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FACULDADE MUNICIPAL DE PALHOÇA CURSO DE PEDAGOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO AMANDA SCHWINDEN DA SILVA O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA E COM CRIANÇAS ENTRE 5 E 6 ANOS. Palhoça, SC 2019 2 AMANDA SCHWINDEN DA SILVA O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA E COM CRIANÇAS ENTRE 5 E 6 ANOS Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado ao Curso de Pedagogia da Faculdade Municipal de Palhoça – FMP, como requisito para obtenção do Título de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profª Dra. Juliana Costa Muller Palhoça, SC 2019 3 PREFEITURA MUNICIPAL DE PALHOÇA FACULDADE MUNICIPAL DE PALHOÇA CURSO DE PEDAGOGIA AMANDA SCHWINDEN DA SILVA O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA E COM CRIANÇAS ENTRE 5 E 6 ANOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte das exigências para a obtenção do título de Licenciado em Pedagogia da Faculdade Municipal de Palhoça, defendido em banca pública e considerado APROVADO. _____________________________ Orientador: DRA. Juliana Costa Muller ________________________________________ Avaliador: Esp. Diocleia Reus _________________________________________ Avaliador: Palhoça, SC Junho, 2019 4 FICHA CATALOGRÁFICA SILVA, Amanda Schwinden da. O brincar e a organização dos espaços para e com criança entre 5 e 6 anos. Amanda Schwinden da Silva. 2019, 54 Páginas. Orientadora: Dra. Juliana Costa Muller. Trabalho de Conclusão de Curso (Acadêmica: Amanda Schwinden da Silva) – Curso de Pedagogia – Faculdade Municipal de Palhoça, 2019. 5 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom da vida e por permitir qυе tudo isso acontecesse ао longo da minha trajetória, е nãо somente nestes anos como acadêmica, mаs que еm toda minha vida. Agradeço a Ele, todos os momentos de dificuldades os quais encontrei durante os anos enquanto acadêmica e enquanto pessoa, pois estas me ajudaram a crescer, enquanto estudante, e principalmente como pessoa. Agradeço aos meus pais, Maureci e Inês pelo amor e por sempre estar presentes durante toda minha vida me apoiando nas decisões e me motivando a seguir em frente, agradeço a eles todos os momentos de preocupações e apoio durante os momentos até aqui. Ao meu namorado Lucas, meu companheiro, presente durante todo o curso me incentivando a seguir em frente, não me deixando desanimar e desistir, sempre me apoiando, e acreditando no meu potencial, e sempre compreendendo os momentos necessários de estudo. A Faculdade Municipal de Palhoça – FMP pela oportunidade em fazer este curso, pelo conhecimento e crescimento profissional adquirido durante o período de 4 anos nesta instituição, bem como aos professores que estiveram presentes durante o curso auxiliando em meu crescimento pessoal e profissional. A Professora Dra. Juliana Costa Muller, uma pessoa extraordinária que esteve sempre disposta a ajudar e me acalmar mesmo antes de se tornar minha orientadora. Obrigada pelo conhecimento e carinho durante esse período intenso. Agradeço a FMP pelas amizades que me proporcionou. Obrigada às amigas Alice, Anna Carla, Caroline, Letícia, Lhartna, Tábata e Tainá que apesar das dificuldades e divergências estivemos sempre unidas, por vezes comemoramos nossas conquistas tomando uma cerveja gelada e por vezes choramos nossas angústias dá mesma forma. Não poderia deixar de agradecer a Julia Kuhnen, amiga da faculdade, serviço e da vida, que esteve ao meu lado durante todos os momentos, me acalmando e me dando forças para prosseguir e alcançar o que almejo. Agradeço a instituição que me proporcionou realizar meu estudo de campo, obrigada pela receptividade, foi muito gratificante e significativo os momento de 6 observação e troca de experiências que tivemos durante esses dias os quais estive na instituição. Por fim, agradeço a todos que estiveram presentes nesse processo, seja direta ou indiretamente, durante toda a minha formação acadêmica. 7 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo compreender a organização dos espaços do brincar e das brincadeiras para e com crianças entre 5 e 6 anos de uma instituição de Educação Infantil do município de Santo Amaro da Imperatriz/SC. De viés qualitativo, a pesquisa de campo envolveu observação aos espaços para brincadeiras e entrevista com a professora regente de uma turma de Pré II. A reflexão teórica se ancorou em autores como: Ariés (1981), Bujes (2001), Friedmann (2013), Horn (2001, 2004, 2017), Kishimoto (2001, 2016), Muller (2014, 2019), Sarmento (2002, 2005) e Vigotski (1984, 2007). E ainda a partir dos documentos oficiais: Constituição Federal (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Lei de Diretrizes e Base (1996), Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2013) e a Base Nacional Comum Curricular (2017). Deste modo, refletimos sobre a infância, o desenvolvimento da criança, a relação do brincar e a organização dos espaços, obtendo como alguns resultados: o repertório de brincadeiras das crianças abrange brincadeiras tradicionais (pega-pega, mate manteiga, telefone sem fio, amarelinha) e o faz-de-conta (casinha, piratas, motoristas); por vezes as relações de gênero perfazem as brincadeiras quando os meninos negam a participação das meninas, justificando que é brincadeira de menino, e assim o contrário; os espaços de brincadeiras organizados pela professora para as crianças são os mesmos organizados com elas, sendo esses a sala de referência e o parque; e por fim, baú de brinquedos, horta, banco mesas, sofá, cabo de vassoura, bolas, baú de tesouro, pistas, tecido são os elementos que compõem a organização dos espaços para e com a criança, possibilitando que a interação e a brincadeira contribuam de modo qualitativo, considerando o que ela já sabe e desafiando-a a partir da inserção de novos elementos, contribuindo assim para a aprendizagem e o desenvolvimento integral infantil. Palavras-chave: Educação Infantil. Desenvolvimento. Brincadeiras. Aprendizagem. Organização dos espaços. 8 ABSTRACT This present paper of course completion aims to understand the organization of play spaces and games for and with children between the ages of 5 and 6 in an institution of Early Childhood Education in the city of Santo Amaro da Imperatriz / SC. From a qualitative perspective, the field research involved observation of play spaces and interview with the teacher of a preschool class. The theoretical reflection was anchored in authors such as Ariés (1981), Bujes (2001), Friedmann (2013), Horn (2001, 2004, 2017), Kishimoto (2001, 2016), Muller (2014, 2019), Sarmento, 2005) and Vigotski (1984, 2007). And oficial documents such as The Brazilian Federal Constitution (1988), the Statute of the Child and Adolescent (1990), the Law on Guidelines and Basis (1996), the National Curriculum Framework for Early Childhood Education (1998), the National Curriculum Guidelines for Early Childhood Education (2009), National Curricular Guidelines for Basic Education (2013) and the National Curricular Common Base (2017). In this way, we reflect on childhood, the development of the child, the relationship of play and the organization of spaces, obtaining some results such as: the repertoire of children's games covers traditional games (tag, hand tag, broken telephone, hopscotch ) and the make-believe (house,pirates, drivers); sometimes the gender relations play the role of the boys when they deny the participation of the girls, justifying that it is a boy's game; the spaces for games organized by the teacher for the children are the same used with them, these being the reference room and the park. Chest of toys, vegetable garden, bench tables, couches, broom handle, balls, treasure chest, lanes, fabric are the elements that make up the organization of the space; the organization of spaces for and with the child enables that the interaction and play contributes in a qualitative way, considering what the child already knows and challenges them with the inclusion of new elements in his play; and even when the greater participation of the children happens when the teacher organizes the space previously, contributing to the learning and the full development of the child. Keywords: Early Childhood Education. Development. Games. Learning. Organization of spaces. 9 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 - Refeitório 29 Imagem 2 - Sala de Televisão 29 Imagem 3 - Sala de Referência – Pré II 30 Imagem 4 - Corrida do Equilíbrio 33 Imagem 5 - Parque destinado às crianças pequenas 35 Imagem 6 - Meninos brincando de piratas antes da intervenção de uma professora 36 Imagem 7 - Meninos e Meninas brincando de casinha 36 Imagem 8 - Lucas brincando de cozinhar 37 Imagem 9 - Brincadeira com Laptop 39 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Categorias para analise de dados 30 11 LISTA DE SIGLAS BNCC – Base Nacional Comum Curricular CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil DCNB – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FMP – Faculdade Municipal de Palhoça LDB – Lei de Diretrizes e Base RCNEI – Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 12 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13 2. A EDUCAÇÃO INFANTIL E O DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS DE 5 A 6 ANOS ........................................................................................................................ 