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Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Pós Graduação Lato Sensu PLANEJAMENTO PROJETO DE ENSINO- APRENDIZAGEM E PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO Circulação Interna 0 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Sumário APRESENTAÇÃO............................................................................................................................ 2 1ª Parte PLANEJAMENTO EM QUESTÃO.................................................................................................. 3 Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 21 2ª Parte O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS PEDAGÓGICA.................................... 22 Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 66 3ª Parte PROJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM.................................................................................... 67 Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 122 4ª Parte PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO............................................................................................. 123 Atividades de Síntese.......................................................................................................................... 148 Referências Bibliográficas.................................................................................................................. 149 Atividades Avaliativas........................................................................................................................ 154 1 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Apresentação Não somos pescadores domingueiros, esperando o peixe. Somos agricultores, esperando a colheita, porque a queremos muito, porque conhecemos as sementes, a terra,os ventos e a chuva, porque avaliamos as circunstancias e porque trabalhamos seriamente. Danilo Gandin Caro aluno, Nossos estudos estão baseados em três grandes eixos (realidade, finalidade, mediações), que foram organizados em quatro partes (o terceiro eixo está desdobrado em duas partes). Na primeira parte, buscamos entender melhor o problema do planejamento educacional (relativamente à escola e à sala de aula), levantar algumas hipóteses para explicar o que está acontecendo, passar da manifestação à compreensão das possíveis causas. Na segunda parte, procuramos resgatar o sentido do planejar, tanto no que diz respeito à sua necessidade quanto à sua possibilidade, apontando suas finalidades; em seguida, fundamentamos conceitualmente, através de uma perspectiva histórico-antropológica e epistemológica do planejamento. Na terceira e quarta partes, caminhamos em direção à operacionalização, indicando algumas perspectivas teórico-metodológicas de como planejar no âmbito da sala de aula (Projeto de Ensino-Aprendizagem) e da escola (Projeto Político- Pedagógico), respectivamente. Este módulo traz muitos conhecimentos importantes para a prática de educadores, diretores, orientadores, enfim, de todos os envolvidos com a educação. A todos, bons estudos! 2 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico 1ª Parte PLANEJAMENTO EM QUESTÃO INTRODUÇÃO: O PAPEL DA REFLEXÃO De início, precisamos considerar que a reflexão encontra-se no campo da subjetividade, sendo que os obstáculos para a mudança estão tanto no campo subjetivo como no objetivo, Como avançar? A reflexão enquanto tal (atividade simbolizadora e seus produtos: representações, conceitos, teorias, etc.) não pode, de fato, interferir diretamente na realidade, nas condições objetivas; quem age sobre a realidade — direta ou indiretamente (através de algum instrumento) — são os sujeitos. Ocorre que estes, por sua vez, têm sua ação pautada em algum nível de reflexão, visto que a prática está sempre baseada numa significação, seja ela ideológica, interesseira, utilitária, alienada, qual seja, não é um processo mecânico, automático, aleatório, casuístico. Incessantemente há na ação consciente dos sujeitos um nível de elaboração, um sentido, um fim, uma justificativa, uma marca humana que é a intencionalidade.1 E como afirma Rubinstein: o caráter consciente e orientado a um fim caracteriza a atuação humana (1967: 596). E certo que a ação humana pode ser alienada; poderíamos, no entanto, dizer que a alienação não está na ausência de fins, mas na qualidade dos mesmos. 1 A não ser casos de doença física ou neurológica. E justamente mercê do que parece bem. que todos realizam tudo (Aristóteles, Política). Nosso desejo é ajudar a transformar a prática educativa. Assim estes estudos pautam-se na mediação simbólica, na reflexão. Poderíamos nos perguntar: diante do quadro — muitas vezes dramático — de dificuldades da educação escolar, qual seria o papel da reflexão? A reflexão, portanto, é uma mediação no processo de transformação. Digamos assim, ela pode agir ‘através’ do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de interagir com a intencionalidade dos sujeitos, favorecer a interação entre eles, de forma a que possam ter uma ação pautada numa nova concepção. No entanto, esta interação não pode ser ingênua: Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas. (Marx, 1989: 86) 3 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Qual seja, devemos levar em conta a influência da dimensão objetiva na subjetiva: “Não é lutando contra a fraseologia de um mundo, que se luta com o mundo que realmente existe” (Marx, 1980a: 17). A reflexão precisa ajudar a identificar os elementos que condicionam a prática e a entender como os mesmos interferem na percepção que os sujeitos constroem da existência. Retomemos a questão: considerando os dois grandes níveis de obstáculos (objetivo e subjetivo), qual o papel da reflexão? Trabalhar com os obstáculos da consciência (conteúdo: ideologias, preconceitos, bloqueios; forma: estruturas mentais, lógicas, estilos de pensar); e se constituir em guia de intervenção sobre os obstáculos objetivos, a partir da tentativa de captar estes determinantes, para poder intervir no real. O sentido último da teoria é a transformação da prática. A reflexão tem, pois, por função propiciar o despertar do sujeito, além de capacitá-lo para caminhar (um conhecimento da realidade — Análise da Realidade, uma nova intencionalidade — Projeção de Finalidades, e um novo plano de ação — Formas de Mediação). Isto implica que a reflexão precisa articular duas dimensões: 1) Convencimento — ser elemento que dê sentido e força à atividade, propicie o despertar do desejo para a consciência se integrar, se encontrar, se motivar, se dispor para a ação. ‘Limpar o meio de campo’: desconstruir representações equivocadas, desmontar mitos e preconceitos. Ajudar o sujeito (pessoal e coletivamente) a se convencer de que sua ação é importante, embora limitada. Corresponde a uma mobilização inicial, à gênese do resgate do professor como sujeito. Esta é, então, uma primordial tarefa da reflexão: 2) lntervenção — ser um guia para a prática que se quer transformadora. Indicar caminhos. Ajudar a ganhar competência para a ação: entender o que está acontecendo; projetar objetivospara a ação; apontar alternativas para a intervenção. A outra grande tarefa da reflexão é, então: Deve ficar claro que tratam-se de duas dimensões e não de duas etapas da reflexão, qual seja, não podemos imaginar que primeiro teremos o sujeito totalmente convencido, para só então buscarmos um caminho de intervenção. Apresentamos na seqüência um quadro procurando sistematizar as funções da reflexão no processo de transformação da prática pedagógica. Insistimos que o objetivo e o subjetivo não são duas realidades justapostas, mas, pelo contrário, duas dimensões do único e complexo processo de ação humana. E preciso, pois, que fique clara a dialeticidade entre estas esferas. A perspectiva dialética da educação resgata o enfoque ontológico: estamos compreendendo o sujeito como sujeito concreto e não apenas como sujeito epistêmico. Desafio da Reflexão: Papel da Reflexão Base (ênfase) Campo Reflexivo Tipo de Reflexão2 Destinação da Reflexão Obstáculos Subjetivos Convencimento Mobilização Afetiva/ Cognitiva Ontológico Axiológico Valorativa Própria Consciência Reconstruir o sujeito mediador Construir um caminho viável de mediação 4 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Obstáculos Objetivos4 Conhecer para Transformar Planejar Intervenção Guia para a Ação Cognitiva/ Afetiva Epistemológico Axiológico Méthodos Mundo extraconsciência — Quadro: A Reflexão frente ao Processo de Transformação da Prática — I A Falta de Sentido do Planejamento Quando adentramos no campo educacional, deparamo-nos com séculos de denúncia de uma escola desvinculada da vida, abstrata, formalista, autoritária, passiva, etc., e, no entanto, numa observação mais atenta, nos damos conta que a prática, no seu conjunto, pouco tem mudado... O desinteresse dos alunos, os elevadíssimos índices de reprovação e evasão escolar, a baixa qualidade da aprendizagem, o desgaste do professor, a insatisfação de país, as queixas do mercado de trabalho em relação ao perfil do profissional saído da escola, etc. são alguns sinais desta triste realidade. Este