um exemplo disso. A campanha da Dove resgata a autoestima dos seus consumidores, esclarecendo que eles são mais críticos sobre si mesmos que com os outros; assim, a verdade é que são mais bonitos do que acham. Importante entender que existe o Eu que somos e o que idealizamos. Essa comparação gera uma avaliação que afeta nossa autoestima. Solomon (2011, p. 194) nos esclarece como isso impacta o consumo. “Escolhemos alguns produtos porque achamos que eles são coerentes ao nosso eu real, ao mesmo tempo que compramos outros para nos ajudarem a alcançar um padrão ideal”. Ele ainda nos esclarece sobre o “gerenciamento da impressão”, que é o esforço que fazemos para gerenciar o que o outro pensa de nós; por conta disso, escolhemos 5 estrategicamente roupas e outros produtos que estejam alinhados com a imagem que desejamos transmitir. Tudo que escolhemos e usamos tem ligação com os valores e crenças que compõem nossa autoimagem, e com o desejo que temos de transmitir uma impressão ao outro. 1.3 Os papéis sexuais no consumo O que precisamos saber sobre este tema: A identidade sexual impacta a autoimagem/autoconceito do consumidor. Os papéis sexuais sofrem influência de cultura, crenças e valores, e, portanto, diferem de um lugar para outro. As pessoas, na maioria das vezes, cedem e se adaptam à sua cultura quanto ao modo de agir, vestir e falar. Não existe uma clara visão sobre o quanto das diferenças de gênero são moldadas pela cultura e o quanto são inerentes dos indivíduos, mas é fato que impactam no consumo. A cultura local é um fator extremamente invasivo quanto à sua influência no consumo; por exemplo, o consumo de hambúrguer nos EUA e Índia. É sabido que os sexos são diferentes e determinantes em várias áreas do consumo: Consumo de alimentos; Consumo de bebidas alcoólicas; Consumo de roupas e calçados; Consumo de chocolates; Consumo de acessórios pessoais; Consumo de cosméticos; Consumo de carros. As diferenças de abordagem e forma de socialização dos gêneros também são exploradas pelas empresas para incentivar o consumo. Por exemplo, a campanha da Heineken (2010), Walk In Fridge Closet. Outro ponto é a questão gênero versus identidade sexual: o gênero biológico de uma pessoa não determina sua identidade sexual. Esse tema vem sendo tratado em diversos programas e tem sido expressamente debatido. De que forma isso impacta o consumo? 6 Conforme esclarece Solomon (2011, p. 207), “os sentimentos subjetivos de consumidor a respeito de sua sexualidade também são cruciais.” Ele ainda esclarece que, ao contrário do sexo biológico, masculinidade e feminilidade não são definidas biologicamente: são comportamentais, e comportamentos que são tidos como eticamente corretos em uma sociedade para um gênero, podem não ser aceitos em outras. Por exemplo, homens latinos se cumprimentam calorosamente, se abraçam, mas o mesmo não ocorre entre os americanos e japoneses. A tipificação de produtos (ou seja, definição do gênero para os quais foram feitos) até hoje é muito explorada pelo mercado e pelas empresas. Entretanto, com relação a consumidores andrógenos, cuja orientação de gênero não está definida claramente (ou seja, observa-se a presença de traços femininos ou masculinos nos gêneros respectivamente opostos), as empresas nem sempre sabem como se comportar. Outras empresas buscam criar produtos transgêneros, ou seja, produtos desenvolvidos para um gênero, mas que foram adaptados para atender outro. Exemplificando, temos a criação de ferramentas de manicure para homens que se preocupam com a apresentação das mãos. Solomon (2011, p. 209) nos informa que “as pessoas sexualmente tipificadas em geral preocupam-se mais em confirmar que seu comportamento é coerente com a definição cultural de adequação de gênero. ” TEMA 2 – FATORES QUE INFLUENCIAM O COMPORTAMENTO DE CONSUMO No tema anterior, estudamos a teoria do autoconceito/autoimagem e as questões em relação ao sexo. Agora, vamos discutir outros fatores que são grandes influenciadores no comportamento do consumidor. Boone (1995, p. 168) nos apresenta a seguinte equação: C = f (I, P) Entendemos, assim, que o comportamento do consumidor (C) é uma função (f) da interação de determinantes interpessoais (I), como grupos de referência e cultura, e determinantes pessoais (P), como atitude, aprendizado e percepção. “Tanto a constituição psicológica individual como as influências de terceiros afetam o comportamento de compra”. 