16 3. O BRINCAR, A BRINCADEIRA E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................................ 21 4. O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA E COM AS CRIANÇAS ENTRE 5 E 6 ANOS ..................................... Erro! Indicador não definido. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 44 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46 APÊNDICES ............................................................................................................. 51 APÊNDICE A - Roteiro de entrevista professora - Pré II ................................... 51 APÊNDICE B - Termo de consentimento livre e esclarecido. .......................... 53 13 1 INTRODUÇÃO A brincadeira deve ser encarada como algo sério e que é fundamental para o desenvolvimento infantil (ROLIM, GUERRA, TASSIGNY, 2008, p.177) O brincar e as brincadeiras são as atividades principais dos bebês, das crianças bem pequenas e das crianças pequenas que compõem o cenário da Educação Infantil, possibilitando a vivência de inúmeras experiências que corroboram ao desenvolvimento e aprendizagem infantil. Por meio do brincar as crianças se comunicam e expressam seu entendimento acerca do mundo, num faz de conta repleto de elementos do dia a dia que tornam os repertórios ainda mais ricos quando mediados pelo mais velho ou mais experiente. Afinal, é na brincadeira que a criança tem a oportunidade de imitar, mas também de construir algo novo “[...] conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se aproxime ou se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e transformando objetos pelo uso que deles faz” (BRASIL, 2013, p. 87). Perante tais concepções e algumas experiências vivenciadas no Estágio Interdisciplinar I - Educação Infantil, no curso de licenciatura em Pedagogia da FMP, o qual se deu em um CEI do município de Palhoça/SC, é que o interesse pela pesquisa - “o brincar e a organização dos espaços para e com crianças entre 5 e 6 anos” – se constituiu. Durante o período de estágio observei1 o brincar como desejo principal das crianças. Algumas das experiências vivenciadas foram quando as brincadeiras estavam inseridas no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Observei ainda a vontade delas em brincar no parque, porém as brincadeiras muitas vezes não eram direcionadas aos playgrounds e sim às que eram possíveis criar e recriar diversos cenários utilizando materiais naturais encontrados embaixo das árvores. Outra vontade que percebi foi em brincar com água e areia, estando “livres” para se sujar e desenvolver-se brincando. Tais fatos incitaram minha curiosidade em 1 Utilizo a primeira pessoa por se tratar de uma experiência pessoal, no entanto ao longo do TCC tratarei na 1ª pessoa do plural por se tratar de um trabalho realizado sob orientação e a quatro mãos. 14 saber sobre a organização dos espaços do brincar e das brincadeiras, se seria pela professora para as crianças e/ou ainda com elas. Assim, a presente pesquisa apresenta como questão central como se dá a organização do espaço do brincar e da brincadeira para crianças de 5 e 6 anos no contexto de uma instituição de Educação Infantil municipal de Santo Amaro da Imperatriz/SC? E como objetivo geral compreender a organização dos espaços do brincar e das brincadeiras para e com crianças entre 5 e 6 anos de uma instituição de Educação Infantil do município de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Para tanto, os objetivos específicos delineados são: a) refletir sobre a Educação Infantil e o desenvolvimento da criança entre 5 e 6 anos; b) investigar a relação do brincar com a organização dos espaços na Educação Infantil; c) discutir sobre a organização dos espaços de brincadeiras para e com crianças de 5 e 6 anos. Para atingirmos os objetivos especificados acima foi realizada uma pesquisa explicativa “que, além de registrar e analisar os fenômenos estudados busca identificar suas causas” (SEVERINO, 2016, p. 131). Configurada pelo método qualitativo, pois é um método de investigação que tem como intuito observar o sujeito, analisando suas particularidades individuais, além de que a análise qualitativa depende de muitos fatores, tais como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra, os instrumentos de pesquisa e os pressupostosteóricos que nortearam a investigação. Pode-se, no entanto, definir esse processo como uma seqüência de atividades, que envolve a redução dos dados, a categorização desses dados (GIL, 2002, p. 133). As técnicas utilizadas para a realização da pesquisa de campo foram observação de uma turma de Pré II2 na sala de referência, parques e pátio coberto e entrevista estruturada com a professora regente. As entrevistas estruturadas gravadas e transcritas “produzem um volume imenso de dados que se acham extremamente diversificados pelas peculiaridades da verbalização de cada um” (ALVEZ; SILVA, 1992, p. 65). O campo de pesquisa foi uma instituição de Educação Infantil municipal de Santo Amaro da Imperatriz/SC que atende crianças de 4 meses a 6 anos de idade, do Berçário ao Pré II, de classe média residentes no município. 2 Nomenclatura utilizada pela instituição em questão. 15 Por fim, apresentamos o presente trabalho a partir dos seguintes capítulos: o primeiro trata da Educação Infantil abrangendo sua construção histórica e sua importância para o desenvolvimento da criança como um todo, além de tratar da pluralidade que envolve a infância; no segundo capítulo tratamos do brincar enquanto direito das crianças constituído por meio de documentos oficiais relacionando-os a organização dos espaços e da brincadeira na Educação Infantil; e por fim, no terceiro capítulo discutimos sobre a organização dos espaços direcionados ao brincar e as brincadeiras para e com as crianças em uma instituição municipal de Santo Amaro da Imperatriz/SC a partir das seguintes categorias definidas após a pesquisa de campo: planejamento, brincadeiras e espaço para brincadeiras. 16 2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS DE 5 A 6 ANOS O presente capítulo trata da Educação infantil enquanto primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 1996), sendo ela o início do processo educacional da criança. Porém, como e quando surgiram às instituições de Educação Infantil? No decorrer de muitos anos, a educação das crianças foi responsabilidade das famílias ou grupos sociais em que estavam inseridas. A partir da revolução industrial as mulheres começaram a trabalhar e com o surgimento da idade moderna outra maneira de ver a infância é instituída (BUJES, 2001) Com a chegada da Constituição Federal em 1988, a Educação Infantil passou a ser garantida, por meio do Art. 208, inciso IV que afirma “[...] o dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de oferta de creches e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988). Com a emenda constitucional 53/2009 essa idade passou para de zero a 5 anos, e com a resolução número 2 de 9 de outubro de 2018, ficou definido no art. 3, inciso III que, “as crianças que completam 4 (quatro) anos de idade após o dia 31 de março devem ser matriculadas em creches, primeira etapa da Educação Infantil” (BRASIL, 2018, p. 1). Assim, a Educação Infantil passou a ser vista como direito das crianças, firmada no artigo 29 da Lei de Diretrizes e Base (1996) como a primeira etapa da educação básica, visando “[...] o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996, p. 22). E assim, segundo o documento oficial brasileiro mais atual, aprovado em 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, p. 32), a educação infantil é [...] reconhecida como direito de todas as crianças e dever do Estado, [...] passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos apenas com a Emenda Constitucional nº 59/2009, que determina a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos. Essa extensão da obrigatoriedade é incluída na LDB em 2013, consagrando plenamente a obrigatoriedade de matrícula de todas as crianças de 4 e 5 anos em instituições de Educação Infantil. 