vai ser o pano de fundo neste trabalho, enquanto campo de preocupação e desafio de mudança. Nosso desejo é que a escola cumpra um papel social de humanização e emancipação, onde o aluno possa desabrochar, crescer como pessoa e como cidadão, e onde o professor tenha um trabalho menos alienado e alienante, que possa repensar sua prática, refletir sobre ela, re- significá-la e buscar novas alternativas. Para isto, entendemos que o planejamento é um excelente caminho. Todavia, vivemos um período de extremos paradoxos: ao mesmo tempo em que há um desmonte da razão (crise de paradigmas, muitas facetas da pós- modernidade, do pós-estruturalismo, crise das metanarrativas, fim da história, da ciência, das utopias), há uma busca ferrenha de sentido, a ponto de se configurar uma patologia, a neurose noogênica (cf. Frankl, 1989: 9), gerada pela falta de sentido da existência (percepção de um clima de ‘geléia geral’). O planejamento acaba se colocando no centro desta disputa, já que existe a crise da racionalidade, e o planejar é um processo que tem uma forte carga racional. E certo que, refinando um pouco a análise, vamos encontrar vários pontos de convergência nestes diferentes enfoques, considerando, por exemplo, que se faz a crítica não à razão em si, mas ao racionalismo exacerbado (onipotência da razão), que negou historicamente outras dimensões do ser humano, como a emoção, o sentimento, o desejo, a paixão, o imaginário. De qualquer forma, esta constatação deve servir de alerta para nossas reflexões: não perder de vista a extraordinária constelação de questões envolvidas, bem como as contradições da realidade, inclusive em relação ao próprio planejamento. Planejar é uma atividade que faz parte do ser humano, muito mais inclusive do que imaginamos à primeira vista. Nas coisas mínimas do dia-a-dia, como tomar um banho ou dar um telefonema, estão presentes atos de planejamento. Nas várias instâncias da vida (profissão, ciência, economia, política, fé, lazer, educação dos filhos, condomínios, etc.) fala-se, talvez como nunca, de projetos. Segundo alguns analistas, estamos diante uma verdadeira civilização de projetos, o que faz com que acabe se tornando “palavra mágica e cheia de promessas, parecendo ocupar o essencial do campo da renovação das práticas sociais” (Barbier, 1996: 19). Por outro lado, é muito visível a distância entre as intenções expressas nos planos e as práticas concretas realizadas, o que coloca o planejamento, mais uma vez, num território de disputas e controvérsias. Queremos deixar claro este nosso esforço no decorrer do trabalho, qual seja, investir no convencimento do professor em relação à necessidade do planejamento e na sua capacitação para a elaboração e realização de projetos. A nosso ver, semelhante empenho deve ser feito no processo de formação dos educadores, se desejamos contribuir para a mudança concreta da prática educacional. 5 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico No interior da academia, podemos perceber um certo desprezo pela temática do planejamento: há um vazio cultural neste campo, pouca produção específica2, ao contrário de outras temáticas como política educacional, avaliação, formação de professores, processo de conhecimento e, mais recentemente, até mesmo de currículo.3 Existem, naturalmente, diferentes níveis de complexidade de ações e, portanto, de planejamento. O planejamento educacional é da maior importância e implica enorme complexidade, justamente por estar em pauta a formação do ser humano. 1- LOCALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA No cotidiano das escolas, em especial no final e início de ano, é realizada uma série de práticas como preencher formulários com objetivos, conteúdo, estratégia, avaliação, indicação de livros didáticos, etc. Outras vezes, os professores são convocados para discutirem a proposta pedagógica da escola. O que se percebe, no entanto, é que com freqüência estas atividades são feitas quase que mecanicamente, cumprindo prazos e rituais formais, vazios de sentido. É muito comum o professor considerar tudo isto como mais uma burocracia... Alguns fatos observados: • Coordenadores/orientadores/supervisores cobram exaustivamente os professores para que entreguem os planos; • Planos são entregues e engavetados; • A prática do professor em sala de aula não leva em conta o que foi colocado no plano; 2 Em termos de livros específicos sobre planejamento educacional de autores nacionais, não chega a uma dezena no mercado. Há sinais de crescimento, no entanto, peias bordas: artigos em revistas de educação, capítulos em livros sobre Didática ou Currículo, ou como temática em seminários e congressos da área. 3 Que tinha ficado um tanto no ostracismo, talvez por sua identificação com vertentes tecnicistas, o que pode explicar, ao menos em parte, a semelhante atitude em relação ao planejamento. NOTA METODOLÓGICA: Como veremos mais à frente (3ª Parte), os conteúdos a serem trabalhados na formação dos sujeitos podem ser classificados em três grandes categorias, a saber: □Conceituais: relativos a informações, fatos, conceitos, imagens, etc. □Procedimentais: habilidades, hábitos, aptidões, procedimentos, etc. □Atitudinais: disposições, interesses, posturas, atitudes, etc.1 Gostaríamos de convidar o leitor a fazer uma metaleitura deste nosso trabalho, procurando perceber como estas três dimensões são trabalhadas no decorrer de toda obra, ganhando, no entanto, especial visibilidade em alguns momentos. Vamos iniciar nossas reflexões trazendo alguns problemas vivenciados na escola quandoestá em questão o planejar. 6 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico • Planos são copiados do livro didático, do colega (da mesma escola ou de outras), ou de um ano para outro; • Escolas fazem seus projetos e estes ficam esquecidos; • Escolas com textos belíssimos na sua filosofia, na agenda escolar, no regimento, e práticas bastante arcaicas e contraditórias; • Escola faz projeto político-pedagógico; muda a direção (ou o governo), e o projeto é simplesmente arquivado; • Escola faz proposta pedagógica só porque a Delegacia de Ensino ou a mantenedora pediu, ou ‘para cumprir a lei’ (projeto vitrine). Há uma ambigüidade na prática dos professores, pois ao mesmo tempo em que não negam a importância do planejamento, percebem sérias limitações em sua realização. Outras vezes, há uma polarização entre os ‘especialistas’ e os professores: os primeiros defendendo ferreamente o planejamento e os últimos fazendo de tudo para se livrarem dele. Nesta polarização se manifesta amiúde uma outra ambigüidade: os especialistas cobram dos professores, mas não fazem o seu respectivo plano de trabalho... Planejar parece identificado a 'preencher planos’, e, ainda, ‘para os outros’ (supervisão, direção, secretaria). Numa observação mais minuciosa, o que se verifica com freqüência é que os professores, de fato, não acreditam nos planos que fazem por solicitação exterior. Se deixados, talvez alguns professores seriam capazes de trabalhar por anos, sem nem se lembrarem de esboçar qualquer tipo de plano... Tem-se a sensação, muitas vezes, de que se faz aquilo tudo para se enganar reciprocamente, todo mundo sabendo que não adianta, mas também ninguém tendo coragem de questionar... A situação geral constatada, portanto, é de: 2- O QUE DIZEM OS PROFESSORES Por que há tanta descrença por parte do professor? Quais são as principais queixas sobre o processo de planejamento das escolas e de ensino-aprendizagem (tanto em termos de elaboração quanto de execução)? Não podemos desprezar as condições prévias, partir do princípio idealista da antecedência linear do pensamento sobre a prática: quando o educador se insere num processo de planejamento, já tem experiências, visões, afetos. É preciso, pois, procurar compreender o ponto de vista do professor sobre a questão. Para isto, nada melhor do que começar por dar-lhe a palavra. Podemos agrupar as falas dos professores em três grupos básicos: — Os que acham que não é possível planejar; — Os que acham que até é necessário e/ou possível, mas do jeito que vem sendo feito não está bom; — Os que acham que não é necessário planejar. 