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DIREITO PENAL Prof. Arnaldo Quaresma e Prof. Nidal Ahmad 1 01) TEORIA DA NORMA 1) DA LEI PENAL NO TEMPO 1.1) Princípios da lei penal no tempo Há dois princípios que regem os conflitos de leis penais no tempo: 1º) o da irretroatividade da lei mais severa; 2º) o da retroatividade da lei mais benigna. Esses dois princípios podem ser resumidos em um só: o da retroatividade da lei mais benigna. 1.2) HIPÓTESES DE CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO A) ABOLITIO CRIMINIS Ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei nova já não incrimina fato que anteriormente era considerado como ilícito penal. A nova lei, demonstrando não haver mais, por parte do Estado, interesse na punição do autor de determinado fato, retroage para alcançá-lo. (adultério era típico, mas se tornou atípico com a Lei 11.106/05) É decorrência da previsão do art. 5º, XL, CF, e art. 2º, do CP. B) NOVATIO LEGIS IN MELLIUS Além da abolitio criminis, a lei nova pode favorecer o agente de várias maneiras. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado (Art. 2, parágrafo único do CP). C) NOVATIO LEGIS INCRIMINADORA A lei nova incrimina fatos antes considerados lícitos (novatio legis incriminadora): não retroage. A novatio legis incriminadora, ao contrário da abolitio criminis, considera crime fato anteriormente não incriminado. D) NOVATIO LEGIS IN PEJUS A quarta hipótese refere-se à nova lei mais severa a anterior (a nova lei de drogas, Lei n. 11.343/06, no art. 33, aumentou a pena do crime de tráfico de drogas). Incide, no caso, o princípio da irretroatividade da lei penal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (art. 5º, XL). 1.3) CRIME PERMANENTE E CRIME CONTINUADO E LEI PENAL MAIS BENÉFICA Aplica-se a lei nova durante a atividade executória do CRIME PERMANENTE, ainda que seja prejudicial ao réu, já que a cada momento da atividade criminosa está presente a vontade do agente. 2 Da mesma forma, em sendo o CRIME CONTINUADO uma ficção, considerando que uma série de crimes constitui um único delito para a finalidade de aplicação da pena, o agente responde pelo que praticou em qualquer fase da execução do crime continuado. Portanto, se uma lei penal nova tiver vigência durante a continuidade delitiva, deverá ser aplicada ao caso, prejudicando ou beneficiando. É o que diz a Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. 2) LEIS DE VIGÊNCIA TEMPORÁRIA – Art. 3º do CP 2.1) Conceito De acordo com o art. 3º do CP, as leis excepcionais ou temporárias, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que as determinaram, aplicam-se aos fatos praticados durante sua vigência. São as leis autorrevogáveis. Comportam duas espécies: * LEIS EXCEPCIONAIS: são feitas para durar enquanto um estado anormal ocorrer. Cessam a sua vigência ao mesmo tempo em que a situação excepcional também terminar. Portanto, são aquelas promulgadas em caso de calamidade pública, guerras, revoluções, cataclismos, epidemias, etc. * LEIS TEMPORÁRIAS: São as editadas com período determinado de duração, portanto, dotadas de autorrevogação. É feita para vigorar em um período de tempo previamente fixado pelo legislador. Traz em seu bojo a data de cessação de sua vigência. É uma lei que desde a sua entrada em vigor está marcada para morrer. 2.2) Características A) São autorrevogáveis Em regra, uma lei somente pode ser revogada por outra lei, posterior, que a revogue expressamente, que seja com ela incompatível ou que regule integralmente a matéria nela tratada (art. 2º, § 1º da LICC). As leis de vigência temporária constituem exceção a esse princípio, visto que perdem sua vigência automaticamente, sem que outra lei as revogue. B) São ultrativas A ultratividade significa a possibilidade de uma lei se aplicar a um fato cometido durante a sua vigência, mesmo após a sua revogação (a lei adere ao fato como se fosse um carrapato, acompanhando-o para sempre, mesmo após sua morte). 3 3) DO TEMPO DO CRIME – Art. 4º 3.1) CONCEITO E IMPORTÂNCIA A análise do âmbito temporal da aplicação da lei penal necessita da fixação do momento em que se considera o delito cometido. O CP adotou a teoria da atividade, segundo a qual se reputa praticado o delito no momento da conduta, não importando o instante do resultado. Ex. homicídio: o mais importante é detectar o instante da ação (desfecho dos tiros), e não o momento do resultado (ocorrência da morte). 4) DA LEI PENAL NO ESPAÇO – Art. 5º 4.1) INTRODUÇÃO A Lei Penal é elaborada para vigorar dentro dos limites em que o Estado exerce a sua soberania. Via de regra, pelo princípio da territorialidade, aplica-se as leis brasileiras aos delitos cometidos dentro do território nacional. Esta é uma regra geral, que advém do conceito de soberania, ou seja, a cada Estado cabe decidir e aplicar as leis pertinentes aos acontecimentos dentro do seu território. 4.2) TERRITÓRIO BRASILEIRO POR EQUIPARAÇÃO (EMBARCAÇÕES E AERONAVES) Nos termos do artigo 5º, § 1º, do CP, duas situações de território brasileiro por equiparação: A) embarcações e aeronaves brasileiras de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde estiverem. B) embarcações e aeronaves brasileiras, de propriedade privada, que estiverem navegando em alto-mar ou sobrevoando águas internacionais. Os navios estrangeiros em águas territoriais brasileiras, desde que públicos, não são considerados parte do nosso território. Em face disso, os crimes neles cometidos devem ser julgados de acordo com a lei da bandeira que ostentam. Se, entretanto, são de natureza privada, aplica-se a lei brasileira (art. 5º, § 2º). Territorialidade: é a regra. Ao crime cometido no território nacional, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, conforme art.5º e seus parágrafos. 4 4.3) EXTRATERRITORIALIDADE Extraterritorialidade: é uma exceção. Mesmo que o crime seja cometido fora do Brasil, os agentes se sujeitam à lei brasileira, nas hipóteses mencionadas no art. 7º, do CP, quais sejam: EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; Nestes casos, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Nestes casos, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. Cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil. se, reunidas as condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no paísem que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. + a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. 5 Princípio da Representação ou da Bandeira: por este princípio, aplica-se aos delitos praticados no interior de embarcação ou aeronave a lei do país em que esteja registrada ou da bandeira adotada (art. 7º, II, c, do CP). 4.4 Pena cumprida no estrangeiro: Segundo o art. 8º do Código Penal, a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. 4.5 Eficácia de sentença estrangeira: A sentença estrangeira pode ser homologada no Brasil, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências. Pode ser homologada para: obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; ou sujeitá-lo a medida de segurança. Entretanto, a homologação depende: a) de pedido da parte interessada, se for para reparar o dano; b) da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça, nos demais casos. 5) LUGAR DO CRIME – Art. 6º A determinação do lugar em que o crime se considera praticado é decisiva no tocante à competência penal internacional. Surge o problema quando o crime se desenrola em lugares diferentes. O CP adotou a teoria da ubiquidade ou mista, segundo a qual é lugar do crime tanto onde houve a conduta, quanto o local onde se deu o resultado. 6) CONFLITO APARENTE DE NORMAS 6.1) CONCEITO É o conflito que se estabelece entre duas ou mais normas aparentemente aplicáveis ao mesmo fato. Há conflito porque mais de uma norma pretende regular o fato, mas é aparente, porque apenas uma delas acaba sendo aplicada à hipótese. 6.2) PRINCÍPIOS PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS APARENTES DE NORMAS A) PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE A norma especial, ou seja, a que acresce elemento próprio à descrição legal do crime previsto na geral, prefere a esta. A norma do art. 123 do CP, que trata do infanticídio, prevalece sobre a do art. 121, que cuida do homicídio, porque possui, além dos elementos genéricos deste último, os seguintes especializantes: “próprio filho”, “durante o parto ou logo após” e “sob a influência do estado puerperal”. 