7 2.1 Determinantes interpessoais Quando analisamos o comportamento de consumo das pessoas, vemos que elas buscam por produtos, bens e serviços que favoreçam sua imagem. Os determinantes interpessoais envolvidos nessas escolhas são influências culturais, sociais e familiares. 2.1.1 Influências culturais É, por definição, o grupo de valores, crenças, preferências e gostos transmitidos através das gerações. A influência cultural, ainda mais hoje em dia, num mundo globalizado, exerce forte poder no consumo de um país, cidade e povo. Quando uma empresa ou profissional se instala num local diferente daquele de que veio, é imprescindível tomar conhecimento dos aspectos da cultural local – em especial os profissionais de marketing, afim de que encontrem o melhor caminho para se comunicar com o público local. A não observância desse ponto pode acarretar em grande desastre mercadológico, dos quais a história está repleta. Vejamos o problemático caso da Coca Cola, publicado na Revista Exame (Dearo, 2016): A Coca-Cola causou uma grande crise na Ucrânia. Primeiro, a marca colocou em seu anúncio um mapa da Rússia, mas não incluiu a região da Crimeia – que pertence à Ucrânia, mas é território disputado entre os dois países. Após reclamações dos russos nas redes sociais, a marca alterou a imagem e incluiu a Crimeia como território sob comando de Moscou. Mas isso, claro, causou profunda revolta entre os ucranianos, que veem na luta pela região uma afirmação nacionalista e contra a influência de Putin. O exemplo acima nos mostra, além da gafe evidente, que o erro maior foi transparecer desprezo pelos sentimentos dos consumidores a respeito dessa questão. As populações de ambos os países trazem forte sentimento nacional, e sem dúvida seus habitantes e consumidores têm histórias familiares a respeito dessa disputa, nem sempre agradáveis, talvez dolorosas. Entra em cena uma empresa estrangeira e sem conhecimento total do contextocria a polêmica. Cabe também mencionar as subculturas existentes em toda cultura. Elas podem ter em comum etnia, nacionalidade, tipo de alimentação, localização urbana ou rural e religião. É imprescindível conhecer a fundo tais detalhes. 8 2.1.2 Influências sociais São adquiridas nos diversos grupos de que o indivíduo participa ao longo da vida. A experiência de grupo mais primária das crianças é de pertencer a uma família. Conforme Boone (1995, p. 172), “a partir deste grupo, elas procuram satisfação de todas as suas necessidades psicológicas e socias. À medida que crescem unem-se a outros grupos, dos quais adquirem tanto status quanto os papéis.” O status é relativo à posição que se ocupa enquanto membro daquele grupo, e os papéis são uma expectativa dos outros membros do grupo sobre aquele que adotou uma posição específica. Dessa forma, ao longo da vida, os grupos vão suprindo seus membros de papéis e status, o que por consequência influencia o comportamento de compra de consumidos/membros de diversos grupos. Vejamos agora os grupos sociais mais relevantes: Grupos de referência – Aqueles nos quais as estruturas de valores influenciam o comportamento de um indivíduo. Assim, os consumidores adquirem bens, produtos ou serviços que são valorizados nos seus grupos de referências: o objeto da compra precisa ser identificado pelos demais membros dos grupos e precisa ser visível, destacar-se. Quanto maior o valor envolvido na aquisição de um bem, mais importância adquire o reconhecimento pelo grupo de referência. As crianças são especialmente influenciáveis pelos seus grupos de referências. Classes sociais – As divisões de classe dizem respeito a ocupação, renda, educação, local de residência e histórico familiar, mas nem sempre é a renda o fator determinante primário aqui – em diversos países, trabalhadores especializados possuem renda superior a professores universitários. Entretanto, quando consideramos o comportamento de compra, é outra história. Booner (1995, p. 173) nos fala a respeito de pesquisas sociológicas que apontam que mesmo diante de uma situação de crise econômica ou imprevistos que venha a diminuir as receitas das pessoas e por consequência seu consumo, ainda assim as pessoas não se sentem pertencentes a outra classe social. Segundo ele, “quando suas expectativas não são confirmadas pela realidade, elas se frustram e podem baixar seus níveis de despesas, mas nem por isso passam a se considerar de uma classe inferior”. 