2.1. Não é Possível Planejar A percepção que têm muitos professores é de que a tarefa educativa é impossível de ser prevista (ou mesmo realizada), carecendo de sentido, então, o planejamento. □ A realidade é muito dinâmica Há uma visão de que não dá para planejar, porque a realidade da escola não é nada simples e a sala Descrença no Planejamento 7 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico de aula é muito dinâmica (cada dia é cada dia, cada classe é cada classe, cada aula é uma aula...). Tudo muda... Planejar é tentar prever o imprevisível. E querer brincar de Deus. Não dá para planejar com tantos valores diferenciados: família, escola, sociedade. Não se tem como planejar com diversas posturas epistemológicas de professores na escola. Existem muitas idéias diferentes e divergentes quanto às maneiras de educação (professor construtivista x tradicional). O volume e a velocidade das mudanças que nos levam a estamos sempre defasados. Como planejar, se cada hora nos pedem uma coisa? A troca de governos deixa o professor inseguro.4 □ Não há condições Muitas vezes, o que está em questão é a percepção da falta de condições mínimas favoráveis para poder se desencadear um processo de planejamento significativo: Como vou planejar com 60 aulas semanais? O professor está sobrecarregado com aulas ou outras atividades paralelas para poder se sustentar. Não dá para planejar se tenho que cumprir tintim por tintim o que já vem estabelecido. Como dar conta das diferentes demandas impostas pelos ‘órgãos competentes’? Faltam momentos para o grupo se reunir; a dificuldade maior é juntar o coletivo. Falta de espaço nas escolas para trabalhar ou planejar de forma integrada. Fica difícil planejar com a rotatividade dos professores. Não temos poder sobre o que planejamos; falta autonomia: tínhamos planejado 4 classes com 35 alunos cada; daí vem a Delegacia de Ensino e manda fazer 3 classes de 46... A programação da Secretaria de Educação prevê a escolha de classe depois da semana de planejamento; assim, o professor planeja numa escola e vai trabalhar em outra... □ Não tem jeito mesmo Além disto, há a questão do determinismo enraizado: se somos determinados (por fatores biológicos, sociais, psicológicos, etc.), se não dá para mudar mesmo, de que adianta planejar? Isto nada mais seria que uma enganação, uma alienação, uma perda de tempo... Não adianta, pois existem as exigências sociais (legislação, pais, vestibular, etc.). Planejar é inócuo face às determinações a que estamos submetidos. De que adianta planejar, se nada vai acontecer mesmo? Não dá! Eu já tentei muitas vezes e não deu! 2.2. Do jeito que o Planejamento vem sendo feito não funciona Este segundo grupo — grande maioria dos professores —, não questiona, a priori, a validade, a necessidade de se planejar. No entanto, aponta uma série de problemas na maneira como habitualmente tem sido encaminhado. □ É Inútil Esta é com certeza uma das maiores queixas dos professores: sentem que estão submetidos a um ritual que não tem conseqüências na prática cotidiana da escola, é uma mera formalidade. O planejamento é uma estruturação inútil. E mera burocracia. Serve apenas para cumprir as exigências burocráticas. E perda de tempo! Não serve para nada; é algo estéril. Para quê planejar, se já vem tudo pronto o que devemos dar? O planejado com muita antecipação resulta inviável, devido às variações do 4 Estes depoimentos foram recolhidos junto a professores de diferentes partes do país, tanto de escola pública quanto privada. 8 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico cotidiano. Na hora de planejar tudo bem; mas depois... Planejamento bem elaborado que só permanece no papel. A prática fica a desejar. Falta aplicação no dia-a-dia. Não adianta planejar: são tantos alunos, cada um com seu ritmo e jeito de aprender... □ Processo não Acontece Fala-se muito, no interior da escola, do planejamento como processo; porém é clara a percepção dos professores de que este ‘processo’ acaba não acontecendo. Gastam-se muitas horas para planejar e depois aquilo não é retomado. E mais um papel que ‘tem que entregar e que permanecerá no arquivo; não é consultado e muito menos levado a sério. Não recordo de ter procurado o planejamento, nem meus colegas de trabalho; fica só na gaveta. E gastar tempo para ser guardado depois. O plano muitas vezes fica deixado de lado. E tão importante, mas tão, que fica guardado a sete chaves... Parece que é uma obrigação de início de ano pensar em plano; depois ninguém mais lembra que existe. Não há tempo para rever o planejamento. Palia tempo para discussão, mudanças e estudo. Falta comunicação entre professores. Não é elaborado calmamente, com a participação de todos. Faltam revisões e avaliações periódicas. Não adianta preparar um planejamento se a escola não colabora \ O calendário escolar não prevê espaço para a elaboraçãodo projeto. □ Falta Compromisso Alguns educadores já ganham clareza que o plano não vai funcionar magicamente, e denunciam a falta de compromisso por parte dos agentes. Há uma contradição muito grande entre os momentos da elaboração e da execução: encontram-se inúmeras barreiras. Muitas vezes, não conseguimos executar aquilo que planejamos coletivamente, pois nem todos se comprometem. O projeto já nasce abonado, pois ninguém acredita. O que desanima é que não cumprimos o que nós mesmos decidimos. Na teoria é muito fácil; na prática, cada um, caminho de um lado. O plano é cobrado formalmente, mas nem sequer é lido. □ Limita o Trabalho Para muitos professores, planejar é se ‘prender’, o que seria incompatível com o ensino, que deve ser livre’. Planejar é se amarrar, é perder a liberdade. Escraviza o trabalho do professor; camisa de força. Pode nos podar, coibir a nossa criatividade e as necessidades do aluno e da classe. Há uma cobrança muito grande para ‘cumprir o programa \ Eu tenho medo de não. cumprir o que planejei. A culpa, como sempre, é do professor! Quando é exigido seu cumprimento, sem dar importância se o aluno aprendeu e apreendeu o conteúdo; quando não pode ser refeito,. tornando-o inflexível. Não pode ser reformulado quando necessário. O plano vira um fim em si mesmo. Não dá liberdade do aluno participar. A gente tem que seguir, caso contrário o aluno vai mal na prova elaborada pela coordenação. A proposta político- pedagógica é uma forma de controlar ainda mais o professor. O ruim do projeto é que decide em fevereiro e depois a gente se sente preso. □ É muito Complicado Diante de exigências formais, os professores acabam não vendo sentido naquela série de itens que muitos planos exigem. O planejamento é uma coisa complicada. Aquele monte de objetivos disso, daquilo, aquelas folhas e folhas intermináveis, que até se tomam repetitivas. Detalhes desnecessários que muitas vezes cansam o 9 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico professor. Não é feito com consciência, mas apenas com palavras bonitas e técnicas. Prolixo, cheio de minúcias, não prático. E ruim porque nos toma muito tempo. Exige muito dos professores. Temos dificuldade de colocar no papel o que pensamos. □ É Fora da Realidade Uma outra queixa muito freqüente é a de que os planos estão longe da realidade concreta da escola, dos alunos efetivamente existentes em sala, das condições que o professor tem para trabalhar. Não está embasado na realidade; inadequado e mostra uma realidade não existente, sendo difícil seguí-lo à risca. Metas e objetivos são inviáveis. Baseado numa compreensão utópica da realidade e não da realidade conhecida e compreendida da nossa escola e dos nossos alunos, Não adianta, pois ê feito sem a gente conhecer os alunos. Distancia entre ideal x real No papel o planejamento é bonito, mas na prática fica difícil Na prática, a teoria é outra, o planejamento nem, sempre vai ao encontro da realidade. Não leva em conta a realidade concreta. Não tem itens claros, precisos e reais, passíveis de serem aplicados. Sinceramente, às vezes eu registro uma coisa e faço outra. E muito conteúdo para ser trabalhado e na grande parte das turmas encontramos alunos com falta de pré-requisitos. □ Não ê Participativo A fala dos professores sobre a forma como o planejamento é encaminhado revela uma centralização. O planejamento é feito pela equipe diretiva e apresentado pronto a toda a escola. Um pequeno grupo planeja e o restante do grupo executa. Há centralização na elaboração do planejamento. E um teatro, onde fingimos ser autores, mas o texto já estava pronto. O programa é imposto. Uma professora planeja e todas têm que seguir da mesma forma e no mesmo ritmo. O planejamento é um, ritual hipócrita, pois na verdade quando pronto, as decisões mais importantes já foram tomadas [por fora] de acordo com a pressão daqueles que realmente detêm o poder. Não é fácil elaborar um planejamento com a real participação da comunidade. Com todo esse questionamento, este grupo acaba ficando a meio caminho para concluir que o planejamento não seria necessário... 2.3. Não é Necessário Planejar Além de toda problemática anterior apontada, alguns professores radicalizam ao considerar que não há efetivamente necessidade de planejar, uma vez que estão ‘dando bem conta do recado’. Dar aula não é tão complicado assim. Planejar é coisa de quem está começando; eu já tenho experiência. E desnecessário; tenho tudo na cabeça. Já sei o que vou ensinar, está tudo no livro. Eu sempre fiz assim. Em educação o que conta é o amor, a arte, não precisamos destas coisas técnicas. Vou na base da intuição. Com tantas queixas ou limitações, fica difícil mesmo o envolvimento do professor com qualquer coisa que diga respeito a planejar. Podemos perceber, pois, no discurso dos professores uma série de eventuais obstáculos epistemológicos (cf. Bachelard, 1884-1962) em relação ao planejamento, que devem ser trabalhados. À partir deste breve levantamento5, podemos identificar alguns fatores em tomo dos quais estaria a 5 E interessante fazer o registro de como, nos problemas levantados, praticamente não aparecem os alunos e os país, fato difícil de ocorrer quando se tratam de outros aspectos do trabalho do professor (ex.: a metodologia de ensino, a avaliação ou a disci- plina). Isto reflete, a nosso ver, a maior especificidade do problema do planejamento enquanto organização do trabalho docente. 