17 Para algumas crianças a inserção na Educação Infantil significa o seu primeiro contato para além dos ambientes afetivos familiares, tornando-se assim uma nova fase de desenvolvimento e aprendizagem para a sua vida. Importante destacarmos que a ida da criança para o espaço escolar passa por um período de adaptação que por vezes causa estranheza e insegurança (VALÉRIO, 2015). A Educação Infantil envolve dois processos necessários e simultâneos que são o educar e o cuidar que dialogam com a importância de atribuir a criança pequena atenção, carinho e segurança (BUJES, 2001). No entanto, conforme o contexto histórico, nem sempre foi assim. Inicialmente contávamos com uma abordagem mais voltada para o cuidado da criança, em detrimento de sua educação. Ainda segundo a autora, por vezes o cuidado está diretamente relacionado à higiene e alimentação, porém o cuidar não se restringe apenas a isso, preocupando- se também com a organização dos horários de funcionamento da creche, “[...] passando pela organização dos espaços, pela atenção com os materiais que são oferecidos como brinquedos, pelo respeito às manifestações da criança (de querer estar sozinha, de ter direitos aos seus ritmos, ao seu jeitão)” (BUJES, 2001, p. 16). Nesse contexto, de acordo com a BNCC [...] as creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação (BRASIL, 2017, p. 32, grifo nosso). Por mais que esse documento esteja vinculado a inúmeras questões caracterizadas como habilidades e competências na relação com o desenvolvimento infantil, essas dialogam em alguma medida com que já se afirmou nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2009) ao estabelecer, por exemplo, os princípios das propostas pedagógicas - éticos, políticos e estéticos: 18 Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (DCNEI, 2009, p. 16). A Educação Infantil possui uma grande contribuição nas relações culturais, sociais e familiares, numa ligação com o ato pedagógico, em prol das garantias dos direitos das crianças ao bem-estar, à expressão, ao movimento e a brincadeira que devem se fazer presentes (ROCHA, 2001). Além disso, deve-se pensar no lúdico, no imaginário, nas diferentes linguagens que podem ser potencializadas a partir de uma prática pedagógica planejada de acordo com as especificidades das crianças, garantindo-lhes o direito de serem escutadas, de exercerem sua liberdade de expressão e opinião. E nesse sentido, a infância se constrói a todo momento em um processo contínuo de mudança, “[...], não apenas pela entrada e saída dos seus atores concretos, mas por efeito conjugado das ações internas e externas dos fatores que a constroem e das dimensões de que se compõe” (SARMENTO, 2005, p. 366). Perante um processo construído historicamente, que atribuiu a criança “[...] um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas,normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Esse processo, para além de tenso e internamente contraditório, não se esgotou” (SARMENTO, 2005, p. 365). E não se esgota. Assim, percebemos a partir do contexto histórico, que a infância nem sempre foi considerada uma etapa de vida, mas conceituá-la não é uma tarefa fácil. Não se tem um conceito único sobre infância, ela é uma fase de vida que sofre que se diferencia conforme o meio social, cultural, econômico em que está inserida. Na Idade Média, a criança era percebida como um adulto em miniatura, “era portanto diferente do homem, mas apenas no tamanho e na força enquanto as outras características permaneciam iguais” (ARIÈS, 1981, p.14). Com o passar do tempo às crianças deixaram de ser consideradas adultos em miniatura, integrando assim as famílias que passaram a cuidar da infância, como diz Ariés (1986, p. 12): A família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição se exprimiu 19 sobretudo através da importância que se passou a atribuir a educação. Não se tratava mais apenas de estabelecer os filhos em função dos bens e da honra. Traiam-se de um sentimento inteiramente novo: os pais se interessavam pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam com uma solicitude habitual nos séculos XIX e XX, mas outrora desconhecida(...) A família começou então a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal importância, que a criança saiu de seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê-la ou substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela (ARIÈS, 1986, p. 12). Nessa concepção, percebemos que a infância vista nos dias atuais é resultado da construção histórica dada ao longo do tempo. Para Kramer (2006, p. 14) a “[...] ideia de infância não existiu sempre da mesma maneira. Ao contrário, a noção de infância surgiu com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudavam a inserção e o papel social da criança na comunidade”. Importante ainda considerarmos que, de acordo com Felipe (2001) existe uma necessidade de compreender que a concepção de infância e criança tem passado por inúmeras transformações que ocorreram principalmente no final do século passado. Isso se deu a partir de avanços em determinadas áreas do conhecimento, em que foram produzidas teorias científicas “[...] a partir de certas condições de possibilidade (políticas, econômicas, culturais) que vão favorecer sua difusão” (FELIPE, 2001, p. 14) Nos dias atuais, percebemos os diferentes modos de vivenciar a infância nas instituições de Educação Infantil, onde estão inseridas crianças que vivem em situação de extrema pobreza, como também as que vivem em boas condições de desenvolvimento e aprendizagem. Nas palavras de Lima (2003, p. 26), o desenvolvimento das crianças têm forte ligação com as experiências às quais elas têm oportunidade de vivenciar que “[...] dependem da constituição do contexto em que a criança vive e, principalmente, do que lhe é tornado acessível pela ação mediadora dos adultos”. Percebe-se assim que as experiências infantis estão vinculadas ao meio em que a criança é produtora de cultura a partir da brincadeira, jogos simbólicos, troca de papéis que acontecem em diferentes contextos de socialização. Nas relações intergeracionais (entre adultos e crianças) e nas geracionais (entre crianças) esse processo acontece em diferentes instâncias - famílias, espaços midiáticos, instituição educativa, grupos de amizades e pares - que “atuam nos tempos das 20 crianças e nos vínculos que elas constroem com os pares e com outras gerações” (MULLER, 2019, 37). Deste modo, percebemos que a educação hoje se diferencia das gerações anteriores, “[...] as crianças da atualidade estão sendo educadas em diferentes tempos e espaços, com diversos estímulos ao seu desenvolvimento” (MULLER, 2019, p. 38). E tal vínculo transpassa a ideia de troca/relações encaradas pela verticalidade das idades, ou seja, ambos aprendem nesse constante movimento educativo em que a criança “[...] cria, recria outras brincadeiras, assim como também estabelece relações com as estruturas de brincadeiras que acompanham as gerações” (MULLER, 2019, p. 47). A partir do jogo simbólico, da brincadeira a criança estabelece relações com o mundo. Sob o ponto de vista de Santos (2001) existem especificidades conforme a idade da criança. De um ano e meio aos três ela está em uma fase de imitação, imita a si mesma e ações do seu cotidiano; entre os três e quatro anos consegue elaborar cenas inteiras cada vez mais detalhadas a partir do faz-de-contas; já entre os quatro e sete anos faz aproximações ao real de modo cada vez mais concreto, onde adequa às expressões corporais e vocais, buscando copiar e representar ações reais de seu contexto cultural. Como a representação de cenas familiares que chamam a sua atenção, bem como eventos de “[...] festas de aniversário e cerimônias de casamento dramatizam experiências vivenciadas no cotidiano (ida ao médico, compras no supermercado)” (SANTOS, 2001, p. 96). Por meio da brincadeira às crianças apresentam suas emoções que refletem no mundo, de modo a assumir diferentes papéis e posicionamentos. E assim, os adultos devem observar e se necessário intervir na brincadeira, nos diferentes modos que as crianças possuem em representar o mundo (SANTOS, 2001) de modo a educá-las. Assim, percebemos que a criança passa por diversas fases em seu processo de desenvolvimento, até mesmo em relação ao imaginário, o simbolismo, faz-de- contas, criando e recriando enredos. A partir dessas fases a criança aprende, desenvolve as diferentes linguagens infantis, por meio do brincar e das brincadeiras que pode ocorrer com e para as crianças, conforme trataremos no próximo capítulo. 21 3 O BRINCAR, A BRINCADEIRA E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL O presente capítulo trata da relação entre o brincar, as brincadeiras e a organização dos espaços na Educação Infantil. Considerando que o brincar é de suma importância para o desenvolvimento da criança ele se tornou um direito adquirido a ela e presente no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990), Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil - RCNEI (1998), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (2009), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica - DCNEB (2013) e atualmente na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2018). O capítulo II do Estatuto da Criança do Adolescente o ECA (1990) trata do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade, e afirma que : Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – brincar, praticar esportes e divertir-se; V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI – participar da vida política, na forma da lei; VII – buscar refúgio, auxílio e orientação. (ECA, 1990, p. 16, grifo nosso). O ECA assegura à criança e ao adolescente seus direitos básicos como liberdade, respeito, dignidade e acrescenta ainda o direito ao brincar. Já o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) define o brincar como um ato indispensável na vida das crianças: Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidadesimportantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais. (RCNEI, 1998, p.22, grifo nosso). 