9 Líderes de opinião – Vanguardistas, adquirem produtos antes dos demais e propagam suas experiências via boca a boca com os demais membros do grupo. Se observarmos bem, todos os grupos têm os seus. Esses membros acabam ocupando posições de destaque ou status dentro do grupo, sendo influenciadores dos demais em assuntos específicos, pois desfrutam de reconhecimento como expert nestas áreas; São tidos como criadores de tendências. Nesse contexto, a influência da família na vida de um consumidor não pode ser desconsiderada, se consideramos sua participação ativa, em especial em famílias latinas, ao longo de muito tempo. Por exemplo, uma jovem que sai de casa para morar só, ou é recém-casada, e passa a utilizar marcas de produtos que sua mãe utiliza ou utilizava. Há autores que inserem outros grupos nessa classificação, mas não há unanimidade quanto aos acréscimos. Ainda assim vale atentar para os papéis domésticos e crianças e adolescentes como agentes influenciadores. Quanto ao primeiro, é importante estarmos atentos para a cada vez mais presente ascensão da mulher profissionalmente, e para a presença dos homens nas atividades domésticas. Há que se considerar a mulher como figura de decisão na família, e o peso de sua opinião em investimentos altos cresce cada vez mais, ao mesmo tempo em que as atividades domésticas que exerce sofrem mudanças, de locais horários (há mais fluxo nos supermercados de noite do que de dia) e frequência. Quanto ao segundo grupo: mais e mais, as crianças estão decidindo o que comer e vestir e que brinquedo querem (certo ou não, é fato!). Os adolescentes são consultados em muitas famílias para comprar itens de tecnologia (de tv a smartphones), e nos lares de pais separados ainda recebem mesadas – ou no mínimo mimos de ambos, o que faz com que possam consumir o que desejam. São decisões de compras influenciados por este grupo: roupa, calçado, alimentos e bebidas, opções de lazer, artigos de tecnologia e beleza. 2.2 Determinantes pessoais Fazem parte deste tema: necessidades individuais, motivacionais, percepções, atitudes e autoconceito, aspectos que já destacamos. 10 2.2.1 Necessidades e motivações O reconhecimento de uma necessidade é o fato que gera todo o processo de decisão de compra. Consideraremos aqui as definições dadas por Boone (1995, p. 175): Necessidade é a falta de algo útil, desequilíbrio entre o estado real do consumidor e o desejado. Motivações são os estados que conduzem uma pessoa a satisfazer uma necessidade sentida. Para estudarmos o tema necessidades, é preciso recorrer a Maslow. Ele desenvolveu uma teoria sobre as necessidades humanas, e conseguiu categorizar e priorizar as necessidades em cinco níveis. As necessidades inseridas em um nível inferior ou básico precisam ser atendidas, ao menos em parte, para que o indivíduo passe a priorizar a satisfação do nível seguinte. A figura a seguir nos auxilia no entendimento da pirâmide. Figura 1 – Pirâmide de Maslow para consumo Fonte: Elaborado com base em Boone, 1995. Vejamos uma descrição de cada uma das necessidades: Fisiológicas – São as primárias, relativas a alimentação, abrigo e vestuário. Segurança – Proteção física e contra situações inesperadas, Aceitação social – Desejo de ser aceito na família, grupo primário, e nos demais grupos. 11 Estima – Mais comum em economias desenvolvidas, com boa renda per capta, desejo por realização e respeito diante da sociedade (reconhecimento). Autorrealização – Necessidade por satisfação, busca realizar através do atingimento máximo do seu potencial. Uso pleno de talentos e aptidões pessoais. 2.2.2 Percepções Tem relação com o que uma pessoa capta através dos sentidos. Tema facilmente compreendido, basta recordarmos a forma como escolhemos comida, bebida, perfumes, cremes etc. É o que uma pessoa capta através dos sentidos. Em outras palavras, escolhas realizadas através de experiências sensoriais, como compra de comida, bebida, perfume, cremes etc. Boone (1995, p. 177) nos informa que “recentemente os pesquisadores reconheceram que o que as pessoas percebem é muito mais o resultado do que elas querem perceber do que aquilo que realmente existe.” Isso se deve, segundo ele, a dois tipos de fatores: os estimulantes (cor, peso, forma, aroma) e os individuais (características do indivíduo, seu processo sensorial e também as experiências com itens similares, expectativas e motivações). A ideia de filtros perceptivos diz respeito à resposta seletiva do consumidor aos inúmeros estímulos que recebe. Não há como afirmar qual o melhor caminho para superar os filtros e se comunicar com consumidor, não há receita – varia de acordo com público, local e produto. Já o conceito de percepção subliminar se relaciona à percepção do cérebro, mas não no nível consciente. A informação é reconhecida no nível subconsciente. A propaganda subliminar é proibida, por ser manipulativa. 