10 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico contradição principal, a distorção do planejamento, segundo os professores: • Na estrutura da escola: falta de projeto educativo, falta de espaço de reflexão constante e coletiva sobre a prática, falta de perspectiva de mudança, autoritarismo, burocracia, formalismo, número excessivo de alunos por sala, salários insuficientes, falta de instalações e equipamentos adequados, etc.; • Na equipe de coordenação/supervisão: formal, burocrática, autoritária, de gabinete, distante da prática, etc.; o No Sistema de Ensino: falta de condições de trabalho, falta de apoio à escola e ao professor, cobrança formal, exigências legais, falta de participação, etc. Todavia, se formos ouvir os dirigentes ou as equipes de serviços, encontramos um outro conjunto de hipóteses explicativas desta desvalorização do planejamento, só que agora relacionadas ao professor: Acomodado, desatualizado, fossilizado, cético, despreparado, sai da faculdade sem preparação adequada, falta fundamentação teórica, imaturo, inseguro, desanimado, resistente à mudança, não quer inovar postura tradicional, não quer se comprometer, engajamento é pequeno, falta desejo de aprender, falta motivação (acredita que ‘não dá em nada), omisso, não transparente, não organizado, não sabe lidar com os limites, professores preocupados demais com o conteúdo e pouco com a aprendizagem dos alunos, apego ao livro didático, individualismo excessivo, resistência para pensar junto, falta auto-estima, etc. Confrontando com as falas anteriores, e dependendo do ponto de vista, a alegada ‘resistência5 dos professores em relação ao planejamento pode ser entendida com um significado negativo (descompromisso) ou positivo (se confrontar com uma lógica espúria e alienante, resistir face a um esquema sem sentido)... Por aqui já podemos vislumbrar a complexidade da questão. II Análise do Problema Para refletir.... Nas escolas que você trabalha, ou que você conhece, você pode perceber um descaso com o planejamento? Você acredita que a falta de planejamento pode ser considerada um dos maiores problemas da educação?Como entender esta descrença toda em relação ao planejamento? Não podemos pensá-la desvinculada de um contexto maior que envolve a escola e o educador. Poderíamos nos questionar: a descrença estaria restrita ao planejamento ou, no limite, à própria profissão? Vamos recorrer à análise filosófica, sociológica e histórica, ainda que breve, para tentar compreender melhor este movimento. 11 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico 1- DUAS GRANDES CORRENTES DO PENSAMENTO As contradições apontadas anteriormente estão relacionadas a uma questão de fundo que é a própria cosmovisão, o caldo de cultura em que estamos envolvidos. Há certos tipos de teorias e de práticas que não se compatibilizam com a perspectiva de transformação da realidade. Se formos analisar, veremos que muito da concepção teórica marcante no conjunto dos educadores está permeada pelos vícios da cultura, da 4civilização ocidental’.. Nos detendo sobre a história do pensamento humano, percebemos que, grosso modo, a reflexão do homem orbitou em tomo de duas correntes: a Metafísica e a Dialética. Sabemos da influência do pensamento grego em nossa cultura; podemos encontrar as raízes dessa influência num debate anterior aos grandes filósofos, ainda na fase pré-socrática, na famosa controvérsia entre os discípulos de Heráclito e Parmênides. Em grandes linhas, poderíamos dizer que Heráclito era defensor da cosmovisão que admitia o movimento, onde tudo estava num constante vir-a-ser e que havia unidade dos contrários. Na acepção moderna, dialética significa o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. (...) No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi, sem dúvida, Heráclito de Éfeso (aprox. 540-480 a. C.). Nos fragmentos deixados por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou morte, sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras. O fragmento n. 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio. Por quê? Porque na segunda vez não será o mesmo homem, e nem estará se banhando no mesmo rio (ambos terão mudado). (Konder, 1981: 8) Por outro lado, Parmênides defendia a estabilidade das coisas, não admitindo a contradição presente: “o ser é, o não ser não é”. “Parmênides ensinava que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) era um fenômeno de superfície” (Konder, 1981: 9). Em função dos jogos de poder presentes na história, a concepção de Parmênides acabou tendo mais influência: Essa linha de pensamento — que podemos chamar de metafísica — acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito. (...) De maneira geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção metafísica prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades divididas em classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar duradouramente o que já está fun- cionando, sempre interessadas em ‘'amarrar' bem tanto os valores, e conceitos como as instituições existentes, para impedir que os homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente. (Konder, 1981: 9) Passando pela matriz platônica, vamos encontrar uma das mais fortes vertentes de pensamento até hoje presente no nosso meio: o idealismo metafísico. Aprendemos com Platão que o que importa é o mundo das idéias, os grandes ideais, e que a prática, o cotidiano, nada mais é que a cópia imperfeita do ideal e, portanto, é banalidade, vão engano, não merecendo maior atenção. Estas concepções filosóficas vão encontrar ressonância em movimentos religiosos de várias origens; assim é que até hoje se despreza o concreto, porque remete à realidade, nas suas contradições, na sua 'miséria’. Acontece que a vida também, e sobretudo, é feita do concreto, e não levá-lo em conta é distanciar-se, é não ‘morder’ a realidade. A Dialética pode ser entendida como “método de penetração na essência do fenômeno, método de análise da realidade e sua reprodução na lógica dos conceitos” (Kopnin, 1978: 46). Caio Prado Jr. (1907- 1990) afirma que “para conhecer a Dialética é preciso pensar dialeticamente, isto é, conhecer a Dialética para conhecê-la” (1980: 11). Tal assertiva, para a lógica formal, apresenta-se como um contra-senso; precisamos compreender que se trata de uma concepção de aproximações sucessivas, em. que o sujeito, a partir de uma prática de intervenção no real, vai se aproximando cada vez mais do ser e do pensar dialético, a ponto de atingir sua ‘atração gravitacional’, que o leva para o âmago do conhecimento dialético da realidade (unidade 12 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico dialética entre ser e pensar). Como podemos constatar, este embate não terminou; ao contrário, está muito presente entre nós. A seguir vamos analisar esses desdobramentos na realidade do professor. 2- PROCESSO DE ALIENAÇÃO DO PROFESSOR De um modo geral, podemos abordar o trabalho do educador em sala de aula a partir de dois enfoques: um, de natureza objetiva, outro, subjetiva, Do ponto de vista objetivo, poderíamos fazer toda uma série de considerações sobre as condições concretas em que exerce sua atividade (material didático, número de alunos, salários, etc.). Evidentemente, as condições objetivas do trabalho são fundamentais para seu desenvolvimento a contento, podendo ser, em última instância, determinantes para tal. Entretanto, neste momento, gostaríamos de analisar um pouco mais o aspecto das condições subjetivas do trabalho do educador (que, naturalmente, não são Independentes das objetivas). Nossa constatação, neste sentido, é de que há uma falta de clareza do professor com relação ao seu trabalho, sendo esta a responsável, em parte, pela sua não atuação mais efetiva na mudança da realidade educacional ou mais geral. Esta falta de lucidez vem da situação de alienação em que se encontra o educador. 2.1 .Sobre a Alienação Por alienação estamos entendendo aquele estado em que as pessoas tornam- se estranhas a si mesmas e ao mundo que as rodeia, não podendo interferir na sua organização, nem sabendo justificar os motivos últimos de suas ações, pensamentos, emoções, E a situação mais ou menos acentuada de perda de sentido, de desorientação, de falta de compreensão e de domínio das várias manifestações da existência. Em última análise, a alienação nada mais ê que uma, ruptura na qual a evolução da humanidade se destaca da evolução do indivíduo (..). Logo, a alienação é (...) a ruptura, a contradição entre a essência e a existência do homem, (Markus, 1974: 99) A alienação, com certeza, não é um privilégio dos profissionais da educação. Concretamente, é uma realidade que perpassa toda nossa sociedade, uma vez que sua raiz está na organização do trabalho no modo de produção capitalista, ou seja, na exploração da força de trabalho do homem por outrem, baseada na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. O trabalhador não participa do resultado da produção, a não ser por um mísero salário para a reposição da força de trabalho, “para existir como trabalhador, não como homem, e para gerar a classe escravizada dos trabalhadores, não a humanidade” (Marx, 1989: 107). Assim sendo, o trabalhador, não domina seu próprio trabalho, na medida em que não sabe porque produz, como produz, sendo, pois, alienado não só do produto, mas também do processo (cf. Marx, 1989: 161). A partir desta alienação fundamental, vão se estruturando todas as outras, em termos da superestrutura, passando pelas instituiçõese pelo próprio Estado. A alienação é como um bisturi social, com base econômica e desdobramento político e cultural, que cinde o homem de si mesmo, tornando-o objeto de manipulação, em função dos interesses de minorias dominantes. A alienação não se revela apenas no fato de que os meus meios de vida pertencem a outro, de que os meus desejos são a posse inatingível de outro, mas de que tudo é algo diferente de si mesmo, de que a minha atividade é qualquer outra coisa e que, por fim — e é também o caso para o capitalista — um poder inumano impera sobre tudo. (Marx, 1989: 217) No entanto, trata-se de uma realidade contraditória: pelo fato do trabalhador interagir com a natureza e com os outros, abre-se neste processo a possibilidade de superação da alienação, pela transformação revolucionária do modo de produção da existência. 