22 Percebemos então que o brincar se constitui como uma atividade fundamental para o desenvolvimento da criança, tornando-se necessário nas propostas pedagógicas lúdicas do cotidiano na Educação Infantil. Esse documento ainda relaciona os momentos de brincadeiras ao desenvolvimento infantil: “ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido” (BRASIL, 1998, p. 27). De acordo com o que afirma às Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (2009), o estado tem o dever de garantir a Educação Infantil pública, de qualidade em creches e pré-escolas e assegurar às crianças seus direitos que “[...] nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura” (DCNEI, 2009, p. 12, grifo nosso). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica - DCNEB afirmam que o brincar é muito importante para a criança, uma vez que dá à criança oportunidade para imitar o conhecido e para construir o novo, conforme ela reconstrói o cenário necessário para que sua fantasia se aproxime ou se distancie da realidade vivida, assumindo personagens e transformando objetos pelo uso que deles faz. (DCNEB, 2013, p. 87) Ainda segundo as DCNEB (2013), às instituições de Educação Infantil necessitam promover ambientes agradáveis que desafiem as crianças, porém esse desafio deve ocorrer sem “[...] ameaçar a autoestima, nem promover competitividade” entre elas, fortalecendo assim as práticas infantis de “[...] cuidar e ser cuidada, de se expressar, comunicar e criar, de organizar pensamentos e idéias, de conviver, brincar e trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar soluções para os problemas e conflitos” (DCNEB, 2013, p. 88). E conforme o documento oficial brasileiro mais atual, Base Nacional Comum Curricular (2018), durante a infância existem práticas que envolvem a interação e brincadeira que caracterizam “[...] o cotidiano da infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvimento integral das crianças” (BRASIL, 2018, p. 37). Durante as brincadeiras a criança traz com ela 23 [...] muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvimento integral das crianças. Ao observar as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções. (BRASIL, 2018, p. 35, grifo nosso). A partir do brincar a criança interage consigo e com o que está em seu entorno, potencializando seu desenvolvimento. Com base em Vigotski (1984) o brincar envolve também situações imaginárias e Kishimoto (2011) complementa afirmando que o brincar se dá de acordo com cada idade: [...] um brinquedo que interessa a um bebê deixa de interessar a uma criança mais velha. Dessa forma, a maturação dessas necessidades é de suma importância para entendermos o brinquedo da criança como atividade singular. As crianças querem satisfazer certos desejos que muitas vezes não podem ser satisfeitos imediatamente. Como a criança pequena não tem a capacidade de esperar, cria um mundo ilusório, onde os desejos irrealizáveis podem ser realizados. (KISHIMOTO, 2011, p. 67). Assim, percebemos que a brincadeira aos poucos vai sendo aprimorada conforme a idade da criança. Vigotski afirma que ela durante a realização de uma situação imaginária se comporta sem cogitar que é irmã de sua irmã, pois [...] no jogo em que as irmãs brincam de “irmãs”, ambas estão preocupadas em exibir seu comportamento de irmã; o fato de as duas irmãs terem decidido brincar de irmãs induziu-as a adquirir regras de comportamento. Somente aquelas ações que se ajustam a essas regras são aceitáveis para a situação de brinquedo; elas se vestem como, falam como, enfim, tudo aquilo que enfatiza suas relações como irmãs à vista de adultos e estranhos (VIGOTSKI, 2007, p. 111). O brincar e as brincadeiras acontecem nas diferentes gerações, pois o “[...] brincar cruza diferentes tempos e lugares, passados, presentes e futuros, sendo marcada ao mesmo tempo pela continuidade e pela mudança” (BORBA, 2007, p. 33). Logo, o brincar é marcado pela ação que a criança executa e as brincadeiras perfazem o seu repertório, as suas preferências, percorrendo desde brincadeiras que envolvem as tecnologias digitais, por exemplo, até as mais tradicionais como esconde-esconde, pega-pega, pipa, amarelinha, mamãe e filhinha. Às crianças criam rituais e refrões para compor às brincadeiras que são passados de geração em geração, “[...] através da transmissão de brincadeiras, 24 jogos e rituais das crianças mais velhas para as crianças mais novas, reinventando nessa transmissão tudo de novo, de tal modo a cultura da infância se constitui” (SARMENTO, 2002, p. 13). Friedmann (2013) com a ajuda de crianças elaborou um mapa do brincar o qual nos mostra brincadeiras utilizadas, criadas e recriadas por elas. A autora afirma que as crianças juntam brincadeiras antigas ou trechos delas e criam seus próprios repertórios de brincadeiras envoltos da multiculturalidade. E essas estão articuladas as diferentes zonas de desenvolvimento, já que para Vigotski (1984, p.117): a brincadeira cria zona de desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação ao real. Na brincadeira, aparece tanto a ação na esfera imaginativa numa situação de faz-de-conta, como a criação das intenções voluntárias e as formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do desenvolvimento. O brincar seja ele sozinho ou com outras pessoas é essencial, pois é a principal atividade da infância, sendo considerada uma atividade universal e uma necessidade do ser humano. Por meio dele pode-se desenvolver suas competências “[...] como também trabalha com suas limitações, com as habilidades sociais, afetivas, cognitivas e físicas. O brincar é ainda uma forma de expressão e comunicação consigo, com o outro e com o meio” (GUSSO, SHUARTZ, 2008, p. 237). As crianças precisam brincar, precisam brincar muito, pois, brincando elas aprendem a escolher, imaginar, fantasiar, confiar em si mesmo, partilhar, criar, descobrir. (GIRARDELLO, 2006). Para tanto, percebemos que o brincar está na vida da criança desde o seu nascimento e tem ligação com a psicologia, pois envolve a imaginação, o desenvolvimento cognitivo e intelectual que permitem a criança adquirir valores culturais, tornando-se então sujeitos produtores de cultura. Assim, com o brincar pode-se desenvolver habilidades às quais serão levadas ao longo da vida. (GUSSO, SCHUARTZ, 2008). Por meio do brincar a criança consegue se expressar e se comunicar consigo e com o mundo, com o que encontra ao seu entorno. Quando a criança brinca também desenvolve algumas experiências às quais estão presentes realidade, fantasia e imaginação: 25 Considerando o brincar segundo suas dimensões psicológicas, cognitivas, sociais e culturais, as brincadeiras podem ser entendidas com base no tripé: ser elemento da cultura, fazer parte do desenvolvimento infantil e ser linguagem e forma deexpressão. (FANTIN, 2006, p. 11) A imaginação amplia o repertório cultural das crianças fazendo um distanciamento da realidade vivida para a realidade imaginada. (GIRARDELLO, 2007). Sarmento (2002) complementa afirmando que as crianças têm sua imaginação desenvolvida sistematicamente por meio do que elas fazem, observam, ouvem e interpretam “[...] ao mesmo tempo que às situações que imaginam lhes permite compreender o que observam, interpretando novas situações e experiências de modo fantasista, até incorporarem como experiência vivida e interpretada” (SARMENTO, 2002, p. 14). A imaginação presente no brincar pertence a um importante processo psicológico o qual é iniciado na infância e possibilita que a criança se expresse de diversas formas, “combinada com uma ação performativa construída por gestos, movimentos, vozes, formas de dizer, roupas, cenários etc., a imaginação estabelece o plano do brincar, do fazer de conta, da criação de uma realidade “fingida”” (BORBA, 2007, p. 37). No entanto, quando a criança brinca de fingir ou de faz de conta, ela está fazendo uma releitura de algo que vivenciou, observou ou imaginou. Muitas vezes às crianças pequenas brincam de ser outras pessoas como: princesa, policial, pai, mãe, bruxa, monstro, entre outros. Este faz de contas reflete às relações às quais estas crianças têm com o objeto imaginado e imitado. Ao brincar e interpretar a criança se constitui