2.2.3 Atitude Esse conceito está ligado às avaliações que um consumidor tem desenvolvido a respeito de algum produto.Elas são desenvolvidas ao longo do tempo, através de experiências pessoais ou informações obtidas nos grupos em que se convive. Conforme explica Boone (1995, p. 179), as atitudes podem ser favoráveis ou não. Se elas forem favoráveis, leva à compra, do contrário pode-se propagar má-fama. É foco constante de investigação das empresas. 12 Uma atitude é composta por componentes cognitivos (informação, conhecimento sobre o produto), afetivos (reações emocionais, sentimentos) e comportamentais (relativo a propensão e forma como adquire). A cada compra estes três componentes estão presentes, não de forma proporcional, mas estão lá. As empresas procuram produzir atitudes no consumidor, que favoreçam a compra do produto (degustação no ponto de venda) ou então procuram comunicar-se de maneira a apresentar para o consumidor que está atendendo a sua necessidade. A situação é crítica quando a atitude é desfavorável ao produto. A mudança de atitude ocorre quando uma empresa é bem-sucedida em produzir um desequilíbrio entre as 3 componentes atitudinais, ou seja, criar uma contradição ou dúvida razoável. Esta estratégia é muito comum quando uma marca ocupa uma posição inferior no mercado e desafia o consumidor a experimentar. Muito comum no mercado de bebidas (Pepsi, Kaizer, Antartica). O uso de testemunhais para ganhar credibilidade de marca também é uma estratégia muito utilizada. 2.2.4 Aprendizagem A aprendizagem relaciona-se à mudança no comportamento do consumidor resultante da experiência vivenciada por ele. Boone (1995, p. 181) nos explica que a aprendizagem se dá por: Impulso – Resposta instintiva a um forte estímulo que impele à ação. Resposta – Reação do indivíduo a impulsos e sugestões. Reforço – É o racional subjacente, que recompensa os compradores por sua lealdade. Ou seja, o estímulo à repetição do uso induz à fidelidade da compra, e por isso justifica a recompensa aos consumidores. TEMA 3 – O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO Gade (1980, p. 167) nos explica que um processo de tomada de decisão, sob a ótica da psicologia, é sempre doloroso, custoso; não é uma simples equação, porque envolve fatores emocionais e sociais: “a decisão frequentemente não se dá apenas em termos de ganhos e perdas e sim em função do que acreditamos que os outros dirão delas ou sofrerão por causa delas”. Certamente não tratamos aqui de decisões de compras corriqueiras, mas obviamente das que 13 envolvem valores significativos. Embora de fato o processo seja muito complexo, procuraremos simplificá-lo. O processo de decisão de compra é composto por cinco passos, a ver: 1. Reconhecimento de um problema – Pode ser abordado também como oportunidade. Nesse estágio, o consumidor se torna ciente de que há um problema, efeito da discrepância entre a situação real e a desejada. Na sequência, ele busca por uma solução. Esse problema pode não ser simplesmente a falta de algo no estoque de rotina, mas por exemplo a limitação de um equipamento que possui para realizar determinada tarefa, a insatisfação com determinada marca de produto que só vem causando problemas ou ainda uma nova fase de vida devido a mudança de status. 2. Busca por alternativas – Esta etapa pode se dar por um processo simples e rápido, ou por pesquisa de modos alternativos para soluções. As fontes podem ser internas, memórias e observações, ou externas, como consultas a amigos e familiares, internet, panfletos e vendedores especialistas. Quanto maior o valor necessário para a solução, maior será a o tempo e o aprofundamento na busca por alternativas. 3. Avaliação de alternativas – Esta etapa pode ou não ocorrer simultaneamente à etapa anterior. Dependerá da complexidade, de valores e das pessoas que serão afetadas. Ao final desta etapa, o consumidor poderá não estar satisfeito e voltar novamente a buscar mais alternativas, ou ele poderá ir em frente. É importante entender quais critérios compõem a avaliação. Eles podem ser muitos ou não (preço, garantia, tamanho, cor, impostos e taxas, desvalorização, aceitação no mercado etc.). 4. Decisão de compra e ato de compra – Esta etapa é autoexplicativa: aqui o consumidor conseguiu elucidar todas suas dúvidas e focou sua decisão em uma alternativa, e agora basta decidir onde comprar. Entram aspectos relativos a relacionamento, credibilidade, atendimento, condições, condições de pagamentos, prazo de entrega, ambiente de loja, comodidade. 