13 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico 2.2. A Alienação do Educador O educador, antes de mais nada, como cidadão, está inserido num contexto mais amplo de sociedade, sendo portanto atingido pela alienação mais geral, imposta, devida a toda a forma de organização social. Enquanto profissional, participa da alienação mediatizada no conjunto de seu trabalho. Freqüentemente, seja para os alunos, seja para os professores, a escola corresponde a uma opção formal que aliena o caráter existencial e político da experiência pedagógica. O trabalho de ensino- aprendizagem, tomado como mera forma de sobrevivência pelo professor ou como mercadoria pelo aluno, perde sua dimensão humana e reduz-se a uma relação fetichizada de trocas institucionais. O trabalho intelectual é tomado como um fim em si mesmo, adequado a restritas aspirações profissionalizantes, desvinculado das causas, sentidos e compromissos que poderiam orientá-lo.6 Esta constatação quebra a ilusão de que o trabalho em educação seria ‘mais humano’. A atividade educacional, nas condições em que corriqueiramente ocorre, é pura alienação. Por ser o articulador, o coordenador do trabalho em sala de aula e por ser a extremidade dessa intrincada rede de relações que é o sistema educacional, corre-se o risco de se atribuir ao professor toda a responsabilidade do fracasso escolar, não se percebendo que o que acontece na sala é reflexo — não mecânico, todavia — do leque de determinações a que a escola está sujeita. A situação de alienação se caracteriza pela falta de compreensão e domínio nos vários aspectos da tarefa educativa. Assim, percebemos que ao educador falta clareza com relação à realidade em que ele vive, não dominando, por exemplo, como os fatos e fenômenos chegaram ao ponto em que estão hoje (dimensão sociológica, histórico-processual); falta clareza quanto à finalidade daquilo que ele faz: educação para quê, a favor de quem, contra quem, que tipo de homem e de sociedade formar, etc. (dimensão política, filosófica), e, finalmente, falta clareza, como apontamos antes, à sua ação mais específica em sala de aula (dimensão pedagógica). Efetivamente, faltando uma visão de realidade e de finalidade, fica difícil para o educador operacionalizar alguma prática transformadora, já que não sabe bem onde está, nem para onde quer ir. Há algum tempo atrás, o professor ainda controlava um pouco mais o seu fazer, pois, embora sem o devido aprofundamento, era ele quem selecionava os conteúdos, os fichava e passava aos alunos, escolhia a forma de dar aula (que quase sempre.era expositiva) e de avaliar. Hoje, o professor, em número muito maior que antes7, sente que foi mal formado, que não está devidamente capacitado para os desafios da realidade. Quando vai para a prática, defronta-se com uma organização fragmentada do trabalho, onde uma série de ‘especialistas’ vão lhe dizer o que deve fazer ou deixar de fazer, sem contar a pressão em tomo do livro didático, que,'no final das contas, acaba sendo a tábua de salvação, no sentido de estruturar todo o seu curso. Assim, entendem que têm que cumprir programas impostos, não sabendo o motivo pelo qual sua disciplina existe no. currículo; quando interrogados, dão respostas baseadas no senso comum; se questionamos mais a fundo, percebemos o embaraço em que ficam e muitas vezes acabam confessando que 6 Cf. Princípios Orientadores do nosso Trabalho, Imaco, 1985, mimeo. 7 Como se sabe, houve efetivamente, nos últimos anos, um aumento da oferta de vagas proporcionalmente maior que o aumento da população. Lamentavelmente, não podemos nos vangloriar disto, na medida em que ao aumento da quantidade não correspondeu o aumento da qualidade (até a formal existente se perdeu). Esta foi a estratégia utilizada pela classe dominante, pela mediação do Estado, para não ser ameaçada em sua hegemonia por um possível crescimento da massa crítica nacional. O professor não tem compreensão do seu trabalho na complexidade que ele implica; está alienado do seu quefazer pedagógico: foi expropriado do seu saber, situação esta que o desumaniza, deixando-o à mercê de pressões, de ingerências, de modelos que são impostos como ‘receitas prontas’,1 impossibilitando um trabalho significativo e transformador, levando-o, por conseqüência, ao sofri- mento, ao desgaste, ao desânimo, ao descrédito quanto à educação, à acomodação, à desconfiança, chegando mesmo à falta de companheirismo e de engajamento em lutas políticas e até sindicais. Analogamente ao operário na fábrica, que não mais domina o seu fazer como o artesão dominava, encontra- se o professor em relação à sua atividade pedagógica. 14 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico dão aquela matéria por exigência do programa preestabelecido e, no limite, em função do vestibular. Da mesma forma, quando analisamos as práticas em sala de aula, verificamos que elas acontecem como rituais que foram aprendidos de uma maneira empírica, freqüentemente muito mais pela ‘iniciação5 que tiveram no longo tempo de banco escolar, do que por uma tomada de posição consciente. Se interrogados sobre os seus rituais, não conseguem apontar justificativas relevantes, percebendo-se, dessa forma., a falta de domínio, de consistência e de fundamentação. Por outro lado, quando ao invés de partirmos dessas práticas, buscamos suas idéias, nos deparamos com belos discursos a cerca da educação e da atuação do educador; em geral, encontramos um verdadeiro sincretismo em relação às concepções pedagógicas: pedaços de teorias que são justapostos, não dialogando, nem criticando-se, de forma a constituir um todo orgânico. Confrontando-se com a prática, há um enorme abismo e, o que é pior, não há consciência dessa distância. O trabalho do educador “existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se toma um poder autônomo em oposição com ele; uma força hostil e antagônica” (Marx, 1989: 160). A Didática teórica prepara o professor para ser um profissional liberal que detém, o controle do processo e do produto do seu trabalho, concebendo, executando e controlando ' o seu processo de ensino. No entanto, a Didática prática ocorre numa organização do trabalho em que o professor é um assalariado do ensino e, na hierarquia de funções dentro da escola, ocupa a posição de executor de tarefas, não detendo, portanto, o controle sobre o processo de ensino e seus resultados. Daí a fragmentação do seu fazer e a busca de alternativas metodológicas. (Martins, 1989: 71) O ‘bom5 de um trabalho mecânico, repetitivo é que não exige maiores esforços. Fazer um trabalho mais consciente, crítico, criativo, significativo, implica que” o professor deva se rever, se capacitar, sair do 'piloto automático’, enfrentar conflitos, etc. Se o trabalho do professor está marcado muito fortemente pela alienação, é claro que não verá o menor sentido- no planejamento.3- (DES)CAMINHOS DO PLANEJAMENTO Vamos analisar agora a questão específica do desgaste do planejamento junto aos educadores, levantando algumas hipóteses para explicá-la. 3.1. Breve Retrospectiva Histórica Embora, como veremos mais adiante, a atividade de planejar seja tão antiga quanto o homem, a sistematização do planejamento se dá fora do campo educacional, estando ligada ao mundo da produção (I e II Revoluções Industriais) e à emergência da ciência da Administração, no final do séc. XIX. Este novo campo de saber terá como emblemáticos os nomes do americano Taylor (1856—1915) e do francês Fayol (1841-1925). Á própria Administração vai se utilizar, para configurar o planejamento, de termos (como objetivos, estratégia) de um campo ainda mais distante e ancestral: a guerra, considerada como um empre- endimento que desde muito cedo buscou a eficiência... Mas talvez o elemento genealógico mais complicador em termos de alienação do trabalho — em geral e escolar — tenha sido a preconização por Taylor da necessidade de separar a tarefa de planejamento da execução, ou seja, para ele, organizar cientificamente o trabalho implicava a distinção radical entre concepção e realização. Desta forma, esta nova ciência acaba por respaldar e justificar a prática tão antiga (desde os gregos, por exemplo) de uns conceberem (homens livres) e outros executarem (escravos). Abre também o campo para o planejamento tecnocrático, onde o poder de decisão e controle está nas mãos de outros (‘técnicos’, ‘políticos1, 'especialistas5), e não no próprio agente. No início do século XX, o planejamento vai avançando para todos os setores da sociedade, provocando um enorme impacto a partir do seu uso na União Soviética não como simples organização interna a uma empresa, mas como planificação de toda uma economia. 