como agente organizador de suas ações e regras de convivência social, onde o imaginário se faz mais notório “[...] uma vez que a criança altera o significado dos objetos e dos eventos. Desse modo, o faz de conta conecta a fantasia às situações presentes no contexto social” (MÜLLER, FREITAS E WIGGERS, 2015, p.200). Segundo Vigotski (2007), o brincar, os brinquedos e as brincadeiras estão relacionados ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores as quais se referem às experiências adquiridas durante a vida do sujeito, considerando sua relação com o mundo e com as culturas, sendo às crianças produtoras e construtoras de cultura. (VIGOTSKI, 2007). E assim, além de construirem a cultura o 26 brincar e a brincadeira também são o suporte da sociabilidade, pois, ao criar o desejo de brincar com o outro, de estar com o outro, leva às crianças a se socializarem com o diferente, criam grupos, e amigos a partir da brincadeira, assim estabelecem vínculos e atitudes de solidariedade. (BORBA, 2007) E assim, a organização dos espaços do brincar têm grande contribuição na Educação Infantil, uma vez que proporcionam estruturas que auxiliam no pleno desenvolvimento das crianças. No entanto, é importante refletirmos sobre quais são esses espaços, pois estes, não se restringem apenas a sala de referência, mas, a todo o espaço o qual a instituição possui, desde o hall de entrada, corredores, banheiros, cozinhas, refeitórios, pátios e parques (HORN, 2017). Com isso, a Educação Infantil deve propiciar o crescimento infantil e suas potencialidades considerando as diferentes dimensões que envolvem a organização dos espaços, e os materiais apropriados a cada faixa etária, como o mobiliário e o ambiente interno e externo onde as crianças estarão inseridas. (HORN, 2017) Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (2009, p. 19), as propostas pedagógicas devem prever condições para a organização de materiais, tempos e espaços que assegurem à criança: A educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo; A indivisibilidade das dimensões expressivomotora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança; A participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valorização de suas formas de organização; O estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e de mecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dos saberes da comunidade; O reconhecimento das especificidades etárias, das singularidades individuais e coletivas das crianças, promovendo interações entre crianças de mesma idade e crianças de diferentes idades; Os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição; A acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação; A apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América.( DCNEI, 2009, p. 19) A partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI podemos perceber que as propostas pedagógicas das instituições de 27 Educação Infantil têm papel fundamental na organização dos materiais, tempo e espaços voltados para o desenvolvimento das crianças e a oferta de propostas que desenvolvam “dimensões expressivo motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança” (DCNEI, 2009, p.19). Uma das funções importantes neste processo é o reconhecimento das especificidades e singularidades individuais e coletivas de cada criança. Ainda segundo as DCNEI as práticas pedagógicas compõem a proposta curricular para a Educação Infantil e asseguram à criança o direito a interações e brincadeiras que garantam experiências como “o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança” (DCNEI, 2009, p. 25). Nesta perspectiva, entendemos que o espaço revela várias concepções que envolvem as crianças e a infância, isto ocorre, porque, de acordo com Freitas, Scheneider e Lorenzon (2015, p. 45, apud Horn, 2004), o espaço nunca é neutro. Nessa concepção, encontramos nos espaços como um todo, várias representações abstratas daqueles que os ocupam, não se limitando a uma simples organização dos objetos, móveis ou ainda das representações abstratas que envolvem visual, mas considerando os cheiros, sons e ruídos que contribuem ao processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Barbosa e Horn (2001, p. 73) destacam que os aspectos sensoriais devem ser considerados ao pensarmos no espaço para as crianças: [...] o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, regras de uso do espaço, luzes e cores, odores, mobílias, equipamentos e ritmos de vida. Também é importante educar as crianças no sentido de observar, categorizar, escolher e propor, possibilitando-lhes interações com diversos elementos. O espaço pensado para as crianças deve considerar suas necessidades e características, pois entre bebês, crianças bem pequenas, crianças pequenas e adultos, existem diferentes características e necessidades que devem ser levadas em consideração na hora de pensar em sua na Educação Infantil. De acordo com Horn (2017, p.19), 28 O espaço também assume diferentes dimensões, sendo imperioso pensarmos em sua dimensão física e em como isso se molda ao cotidiano das crianças, como elas poderão utilizar esses espaços, em que medida permitiremos o tempo necessário para elas iniciarem e concluírem suas atividades e, principalmente, como a organização e a ocupação desses espaços permitirão relações entre às crianças e entre elas e os objetos. Assim, percebemos que o espaço não é o único a ser organizado quando falamos de Educação Infantil, pois não adianta ter um espaço com vários recursos e materiais, onde os mesmos não são utilizados. Partindo disso, compreendemos que é necessário que se pense, planeje e organize os espaços para as crianças, assim como com elas, envolvendo sua participação. De acordo com o Referencial Curricular Nacionalpara a Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998, p. 58) A organização dos espaços e dos materiais se constitui em um instrumento fundamental para a prática educativa com crianças pequenas. Isso implica que, para cada trabalho realizado com as crianças, deve-se planejar a forma mais adequada de organizar o mobiliário dentro da sala, assim como introduzir materiais específicos para a montagem de ambientes novos, ligados aos projetos em curso. Compreendemos que o professor deve planejar a organização dos espaços e materiais disponíveis a serem trabalhados com as crianças, pois planejar significa “[...] traçar, projetar, programar elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas para com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente” (OSTETTO, 2000, p. 177). O planejamento deve ser flexível, e não existe um modelo pronto de planejamento, pois, ele deve ser pensado, repensado, revisado em prol do desenvolvimento da criança. (OSTETTO, 2000). Portanto, à medida que o professor planeja e reflete sobre o espaço ele se propõe a construir algo acolhedor, sociável, aconchegante para que contribua à criança em sua rotina diária em prol do seu desenvolvimento integral (MALAGUZZI, 1999), já que “o espaço não é algo dado, natural, mas sim construído. Pode-se dizer que o espaço é uma construção social que tem estreita relação com as atividades desempenhadas por pessoas nas instituições” (SCHMITZ; SKRSYPCSAK, 2015, p. 11 apud HORN, 2004, p. 16). 29 Portanto, o brincar, as brincadeiras e a organização dos espaços para e com as crianças devem ser pensados, planejados e preparados de acordo com cada faixa etária de modo a contribuir ao desenvolvimento integral da criança, seus direitos e cultura em que se encontra e dialoga com o contexto da Educação Infantil. 30 4 O BRINCAR E A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS PARA E COM AS CRIANÇAS ENTRE 5 E 6 ANOS A presente pesquisa de campo se desenvolveu em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) após conversamos com a coordenadora pedagógica. A observação a uma turma de Pré II com crianças de 5 e 6 anos durante 4 dias (totalizando 14 horas) e a entrevista com a professora regente perfizeram as técnicas de pesquisa. E assim, a partir dos dados obtidos, organizamos a análise a partir das seguintes categorias: Tabela 1: Categorias para analise de dados. CATEGORIAS Categoria 1 Educação Infantil Categoria 2 Planejamento Categoria 3 Brincadeiras Categoria 4 Espaços para as brincadeiras A primeira categoria “Educação Infantil” relaciona-se a estrutura institucional e a atuação docente. A instituição escolhida atende bebês e crianças do berçário ao Pré II, num total de 11 turmas, totalizando aproximadamente 180 crianças matriculadas. As turmas de Pré I e II são de período parcial (matutino ou vespertino), já às outras são de período integral. O município em seu corpo de funcionários, conta com estudantes de ensino médio contratados como bolsistas presentes em todos os CMEI do município auxiliando o professor regente nas atividades de rotina, como: preenchimento da agenda escolar, chamada diária, alimentação, organização da sala e, quando