6 B) PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE B.1) Conceito de norma subsidiária Uma norma é considerada subsidiária à outra, quando a conduta nela prevista integra o tipo da principal, significando que a lei principal afasta a aplicação da lei secundária. Há relação de subsidiariedade entre normas quando descrevem graus de violação do mesmo bem jurídico, de forma que a infração definida pela subsidiária, de menor gravidade que a da principal é absorvida por esta. O crime de ameaça (art. 147) cabe no de constrangimento ilegal mediante ameaça (art. 146), o qual, por sua vez, cabe dentro da extorsão (art. 158). O sequestro (art. 148) no de extorsão mediante seqüestro (art. 159). O disparo de arma de fogo (Lei 10.826/2003, art. 15) cabe no de homicídio cometido mediante disparos de arma de fogo (art. 121). Há um único fato, o qual pode ser maior do que a norma subsidiária, só se pode encaixar na primária. B.2) Espécies a) Subsidiariedade Expressa ou explícita Ocorre quando a própria lei indica ser a norma subsidiária de outra. Quando a norma, em seu próprio texto, subordina a sua aplicação à não-aplicação de outra, de maior gravidade punitiva. A própria norma reconhece expressamente seu caráter subsidiário, admitindo incidir somente se não ficar caracterizado fato de maior gravidade. Ex. Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. B.2) SUBSIDIARIEDADE TÁCITA OU IMPLÍCITA Ocorre quando uma figura típica funciona como elementar ou circunstância legal específica de outra, de maior gravidade punitiva, de forma que esta exclui a simultânea punição da primeira. A norma nada diz, mas, diante do caso concreto, verifica-se a sua subsidiariedade. Ex: Estupro contendo o constrangimento ilegal. C) PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO C.1) Conceito Ocorre quando um ato definido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática atinente àquele crime. Em outras palavras, quando a infração prevista na primeira norma constituir simples fase de realização da segunda infração, prevista em dispositivo diverso, deve-se aplicar apenas a última. 7 Trata-se da hipótese de crime meio e do crime fim. Ex. é o que se dá na violação de domicílio com a finalidade de praticar furto em residência. A violação é mera fase de execução do delito de furto. 02) TEORIA DO CRIME Segundo a concepção analítica, crime é fato típico, antijurídico e culpável. 1) DO FATO TÍPICO É o fato que se amolda ao modelo legal da conduta proibida. É o fato que se enquadra no conjunto de elementos descritivos do delito contidos na lei penal. Elementos do fato típico a) a conduta b) o resultado c) o nexo de causalidade d) a tipicidade Ausente um dos elementos do fato típico a conduta passa a constituir um indiferente penal. É um fato atípico. 1.1) CONDUTA CONDUTA é a ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade. Para a caracterização da conduta, sob qualquer prisma, é indispensável a existência do binômio vontade e consciência. Ausente a vontade ou consciência, não haverá conduta punível, como, por exemplo, na coação física irresistível, movimentos reflexos e estado de inconsciência. a) Coação física irresistível (“vis absoluta”) Ocorre quando o sujeito pratica o movimento em consequência de força corporal exercida sobre ele. Quem atua obrigado por uma força irresistível não age voluntariamente. Neste caso, o agente é mero instrumento realizador da vontade do coator. Assim, não havendo vontade, não há conduta. Não havendo conduta, não há fato típico. Não havendo fato típico, não há crime. Logo, o fato praticado mediante coação física irresistível é atípico. Não responde por crime nenhum. Diversa é a situação, contudo, quando se tratar de coação moral. Na coação moral, não há aplicação da força física, mas de ameaça ou intimidação, feita através da promessa de um mal, para que se determine o coato à realização do fato criminoso. 8 No caso da coação moral, o fato é revestido de tipicidade, mas não é culpável, em face da inexigibilidade de conduta diversa. Portanto, existe o fato típico, pois a ação é juridicamente relevante, mas não se há falar em culpabilidade, aplicando-se a regra do art. 22, 1ª parte, do CP (causa de exclusão da culpabilidade). Em síntese: coação física irresistível: causa de exclusão da tipicidade coação moral irresistível: causa de exclusão da culpabilidade coação moral resistível: atenuante (art. 65, III, “c”, CP) b) Movimentos reflexos São atos reflexos, puramente somáticos, aqueles em que o movimento corpóreo ou sua ausência é determinado por estímulos dirigidos diretamente ao sistema nervoso. Nestes casos, o estímulo exterior é recebido pelos centros sensores, que o transmitem diretamente aos centros motores, sem intervenção da vontade, como ocorre, por exemplo, em um ataque epilético (ex...). Os atos reflexos não dependem da vontade, uma vez que são reações motoras,secretórias ou fisiológicas, produzidas pela excitação de órgãos do corpo humano (ex. tosse, espirro, etc.). c) Estados de inconsciência A doutrina tem catalogado como exemplos de estados de inconsciência a hipnose, o sonambulismo a narcolepsia. 2) DA OMISSÃO E SUAS FORMAS A) CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS São os que se perfazem com a simples conduta negativa do sujeito, independentemente da produção de qualquer consequência posterior. A norma, ao invés de descrever uma conduta negativa (não matarás, p. ex.), impõe um comportamento positivo. Nos crimes omissivos próprios basta a abstenção, é suficiente a desobediência ao dever de agir para que o delito se consume. A OBRIGAÇÃO DO AGENTE É DE AGIR E NÃO DE EVITAR O RESULTADO. O resultado que eventualmente surgir dessa omissão será irrelevante para a consumação do crime, podendo apenas configurar uma majorante ou uma qualificadora. Ex.: Omissão de socorro Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: 9 Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Abandono material Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Nesses casos, o crime se perfectibiliza a partir da conduta omissiva. A norma impõe que o agente pratique uma ação para que o delito não se consume. Se deixar de praticar a ação, terá cometido o delito omissivo. B) CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS OU COMISSIVOS POR OMISSÃO Nos crimes omissivos impróprios, o agente não tem simplesmente a obrigação de agir, mas a OBRIGAÇÃO DE AGIR PARA EVITAR UM RESULTADO, isto é, deve agir com a finalidade de impedir a ocorrência de determinado evento. Nos crimes comissivos por omissão há, na verdade, um crime material, isto é, um crime de resultado. O Código Penal regulou expressamente as hipóteses em que o agente assume a condição de garantidor. De fato, para que alguém responda por crime comissivo por omissão é preciso que tenha o dever jurídico de impedir o resultado. E esse dever está previsto no artigo 13, § 2º: a) Ter por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância É um dever decorrente de lei. Dever esse que aparece numa série de situações, como, por exemplo, o dever de assistência que se devem mutuamente os cônjuges (art. 1564 do CC), que devem os pais aos filhos (art. 1634 do CC). b) De outra forma, assumir a responsabilidade de impedir o resultado A doutrina não fala mais em dever contratual, uma vez que a posição de garantidor pode advir de situações em que não existe relação jurídica entre as partes. O importante é que o sujeito se coloque em posição de garante da não-ocorrência do resultado, haja contrato ou não, como nas hipóteses em que voluntariamente assume encargo sem mandato ou função tutelar. Ex: médico plantonista; salva-vidas, com relação aos banhistas; babá, em relação à criança. c) Com o comportamento anterior, criar o risco da ocorrência do resultado 10 Nesta hipótese, o sujeito, com o comportamento anterior, cria situação de perigo para bens jurídicos alheios penalmente tutelados, de sorte que, tendo criado o risco, fica obrigado a evitar que ele se degenere ou desenvolva para o dano ou lesão. Não importa que o tenha feito voluntariamente ou involuntariamente, dolosa ou culposamente; importa é que com sua ação ou omissão originou uma situação de risco ou agravou uma situação já existente. Ex. exímio nadador convida uma criança para nadar e se omite na hipótese de o infante estar se afogando. 3) DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE Pela própria denominação (nexo causal) é possível perceber que consiste no vínculo ou liame de causa e efeito entre a ação e o resultado do crime. Via de regra, a conduta do agente produz o resultado criminoso de forma direta. Trata- se de relação de causa (conduta) e efeito (resultado): Nexo de causalidade. Todavia, pode ocorrer que, aliada à conduta do agente, outra causa contribua para o resultado. É a chamada concausa. Esta “concausa” pode ser absolutamente independente ou relativamente independente, dependendo se teve ou não origem na conduta do agente. 