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A grilagem, a legitimação legal e a função social da propriedade

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR 
DIREITOS REAIS 
DOCENTE: BARBARA CAMARDELLI 
DISCENTE: PAULO BRENO NOVAIS SANTOS 
A grilagem, legitimação legal e função social da propriedade 
De acordo com o INCRA, grilagem é “a ocupação irregular de terras, a partir de 
fraude e falsificação de títulos de propriedade”. Portanto, antigamente homens 
invadiam terras rurais e por meio da falsificação apresentavam ao Poder Público e às 
pessoas o falso título de propriedade daquelas terras. O termo em si possui muitas 
teorias de surgimento, sendo uma delas a de que os papeis falsos eram colocados 
em caixas com grilos para que, através das fezes e urinas desses insetos o papel 
ficasse com aspecto envelhecido, como maneira de atribuir maior veracidade à 
falsificação documental. 
Deixando de lado o aspecto penal referente à falsificação de documentos, a 
grilagem, segundo Carvalho (2019) é “a conduta ilícita que tem por finalidade a 
transmissão de terras públicas para compor patrimônio alheio”. Contudo, a grilagem 
há muito deixou de ser tema afeto a indivíduos cujo objetivo era apenas obter terras 
ilícitas para si. Atualmente a prática conta com uma rede de colaboradores das mais 
diversas áreas da sociedade, assim como do próprio Governo. “No Livro Branco da 
Grilagem de Terras”, apud Carvalho (2019): 
A grilagem de terras acontece normalmente com a conivência de 
serventuários de Cartórios de Registro Imobiliário que, muitas vezes, 
registram áreas sobrepostas umas às outras – ou seja, elas só existem no 
papel. Há também a conivência direta e indireta de órgãos governamentais, 
que admitem a titulação de terras devolutas estaduais ou federais a 
correligionários do poder, a laranjas ou mesmo a fantasmas – pessoas 
fictícias, nomes criados apenas para levar a fraude a cabo nos cartórios. 
Depois de obter o registro no cartório de títulos de imóveis, o fraudador repetia 
o mesmo procedimento no Instituto de Terras do Estado, no Cadastro do 
Incra e junto à Receita Federal. Seu objetivo era obter registros cruzados que 
dessem à fraude uma aparência de consistente legalidade (1999, p. 04). 
Portanto, os grilos fechados em caixas com papeis falsos deixaram de ser um 
problema e agora o próprio Poder Público, na pessoa dos serventuários de cartórios 
estão diretamente envolvidos não apenas na legitimação desse crime, como também 
na perpetuação. O Brasil, desde o fim das sesmarias e com o processo de 
desenvolvimento e conquista da Amazônia construiu-se fundamentado na grilagem. 
Os pobres e os afortunados começaram a proclamar que as terras invadidas eram 
suas e que, portanto, detinham propriedade sobre o local podendo impor erga omnes 
tal qualidade, principalmente com o fim do Império (1889) cominado à Lei de Terras e 
o processo de início da república em 1900. Essa condição de distribuição irregular das 
terras, cujas raízes se encontram nas capitanias hereditárias da colonização, com o 
advento da república, gerou enorme insatisfação no povo desencadeando revoltas e 
guerras cujo objetivo era uma distribuição mais isonômica das terras. Assim sendo, a 
grilagem não pode ser entendida afastada do contexto histórico-social que a 
fundamenta até os dias de hoje, envolvendo não apenas os pobres, como também os 
ricos e até mesmo servidores públicos. 
A reação governamental à luz da historicidade, de acordo com Carvalho (2019, 
p. 27), foi a instituição da Lei Imperial 601 de 1850, a Lei de Terras, que cuidou de 
distinguir as terras privadas das públicas, assim como foi a responsável por integrar o 
conceito de terras devolutas ao ordenamento jurídico pátrio. A lei instituiu também a 
necessidade de títulos para comprovação da posse, o que favorecia os latifundiários 
em contraposição aos colonos e pequenos grupos familiares. Essa medida, portanto, 
legitimava a influência pública dos próprios interesses e ao favorecimento dos mais 
ricos a despeito dos mais pobres. 