5. Avaliação pós-compra – Neste estágio o consumidor irá avaliar todo o processo e o produto; pode ser um resultado satisfatório ou não. Gade (1980) elenca três possíveis situações: a. Terá influência no seu comportamento de compra futuro; 14 b. Pode ocorrer dissonância cognitiva, quando me decepciono com a decisão que tomei voluntariamente e irrevogavelmente diante das alternativas que tinha; será resolvida se conseguir valorizar o que foi adquirido o desvalorizar as demais alternativas; c. E finalmente o comportamento pode ser influenciado por expectativas não satisfeitas (performance do produto prometidas, mas na prática não atingida). O processo todo se dá porque o consumidor busca resolver um gap entre a situação atual e a desejada. A forma como ocorre tal processo e a satisfação durante e após compra definirá o nível de confiança que ele depositará no vendedor, na marca e na empresa, e influenciará na compra futura, quando novamente ele poderá vir a se relacionar com toda a cadeia. TEMA 4 – O CONSUMIDOR E AS TIPOLOGIAS DE TENDÊNCIA Como o consumidor reage a uma tendência? Raquilha (2015, p. 50) nos informa que: “As tendências se manifestam de diferentes formas: umas estão em volta do comportamento do consumidor, outras estão em volta das atitudes do consumidor. Sempre que uma tendência é identificada por consequente, definida, terá de permitir uma análise correta e uma utilização comercial”. O autor alerta ainda que a compreensão dessas informações é importante, a fim de compreendermos a relevância, o potencial de crescimento e a utilidade da tendência em análise, e avaliar se permite a construção de insights. Ele nos propõe as tipologias a seguir. Quanto ao tipo, as tendências podem ser: Comportamentais – Quando os consumidores apresentam mudanças na forma de fazer algo, na quantidade, na frequência, quando e onde o fazem. Impactam diretamente as vendas. Quanto antes percebidas, permitem à empresa maior tempo para se adequar. Atitudinais – Ao contrário das anteriores, não impactam diretamente as vendas, e podem mudar sem alterar as comportamentais. Interferem no posicionamento da marca, nas respostas dos produtos e na previsão dos comportamentos. Indicam metodologias de gestão e relacionamento, permitindo prever como os consumidores irão responder a determinados estímulos. 15 Micro – Direcionadas para um determinado setor ou comportamento, em número reduzido e com abrangência restrita. Podem fornecer pistas para as macro ou podem crescer para se tornar uma. Macro – Poderosas, de grande abrangência demográfica, influenciam uma série de setores e mercados. Direcionadas por atitudes e necessidades dos consumidores. Internacionais – Atingem diferentes territórios, desenvolvendo-se em locais com nível socioeconômico similar, e atravessando fronteiras de forma rápida e simultânea. Nacionais – As tendências se manifestam conforme a cultura local, já que o comportamento e as atitudes dos consumidores são diretamente influenciados por ela. Entender a abrangência de uma tendência é importante, pois ela poderá estar afetando apenas um setor ou diversos.Observemos agora os consumidores, que podem se manifestar: Por gênero – uma tendência normalmente afeta ambos os gêneros, mas de formas diferentes; Por idade – uma tendência que se manifesta de forma diferente entre jovens e sêniores; Por classe social – há tendências direcionadas para certos grupos; Nas relações – ocorrem em grupos definidos, por exemplo família e grupos universitários; Na cultura – tendência segmentadas por etnias e culturas são importantes na cultura ocidental; às vezes, uma tendência étnica acaba atingindo diversos setores. TEMA 5 – O CONSUMIDOR DIGITAL Não é novidade que estamos vivendo num mundo de megacidades e centros urbanos cada vez maiores. Esse contexto promove o distanciamento das pessoas; por outro lado, a tecnologia digital mantém todos conectados. A revolução trouxe com ela conectividade e isso mudou o mundo, e consequentemente o consumidor. Cada vez mais as pessoas se conectam na rede, e o marketing digital promove mais e mais comodidade e conveniência para compras. Não importa onde o consumidor esteja, que horas são ou qual o dia da semana. Os produtos e ofertas estão disponíveis todos os dias do ano, 24h/dia. 16 E o consumo não se restringe só à compra de bens e produtos, mas inclui o consumo de notícias e entretenimento, a prática de esportes, a educação, entre outros. As grandes editoras de jornais e revistas estão fechando ou se reorganizando para acompanhar a onda; com os smartphones, o