3.1) CAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES A) CONCEITO São aquelas que não têm origem na conduta do agente. O advérbio de intensidade “absolutamente” serve para designar que a causa não partiu da conduta, mas de fonte totalmente distinta. Além disso, por serem independentes, tais causas atuam como se tivessem por si sós produzido o resultado, situando-se fora da linha de desdobramento causal da conduta. Há, na verdade, uma quebra do nexo causal. B) ESPÉCIES DE CAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES a) Preexistentes Existem antes de a conduta ser praticada e atuam independentemente de seu cometimento, de maneira que com ou sem a ação o resultado ocorreria do mesmo modo. Ex: “A” desfecha um tiro de revólver em “B”, que vem a falecer pouco depois, não em conseqüência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno. 11 b) Concomitantes São as causas que não têm nenhuma relação com a conduta e produzem o resultado independentemente desta, no entanto, por coincidência, atuam exatamente no instante em que a ação é realizada. Ex: “A” fere “B” no mesmo momento em que este vem a falecer exclusivamente por força de um ataque cardíaco. c) Supervenientes São causas que atuam após a conduta. Ex: “A” ministra veneno na alimentação de “B” que, quando está tomando a refeição, vem a falecer em consequência de um desabamento ou posterior atropelamento. C) CONSEQUÊNCIAS DAS CAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES Quando a causa é absolutamente independente da conduta do sujeito, o problema é resolvido pelo caput do art. 13: Há exclusão da causalidade decorrente da conduta. Ou seja, o agente responde somente por aquilo que deu causa. Nos exemplos, a causa da morte não tem ligação alguma com o comportamento do agente. Em face disso, ele não responde pelo resultado morte, mas sim pelos atos praticados antes de sua produção. Isso porque ocorreu quebra do nexo causal. CUIDADO: Se o enunciado apontar dolo de lesão corporal, por exemplo, o agente responderá por aquilo que deu causa: lesão corporal (leve, grave ou gravíssima). 3.2) CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES A) CONCEITO Causa relativamente independente é a que, funcionando em face da conduta anterior, conduz-se como se por si só tivesse produzido o resultado. Como são causas independentes, produzem por si sós o resultado, não se situando dentro da linha de desdobramento causal da conduta. Por serem, no entanto, apenas relativamente independentes, encontram sua origem na própria conduta praticada pelo agente. Aqui não há, via de regra, uma quebra do nexo causal, mas uma soma entre as causas, que, ao final, conduzem ao resultado lesivo. B) ESPÉCIES DE CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES a) Preexistentes 12 São as que atuam antes da conduta. Ex: “A” desfere um golpe de faca na vítima, que é hemofílica e vem a morrer em face da conduta, somada à contribuição de seu peculiar estado fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria insuficiente paraproduzir o resultado fatal, de modo que a hemofilia atuou de forma independente, produzindo por si só o resultado. b) Concomitantes São as causas que atuam exatamente no instante em que a ação é realizada. Ex: considera-se o ataque à vítima, por meio de faca, que, no exato momento da agressão, sofre ataque cardíaco, vindo a falecer, apurando-se que a soma desses fatores (causas) produziu a morte, já que a agressão e o ataque cardíaco, considerados isoladamente, não teriam o condão do produzir o resultado morte. c) Supervenientes São as causas que ocorrem depois da conduta praticada pelo agente. Ex. A vítima de um atentado é levada ao hospital e sofre acidente no trajeto, vindo, por esse motivo, a falecer. A causa é independente, porque a morte foi provocada pelo acidente e não pelo atentado, mas essa independência é relativa, já que, se não fosse o ataque, a vítima não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo atuado posteriormente à conduta, denomina- se causa superveniente. C) CONSEQUÊNCIA DAS CAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES No caso das causas preexistentes e concomitantes, como existe nexo causal, o agente responderá pelo resultado, a menos que não tenha concorrido para ele com dolo ou culpa. Na hipótese das causas supervenientes, embora exista nexo físico- naturalístico, a lei, por expressa disposição do art. 13, § 1º, do CP, que excepcionou a regra geral, manda desconsiderá-lo, não respondendo o agente jamais pelo resultado, mas tão-somente pelos fatos anteriores. 4) DO CRIME DOLOSO E CULPOSO – Art. 18 do CP 4.1) DOLO DIRETO No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de sua ação. A vontade do agente é dirigida à realização do fato típico. Adota-se, pois, a teoria da vontade. Ex: o agente desfere golpes de faca na vítima com intenção de matá-la. O dolo se projeta de forma direta no resultado morte. 4.2) DOLO EVENTUAL 13 Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. O agente não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza. Sobre o dolo eventual, o Código Penal adota a teoria do consentimento, segundo a qual o sujeito não leva em conta em conta a possibilidade do evento previsto, agindo e assumindo o risco de sua produção. 4.3) DO CRIME CULPOSO A) CONCEITO É o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ser evitado. B) ELEMENTOS DA CULPA a) Conduta humana voluntária O fato se inicia com a realização voluntária de uma conduta de fazer ou não fazer. O agente não pretende praticar um crime nem quer expor interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano. Falta, porém, com o dever de cuidado exigido pela norma. b) Resultado involuntário É imprescindível que o evento lesivo jamais tenha sido desejado ou acolhido pelo agente. c) Nexo de causalidade Somente a ligação, através da previsibilidade, entre a conduta do agente e o resultado danoso pode constituir o nexo de causalidade no crime culposo, já que o agente não deseja a produção do evento lesivo. d) Tipicidade Deve haver atenção a este ponto, porquanto o crime culposo precisa estar expressamente previsto no tipo penal. Ex: não existe menção, no art. 155 do CP, à culpa, de forma que não há “furto culposo”. e) Previsibilidade objetiva É a possibilidade de prever o resultado lesivo, inerente a qualquer ser humano normal. Ausente a previsibilidade, afastada estará a culpa, pois não se exige da pessoa uma atenção extraordinária e fora do razoável. 14 f) Ausência de previsão É necessário que o sujeito não tenha previsto o resultado. Se o previu, não estamos no terreno da culpa, mas do dolo. O resultado era previsível, mas não foi previsto pelo sujeito. Daí falar-se que a culpa é a imprevisão do previsível. g) Inobservância do cuidado objetivo Ocorre quando o agente deixa de seguir as regras básicas de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade. Essas regras gerais de cuidado derivam da proibição de ações de risco que vão além daquilo que a comunidade juridicamente organizada está disposta a tolerar. C) MODALIDADES DE CULPA a) Imprudência É a prática de um fato perigoso. Ex. dirigir em alta velocidade em via movimentada. b) Negligência É a ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado. Ex. deixar arma de fogo ao alcance de uma criança. c) Imperícia É a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão. Consiste na incapacidade ou falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado mister. Ex. médico que deixa de tomar as cautelas devidas de assepsia em uma sala de cirurgia, demonstrando sua nítida inaptidão para o exercício profissional, situação que provoca a morte do paciente. 5) DA CONSUMAÇÃO E TENTATIVA – Art. 14 5.1) DA CONSUMAÇÃO A) CONCEITO Determina o artigo 14, I, do CP que o crime se diz consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. É o tipo penal integralmente realizado, ou seja, quando o fato praticado pelo agente se enquadra no tipo abstrato. * ITER CRIMINIS 15 Iter criminis é o conjunto de fases pelas quais passa o delito. É o caminho do crime. Compõe-se das seguintes etapas: a) Cogitação É o momento da ideação do delito, ou seja, quando o agente tem a ideia de praticar o crime. A cogitação não constitui fato punível. b) Atos preparatórios É a fase de exteriorização da ideia do crime, através de atos, que começam a materializar a perseguição ao alvo idealizado. Os atos preparatórios também não são puníveis, salvo quando o legislador os define como atos executórios de outro delito autônomo. Nesses casos, o sujeito pratica crime não porque realizou atos preparatórios do crime que pretendia cometer no futuro, mas sim porque praticou atos executórios de outro delito. c) Execução É a fase da realização da conduta designada pelo núcleo da figura típica, constituída, como regra, de atos idôneos para chegar ao resultado, mas também daqueles que representarem atos imediatamente anteriores a estes, desde que se tenha certeza do plano concreto do autor. d) Consumação É o momento de conclusão do delito, reunindo todos os elementos do tipo penal. 5.2) DA TENTATIVA A) CONCEITO TENTATIVA é a execução iniciada de um crime, que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. B) INFRAÇÕES QUE NÃO ADMITEM A TENTATIVA a) Crimes culposos Os crimes culposos não admitem tentativa. Na tentativa, o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado, mas este não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. 