15 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Atualmente, pode-se identificar três grandes-linhas em termos de planejamento administrativo: o gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o planejamento participativo, sendo que a tendência do primeiro é decrescente em favor do segundo, que procura, em certos casos, incorporar contribuições do terceiro, que é mais difícil de ser utilizado em empreendimentos cuja função social não possa ser definida coletivamente.8 A escola, naturalmente, não ficou imune a este movimento.9 Ao analisarmos a história da educação escolar, percebemos diferentes concepções do processo de planejamento, de acordo com cada contexto sócio-político-econômico-cultural. A prof.ª Margot Ott (1984) aponta três grandes concepções que vão se manifestando em diferentes momentos da história do planejamento: a) Planejamento como Princípio Prático Esta primeira concepção está relacionada à tendência tradicional de educação, em que o planejamento era feito sem grande preocupação de formalização, basicamente pelo professor, e tendo como horizonte a tarefa a ser desenvolvida em sala de aula. Os planos eram apontamentos feitos em folhas, fichas, cadernos (tipo ‘semanário5, até hoje utilizado por professoras de lª a 4a série), a partir das leituras preparatórias para as aulas. Uma vez elaborados, eram retomados cada vez que Ia dar aquela aula de novo, servindo por anos e anos. Alguns manuais didáticos chegavam a sugerir duas categorias de organização: os objetivos e as tarefas; todavia, a preocupação estava centrada na tarefa, entendendo-se que os objetivos estavam nela inseridos. O ‘planejamento5 pedagógico do professor no sentido tradicional, a rigor, não era bem planejamento; era muito mais o estabelecimento de um ‘roteiro5 que se aplicaria fosse qual fosse a realidade. Podemos citar, como ilustração, os famosos passos formais da instrução, de Herbart (1776-1841), que levou muitos professores a seguirem rigidamente o plano de aula. No entanto, observava-se que o plano, com efeito, orientava o trabalho do professor, tinha uma função, vale dizer, havia uma estreita relação entre planejar e acontecer. Sabemos de casos em que professores deixavam de dar aula por estarem sem seus apontamentos10... Folclore à parte, o que queremos destacar é que o plano era objetivamente uma referência para o trabalho do professor, estava presente em sala de aula, e servia de gula para sua ação. Um outro movimento pode ser Identificado nesta primeira concepção: depois da I grande guerra, o movimento escolanovista, enfatizando a ligação do ensino com os interesses dos alunos, crítica o plano previamente estabelecido, dando início a mais uma polêmica educacional Estava em questão a perspectiva não-diretiva de ensino, com sua ênfase na espontaneidade e criatividade dos alunos. G planejamento deveria 8 Objetivamente, fica difícil fazer planejamento participativo, no sen autêntico sentido, quando os donos visam a apropriação máxima dos lucros (cf. Gandin, 1994). 9 A título de ilustração: a Sociologia do Currículo revela que Bobbitt (1918), um dos iniciadores dos estudos sobre currículo, estava fortemente influenciado pela Teoria da Administração Científica. 10 Por terem sido esquecidos ou até mesmo por terem sido escondidos pelos próprios alunos... Curiosidade: O processo de Revolução Industrial (homo techinicus) pode ser dividido em quatro grandes fases: final do séc. XVIII, com o aproveitamento do vapor como energia motriz, fins do séc. XIX, com o uso da eletricidade para movimentações de máquinas e equipamentos; período entreguerras, pela utilização de novos métodos de produção (linha de montagem, produção em série); e uma quarta fase, a partir dos anos 60, com a introdução da automação, da robotização, novas formas de energia (micoeletrônica, microbiologia e energia nuclear). 16 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico ser feito em tomo de temas amplos; ao professor caberia ter uma ‘idéia geral’ do que seria a aula, sendo que os passos seriam determinados de acordo com os interesses emergentes. Neste sentido, podemos dizer que havia até uma cooperação dos alunos no planejar. b) Planejamento Instrumental/Normativo Esta concepção — que se explicita no Brasil no final da década de sessenta — relaciona-se à tendência tecnicista de educação, de caráter cartesiano e positivista, onde c planejamento aparece como a grande solução para os problemas de falta de produtividade da educação escolar, sem, no entanto, questionar os fatores sócio-político-econômicos, até em função de sua pretensão de neutralidade, normatividade e universalidade. À ênfase à racionalidade era muito forte. Buscava-se uma rígida seqüência (donde a importância dos ‘pré-requisitos’) e a ordem lógica para tudo; só que a lógica tomada como referência era a de quem ensinava e não de quem aprendia... Influenciada pelas teorias comportamentalistas11, dava-se muita ênfase ao aspecto formal, à especificação de todos os comportamentos verificáveis (podemos lembrar aqui daquelas relações de verbos que tínhamos que usar para expressar os objetivos12 a fim do plano ficar ‘correto’); chegava-se a afirmar, por exemplo, que “só se pode estabelecer um objetivo que seja passível de ser medido”; havia uma verdadeira obsessão planificadora. Os professores eram obrigados a ocupar parte significativa de seu escasso tempo livre para preencher planilhas e mais planilhas (cf. Gvirtz, 1998: 184). O aluno deveria aprender exatamente aquilo que o professor planejara, reforçando a prática do ensino como mera transmissão, ou, no pólo oposto, como instrução programada. Essa exigência técnica para elaborar o planejamento justificou, ideologicamente, sua centralização nas mãos dos ‘especialistas’ (do Estado ou das escolas), fazendo parte de uma ampla estratégia de expropriação do quefazer do educadore do esvaziamento da educação como força de conscientização, levando a um crescente processo de alienação e controle exterior da educação. Muitos dos problemas que se colocam hoje na prática escolar entre professores e técnicos, tais como a competição, a disputa de influência e poder, têm sua explicação na origem mesma dessa função, já que, desde então, esteve associada ao ‘controle’, uma vez que a supervisão surgiu no século XVIII nos Estados Unidos como ‘Inspeção Escolar’ e como tal veio para o Brasil em meados do século XIX. Nos anos 70, do século seguinte, ganhou força e contorno legal, num ambiente nada favorável: Sabe-se que a Supervisão Educacional foi criada num contexto de ditadura. A Lei n. 5692/71 a instituiu como serviço específico da Escola de1Io e 2o Graus (embora já existisse anteriormente). Sua função era, então, predominantemente tecnicista e controladora e, de cena forma, correspondia a militarização Escolar. No contexto da Doutrina de Segurança Nacional adotada em 1967 e no espírito do AI-5 de 1968, foi feita a reforma universitária. Nela situa-se a reformulação do Curso de Pedagogia. Em' 1969 era regulamentada a Reforma Universitária e aprovado o parecer reformulador do Curso de Pedagogia. O mesmo prepara predominantemente, desde então, ‘generalistas1, com o título de especialistas da educação, mas pouco prepara para a prática da educação. (Urban, 1985: 5) A introdução da Supervisão Educacional traz para dentro da escola a divisão social do trabalho no campo pedagógico, ou seja, a divisão entre os que pensam, decidem, mandam e se apropriam dos frutos, e os que executam, uma vez que até então, o professor era o ator e autor de suas aulas, sendo que, a partir daí, entre ele e o seu trabalho passa a colocar-se a figura do ‘técnico’. 11 Eram comuns a utilização de termos como input, output, feedback. A instrução programada era talvez o modelo mais acabado desta visão. 12 Influenciadas pelas taxionomias, havia grande ênfase na elaboração dos objetivos; alguns autores chegaram a calcular: para sete unidades temáticas, levando em conta os vários níveis da taxionomia, o professor teria, para um ano de trabalho, cerca de 4. 200 objetivos comportamentais..., o que acabava, conseqüentemente, ocupando as melhores energias e desviando a atenção do essencial: a própria prática pedagógica. 