necessário, auxílio nas atividades pedagógicas. Assim todas as 11 turmas da instituição contam com uma professora regente e uma bolsista, e um segundo professor caso alguma criança apresente laudo médico. A instituição possui em sua estrutura externa dois parques. Na estrutura interna conta com um pátio coberto, amplo refeitório, sala de coordenação/direção, 31 sala dos professores, cozinha, banheiros adaptados às necessidades das crianças, nove salas de referência e uma sala de televisão. Imagem 1 : Refeitório. Fonte: Acervo pessoal (2019) Imagem 2: Sala de Televisão. Fonte: Acervo pessoal (2019) 32 Os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil (2006) garantem que as estruturas construídas para as instituições de Educação Infantil devem ser o menos limitantes possível, desde o “[...] acessos a salas, área de serviço, cozinha, banheiros, áreas de brincar interna e externa, dentre outros espaços” (BRASIL, 2006, p. 16). Sob esse ponto de vista consideramos que as estruturas do CEI com parte coberta e sem horários pré-determinados possibilitam que as professoras realizem suas propostas e para além das salas de referência, oportunizando a criança diferentes experiências. E durante a entrevista esse espaço foi percebido pela professora como positivo, uma vez que informou que consegue trazer as brincadeiras porque conta com essa infraestrutura. Assim, a turma em que realizamos a presente pesquisa é a Pré II - vespertino, que possui 18 crianças matriculadas, sendo 6 meninas e 12 meninos, uma professora regente, uma bolsista e uma segunda professora que auxilia uma criança com autismo e a com síndrome de Klinefelter. A professora Ana3 tem 24 anos, ensino superior completo realizado em uma instituição de ensino privada no município de Palhoça/SC e atua na Educação Infantil há 2 anos. Jéssica, a segunda professora têm 32 anos, está cursando a 6° fase do curso de Pedagogia na mesma instituição privada, mas em um polo de Santo Amaro da Imperatriz/SC e têm especialização em Educação Especial4. Isabelly têm 17 anos é bolsista e cursa o terceiro ano do Ensino Médio. A sala de referência da turma de Pré II (turma observada) é ampla, contém 20 carteiras escolares organizadas em dois grandes grupos, sofá, mesa de professor, três armários, quadro para giz, espelho na altura das crianças, televisão, báu de brinquedos e tapete: 3 Todos os nomes dessa pesquisa serão fictícios para preservar o sigilo dos envolvidos. 4 A segunda professora relatou que não possui especialização, mas os cursos que já realizou contabilizam para sua docência enquanto segunda professora. 33 Imagem 3: Sala de referência - Pré II Fonte: Acervo pessoal (2019) Ao entrevistar5 a professora Ana ela nos apresentou uma concepção de Educação Infantil voltada para o desenvolvimento da criança, onde percebe que a Educação Infantil é de extrema importância no “processo de desenvolvimento, porque [...] ela interage com crianças da mesma idade e consegue compreender regras básicas de convivência6” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019) Tal perspectiva se aproxima da BNCC (2018) que possui como eixos estruturantes as interações e as brincadeiras, que consideram a construção e apropriação dos conhecimentos das crianças “[...] por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização” (BRASIL, 2018, p. 37). A visão da professora Ana7 se aproxima do que afirma o documento oficial da Educação Infantil mais atual (BNCC, 2018), e dialoga ainda com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEI) que possui como objetivo a garantia do direito à “[...] brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças” (DCNEI, 2009, p. 18). Sobre o desenvolvimento infantil, ele é um processo dinâmico que se dá na interação com crianças e adultos, em que “[...] as crianças vão desenvolvendo a capacidade afetiva, a sensibilidade e a autoestima, o raciocínio, o pensamento, e a 5 O roteiro de entrevistas se encontra no apêndice A. 6 Utilizaremos itálico nas falas da professora. 7 Lembro que os nomes que perfazem essa pesquisa são fictícios, visando preservar e respeitar a identidade dos sujeitos. 34linguagem” (FELIPE, 2001, p.27). Conforme mencionado pela professora, a partir da brincadeira ela percebe que as crianças compreendem com mais facilidade, pois “[...] as vezes ficamos repetindo, falando várias vezes e as crianças não conseguem compreender, e quando isso esta dentro da brincadeira elas aprendem mais rápido, as músicas também ajudam” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019). O desenvolvimento da criança dessa faixa etária está relacionado ao lúdico, a proposições que evidenciam a importância de uma Educação Infantil que não seja promoção para o Ensino Fundamental (DCNEI, 2009), mas que considere na atuação docente a especificidade de ser criança. Frente a isso, a segunda categoria - planejamento - foi percebida durante as observações numa espécie de parceria com a professora Jéssica que contribui com ideias para planejar os encontros. A professora nos relatou utilizar como alicerce para o planejamento dos encontros a BNCC, informando que percebe ser muito importante a utilização deste documento, pois a partir dele compreende como deve ser organizada a sala de referência, e qual a importância do brincar para crianças dessa faixa etária. A professora Ana procura sempre planejar práticas que envolvam as letras e os números de forma lúdica por meio da brincadeira, trazendo práticas que, [...] sejam legais pra elas, e que aprendam brincando que não seja só folha e escrita. Porque a secretaria de educação do município exige que a partir do Pré I as professoras comecem a trabalhar as letras, e também que todas as turmas tenham em seu planejamento as brincadeiras pelo menos duas vezes na semana. (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019) Assim, durante a semana observada as professoras planejaram uma atividade pedagógica por dia relacionada à alfabetização, sendo essas atividades a família silábica da “letra B”. Nestas atividades as professoras utilizam músicas, atividades impressas, objetos iniciados com a letra B e o quadro de giz. Posteriormente realiza uma ou mais brincadeiras tradicionais, sendo essas planejadas pela professora regente a fim de ampliar o repertório de brincadeiras das crianças, conforme o pensamento da professora Ana “[...] esta prática está ficando esquecida”. Percebemos aqui uma proposta de Educação Infantil que considera o brincar, mas já inclui o processo de alfabetização (ainda tradicional) que se dá num movimento contrário do que nossos documentos afirmam, como por exemplo, a LDB 35 (1996) ao tratar do objetivo da Educação Infantil que não é a promoção para o acesso ao ensino fundamental. Sobre as brincadeiras das crianças a professora menciona que “[...] a maioria são aquelas que a gente brincava quando era criança, caça ao tesouro, amarelinha, bate manteiga, telefone sem fio” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019). Diante disso, ela planeja suas práticas nos espaços externos, “[...] amplos, onde a criança pode correr e se sentir livre, não adianta planejar uma brincadeira como bate- manteiga para brincar em sala, fica algo chato” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019). Esse espaço ainda é utilizado quando ela propõe cantar uma música, pois considera o ambiente mais prazeroso devido à sensação que percebe nas crianças de liberdade. Desse modo, o espaço interno é planejado no momento de “acolhida” das crianças e durante as atividades pedagógicas que requerem mesa e cadeira. E assim, o objetivo apresentado pela professora parte da realidade concreta das crianças, num objetivo de alcançar “[...] o fim mais amplo da educação” (LOPES, s/d). Sobre o pensamento da professora em relação aos espaços externos Horn (2017) afirma que as crianças hoje em dia estão privadas de desfrutar de espaços externos, ao ar livre, porém, esses espaços devem ser utilizados como uma continuação das salas em que realizam as atividades: “Se pensarmos em um espaço ideal ou se minimamente pudermos nos aproximar disso, a comunicação direta entre às salas de atividade e os espaços externos, unindo os dois ambientes, é de fundamental importância” (Horn, 2017, p. 88). Assim a criança pode estar dentro e fora, interagindo com o ambiente e seus pares. Ainda sobre o planejamento, a professora Ana nos relatou que as facilidades e dificuldades estão relacionadas aos recursos: as facilidades são as práticas e brincadeiras que não necessitam de muito ou algum recurso, como aquelas que envolvem o próprio corpo ou objetos que já tem na instituição; e suas dificuldades são aquelas que necessitam de recurso, principalmente quando envolve a família. A professora menciona como exemplo quando solicitou com uma semana de antecedência, que cada criança trouxesse um cabo de vassoura para a realização de uma brincadeira. O material não foi enviado pelas famílias, assim a professora necessitou modificar o contexto da brincadeira e criou outras estratégias para a 36 realização de sua proposta, buscando esses recursos no espaço da creche, conforme a imagem abaixo: Imagem 4: Corrida do equilíbrio Fonte: Acervo pessoal (2019) A professora Ana afirmou ainda que considera ser muito importante a participação da família na vida escolar das crianças, e indo ao encontro a essa perspectiva Picanço (2012) afirma ser de extrema importância essa parceria, necessitando de mais atenção porque é a partir dessa interação entre família e escola que estão os eixos estruturantes para que as crianças “[...] consigam desempenhar o seu papel de uma forma mais segura e motivada, tendo em vista o seu bom percurso e progresso na vida escolar e familiar” (PICANÇO, 2012, p. 3). Com relação ao planejamento dos espaços a professora nos relatou notar certa diferença entre os espaços previamente planejados daqueles que não foram. Em sua percepção, as crianças interagem melhor com os pares e com o meio em um ambiente previamente planejado “[...] do que em um espaço não planejado, aquele que foi feito em cima da hora eles não têm o mesmo desenvolvimento, a mesma dinâmica que no outro que já foi planejado” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019). 