16 Assim, no crime culposo, há evento sem intenção de provocá-lo; na tentativa, intenção sem resultado. Daí ser impossível tentativa em crime culposo. b) crimes preterdolosos É incompreensível a tentativa de crime preterdoloso, uma vez que neste o resultado vai além do que o agente desejou e naquele ele não atinge o evento pretendido. Sendo o resultado agravado punido a título de culpa, excluída fica a hipótese de crime tentado. c) as contravenções (art. 4º LCP); d) os crimes omissivos próprios Pois ou o agente deixa de realizar a conduta, e o delito se consuma, ou a realiza, e não se pode falar em crime. e) Os crimes unissubsistentes Pois se realizam por único ato. f) Os crimes habituais Pois não possuem iter, como no descrito no art. 230 (rufianismo); De fato, o que caracteriza estes crimes é a prática reiterada decertos atos que, isoladamente, constituem um indiferente penal. Conclusão: ou há reiteração e o crime consumou- se ou não há reiteração e não há crime. 6) DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ – Art. 15 A desistência voluntária consiste numa abstenção de atividade: o sujeito cessa o seu comportamento delituoso. Ex: ladrão, dentro da residência da vítima e prestes a subtrair-lhe valores, desiste de consumar o furto e se retira. O arrependimento eficaz ocorre entre o término dos atos executórios e a consumação. O agente, nesse caso, já fez tudo o que podia para atingir o resultado, mas resolve interferir para evitar a sua consumação. Assim, o arrependimento eficaz verifica-se quando o agente ultimou a fase executiva do delito e, desejando evitar o resultado, atua para impedi-lo. Ex: se estava tentando matar “A” e desiste, já tendo alvejado a vítima, responderá unicamente pelas lesões corporais causadas. 17 A) CONSEQUÊNCIA Nos termos da parte final do artigo 15 do CP, não obstante a desistência voluntária e o arrependimento eficaz, o agente responde pelos atos já praticados. Desta forma, retiram a tipicidade dos atos somente com referência ao crime cuja execução o agente iniciou. Assim, se o ladrão, dentro da casa da vítima, desiste de consumar o furto, responde por violação de domicílio (art. 150). Se desiste de consumar o homicídio, responde por lesão corporal (art. 129) se antes ferira a vítima. A desistência voluntária e o arrependimento eficaz excluem a tipicidade da tentativa. Assim, nesses casos jamais o agente responderá pelo crime tentado, mas somente pelos atos até então praticados. Desistência voluntária e arrependimento eficaz: não consumação do delito por força de conduta voluntária. Tentativa: não consumação do delito por circunstâncias alheias à vontade do agente. Logo, são institutos incompatíveis. 7) ARREPENDIMENTO POSTERIOR – Art. 16 A) CONCEITO Trata-se da reparação do dano causado ou da restituição da coisa subtraída nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, desde que por ato voluntário do agente, até o recebimento da denúncia ou da queixa. É causa obrigatória de redução de pena, pois o artigo 16 é imperativo: “a pena será reduzida”. 8) CRIME IMPOSSÍVEL – Art. 17 A) CONCEITO É a tentativa não punível, porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime. É uma causa de exclusão da tipicidade. B) DELITO IMPOSSÍVEL POR INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO Ocorre quando o meio empregado pelo agente, pela sua própria natureza, é absolutamente incapaz de produzir o resultado. Ex. o agente querendo matar a vítima mediante veneno, ministra açúcar na alimentação, supondo ser arsênico. 18 Ex. pretender atirar na vítima com arma defeituosa, sem condições de efetuar disparos. Obs: a ineficácia do meio, quando relativa, leva à tentativa e não ao crime impossível. Há ineficácia relativa do meio quando, não obstante eficaz à produção do resultado, este não ocorre por circunstâncias acidentais. É o caso do agente que pretende desfechar um tiro de revólver contra a vítima, mas a arma nega fogo. Ex: uma porção de açúcar é ineficaz para matar uma pessoa normal, mas apta a eliminar um diabético. C) DELITO IMPOSSÍVEL POR IMPROPRIEDADE ABSOLUTA DO OBJETO MATERIAL Ocorre quando inexiste o objeto material sobre o qual deveria recair a conduta, ou quando, pela sua situação ou condição, torna impossível a produção do resultado visado pelo agente. A pessoa ou a coisa sobre que recai a conduta é absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo. Ex: “A”, pensando que seu desafeto está a dormir, desfere punhaladas, vindo a provar- se que já estava morto. 9) ERRO DE TIPO – Art. 20 9.1) CONCEITO A figura típica (ou tipo legal) é composta de elementos específicos ou elementares. Em outras palavras, os “elementos constitutivos do tipo” tratam de cada componente que constitui o modelo legal de conduta proibida. Ex. No crime de lesão corporal temos os seguintes elementos: ofender + integridade corporal + saúde + outrem. O engano sobre qualquer desses elementos pode levar ao erro de tipo. O erro de tipo pode recair sobre uma circunstância qualificadora. Ex. No crime de lesão corporal seguida de aborto, o sujeito não responde por este crime se desconhecia o estado de gravidez da vítima. É que neste caso ele supõe inexistente uma circunstância do crime (o estado de gravidez da vítima), subsistindo o tipo fundamental doloso (lesão corporal leve). 9.2) ERRO DE TIPO ESSENCIAL É o erro que incide sobre as elementares e circunstâncias do tipo. 19 Daí o nome erro essencial: incide sobre situação de tal importância para o tipo que, se o erro não existisse, o agente não teria cometido o crime, ou, pelo menos, não naquelas circunstâncias. Portanto, há erro de tipo essencial quando a falsa percepção da realidade impede o sujeito de compreender a natureza criminosa do fato. O erro de tipo essencial se subdivide em: INVENCÍVEL OU VENCÍVEL I) INVENCÍVEL (OU ESCUSÁVEL) Ocorre quando não pode ser evitado pela normal diligência. Qualquer pessoa, empregando a diligência ordinária exigida pelo ordenamento jurídico, nas condições em que se viu o sujeito, incidiria em erro. Ex. o agente se embrenha em mata virgem e fechada, distante de qualquer centro urbano, com a intenção de caçar capivara. Pelas tantas, vislumbra um vulto se movimentando pela intensa vegetação. Supondo ser um animal, efetua um disparo. Atinge o alvo e constata, para sua surpresa, que abateu não um animal, mas um ser humano que, por coincidência, também caçava por ali. O erro de tipo essencial invencível exclui o dolo e a culpa, pois o sujeito não age dolosa ou culposamente. II) ERRO VENCÍVEL (OU INESCUSÁVEL) Ocorre quando pode ser evitado pela diligência ordinária, resultando de imprudência ou negligência. Qualquer pessoa, empregando a prudência normal exigida pela ordem jurídica, não cometeria o erro em que incidiu o sujeito. É o erro evitável, indesculpável ou inescusável (cuidado: vencível = inescusável): poderia ter sido evitado se o agente empregasse mediana prudência. Ex. Suponha-se que o agente vá caçar em mata próxima a zona urbana, onde costumam passar pessoas, e efetua um disparo de arma de fogo contra um vulto pensando ser um animal, atingindo, na verdade, uma pessoa que passava pelo local, matando-a. No caso, não obstante ter se verificado o erro de tipo, o erro, pelas circunstâncias, não era plenamente justificável, porquanto o agente agiu com imprudência, sem o devido cuidado objetivo, devendo responder por homicídio culposo. O erro de tipo essencial vencível exclui o dolo, mas não a culpa, desde que previsto em lei o crime culposo. 9.3) ERRO DE TIPO ACIDENTAL Incide sobre dados irrelevantes da conduta típica. Não impede o sujeito de compreender o caráter ilícito de seu comportamento. Mesmo que não existisse, ainda assim a conduta seria antijurídica. São casos de erro acidental: 20 a) erro sobre o objeto b) erro sobre pessoa c) erro na execução (aberratio ictus) d) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) A) ERRO SOBRE OBJETO Há erro sobre objeto quando o sujeito supõe que sua conduta recai sobre determinada coisa, sendo que, na realidade, ela incide sobre outra. É o caso do sujeito subtrair farinha pensando ser açúcar. O erro é irrelevante, pois a tutela penal abrange a posse e a propriedade de qualquer coisa, pelo que o agente responde por furto. B) ERRO SOBRE PESSOA – Art. 20, § 3º Ocorre quando há erro de representação, em face do qual o sujeito atinge uma pessoa supondo tratar-se da que pretendia ofender. Ela pretende atingir certa pessoa, vindoa ofender outra inocente pensando tratar-se da primeira. Nos termos do art. 20, § 3º, 2ª parte, reza o seguinte: “Não se consideram, neste caso” (erro sobre pessoa), “as condições ou qualidades da vítima, senão as de pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”. Significa que no tocante ao crime cometido pelo sujeito não devem ser considerados os dados subjetivos da vítima efetiva, mas sim esses dados em relação à vítima virtual (que o agente pretendia ofender). Exs: a) O agente pretende cometer homicídio contra Pedro. Coloca-se de tocaia e, pressentindo a aproximação de um vulto e supondo tratar-se da vítima, atira e vem a matar o próprio pai. Sobre o fato não incide a agravante genérica prevista no art. 61, II, “e”, 1ª figura (ter cometido o crime contra ascendente). b) o agente pretende praticar um homicídio contra o próprio irmão. Põe-se de emboscada e, percebendo a aproximação de um vulto e o tomando pelo irmão, efetua disparos vindo a matar um terceiro. Sobre o fato incide a agravante do art. 61, II, “e”, 3ª figura (ter sido o crime cometido contra irmão). C) ERRO NA EXECUÇÃO (aberratio ictus) – Art. 73 I) CONCEITO Aberratio ictus significa aberração no ataque ou desvio do golpe. Ocorre quando o sujeito, pretendendo atingir uma pessoa, vem a ofender outra. Aqui a relação é entre pessoa e pessoa. Ou seja, o agente pretende atingir uma pessoa e acerta outra. 