17 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Comprometido com a estrutura de poder burocratizada de onde emana a fonte de sua própria autoridade individual, o supervisor escolar tende a ‘idiotizari o trabalho do professor porque, tal como na situação industrial, ‘não se pode ter confiança nos operários’ (...) A incompetência postulada do professor se apresenta assim como a ‘garantia ’ perversa da continuidade da posição do supervisor, de vez que inviabiliza a discussão sobre sua competência presumível e sobre a validade de sua contribuição específica. (Silva, 1984: 105) O saber do professor foi sendo paulatinamente desvalorizado, levando-o a uma perda de confiança naquilo que fazia. Paralelamente, criou-se um mito em tomo do planejamento, como se planejar levasse necessariamente a acontecer, o fato de se ter feito um bom plano garantiria automaticamente’ uma boa prática pedagógica: “Em outras palavras, ensina bem o professor que planeja bem o seu trabalho, entendendo-se este ‘planejar’ como sendo a elaboração do documento denominado plano” (Fusari, 1984: 33). Isto se distorceu a tal ponto que alguns professores ou técnicos se dedicavam exclusivamente a elaborar ‘bons planos’, e se sentiam realizados com isto, desvinculando-se da prática efetiva do planejado. Planejar passou a significar preencher formulários com objetivos educacionais gerais, objetivos instrucionais operacionalizados, conteúdos programáticos, estratégias de ensino, avaliação de acordo com objetivos, etc. Aliado ao processo de desgaste do professor — má formação, má remuneração, falta de condições de trabalho, etc. —, estava o avanço da indústria do livro didático, como que ‘compensando’ a falta de condições do professor preparar bem suas aulas. Além disto, do ponto de vista do planejamento, em poucos anos os livros passaram a trazê-lo pronto, quase que Induzindo o professor à cópia... Mais recentemente, há um ressurgir desta linha através dos programas de “Qualidade Total”, que seduzem multas escolas utilizando termos como participação, ser sujeito do processo, representando, no entanto, uma verdadeira onda neotecnicista, de cunho conservador, visto não colocar em questão os alicerces do sistema (a serviço de quem? o que qualifica a qualidade?), que apenas administra ‘com mais eficiência’. c) Planejamento Participativo Aqui, consciência, intencionalidade e participação são os fundamentos mais marcantes (1984: 30). Esta nova forma de se encarar o planejamento é fruto da resistência e da percepção de grupos de educadores13 que se recusaram a fazer tal produção do sistema, e foram buscar formas alternativas de fazer educação e, portanto, de planejá-la. O saber deixa de ser considerado como propriedade de ‘especialistas’, passando-se a valorizar a construção, a participação, o diálogo, o poder coletivo local, a formação da consciência crítica a partir da reflexão sobre prática de mudança. Tem como objetivo “a transformação das relações de poder, autoritárias e verticais, em relações igualitárias e horizontais, de caráter dialógico e democrático” (Pinto, 1995: 178). Esta perspectiva rompe com o planejamento funcional ou normativo das ias concepções anteriores, onde as práticas do professor e da escola são vistas como isoladas em relação ao contexto social. Aqui o planejamento é entendido como um instrumento de intervenção no real para transformá-lo na direção de uma sociedade mais justa e solidária. E nesta perspectiva que vamos desenvolver nosso trabalho. Claro está que tais práticas não se sucedem linearmente; pelo contrário, convivem na mesma realidade e, não raras vezes, no mesmo sujeito. O importante é a tomada de consciência dessas influências e a definição de uma nova intencionalidade para orientar a prática do planejar. 3.2. Núcleo do Problema do Planejamento Na tentativa de explicar o desgaste do planejamento junto aos professores, apontamos algumas contradições nucleares que se configuram como elementos comprometedores de seu sentido e força. 13 Ligados à educação popular, movimentos de base da igreja católica, partidos de oposição aos regimes autoritários. 18 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico a) ldealismo De um modo geral, nossa cultura está marcada pelo idealismo: conforme análise precedente, há uma tendência de se valorizar as idéias em detrimento da pratica e mesmo de superestimar o poder das idéias, como se bastasse uma idéia ara para que, automaticamente, acontecesse a alteração da realidade (patologia das condutas de idealização — Boutinet, 1996: 8). O planejamento pode estar contaminado por essas concepções e, dessa forma, também contribuir para a manutenção da situação dominante, já que pode ser a expressão de uma série enorme de boas intenções, de coisas que gostaríamos de fazer, mas que não têm menor senso de realidade, que estão totalmente desvinculadas das reais condições materiais e estruturais da instituição e da sociedade, pois, como afirma Simone Weil (1909-1943) “é preciso conhecer as condições materiais que determinam nossas possibilidades de ação” (1979: 242). E comum passar-se a visão de que o planejamento é capaz de ser ‘senhor do futuro’, que “com ele se é capaz de prever tudo, controlar tudo, modificar tudo segundo esquemas preestabelecidos” (Ferreira,1985: 46), havendo total ruptura entre o plano e a realidade cotidiana da escola. Ao preencher os formulários de planejamento, o professor tem a sensação que tudo pode, que é o senhor supremo, que pode decidir livre e soberanamente. Depois, sem saber porque, as coisas não acontecem... O tremendo descompasso entre aquilo que é esperado do professor e as condições objetivas de trabalho que são oferecidas, conforme os depoimentos tão contundentes logo no começo do primeiro capítulo (o professor sequer têm tempo para poder parar a fim de refletir sobre sua prática), é um forte indicador da presença deste Idealismo no interior das escolas e do sistema de ensino. Neste caso, o planejamento cumpre um papel Ideológico, de ocultação das verdadeiras contradições da realidade, uma vez que somente o enfrentamento dessas contradições, nas suas bases concretas, é que permitiria a efetiva mudança da realidade, ainda que num nível e ritmo muito aquém do que desejamos. Á idéia é fundamental no processo de transformação, mas uma idéia articulada à realidade e por ela fertilizada; o Idealismo é a hipertrofia da Idéia em detrimento da realidade. Portanto, este é um grande fator de desmoralização do planejamento: ir para o papel e depois não acontecer! b) Formalismo O formalismo, a atividade desprovida de sentido para o sujeito, o burocratismo, com certeza são outros fatores que podem gerar profundo desgaste da idéia de planejamento. Cumprir prazos não discutidos, preencher formulários impostos, ter que se adequar a um saber já pronto, ‘técnico’, etc. Paulatinamente, o professor vai tomando consciência de que o plano é uma prática cartorial, uma exigência formal, mas que não tem repercussão alguma no cotidiano; a elaboração do plano de ensino fica desconexa, desarticulada justamente por não haver um plano integral da escola que dê direção, unidade e sustentação a todo trabalho. A situação de descrença chegou a tal ponto que temos relatos de professores que entregaram o plano só com a capa de sua disciplina, mas no interior havia o conteúdo de outra, e nunca ninguém questionou..., ou seja, ficou a certeza de que sequer os planos eram lidos por alguém. Toda essa distorção na elaboração, naturalmente, acaba levando a um comprometimento da execução e, portanto, dos resultados, configurando o descrédito a que nos referimos. Elaboram-se planos — para dar ar de seriedade à instituição —, mas diante das vicissitudes do dia-a- dia, as reais decisões vão se tomando sem planos (cf. Ferreira, 1985: 46). Isto gera um clima de desilusão. Quando a ênfase da escola (notadamente coordenação, orientação, direção) está voltada para o apoio à mudança da prática em sala de aula, até que o professor se dispõe a repensar o 'planejamento'; no entanto, quando a ênfase está .na ‘escola de papel’, o professor se fecha, não acredita. Constata-se amiúde uma incoerência entre a importância que a escola diz que o planejamento tem e as condições para se fazer um trabalho de acompanhamento do mesmo. 