 O maior e mais recente exemplo disso se deu com alguns desembargadores, 
juízes e servidores vinculados ao Tribunal de Justiça da Bahia que estão sendo 
investigados, em 2019, por envolvimento com a venda de sentenças para grileiros em 
troca de obter certa quantia de terras apropriadas para próprio uso. 
De acordo com as informações divulgadas pelo site “Canal Rural”, desde 2013 
o Presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Gesivaldo Nascimento Britto, 
movimentou mais de R$ 24 milhões de reais com a venda dessas sentenças. Ainda 
segundo o site: “A investigação apontou uma ‘teia de corrupção, com organização 
criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA, bem 
como advogados, produtores rurais e outros atores do referido Estado, em um 
esquema de venda de decisões para legitimação de terras no oeste baiano’”. 
O problema, no entanto, não reside no aspecto imoral das condutas praticadas 
por homens e mulheres que, à luz da sociedade, são julgados como mais bem 
entendidos, informados e aptos para gerirem litígios sociais. O cerne da questão se 
encontra na legitimação legal que a Lei 13.465/2017 deu aos grileiros e, portanto, se 
trata de clara inserção pública em um problema que deveria ser resolvido por estes 
que legitimam. 
A lei 13.465/2017 surgiu através da Medida Provisória 759 de 2016, sancionada 
pelo então Presidente Michel Temer. Um dos motivos pelos quais tal medida foi 
elaborada era um sentimento de dar aos pobres mais terras e promover uma reforma 
agrária pequena, tímida, mas eficiente em busca de uma justiça social. “A norma 
tratava em seu teor sobre os assentados da reforma agrária, a regularização de glebas 
na Amazônia, bem como, simplificava a transmissão de propriedades imobiliárias 
pertencentes à União” (Carvalho, apud Brasil, 2019). Ocorre que, a presidência, 
através da explicitação de motivos da referida medida provisória claramente diz que 
existem muitas terras públicas da União a serem destinadas e que são ocupadas por 
lavradores, mas, o que não percebem (ou fizeram vistas grossas) é que essas terras 
estão sendo invadidas por lavradores, uma vez que pertencem à União e não ao 
privado. Sauer e Leite (2017) citando Góes, enumeram que esta medida tem “como 
foco principal quatro questões: a titulação, a seleção de famílias, a regularização das 
ocupações e a obtenção de terras” e enfatizam ainda que em uma das alterações 
trazidas pela lei no: 
 Inciso I, do Art. 18-A amplia a possibilidade de regularização de dois 
para quatro módulos fiscais. Como a esmagadora maioria dos projetos de 
assentamentos contém lotes com até um módulo fiscal, serão regularizadas 
ocupações de vários lotes. 
Evidentemente, essa simples alteração gera uma consolidação, agora legal, 
dos latifúndios, tendo em vista que o módulo fiscal, em alguns municípios, não sofre 
atualização desde a década de 80, o que finda na possibilidade de uma pessoa 
regularizar grande quantidade de lotes, incentivando a concentração de terras e o 
processo de grilagem em favorecimento dos latifúndios, exatamente o oposto do que 
se almejava com a criação da lei. 
 A consequência, portanto, é a perpetuação da impunidade através de uma lei 
que dá aos grileiros títulos proprietários de terras que eles invadiram quando não havia 
lei e agora não mais serão punidos. O Procurador-Geral da República à época, 
Rodrigo Janot, acerca da referida lei disse: 
A Lei 13.465/2017 distancia-se do cumprimento dessas metas. Ela 
autoriza transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e 
alta renda, visando a satisfação de interesses particulares, em claro prejuízo 
à população mais necessitada, o que causará grave e irreversível impacto na 
estrutura fundiária em todo território nacional (...). (BRASIL, ADI 5771). 