21 II) ABERRATIO ICTUS COM UNIDADE SIMPLES Existe a aberratio ictus com resultado único quando em face de erro na conduta causal um terceiro vem a sofrer o resultado, que pode ser lesão corporal ou morte. O Código Penal vê na aberratio ictus com unidade de resultado um só delito (tentado ou consumado). Nesse caso, de acordo com o que preceitua o art. 73, 1ª parte, in fine, deve ser atendido ao disposto no art. 20, § 3º, 2ª parte, ou seja, o agente responde como se tivesse atingido a pessoa pretendida. Ex: O agente pretende matar o próprio pai, que se acha conversando com Pedro, estranho. Atira e mata o terceiro (Pedro). Sobre o fato incide a circunstância agravante. II) ABERRATIO ICTUS COM RESULTADO DUPLO Ocorre quando o agente atinge a vítima virtual e terceira pessoa. Aplica-se a 2ª parte do art. 73: “(...) No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”, ou seja, a regra do concurso formal de crimes. D) RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (aberratio criminis) – Art. 74 I) CONCEITO Significa desvio do crime. Enquanto na aberratio ictus, o agente quer atingir uma pessoa e ofende outra (ou ambas). Na aberratio criminis, o agente quer atingir um bem jurídico e ofende outro (de espécie diversa). Ex: o agente joga uma pedra contra uma vidraça e acaba acertando uma pessoa, em vez do vidro. II) ESPÉCIES 1º) Com unidade simples ou resultado único: Só atinge o bem jurídico diverso do pretendido. Ou seja, o agente quer atingir uma coisa e atinge uma pessoa. Responde pelo resultado produzido a título de culpa (homicídio ou lesão corporal culposos). Portanto, a consequência é a seguinte: responde só pelo resultado produzido, se previsto como crime culposo. 2º) Com unidade complexa ou resultado duplo: São atingidos tanto o bem visado quanto um diverso. O agente quer atingir uma coisa, vindo a ofender esta e uma pessoa. Responde por dois crimes: dano (art. 163) e homicídio ou lesão corporal culposa em concurso formal (concurso 22 entre crime doloso e culposo). Aplica-se a pena do crime mais grave com o acréscimo de 1/6 até metade (regra do concurso formal de crimes – art. 70). 10) DESCRIMINANTES PUTATIVAS – Art. 20, § 1º A) CONCEITO É a causa excludente da ilicitude erroneamente imaginada pelo agente. Ela não existe na realidade, mas o sujeito pensa que sim, porque está errado. Só existe, portanto, na mente, na imaginação do agente. Por essa razão, é também conhecida como descriminante imaginária ou erroneamente suposta. Logo, é possível que o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias do caso concreto, suponha encontrar-se em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou em exercício regular do direito. Quando isso ocorre, aplica-se o disposto no art. 20, § 1º, 1ª parte. Em relação às consequências, o Código Penal, tendo adotado a teoria limitada da culpabilidade, disciplina o tema da seguinte forma: Quando o erro incide sobre os pressupostos de fato da excludente, trata-se de erro de tipo, aplicando-se o disposto no art. 20, § 1º. Se invencível, há exclusão do dolo e da culpa. Exemplos acima. Se vencível, fica excluído o dolo, podendo o sujeito responder por crime culposo. (matar o vigia pensando ser o ladrão). Quando, entretanto, o erro do sujeito recai sobre os limites legais (normativos) da causa de justificação, aplicam-se os princípios do erro de proibição: se inevitável, há exclusão da culpabilidade; se evitável, não se exclui a culpabilidade, subsiste o crime doloso atenuando-se a pena (art. 21). 11) ERRO PROVOCADO POR TERCEIRO – Art. 20, § 2º Existe o erro provocado quando o sujeito a ele é induzido por conduta de terceiro. A provocação pode ser dolosa ou culposa. A posição do terceiro provocador é a seguinte: Responde pelo crime a título de dolo ou culpa, de acordo com o elemento subjetivo do induzimento. A posição do provocado é a seguinte: a) Tratando-se de erro invencível, não responde pelo crime cometido, quer a título de dolo, quer de culpa. b) tratando-se de provocação de erro vencível, não responde pelo crime a título de dolo, subsistindo a modalidade culposa, se prevista na lei penal incriminadora. 23 12) ERRO DE PROIBIÇÃO – Art. 21 12.1) CONCEITO Surge o erro de proibição: O erro de proibição é o erro que incide sobre a ilicitude do fato. O sujeito, diante do erro, supõe lícito o fato por ele cometido. Ele sabe o que faz, mas supõe inexistir a regra de proibição. 12.2) FORMAS DE ERRO DE PROIBIÇÃO O erro de proibição pode ser: Escusável ou Inescusável. A) ESCUSÁVEL OU INEVITÁVEL: Quando o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo-se o ser humano da sua diligência ordinária, trata-se de uma hipótese de exclusão da culpabilidade. Ex. um jornal de grande circulação, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado, trazendo como excludente de ilicitude a eutanásia. Um leitor apressa a morte de um parente, crendo agir sob o manto da causa de justificação inexistente. Trata-se de erro escusável. B) INESCUSÁVEL OU EVITÁVEL: Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de empenho em se informar, o agente poderia ter tido conhecimento da realidade. Ex. abstendo-se do seu dever de se manter informado, o agente deixa de tomar conhecimento de uma lei, divulgada na imprensa, que transforma em crime determinada conduta. Praticando o ilícito, não há exclusão da culpabilidade, embora haja redução da pena, variando de um 1/6 a 1/3. 13) DA ANTIJURIDICIDADE 13.1) CONCEITO É a contrariedade de uma conduta com o direito, causando lesão a um bem juridicamente protegido. É a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas. São causas de exclusão da antijuricidade, previstas no artigo 23 do CP: a) Estado de necessidade; b) legítima defesa; c) estrito cumprimento do dever legal d) exercício regular de direito. 24 13.2) ESTADO DE NECESSIDADE – Art. 24 I) CONCEITO É a causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar o perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. II) EXEMPLOSDE ESTADO DE NECESSIDADE a) danos materiais produzidos em propriedade alheia para extinguir um incêndio e salvar pessoas. b) Subtração de um carro para transportar um doente em perigo de vida ao hospital. c) Violação de domicílio para salvar vítimas de desastres d) Subtração de alimentos para salvar alguém da morte por inanição. 13.3) LEGÍTIMA DEFESA – Art. 25 I) CONCEITO É uma causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. II) REQUISITOS 1) agressão injusta, atual ou iminente 2) agressão a direito próprio ou de terceiro 3) repulsa com os meios necessários 4) uso moderado dos meios 5) conhecimento da agressão e da necessidade da defesa (vontade de defender-se). A ausência de qualquer dos requisitos exclui a legítima defesa. 13.4) ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL O fundamento reside no fato de que não há crime quando o agente pratica o fato no “estrito cumprimento de dever legal”. Quem cumpre um dever legal dentro dos limites impostos pela lei obviamente não pode estar praticando ao mesmo tempo um ilícito penal, a não ser que aja fora daqueles limites. Ex: o policial que prende o agente em flagrante ou cumprindo mandado de prisão, embora atinja o seu direito de liberdade, não comete o crime previsto no art. 148 do CP, porque cumpre o dever que lhe é imposto por lei. 25 13.5) EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO É o desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. É uma causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizado como fato típico. Ex: prisão em flagrante realizada por um particular; Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade previstos em lei (penal ou extrapenal). 13.6) EXCESSO – Art. 23, parágrafo único A condição essencial para que exista excesso é a preexistência de uma situação objetiva de legítima defesa. Deve haver uma agressão injusta, de modo que o excesso se refere aos limites da conduta do agredido, não à sua inicial ilicitude. Por isso, chama-se de excesso à intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada. Os nossos tribunais admitem o excesso quer na imoderação, quer no emprego de meios desnecessários. a) Excesso doloso Ocorre quando o agente, ao se defender de uma injusta agressão, emprega meio que sabe ser desnecessário ou, mesmo tendo consciência de sua desproporcionalidade, atua com imoderação. Ex: já prostrado seu agressor, que não pode continuar a agressão, o agredido prossegue na conduta de feri-lo. De uma conduta lícita passa a um comportamento ilícito. Responde por crime doloso (art. 23, parágrafo único). Consequência: constatado o excesso doloso, o agente responde pelo resultado dolosamente. Ex: aquele que mata quando bastava tão-somente a lesão responde por homicídio doloso. b) Excesso culposo Ocorre quando o agente, diante do temor, aturdimento ou emoção provocada pela agressão injusta, acaba por deixar a posição de defesa e partir para um verdadeiro ataque, após ter dominado o seu agressor. Não houve intensificação intencional, pois o sujeito imaginava-se ainda sofrendo o ataque, tendo seu excesso decorrido de uma equivocada realidade. O agente responderá pelo resultado produzido, a título de culpa. 