37 Com base nisso, encontramos autores que se aproximam desse pensamento. Para Matos (2015) o espaço da creche sem certa estrutura, sem organização e que não acolhe a criança não possibilitará desenvolvimento e aprendizagem de qualidade a ela. Assim, podemos dizer que o pensamento da professora Ana se aproxima do que diz a autora em relação aos espaços organizados para as crianças. Ao organizar os espaços da sala de referencia e do parque para as crianças de maneira pré-determinada pela professora, ela apresenta essa organização de forma pronta para as crianças. No entanto quando esses espaços são utilizados com elas, a professora convida as crianças a modificarem o ambiente com uma organização realizada com a ajuda delas, como a mudança do Baú de brinquedos, horta, banco, mesas, sofá, e o acréscimo de materiais como cabo de vassoura, bolas, baú de tesouro, pistas, tecido. No entanto, organização dos espaços está inserida no planejamento, onde a professora afirma perceber um melhor desenvolvimento da criança nos ambientes previamente pensados. Porém, Barbosa; Horn (2001) defendem a brincadeira de livre escolha quando as crianças podem escolher o que desejam fazer relacionados aos espaços e materiais. Diante disso, terceira categoria a ser analisada é a brincadeira. As crianças da turma de Pré II, não necessariamente têm um tempo determinado para brincar, “[...] elas brincam depois que terminam as atividades, depois das atividades, elas ficam livres para brincar até a hora de ir para casa” (Professora Ana, Entrevista, 03/05/2019). Essas atividades e brincadeiras planejadas pelas professoras são realizadas antes do lanche, assim que terminam o que é proposto para aquele dia. Durante uma de nossas observações percebemos as professoras Anae Jéssica questionarem às crianças sobre quais brincadeiras elas desejavam brincar. E as crianças pediram para brincar de bate-manteiga ou telefone sem fio, e assim as crianças e as professoras interagiram durante a brincadeira. Percebemos deste modo que esses espaços são organizados com a participação das crianças, considerando suas vozes ao poderem escolher sobre o que seria realizado naquele momento. Após as brincadeiras para e com as crianças, elas eram convidadas a irem para o lanche, que levava em torno de 15 a 20 minutos. Em seguida as crianças 38 brincavam no parque sem mediação direta do adulto. O parque destinado às crianças pequenas é amplo e conta com dois playgrounds, balanço em formato de barco, ônibus, amarelinha ilustrada no chão, árvore e pneus fixados no chão. Imagem 5: Parque destinado à criança pequenas. Fonte: Acervo pessoal (2019) 39 Durante o momento do parque observamos diversos modos de brincar envolvendo as relações de gênero onde os meninos se direcionavam para os carrinhos, bolas, e ao balanço em forma de barco onde brincavam de pirata e por vezes não aceitavam que as meninas entrassem na brincadeira. E as meninas as loucinhas, e as brincadeiras de mamãe e filhinho, por vezes não aceitando que os meninos entrassem em suas brincadeiras. Porém, quando as professoras interviam explicando que eles poderiam brincar juntos e com os mesmos brinquedos em alguns momentos meninos e meninas brincavam juntos. Assim, brincavam de bate manteiga, pega-pega, policia e ladrão, piratas, motoristas de ônibus e seus passageiros, entre outros, de forma compartilhada onde existia um papel para cada criança. Deste modo, percebemos o quanto a Educação Infantil e seus professores necessitam realizar prática como a das professoras Ana, Jessica e Isabelly, intervindo em ocasiões conhecidas como sexistas, onde é determinado o que meninos ou meninas podem e devem brincar, pois, a Educação Infantil favorece “[...] para que todos os espaços sejam ocupados por meninas e meninos indiscriminadamente” (FINCO, 2003, p. 94). Assim, às crianças têm a liberdade e a espontaneidade de brincar com os brinquedos que escolherem sem constrangimento. Imagem 6: Meninos brincando de pirata antes da intervenção de uma professora. Fonte: Acervo pessoal (2019). 40 Imagem 7: Meninos e Meninas brincando de casinha. Fonte: Acervo pessoal (2019). Ao observar dois meninos brincando nos dirigimos a eles e de forma mais próxima continuamos a observar e analisar sua conversa, após questionamos sobre o que estavam brincando, foi então que Lucas8 disse: “Eu to fazendo receitas, o Paulo disse que eu não sei fazer receita, mais eu sei sim, olha, to fazendo um bolo igual a minha irmã.” (Lucas, 03/05/2019) Partindo disso, percebemos que por meio simbolismo a criança constrói “[...] uma relação entre a fantasia e a realidade” (BARBOZA; VOLPINI, 2015, p.7). Imagem 8: Lucas brincando de cozinhar. Fonte: Acervo pessoal (2019) 8 Lembro que o nome dos sujeitos da pesquisa são fictícios. 41 Na fantasia as crianças desfrutam da imaginação para realizar as representações de papéis e imitar cenas do seu cotidiano, trazendo a realidade para a brincadeira, como por exemplo, “[...] uma criança que no seu ambiente familiar vê seu pai batendo na sua mãe, ela vai interiorizar esses conflitos em seus gestos, pois do mesmo jeito que as crianças sabem imitar fantasiando, elas reproduzem o que veem em sua realidade” (BARBOZA; VOLPINI, 2015, p.7). Com isso percebemos que parte das brincadeiras tem relação com o contexto familiar, pois as crianças realizam representações de papéis e imitação de acordo com o que vivenciam em seu cotidiano. Outra maneira de relacionar às brincadeiras por elas realizadas com o contexto familiar é pelo fato de grande parte dessas brincadeiras tradicionais que são planejadas pelas professoras um dia foram executadas pelos pais, assim às tornando brincadeiras culturais transmitidas de gerações em gerações. Atualmente percebemos grande influência das mídias e tecnologias com relação a infância, porém a professora Ana percebe que as crianças não envolvem os contextos midiáticos e tecnológicos em suas brincadeiras. No entanto, diferente do que percebe a professora Ana, Muller defende que estão cada vez mais comuns ouvirmos discursos nesse sentido: “[...] ―“Devemos afastar as crianças dessas tecnologias, já que nos dias de hoje, é só o que elas querem.” ―“Boa era minha infância quando brincávamos na rua”. ― “As crianças hoje não sabem mais o que é brincar” (MULLER, 2014, p. 10). Falas como essas, segundo a autora de certo modo são resultantes de um desconhecimento a respeito das capacidades que às mídias e tecnologias possuem e seus meios de utilização: “[...] as crianças continuam brincando, criando, teimando, discutindo, por vezes, brigando, passeando pelos desenhos impressos, fascinando-se pelos livros, divertindo-se nas ruas e nos parques, e, ainda, idealizando o computador, pedindo pelo tablet, navegando na internet, brincando diante da televisão, acessando as redes sociais, vivendo na cultura digital.” (MULLER, 2014, p. 10) Percebemos então, que às mídias e tecnologias fazem parte da infância de diversas crianças, e diferente do que muito se pensa com relação a isso, essas mídias e tecnologias estão presentes na brincadeira de algumas crianças. 