19 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico c) Não-participação O planejamento pode ser utilizado como dispositivo de disciplinamento (cf. Foucault, 1926-1984) de professores e alunos, como meio de dominação (ao invés de libertação), na medida em que um pequeno grupo planeja e decide o destino de um grande conjunto de pessoas, que deverão apenas executar, esta- belecendo um processo de desumanização, de alienação, já que é próprio do ser humano uma unidade, e não uma separação, entre o pensar e o fazer, o analisar e o decidir, o construir e o usufruir. Tal prática de planejamento introduz uma cisão na totalidade humana, tendo em vista que as pessoas não participam dos resultados do próprio trabalho (a não ser em nível mínimo, para uma mera sobrevivência enquanto mão-de- obra). E interessante perceber a corriqueira estratégia da dominação: fala-se muito em participação, mas não se deixa claro em momento algum que o que se espera e necessita é a participação simplesmente na execução... Como aponta o professor João Bosco Pinto, no artigo já referido, houve uma tentativa de apropriação da idéia de planejamento participativo pelo governo militar brasileiro, a partir da necessidade de restabelecer sua hegemonia, ameaçada explicitamente nas eleições de 1974, o que, naturalmente, foi feito com um discurso geral e abstrato que nada comprometia, embora tivesse a função de buscar o consenso, como estratégia de legitimação. (Pinto, 1995: 177) Uma outra prática utilizada por dirigentes sem espírito democrático é propiciar a participação em algumas questões menores, periféricas, sendo que as essenciais já vêm decididas (‘pseudodemocracia’): enquanto os professores estão discutindo se a cor da parede da sala deve ser verde ou azul, a mantenedora está resolvendo fechar um curso ou departamento... O que ocorre em muitas realidades é que o planejamento por parte do professor é feito ‘para a escola’ e não para organizar e orientar efetivamente o trabalho, passando a significar ‘prisão’, forma de controle autoritário. A não-participação também pode se dar no sentido de reduzir a área de domínio, o âmbito do campo do planejamento, qual seja, o sujeito/grupo tem liberdade para decidir até um certo nível, mas não participa do plano mais global. A conseqüência disto é a interferência de instâncias superiores no planejado. Encontramos a exemplificação deste descompasso nas falas iniciais dos professores, onde a decisão da escola foi ‘atropelada’ pela da Delegacia de Ensino. CONCLUSÃO Na gênese do processo de descrença do professor em relação ao planejamento está uma fase marcada pela extrapolação do ‘Possível’, ou seja, onde tudo parecia ser muito fácil de realizar (o papel aceita qualquer coisa...)- Inicialmente o professor foi ‘seduzido’ pelas promessas do planejamento, como se através dele tudo pudesse ser resolvido. Só que depois, à medida que as coisas não iam acontecendo, foi desacreditando, se decepcionou, mas continuou sendo cobrado para que fizesse: caiu-se no vazio do fazer alienado. Deixou de ser uma autêntica elaboração, tomando-se uma prática mimética. E claro que esta dinâmica é muito complicada, pois, como se costuma dizer popularmente, não se pode jogar fora a água suja junto com a criança: a recusa de fazer o plano para o outro acabou eclipsando o valor do planejamento como método de trabalho. 20 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico Será que o educador não pode dominar o seu fazer? Até quando haverá de continuar nesta situação? Será possível ao educador, saber o ‘porquê, para quê e como se faz de sua atividade, ou ele estará condenado a fazer como outros fizeram? Acaso será impossível ao educador superar essa situação? E certo que não se trata de voltar aos Velhos tempos, mas esta alienação do trabalho peda- gógico, que tem sua raiz na realidade social alienada e fetichizada, precisa ser enfrentada. Na representação do professor, o planejamento acabou ficando marcado tanto pelo ‘Impossível’ (não é possível planejar), quanto pelo ‘Contingente5 (não é necessário, da forma como vem acontecendo não resolve). Nosso desafio é resgatá-lo como ‘Possível’ e ‘Necessário’. Portanto, a partir da análise feita, fica clara a necessidade de superar a descrença no planejamento, recuperar seu sentido, a fim de buscar formas alternativas de praticá-lo. A esta tarefa nos dedicaremos nos próximos capítulos. Atividades de Síntese 1- Você acredita que a reflexão seja importante nas instituições educacionais? Quais as dimensões que precisam ser articuladas na reflexão? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 2- Quais as principais queixas dos professores a respeito do planejamento? Você concorda com estas queixas? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 21 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico 2ª Parte O PLANEJAMENTO COMO MÉTHODOS DA PRÁXIS PEDAGÓGICA I Re-significando a Prática do Planejamento Para estabelecer um referencial de comunicação, esbocemos Inicialmente um conceito: planejar é antecipar mentalmente uma ação a ser realizada e agir de acordo com o previsto; é buscar fazer algo Incrível, essencialmente humano: o real ser comandado pelo ideal. • Planejar ajuda a concretizar aquilo que se almeja (relação Teoria-Prática); • Aquele algo que planejamos é possível acontecer; podemos, em certa medida, interferir na realidade. Re-significar o planejamento para o sujeito implica resgatar sua necessidade e possibilidade, em dois níveis: um mais geral e outro específico da atividade de planejar. NECESSIDADE Mudança Querer mudar a realidade; estar vivo, em movimento. Ponto de partida para todo processo de planejamento Planejar Sentir que precisa de mediação simbólica para alcançar o que deseja Qual o sentido do planejar? Por que um sujeito/grupo vai se envolver com este tipo de atividade? Constatamos aquela ambigüidade nos educadores: ao mesmo tempo em que aceitam a importância do planejamento, têm também sérias desconfianças; concordam com a Idéia geral de planejamento (quem não concorda?), mas estão marcados pela experiência de elaboração de planos burocráticos, formais, controladores. Se o professor não vê objetivo em planejar, com certeza não irá se envolver significativamente nesta atividade; pode até fazer para ‘inglês ver’... De que pressuposto — normalmente implícito — parte-se quando se planeja? 22 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico POSSIBILIDADE Mudança Acreditar na possibilidade de mudança (em geral e daquela determinada realidade); esperança; abertura Planejar Ver condições de poder antecipar e realizar a ação — Quadro: Tarefas implicadas na re-significação do Planejamento— Planejar, então, remete a: 1- querer mudar algo; 2- acreditar na possibilidade de mudança da realidade; 3- perceber a necessidade da mediação teórico- metodológica; 4- vislumbrar a possibilidade de realizar aquela determinada ação.14 Para que a atividade de projetar seja carregada de sentido, é preciso, pois, que, a partir da disposição para realizar alguma mudança, o educador veja o planejamento como necessário (aquilo que se impõe, que deve ser, que não se pode dispensar) e possível (aquilo que não é, mas poderia ser, que é realizável). 1 -NECESSIDADE DO PLANEJAMENTO 1.1. Pressuposto Fundamental do Planejar: Necessidade de Mudar O fator decisivo para a significação do planejamento é a percepção por parte do sujeito da necessidade de mudança. E claro que se tudo vai bem, se nada há para se modificar na escola, para quê introduzir este tal de 'plano5? É incrível, mas muitos professores parecem tão satisfeitos — ou alienados... — com suas práticas que não sentem necessidade nem de aperfeiçoamento. Talvez, se questionados sobre a escola, até tenham o que dizer; ou não, de medo que dizendo alguma coisa possa sobrar alguma tarefa para eles... Todo o trabalho da ideologia dominante vai no sentido de anestesiar a percepção das contradições e a conseqüente necessidade mudança. O ponto de partida é uma pergunta básica: há algo em nossa prática que precisa ser modificado, transformado, aperfeiçoado? Se não há, não se precisa de projeto. A ausência de falta, a inapetência (física e/ou intelectual), a ausência de desejo é sinal de estagnação, e, porta ~ de morte. O que constatamos com freqüência é que há uma descrença anterior e mais profunda, qual seja, não com o planejamento enquanto tal, mas com a própria educação... (e, em alguns casos, no limite, com a própria existência: morte do entusiasmo, do espanto, da indignação — cf. Santos, 1996a). Não é possível re- significar o planejamento em si, isolado da re-significação de estar no mundo e de toda a prática educacional! O grande nó do planejamento educacional pode estar na morte do autêntico trabalho pedagógico devido a: • Fatores exteriores: a falta de condições e de liberdade, a cobrança formal e autoritária do cumprimento do programa, etc.; • Fatores interiores: o professor que se entregou, que abriu mão de lutar, de resistir contra as pressões equivocadas. Não há processo, técnica ou instrumento de planejamento que faça milagre. O que existem são caminhos, mais ou menos adequados. De qualquer forma, o fundamento primeiro de qualquer processo de planejamento está num nível mínimo (considerando que a realidade é sempre contraditória e processual), pessoal e coletivo, de compromisso (desejo, ética, responsabilidade) e competência (capacidade de resolver problemas). A questão do planejamento é desafiadora, pois projetar é para o humano, e não poucas vezes estamos reduzidos em nossa humanidade, estamos desanimados, descrentes, cansados. Também no meio educacional — entre professores, membros de equipes de coordenação, direção, mantenedores, pais, funcionários, alunos 14 De certa forma, podemos relacionar estes aspectos com os conceitos de potência 23 Planejamento, Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico —, estão presentes forças de vida e de morte. Chegamos a nos sentir com ausência de desejo: quem quer a escola? quem acredita na escola como caminho de construção de uma sociedade mais justa? Escola para quê? Simplesmente como meio de subsistência? O que dá vida a uma escola? Seria o planejamento? Não podemos ter esta ilusão. São as pessoas, os sujeitos que historicamente assumem a construção de uma prática transformadora. Antes de mais nada, precisamos de uma ‘matéria- prima’ fundamental: as pessoas, que buscam, sonham, pensam, interrogam, de- sejam. Numa concepção libertadora,
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