14) DA CULPABILIDADE 26 14.1) CONCEITO Doutrinariamente, a culpabilidade é considerada um juízo de censurabilidade e reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com potencial consciência da ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de modo diverso. 14.2) CAUSAS EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE I) INIMPUTABILIDADE INIMPUTÁVEL é o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui, ao tempo da prática do fato, capacidade de entender o seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. São causas de exclusão da imputabilidade previstas no Código Penal: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26 do CP) b) menoridade (art. 27 do CP e 228 da CF/88) c) embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP) Em relação à inimputabilidade pela enfermidade mental, o Código Penal adotou o critério biopsicológico. Só é imputável o sujeito que, em consequência da anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão. A) DA INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL OU DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO (ART. 26) Para que seja considerado inimputável não basta que o agente seja portador de “doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado”. É necessário que, em consequência desses estados, seja “inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar- se de acordo com esse entendimento” (no momento da conduta). * Diminuição da capacidade de entendimento e de vontade – Semi-imputabilidade – Art. 26, parágrafo único, CP É a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. A responsabilidade diminuída, como o próprio nome indica, não constitui causa de exclusão da culpabilidade. O agente responde pelo crime com pena privativa de liberdade atenuada ou medida de segurança. E a sentença é condenatória. 27 B) DA INIMPUTABILIDADE POR EMBRIAGUEZ COMPLETA PROVENIENTE DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – Art. 28, § 1º, do CP a) Conceito É a causa capaz de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente, em virtude de uma intoxicação aguda e transitória causada por álcool ou qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (ácido lisérgico). b) embriaguez acidental A EMBRIAGUEZ É ACIDENTAL quando não voluntária nem culposa. Pode ser proveniente de: a) CASO FORTUITO: ocorre quando o sujeito desconhece o efeito inebriante da substância que ingere, ou quando, desconhecendo uma particular condição fisiológica, ingere substância que possui álcool (ou substância análoga), ficando embriagado. b) FORÇA MAIOR: há embriaguez proveniente de força maior no caso, p. ex., de o sujeito ser obrigado a ingerir bebida alcoólica. Quando a embriaguez acidental, proveniente de CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, é COMPLETA, em consequência da qual, ao tempo da ação ou da omissão, o agente ERA INTEIRAMENTE INCAPAZ de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, HÁ EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE (art. 28, § 1º). c) Embriaguez acidental: casos de diminuição da pena – Art. 28, § 2º, do CP Quando a embriaguez acidental, proveniente de CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, é INCOMPLETA, não há exclusão da imputabilidade. O sujeito responde pelo crime com a pena atenuada, desde que haja redução de sua capacidade intelectiva ou volitiva. A sentença é condenatória. Aplica-se o disposto no art. 28, § 2º. Tratando-se de EMBRIAGUEZ PREORDENADA não há exclusão da imputabilidade. O agente responde pelo crime, incidindo sobre a pena a agravante prevista no artigo 61, II, l, CP. d) Embriaguez voluntária ou culposa – art. 28, II, CP Não só a embriaguez proveniente de álcool não exclui a imputabilidade, mas também a derivada de outras substâncias de consequências semelhantes, como a maconha, éter, ópio, etc. sendo irrelevante que seja completa ou incompleta.Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de embriaguez voluntária ou culposa, não há exclusão da imputabilidade e, por consequência, não fica excluída a culpabilidade. Ele responde pelo crime. II) FALTA DE POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE – Art. 21 28 A) CONCEITO É a consciência ou conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta, ou seja, a possibilidade de valoração da conduta que toda pessoa possui, independentemente de ser ou não afeita às ciências jurídicas. Trata-se, em suma, da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito da sua ação. A potencial consciência da ilicitude pode ser excluída no caso de erro de proibição. Excluindo-se, nesse caso, a própria culpabilidade. Quando o erro sobre a ilicitude do fato é impossível de ser evitado, valendo- se o ser humano da sua diligência ordinária, trata-se de uma hipótese de exclusão da culpabilidade. Ex. um jornal de grande circulação, por engano, divulga que o novo CP foi aprovado, trazendo como excludente de ilicitude a eutanásia. Um leitor apressa a morte de um parente, crendo agir sob o manto da causa de justificação inexistente. Trata-se de erro escusável. III) INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA Além dos dois primeiros elementos, exige-se que nas circunstâncias do fato tivesse o agente possibilidade de realizar outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico. Só há culpabilidade quando, devendo e podendo o sujeito agir conforme o direito, realiza conduta diversa. Ao contrário, quando não lhe era exigível comportamento diverso, não incide o juízo de reprovação, excluindo a culpabilidade. Isso ocorre na coação moral irresistível e a obediência hierárquica. Ou seja, coação moral irresistível e a obediência hierárquica excluem a exigibilidade de conduta diversa. A) COAÇÃO MORAL IRRESTÍVEL – Art. 22 Coação moral é o emprego de grave ameaça contra alguém, no sentido de que realize um ato ou não. Ex. o sujeito constrange a vítima, sob ameaça de morte, a assinar um documento falso. Assim, se o sujeito é coagido a assinar um documento falso, responde pelo crime de falsidade o autor da coação. O coato não responde pelo crime, uma vez que sobre o fato incide a causa de exclusão da culpabilidade. Logo, quando o sujeito comete o fato típico e antijurídico sob coação moral irresistível não há culpabilidade em face da inexigibilidade de outra conduta (não é reprovável o comportamento). A culpabilidade desloca-se da figura do coato para a do coator. Quando o sujeito pratica o fato sob coação física irresistível, não praticará crime por ausência de conduta, aplicando-se o disposto no art. 13, “caput”, do CP. Trata-se de causa excludente da tipicidade. 29 A coação moral deve ser irresistível. Tratando-se de coação moral resistível não há exclusão da culpabilidade, incidindo uma circunstância atenuante (CP, art. 65, III, c, 1ª figura). B) OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA – Art. 22 Ordem de superior hierárquico é a manifestação de vontade do titular de uma função pública a um funcionário que lhe é subordinado, no sentido de que realize uma conduta (positiva ou negativa). A ordem ilegal pode ser: a) manifestamente ilegal; b) não manifestamente ilegal. Quando a ordem é MANIFESTAMENTE ILEGAL, RESPONDEM pelo crime o SUPERIOR E O SUBORDINADO. Ex. o delegado de polícia determina ao soldado que exija do autor de um crime determinada quantia, a fim de não ser instaurado inquérito policial. Os dois respondem pelo crime de concussão. Em relação subordinado há uma atenuante genérica (art. 65, III, c). No caso de a ordem não ser manifestamente ilegal, embora a conduta do subordinado constitua fato típico e antijurídico, não é culpável, em face de incidir um relevante erro de proibição. Diante disso, o subordinado não responde pelo crime, em face da ausência de culpabilidade. A obediência hierárquica constitui, assim, causa de exclusão da culpabilidade. 15) CONCURSO DE PESSOAS (OU CONCURSO DE AGENTES) – Arts. 29/31 15.1) CONCEITO DE CONCURSO DE PESSOAS Trata-se de contribuição entre dois ou mais agentes para o cometimento de uma infração penal. Ocorre quando duas ou mais pessoas, em conjugação de esforços, reúnem-se para a prática de um ou mais delitos. A doutrina utiliza também as expressões concurso de agentes e codelinquência. 