42 No momento de acolhida a caixa de brinquedos da sala fica a disposição das crianças, para que possam desfrutar dos brinquedos ali apresentes. Notamos assim que várias crianças desejavam brincar com laptop de brinquedo. As crianças ao desfrutarem do mesmo desejo de brincar com esse brinquedo, dialogavam entre si de forma a promover certa partilha do brinquedo, onde todos podiam usufruir desse brinquedo. Imagem 9: Brincadeira com Laptop. Fonte: Acervo pessoal (2019) A categoria a seguir destaca como são organizados os espaços que a instituição possui, destinados ao brincar e às brincadeiras, bem como a organização dos brinquedos disponíveis. A professora Ana nos relatou que considera a organização da sala de referência boa, pois possui espaços e mobiliários que podem ser utilizados em meio as brincadeiras das crianças nos momentos de acolhida, saída e dias de chuva. Como o CMEI possui amplo espaço externo, quando o planejamento necessita ela vai ao parque, e as crianças “[...] reagem bem a essa organização até porque a gente faz só uma atividade a outra é brincadeira então eles gostam, e precisam brincar porque mesmo que não percebam eles estão aprendendo enquanto brincando” (Professora Ana, Entrevista 03/05/2019). O RCNEI destaca como um dos objetivos da Educação Infantil: [...] criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e confiança às crianças, garantindo oportunidades para que sejam capazes de: experimentar e utilizar os recursos de 43 que dispõem para a satisfação de suas necessidades essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados, e agindo com progressiva autonomia. (BRASIL, 1998, p. 27) Desta forma, percebemos num contexto geral que a instituição conta com uma organização voltada para o desenvolvimento da criança, onde os mobiliários são voltados para às suas necessidades, sendo estes, em tamanho adaptado a elas. As professoras buscam sempre planejar a organização dos espaços com materiais que possam ser encontrados dentro da instituição. Em decorrência de uma boa convivência entre todos os professoras(es), sempre que necessário realizam trocas de experiências e materiais que promovam uma organização diferente, bem como o baú de brinquedos. De acordo com a percepção da professora Ana, a organização do espaço contribui para o desenvolvimento da criança e auxiliaem suas brincadeiras, pois não é sempre que a brincadeira é planejada, porém “[...] depois de brincar a primeira vez eles voltam a pedir pra brincar ou brincam sozinhos, mas quando é planejado essa organização eles brincam melhor, e quando não planejado eles brincam do jeito deles” (Professora Ana, Entrevista 03/05/2019). Desta forma, percebemos que a instituição e a professora do Pré II, procura sempre envolver as brincadeiras no cotidiano das crianças, proporcionando ambientes agradáveis e aconchegantes, compartilhando materiais entre as outras professoras de forma a auxiliar no desenvolvimento das crianças. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa teve como principal objetivo compreender a organização dos espaços do brincar e das brincadeiras para e com crianças entre 5 e 6 anos de uma instituição de Educação Infantil do município de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Refletimos sobre a infância, o desenvolvimento da criança, a relação do brincar e a organização dos espaços, a partir da observação e entrevista realizadas com uma professora de um CMEI, da turma de Pré II do município de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Nesse contexto, foi possível concluir que o brincar é de suma importância para o desenvolvimento físico, psicológico, afetivo, intelectual, pessoal e social da criança. Assim como a organização dos espaços, uma vez auxilia na construção da brincadeira e contribui de modo benéfico ao desenvolvimento das crianças em sua integralidade. Percebemos ao longo da pesquisa que o brincar é uma atividade fundamental nesta fase de vida, sendo constituída como uma necessidade infantil e que por meio dela a criança consegue expressar seus sentimentos de forma livre, espontânea, lúdica, de comunicação entre seus pares e o meio onde está inserida, onde as relações de gênero também se fazem presentes. A criança ao brincar se apropria de conhecimentos que por vezes não são adquiridos de forma clara quando lhes são apresentados de outra maneira, mesmo que não percebam, ao brincar, elas estão aprendendo e se desenvolvendo. Para a criança brincar, correr e explorar são fundamentais em seu processo de construção pessoal e social, podemos dizer ainda que a criança tem a necessidade de se apropriar de ambientes internos e externos utilizando diversos recursos ali presentes de modo a imaginar, criar e recriar lugares e cenários durante suas brincadeiras. Podemos perceber assim que na presente pesquisa de campo as brincadeiras tradicionais estão presentes na infância, principalmente no contexto das instituições de Educação Infantil, pois estas possuem espaços externos amplos, de modo que as professoras propõem brincadeiras como: pega-pega, bate manteiga, telefone sem fio, amarelinha, policia e ladrão. E assim as crianças se apropriam das brincadeiras tradicionais, utilizando os ambientes externos e o faz-de-contas. 45 Por vezes, durante a pesquisa de campo podemos perceber que as relações de gênero perfazem as brincadeiras das crianças quando os meninos negam a participação das meninas, assim como também acontece ao contrário. Porém, sempre que isso acontece as professoras intercedem afirmando que não existe gênero para brincadeira, deste modo meninos e meninas podem brincar juntos e se apropriarem dos mesmo recursos e materiais disponíveis. Os espaços de brincadeiras organizados pela professora para as crianças são os mesmos utilizados com elas, sendo esses a sala de referência e o parque onde por vezes, as professoras apresentam para as crianças o ambiente pronto, com uma organização pré-determinada por ela. E em outros momentos convida as crianças a modificarem o ambiente com uma organização realizada com a ajuda delas, como a mudança do Baú de brinquedos, horta, banco, mesas, sofá, e o acréscimo de materiais como cabo de vassoura, bolas, baú de tesouro, pistas, tecido. Por fim, concluímos que a organização dos espaços para e com a criança possibilita que a interação e a brincadeira contribuam de modo qualitativo ao seu desenvolvimento, considerando o que ela já sabe e desafiando-a a partir da inserção de novos elementos em sua brincadeira contribuindo ainda para a aprendizagem. E como sugestões para pesquisas futuras, ficam alguns questionamentos: como se dá o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças entre 5 e 6 anos em relação aos documentos oficiais brasileiros da educação? As relações de gênero representam outros modos de vivenciar a infância? Como as tecnologias podem se fazer presentes na vida das crianças de comunidade? Como se dá a relação ente as famílias e o contexto de educação infantil? 46 REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Kátia Adair. O Espaço da creche: que lugar é esse? UFSC, Florianópolis, 2003. Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/t073.pdf. Acesso em: 06 mar. 2019. ALVES, Zélia Mana Mendes Biasoli; SILVA, Maria Helena G. F. Dias da. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma proposta. Ribeirão Preto, 1992. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/29512/S0103863X19920002000 07.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 31 maio 2019. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981 BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Organização do Espaço e do Tempo na Educação Infantil. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis E. (org). Educação Infantil: Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. BARBOZA, Letícia; VOLPINI, Maria Neli. O faz de conta: simbólico, representativo ou imaginário. São Paulo: 2015. Disponível em: http://unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/cadernodeeducacao/sumario/35/06042 015200208.pdf. Acesso em: 21 maio 2019. BARROS, Flávia Cristina Oliveira Murbach de. Cadê o brincar? da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. Disponível em: http://books.scielo.org/id/bdcnk/pdf/barros-9788579830235.pdf. Acesso em: 03 out. 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República; Casa Civil; Subchefia para assuntos jurídicos, 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado federal. 1990. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/534718/eca_1ed.pdf?sequence =1. Acesso em: 10 mar. 2019 BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília, DF: Presidência da República; Casa Civil; Subchefia para assuntos jurídicos, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 10 mar. de 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2013. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes- educacao-basica-2013-pdf/file Acesso em: 17 out. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez- site.pdf. Acesso em: 21 jun. 2018. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/534718/eca_1ed.pdf?sequence=1 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/534718/eca_1ed.pdf?sequence=1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm 47 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010. Disponível em: http://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curriculares-para-a-E-I.pdf Acesso em: 03 out. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_infraestr.pdf.
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