consumidor pode descobrir a qualquer momento o que está acontecendo no mundo – tudo está a um feed de distância. O comércio foi totalmente revolucionado. Quem tem uma loja física que não tenha uma virtual na internet, uma fan page no Facebook, ou uma página no Instagram? Não se trata só de empresas vendendo ao consumidor final (B2C), pois há ainda o B2B, o comércio entre empresas, e o C2C, o comércio entre consumidores (OLX, Mercado livre, Ebay etc.). No mundo virtual, as relações não têm fronteiras, tanto para se cultivar amigos ou relacionamentos como para as relações comerciais. Quanto a essa expansão: embora esteja presente no mundo todo, a intensidade com que os usuários podem utilizá-las varia de acordo com as nações, suas leis e com a situação econômica que permite acesso à rede. Uma novidade que vem crescendo e ganhando aderência são as criptomoedas, que prometem uma economia unificada, sem impostos ou burocracias. A mais famosa de todas, que já fez milionários no mundo, é a Bitcoin. É a pioneira e a que mais permite transações comerciais. Por outro lado, toda evolução também tem um lado negro – o consumo desenfreado deste mundo digital vem afastando pessoas do mundo real. Com os jogos interativos, muitos jovens passam horas, às vezes dias jogando, ao invés de interagirem com amigos e família no mundo real. Semelhante acontece com profissionais que ficam conectados sempre, resolvendo questões de trabalho, e que acabam por relegar a família a um segundo plano, o que pode culminar em famílias disfuncionais. Até que ponto isso é saudável? Solomon (2011, p. 48) nos propõe uma reflexão: Os profissionais do marketing e os consumidores coexistem em um relacionamento complicado de mão dupla. É quase sempre difícil dizer onde o trabalho de marketing termina e onde “o mudo real” começa. Um resultado dessa indefinição de fronteiras é que já não sabemos mais com certeza (e talvez não nos importemos com isso) onde começa e onde termina a linha que separa o mundo fabricado e a realidade. É um caso de ética: até onde devemos estimular a ilusão ou promover canais de fuga? Somos profissionais e responsáveis por isso, mas quem está olhando? Fato é que não podemos colher laranjas se plantamos abóboras. 17 REFERÊNCIAS BOONE, K. Marketing contemporâneo. Rio de Janeiro: LTC, 1995. DEARO, G. Gafes: 25 ações de Marketing que saíram pela culatra em 2016. Exame, 14 dez. 2016. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/marketing/gafe s-25-acoes-marketing-2016>. Acesso em: 4 set. 2018. DOVE Retratos da Real Beleza. Dove Brasil, 15 abr. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Il0nz0LHbcM>. Acesso em: 4 set. 2018. GADE, C. Psicologia do consumidor. São Paulo: EPU, 1980. WALK In Fridge Closet. Heinekken, 24 jan. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hTWq11MzNxw>. Acesso em: 4 set. 2018. MALUF, R. O Consumo nos dias atuais. Portal do Marketing, 8 dez. 2007. Disponível em: <http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Consumo_nos_dia s_atuais.htm>. Acesso em: 4 set. 2018. RASQUILHA, L. Coolhunting e pesquisa de tendências: observar, identificar e mapear as tendências e mentalidades emergentes do consumidor. São Paulo: Actual, 2015. SOLOMON, M. R. O comportamento do consumidor. Porto Alegre: Bookman, 2011. AULA 3 COOLHUNTING Profª Hedilaine Zaniboni Rezende 2 TEMA 1 – TENDÊNCIAS: COMO IDENTIFICÁ-LAS Uma vez entendido o que é Coolhunting e como atua o profissional dessa área, vamos agora detalhar um pouco mais sobre tendências e suas características. Prever uma tendência, como já vimos, permite uma vantagem competitiva muito grande à empresa, mas, por outro lado, não é um trabalho muito fácil. Uma série de dúvidas nos vem à mente quando falamos de tendências: O que é? Como identificá-las? Quais são os sinais? Como estar certo de que investir nesses sinais resultará em sucesso? Diversos autores apresentam suas definições de tendências e como conseguir detectá-las a tempo. Godoy (2018) comenta que “o estudo do passado e do presente é que determina a direção que leva ao futuro. Em empresas de tendências, os profissionais passam a analisar e pesquisar conexões sobre o que está ocorrendo. O futuro está presente nas ações cotidianas mais frequentes, das quais devemos decodificar a cultura”. Ou seja, para ele é necessário incluirmos uma visão do passado no estudo de tendências. Para outros autores, o futuro está mais relacionado com o presente, o cotidiano. Por exemplo, Faith Popcorn, conhecida por muitos como a “Nostradamus do Marketing”, comenta em entrevista para