15.2) AUTORIA I. CONCEITO Para se compreender o instituto do concurso de pessoas, mostra-se imprescindível estabelecer o conceito de autoria criminal, já que repercutirá na identificação da conduta de cada agente na prática delituosa. Várias teorias buscam definir o conceito de autor, merecendo destaque duas posições apontadas pela doutrina: A) Teoria do domínio do fato 30 De acordo com a teoria do domínio do fato, autor é quem tem o controle final do fato. É quem domina o decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. O partícipe não tem o domínio do fato, pois apenas coopera, induz e incita a prática do delito. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva. Diante da sua natureza conceitual e hipótese de incidência, poder-se-ia cogitar da aplicação da teoria do domínio do fato somente aos delitos dolosos, porquanto somente esses exigem voluntariedade e, portanto, domínio em relação ao resultado final. Os crimes culposos, por se caracterizarem pela ausência de vontade em relação ao resultado final, não estão adstritos à teoria do domínio do fato, por absoluta incompatibilidade. B) Teoria restritiva Segundo essa teoria, autor é aquele que pratica a ação descrita no verbo nuclear do tipo penal, isto é, o que pratica o verbo nuclear do tipo: mata, subtrai, constrange, etc. Em síntese, autor é aquele que realiza a conduta descrita no verbo nuclear do tipo, ao passo que partícipe seria o agente que contribui para a prática delituosa, induzindo, instigando ou auxiliando materialmente seu autor. Para a maioria da doutrina1, a teoria restritiva é a aplicada pelo Código Penal. Sinala-se, por fim, que a coautoria é a realização conjunta, por mais de uma pessoa, de uma mesma infração penal. É, em última análise, a própria autoria. 15.3) PARTICIPAÇÃO I. CONCEITO E FORMAS DE PARTICIPAÇÃO – Art. 31 Conforme a teoria restritiva de autoria, partícipe é quem contribui para que o autor ou coautores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo nuclear do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. A participação pode ser: A) Moral A determinação (ou induzimento) e a instigação são as formas de participação moral. A.1) Induzimento ou determinação Ocorre a determinação ou induzimento quando uma pessoa faz surgir na mente de outra a intenção delituosa. 1 Guilherme de Souza Nucci; André Estefam; Fernando Capez, Aníbal Bruno, Mirabete, René Ariel Dotti, dentre outros. 31 Ex: Rafa incute na mente de Iuri a ideia homicida contra Jonas. A característica da determinação é a inexistência da resolução criminosa na pessoa do autor principal. Se Iuri matar Jonas, Rafa responde por homicídio na condição de partícipe. A.2) Instigação Instigar é reforçar uma idéia já existente. O agente já a tem em mente, sendo apenas reforçada pelo partícipe. No caso do exemplo acima, Iuri já tinha em mente matar Jonas. Rafa apenas reforçou a ideia homicida. Rafa é partícipe do crime de homicídio, enquanto Iuri responde pelo crime na condição de autor. B) Material Ocorre na forma de auxílio. Considera-se, assim, partícipe aquele que presta ajuda efetiva na preparação ou execução do delito. Auxilia na preparação quem fornece a arma ou informações úteis à realização do crime. Auxilia na execução quem permanece de atalaia,no sentido de avisar o autor da aproximação de terceiro, leva o ladrão em seu veículo ao local do furto, carrega a arma do homicida. II) NATUREZA JURÍDICA DA PARTICIPAÇÃO A participação é acessória a um fato principal. Significa que não se pode falar em participação sem que haja uma ação principal, ou seja, sem que alguém realize atos de execução de um crime consumado ou tentado. Como a conduta do partícipe não descrita no tipo penal, faz-se necessária uma norma de extensão que viabilize a adequação típica da conduta do partícipe à norma incriminadora. Trata-se de uma norma de ligação entre a conduta do partícipe e o tipo penal. E essa norma se encontra no artigo 29 do Código Penal, segundo o qual quem concorrer, de qualquer forma, para um crime por ele responderá. Nesse sentido, o artigo 29 do Código Penal viabiliza que o agente que contribuiu para um resultado sem praticar a ação descrita no tipo penal seja enquadrado no crime praticado por conta de uma conduta principal (do autor). Assim, quem ajudou a matar não praticou a conduta descrita no art. 121 do Código Penal, mas, como concorreu para o seu cometimento, será alcançado pelo tipo do homicídio, graças à regra do art. 29. III) PARCIPAÇÃO IMPUNÍVEL – Art. 31 Para a participação ser punível, afigura-se imprescindível que o ato executório do crime tenha sido iniciado. Ex: Fabrício contrata Félix para matar Mafalda. Félix sai em busca de Mafalda e, ao avistá-la, apiedado, não dá início ao intento executório. Nesse caso, tanto Fabrício quanto Félix não respondem pelo delito de homicídio, pois sequer foi dado início ao ato executório. 32 IV) PARTICIPAÇÃO POSTERIOR AO CRIME A participação em concurso de pessoas exige que a conduta acessória tenha sido praticada antes ou durante a execução do delito. A contribuição posterior à consumação do crime, conforme o caso, pode configurar o crime de favorecimento pessoal (art. 348 do CP) ou real (art. 349 do CP), além de outros... 15.4) TEORIAS DO CONCURSO DE PESSOAS Estabelecida a distinção entre autoria e participação, importa aqui verificar se as condutas praticadas em concurso de pessoas ensejam a incidência de vários crimes ou se revestem em crime único, ou seja, se todos os agentes devem responder pelo mesmo crime. Todos os que contribuem para a prática do delito cometem o mesmo crime, não havendo distinção quanto ao enquadramento típico entre autor e partícipe. Daí decorre o nome da teoria: todos respondem por um único crime (Teoria unitária). A teoria pluralista foi adotada, como exceção, no § 2º do art. 29 do CP, que dispõe: “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste...”. 15.5) REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS I) PLURALIDADE DE CONDUTAS Trata-se de requisito elementar do concurso de pessoas: a concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma infração penal. Assim, para que haja concurso de pessoas, exige-se que cada um dos agentes tenha realizado ao menos uma conduta relevante. Pode ser em coautoria, onde há duas condutas principais; ou autoria e participação, onde há uma conduta principal e outra acessória, praticadas, respectivamente, por autor e partícipe. II) RELEVÂNCIA CAUSAL DAS CONDUTAS Para justificar a punição de duas ou mais pessoas em concurso, afigura-se necessário que a conduta do agente tenha efetivamente contribuído, ainda que minimamente, para a produção do resultado. Em outras palavras, se a conduta não tem relevância causal, isto é, se não contribuiu em nada para a produção do resultado, não pode ser considerada como integrante do concurso de pessoas. A simples manifestação de adesão a uma prática delituosa não configura participação. 33 Assim, se Tereza Cristina simplesmente diz que vai concorrer no homicídio a ser cometido por Ferdinand não há participação. Agora, se Tereza Cristina instiga Ferdinand a matar, ocorrendo pelo menos tentativa de homicídio, existe participação. III) DO LIAME SUBJETIVO E NORMATIVO (Vínculo subjetivo e normativo entre os participantes) Exige-se homogeneidade de elemento subjetivo-normativo. Significa que autor e partícipe devem agir com o mesmo elemento subjetivo (dolo + dolo) ou normativo (culpa + culpa). As várias condutas não são suficientes para a existência da participação ou coautoria. Imprescindível é o elemento subjetivo, pelo qual cada concorrente tem consciência de contribuir para a realização do resultado. Os agentes devem atuar conscientes de que participam de crime comum, ainda que não tenha havido acordo prévio de vontades. A ausência desse elemento psicológico inviabiliza o concurso de pessoas, ensejando condutas isoladas e autônomas. Assim, não há participação dolosa em crime culposo. Ex. Anastácio, desejando matar Grizelda, sua paciente, alcança a Januária, enfermeira contratada para cuidar da velha senhora, uma substância dizendo ser medicamento, quando, na verdade, tratava-se de veneno. Mesmo percebendo a dosagem inadequada e a coloração diferente, a enfermeira, sem maiores cautelas, de forma negligente, ministra a substância à paciente, causando-lhe a morte. Não há, no caso, concurso de pessoas, por ausência de vínculo subjetivo, já que Anastácio agiu com dolo e Januária a título de culpa. Há, portanto, dois delitos: homicídio doloso em relação a Anastácio; homicídio culposo em relação a Januária. Importante lembrar que a lei não requer acordo prévio entre agentes, sendo suficiente a consciência por parte das pessoas que de algum modo contribuem com o fato. Ex. uma empregada doméstica, percebendo a presença de um ladrão, para vingar-se do patrão, deliberadamente deixa a porta aberta, facilitando a prática do furto. Há participação e, não obstante, o ladrão desconhecia a colaboração da empregada. Por consequência, a empregada também responderá pelo crime de furto. IV) IDENTIDADE DE INFRAÇÃO PARA TODOS OS PARTICIPANTES Nos termos do artigo 29, todos que concorrem para o crime respondem pelo mesmo delito. Ex: Alguém planeja a realização da conduta típica, ao executá-la, enquanto um desvia a atenção da vítima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir- se do local com o produto do furto. É uma exemplar divisão de trabalho constituída de várias atividades, convergentes, contudo, a um mesmo objetivo típico: subtração de coisa alheia móvel. Respondem todos por um único tipo penal, qual seja, furto. 