A Lei 13.465/2017 diminuiu condicionantespara a regularização de terras, 
inclusive na Amazônia Legal, o que, segundo Sauer e Leite “ampliou ainda mais as 
possiblidades da apropriação ilegal de terras públicas, merecendo o mesmo título 
dado à MP 458/2009: MP da grilagem”. 
Primordialmente, o que se percebe, sem adentrar no mérito e exaurir as 
condições impostas pela referida lei, é de que o interesse estatal oriundo da Lei de 
Terras de 1850 prevalece no Brasil atual. A Constituição Federal estabelece em seu 
art. 5º, XXII e XXIII que a propriedade é garantida e cumprirá a sua função social. 
Contudo, a que tipo de função social definitivamente se busca ao ser sancionada e 
vigente uma lei como a 13.465/17? Não se questiona os pontos positivos que o 
dispositivo legal trouxe, mas se questiona até que ponto os ganhos podem se impor 
às perdas, se é que podem. 
O Direito Civil no estudo das coisas, ou o comumente chamado Direitos Reais 
preocupa-se em atribuir à propriedade um fim que seja maior que a aglomeração de 
bens nas mãos do indivíduo e alcance uma finalidade prática de utilização que 
beneficie não apenas o dono da coisa possuída, mas principalmente a sociedade. A 
legitimação estatal que é dada aos grandes latifundiários e aos grileiros claramente 
não atribui à propriedade de terras uma função social, mas sim uma função 
materialista e aquisitiva. Se com função social a intenção do ordenamento for a mera 
construção e não a relevância prática que determinada propriedade dá à sociedade, 
está-se diante do empobrecimento do dispositivo constitucional, assim como do 
esvaziamento da letra de lei. Martins, citado por Carvalho, diz que: 
 Nessa perspectiva, assevera José de Souza Martins que o capital é 
o proprietário da terra, e que nesse momento e nesse lugar estamos diante 
de uma amostra antidemocrática de desenvolvimento capitalista, baseado em 
um pacto político, originado durante a ditadura militar, que casou numa só 
figura única: latifundiários e capitalistas. (Martins, 1994, p.15) 
Em suma, o cenário que se constrói no país não é o de uma reforma agrária 
que leve em consideração a função social da propriedade em seu aspecto 
principiológico e deontológico, ou seja, moral, mas antes de tudo que 
fundamentalmente baseia-se em fazer do rico mais rico e do pobre menos favorecido 
ainda. 
 
 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
BRASIL. Lei 13.465, de 11 de julho de 2017 que “dispõe sobre a regularização 
fundiária rural e urbana [...]”. Brasília, Presidência da República, 2017. 
CARVALHO, Lara Carlos de. A REPERCUSSÃO JURÍDICA DA “GRILAGEM” FACE 
AO DIREITO DE PROPRIEDADE DO IMÓVEL RURAL. Trabalho de Conclusão de 
Curso do CENTRO UNIVERSITÁRIO DE GOIÁS Uni-ANHANGUERA CURSO DE 
DIREITO. Goiânia, 2019. Disponível em < 
http://repositorio.anhanguera.edu.br:8080/handle/123456789/194 > Acesso em 24 de 
novembro de 2019 
RURAL, Canal. Desembargadores do TJ-BA são suspeitos de vender sentenças 
em esquema de grilagem. 2019. Disponível em < 
https://blogs.canalrural.uol.com.br/mariobittencourt/2019/11/19/desembargadores-
do-tj-ba-sao-suspeitos-de-vender-sentencas-em-esquema-de-grilagem/ > Acesso em 
24 de novembro de 2019 
SAUER, Sérgio; LEITE, Acácio Z. MEDIDA PROVISÓRIA 759: DESCAMINHOS DA 
REFORMA AGRÁRIA E LEGALIZAÇÃO DA GRILAGEM DE TERRAS NO BRASIL. 
Revista Retratos de Assentamentos. Araraquara-SP, 2017. Disponível em < 
http://retratosdeassentamentos.com/index.php/retratos/article/view/258/241 > Acesso 
em 24 de novembro de 2019

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