a revista HSM Management (Cajaraville, 1998) que “o futuro não é repetição do passado”, mas que “as empresas precisam abrir mão de velhas ideias e desenvolver novas”, para que possam entender uma tendência e vir a desenvolver algo para aproveitá-la. Assim, esse processo estaria relacionado ao presente e não ao passado. Godoy (2018) aponta: Identificar tendências significa antecipar as mudanças que necessitam ser feitas de forma que tais mudanças façam parte do cotidiano. Representa a solidificação dos diferentes desejos individuais presentes no inconsciente coletivo, contendo energia, variedade e estabilidade suficiente para continuar avançando no mercado até tornar-se parte do deste. Segundo esse conceito, para identificarmos uma tendência devemos observar quais mudanças que ser realizadas e inseridas na rotina. Godoy ainda relaciona a tendência com a solidificação de desejos, com a concretização de vontades que estão presente no inconsciente coletivo. Ou seja, quando se trata de um desejo compartilhado por muitos indivíduos, há energia suficiente para que a tendência se forme e torne-se parte do mercado. 3 Por outro lado, Rasquilha (2015, p. 16) comenta que “o estudo de tendências é ainda uma disciplina relativamente recente, em que não se estabeleceu uma prática definitiva deste processo de identificar e analisar tendências”. Ele segue afirmando que “a análise de tendências não é uma pseudociência”. Certamente concordamos, dado que, embora não haja um caminho pré-definidocom que todos concordem, exige um processo lógico e formal, que combina metodologias. Conforme nos explica Rasquilha (2015, grifo do original), para entender uma tendência, precisamos distinguir o que onda, moda e tendência: Onda – vêm com um impacto grande, mas dissipam-se rapidamente. As pessoas incorporam-nas sem entender porquê. Exemplos de Ondas tivemos os Crocs ou a Pulseira Power Balance. Moda – incorporada de forma consciente na rotina diária. Não acarreta mudança de comportamentos. Tem um impacto menor do que a onda e dura mais tempo. Temos como exemplos de Modas os Converse All Star ou a Pandora. Tendência – resultado de uma mudança de comportamento. Começa de uma forma mais tímida do que a Onda e a Moda, mas a sua duração é grande e com impactos profundos. Assumida como mentalidade emergente e dominante. Bons exemplos disso são as Havaianas e os Swatch, como acessórios de moda. Kotler e Keller (2012, p. 76) também sugerem uma categorização em três grupos, mas unem onda e moda no que chamam de modismos, e assim temos: Um modismo é “imprevisível, de curta duração e não tem significado social, econômico e político”. Uma empresa pode faturar com modismos como as sandálias Crocs, os bonecos Elmo TMX e os brinquedos Pokémon, mas o sucesso requer sorte e um bom senso de oportunidade. Uma tendência é um direcionamento ou uma sequência de eventos com certa força e estabilidade, mais previsível e duradoura do que um modismo; as tendências revelam como será o futuro e podem prover direção estratégica. Por exemplo, uma tendência à valorização da saúde e nutrição trouxe maior rigor às regulamentações governamentais e publicidade negativa para empresas que estimulam o consumo de comida pouco saudável. Uma megatendência é uma “grande mudança social, econômica, política e tecnológica [que] se forma lentamente e, uma vez estabelecida, passa a nos influenciar por algum tempo — de sete a dez anos, no mínimo”. Como podemos observar, Rasquilha foca seus conceitos em impactos e transformações comportamentais, enquanto Kotler e Keller observam um cenário maior, se atendo a mudanças sociais, econômicas e políticas, conforme o exemplo sobre comidas saudáveis. O importante é entendermos que onda, moda e modismos não são tendências, e seus impactos não causam mudança de 4 comportamento ou direção, enquanto as tendências, diferentemente, provocam uma ruptura no status quo e mudam o curso do mercado, afetando as empresas, os negócios, a política e a economia. Quanto maior for a sua reverberação e estabilidade, maior a tendência, até ser denominada megatendência. Kotler e Keller (2012, p. 76) ainda apontam que, “para ajudar profissionais de marketing a identificar mudanças culturais que possam trazer novas oportunidades ou ameaças, várias empresas oferecem previsões socioculturais” Isso é confirmado pela observação de Grossman (2003): Quando as pessoas cool – um grupo conhecido pelos marqueteiros como consumidores alfa – começam a falar, ou comer, ou fazer compras de um certo modo, as pessoas não cool os seguirão. Ou seja: observe o que os consumidores alfas estão fazendo hoje e você poderá prever o que a maioria estará fazendo amanhã. E, em uma época de competição acelerada, com empresas obcecadas por inovações permanentes, informações que garantam um investimento seguro valem muito dinheiro, o que gerou "uma indústria pequena, mas vigorosa, completamente dedicada a colher informações desse tipo: os observadores de tendências, que entendem o que é e o que não é cool. Em comum, os autores mencionam empresas dedicadas a estudar e compreender tendências, com base em pesquisas de mercado, pesquisas de tendências e coolhunting. TEMA 2 – ENTENDER AS TENDÊNCIAS: FASES DO PROCESSO Das informações que coletamos, podemos observar que toda tendência é um processo de mudança proveniente do consumidor e seu comportamento de consumo. Rasquilha (2015, p. 29) vai além, lembrando que o “processo de mudança que resulta da observação do comportamento dos consumidores origina a criação de novas ideias: de negócios, de produto ou de serviços, de marca ou de ação”. A interpretação dessas observações, devidamente embasadas, gerarão insights para as empresas, que poderão mudar a forma de desenvolver, pensar, produzir e vender um produto/serviço/marca. Poucos autores se detiveram em explicar como ocorre esse processo de observação e descoberta de tendências. Rasquilha (2015, p. 21) , um deles, nos propõe o seguinte processo de tendência: Observação – Fermentação – Interpretação – Transformação. Vamos detalhar primeiramente a fase de observação. Retomando Grossman (2003), temos uma pista, quando fala de pessoas cool ou 5 consumidores-alfa. Esse conceito faz referência àqueles que todos seguem – os alfas. Rasquilha (2015, p. 30) os descreve como “indivíduos que criam e estão permanentemente preocupados com as novidades, estilos inovadores”. Segundo Rasquilha (2015, p. 30), são os innovations lovers. Para identificarmos uma tendência, precisamos descobrir quem são esses indivíduos, no segmento em questão, e observá-los. Embora não seja um trabalho tão simples quanto parece, há características que nos auxiliam: são pessoas que gostam de experiências novas, estão sempre atentos a lançamentos e tecnologias, comportam-se sem se preocupar com a opinião do grupo, são normalmente seguidos – líderes, originais, correm riscos (já comentamos essas características quando falamos do perfil dos coolhunters) A fermentação é o tempo em que uma tendência se desenvolve, tornando- se visível. Quando uma mudança atinge duas ou mais indústrias simultaneamente, tornando-se visível, é sinal que estamos diante de uma “nova tangibilização de uma tendência, que reflete um comportamento e uma mentalidade mapeada e identificada” (Rasquilha, 2015, p. 30). A partir dessa fase, um monitoramento constante é necessário, observando-se o ciclo de adoção pelos demais públicos. Importante mencionar que o processo de adoção de uma tendência pode se diferenciar de acordo com o público adotante (tema que veremos na sequência). O público adotante inicialmente é muito pequeno, e por isso é crucial estar atento aos sinais mais sutis de mudança no comportamento dessas pessoas. A análise de todas estas informações permite uma interpretação do caminho de desenvolvimento e dos impactos possíveis da nova tendência; no entanto, requer acompanhamento, a fim de confirmar tais premissas. Feito isto, é necessário destacar os insights que poderão servir às demais indústrias. TEMA 3 – O CICLO DE ADOÇÃO DE UMA TENDÊNCIA Nas aulas anteriores, vimos a curva de adoção de uma tendência, e os públicos que fazem parte de cada etapa da adoção: 1º lugar – Inovadores (2,5%): aderem rapidamente, são aventureiros, vanguardistas, arrojados, gostam do risco e entendem rapidamente a proposta. 6 2° lugar – Adotantes iniciais (13,5%): bem-sucedidos, são líderes locais, e conseguem influenciar a comunidade em que estão inseridos. 3° lugar – Maioridade inicial/Precoce (34%): são também líderes de opinião, desfrutando de projeção e respeito nos seus grupos; entretanto, refletem antes de aderir a uma inovação. 4° lugar – Maioridade tardia (34%): são céticos, desconfiados e cuidadosos, e resistem para adotar a inovação. 5° lugar – Reacionários (16%): muito desconfiados, suspeitam de todo tipo de inovação. O processo de adoção é lento e limitado. Os títulos dados a cada público podem variar dependendo do autor. Estamos adotando os apresentados por Rasquilha (2015). A figura abaixo exemplifica a forma como uma tendência é propagada nesses públicos
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