15.6) ESPÉCIES DE AUTORIA 34 I) AUTORIA MEDIATA Trata-se de uma modalidade de autoria, que ocorre quando o agente se vale de pessoa não culpável, ou que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito. Ex: o médico que, dolosa e insidiosamente, entrega uma injeção de morfina, em dose demasiadamente forte, para enfermeira, que, sem desconfiar de nada, a aplica em enfermo, matando-o. O médico é autor mediato de homicídio doloso, pois usou sua assistente como instrumento de sua agressão, ao passo que a enfermeira não será partícipe deste delito, respondendo por crime culposo, desde que tenha atuado com imprudência ou negligência, ou por crime nenhum, se o seu erro tiver sido inevitável. II) AUTORIA COLATERAL Ocorre quando os agentes desconhecendo cada um a conduta do outro, realizam atos voltados à produção do resultado visado por eles, mas que decorre da conduta de apenas um dos agentes. Ex. Suponha-se que “A” e “B”, pretendendo matar “C” com tiros, postam-se de emboscada, ignorando cada um o comportamento do outro. Ambos atiram na vítima, que vem a falecer unicamente em razão dos ferimentos causados pela arma de “A”. Não há coautoria nem participação. “A” responde por homicídio consumado; “B” por tentativa de homicídio. III) AUTORIA INCERTA Dá-se a autoria incerta quando, na autoria colateral, não se apura a quem atribuir a produção do resultado. Suponha-se a hipóteseacima. Não foi descoberto de quem partiu o tiro fatal. A solução é punir os agentes como autores de tentativa de homicídio, abstraindo-se o resultado, cuja autoria não se apurou. 15.7) PUNIBILIDADE DO CONCURSO DE PESSOAS A ressalva “na medida da sua culpabilidade” feita aos limites da culpabilidade no art. 29 diz respeito somente à graduação da pena para os agentes que praticaram o mesmo crime. Portanto, todos respondem pelo mesmo crime (teoria monista ou unitária). Todavia, a unidade criminosa não importa necessariamente na aplicação de pena idêntica a todos os que contribuíram para a prática do crime, pois cada um deverá responder na medida da sua culpabilidade. I) PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA – ART. 29, §1º A participação aqui referida diz respeito exclusivamente ao partícipe. Isso porque, ainda que tenha sido pequena, a contribuição do coautor não pode ser considerada de menor importância, uma vez que atuou diretamente na execução do crime. A sua culpabilidade, naturalmente superior à de um simples partícipe, será avaliada nos termos do art. 29, caput, do CP, e a pena a ser fixada obedecerá aos limites abstratos previstos pelo tipo penal infringido. 35 II) DA COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA OU DESVIOS SUBJETIVO ENTRE OS PARTICIPANTES – ART. 29, § 2º O agente que desejava praticar um delito, sem a condição de prever a concretização de crime mais grave, deve responder pelo que pretendeu fazer, não se podendo a ele imputar outra conduta indesejada, sob pena de se estar tratando de responsabilidade objetiva. Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe ou coautor. Ex. “A” determina “B” a espancar “C”. “B” mata “C”. Segundo o art. 29, § 2º, “A” responde por crime de lesão corporal, cuja pena deve ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível. 15.8) COMUNICABILIDADE DAS ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – Art. 30 Via de regra, as circunstâncias e condições pessoais relacionadas a um dos agentes não se comunica aos outros que contribuíram para a prática delituosa. Todavia, há determinadas circunstâncias ou condições pessoais que compõem, integram o tipo penal, figurando, no caso, como verdadeira elementar no tipo penal. Nesse caso, quando também constituem o tipo penal, ou seja, figuram como elementares do tipo penal, as circunstâncias ou condições pessoais relacionadas a um dos sujeitos se comunicam aos demais coautores ou partícipes. Ex: “A”, funcionário público, comete um crime de peculato (art. 312), com a participação de “B”, não funcionário público. A condição pessoal (funcionário público) é elementar do crime de peculato, comunicando-se, portanto, ao agente que não é funcionário público. Logo, os dois respondem por crime de peculato. 3) TEORIA DA PENA 1) CONCEITO DE PENA Pena é a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes. 1.2) FINALIDADE Teoria mista ou eclética A pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva. 36 De acordo com a doutrina hoje dominante, a pena estatal não se justifica só porque seria retribuição ao delito cometido (teorias absolutas) nem só porque seria meio de prevenção de futuros delitos (teorias relativas). Segundo o Código Penal, sobretudo diante da parte final do artigo 59, a pena apresenta natureza mista: é retribuitiva e preventiva. 1.3) CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS De acordo com o CP, as penas são privativas de liberdade; restritivas de direitos e de multa (art. 32). As penas privativas de liberdade são as penas de reclusão, detenção e prisão simples. As duas primeiras constituem decorrência da prática de crimes e a terceira à aplicada às contravenções penais. São penas restritivas de direito (art. 43 do CP). a) prestação pecuniária b) perda de bens e valores c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas d) interdição temporária de direito e) limitação de fim de semana 2) REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA – Art. 33 Ao proferir a sentença condenatória, o juiz deve, após fixar a quantidade de pena, determinar a espécie de regime para início de cumprimento da pena, observando as regras previstas no artigo 33 do Código Penal e os crimes apenados com reclusão e detenção. I) CRIMES APENADOS COM RECLUSÃO – Art. 33, § 2º No momento de proferir a sentença, o juiz, ao se deparar com um crime apenado com reclusão, detém, desde logo, a informação de que poderá fixar o regime inicial de cumprimento da pena fechado, semiaberto e aberto. Deverá, no entanto, observar determinados requisitos: a) Quantidade da pena a) Se o agente for condenado a pena superior a 08 anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o agente não reincidente, cuja pena seja superior a 04 anos e não exceda a 08, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o agente não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 04 anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 37 Nos termos da Súmula 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semi- aberto aos reincidentes condenados à pena igual ou inferior a 04 anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. b) Circunstâncias judiciais para fixação do regime carcerário Mesmo para o condenado a pena inferior a 04 anos, não reincidente, pode ser fixado o regime inicial fechado ou semiaberto de acordo com as circunstâncias judiciais reveladas no processo. Não se tratando de pena superior a 08 anos (art. 33, § 2º, letra “a”, do CP), a imposição de regime inicial fechado depende de fundamentação adequada em face do que dispõem as alíneas “b”, “c” e “d” do mesmo parágrafo (2º) e também o § 3º c/c o art. 59 do mesmo diploma. Nesse sentido é o teor da Súmula 719 do STF: “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. Merece, ainda, destaque a Súmula 718 do STF, segundo a qual “a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.” Súmula 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”. II) CRIMES APENADOS COM DETENÇÃO a) Se a pena for superior a 04 anos: inicia em regime semiaberto. b) Se a pena for igual ou inferior a 04 anos: inicia em regime aberto c) Se o condenado for reincidente: inicia no regime mais gravoso existente, ou seja, no semiaberto. d) Se as circunstâncias do art. 59 do Código Penal forem desfavoráveis ao condenado: inicia no regime mais gravoso existente, ou seja, no regime semiaberto. e) importante: não existe regime inicial fechado na pena de detenção (art. 33, caput), a qual começa obrigatoriamente em regime semiaberto ou aberto. III) REGIME INICIAL NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS Conforme prevê o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), os condenados por crimes hediondos, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e tortura devem necessariamente iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, mesmo sendo a pena imposta inferior a 08 anos. Ocorre, contudo, que, no dia 27 de junho de 2012, o STF, por oito votos contra três, declarou inconstitucional tal dispositivo, por considerar que a obrigatoriedade do regime inicial fechado viola o princípio constitucional da individualização da pena (HC 111.840/ES e Informativo 670). 38 3) SISTEMA PROGRESSIVO BRASILEIRO Nos termos do artigo 33, § 2º, do Código Penal, as penas privativas de liberdade devem ser executadas de
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