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Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 160 O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais COTRIM, Marcelo Souza30 RESUMO Este estudo tem como objetivo trazer à tona a discussão do processo da extensão rural cooperativa no Estado do Rio Grande do Sul e analisar a utilização do enfoque sistêmico como metodologia de trabalho neste contexto. Para alcançar este objetivo, contextualizou-se o processo da extensão rural realizada pela Ascar/Emater no Estado e o atual cenário existente no âmbito das políticas públicas implementadas pelo Governo do Estado. Nas conclusões do estudo, foi possível observar que o enfoque sistêmico contribui para auxiliar no agrupamento e caracterização dos sistemas cooperativos rurais, principalmente na definição de “tipos” prioritários para o trabalho da extensão rural cooperativa pública. Palavras-chave: Extensão rural cooperativa. Enfoque sistêmico. Políticas públicas. ABSTRACT This study aims to bring out the discussion of the process of cooperative extension in the state of Rio Grande do Sul and to analyze the use of Systemic Focus as a working method in this context. In order to achieve this goal, it was contextualized the process of rural extension conducted by Ascar/Emater in the state and the current existing scenario in the context of public policies implemented by the State Government. In the conclusions of the study, it was observed that the systemic approach helps to assist in the grouping and characterization of rural cooperative systems, especially in the definition of priority "types" to the work of the public and rural cooperative extension service. Key Words: Cooperative extension. Systemic approach. Public policies. 1 INTRODUÇÃO Este artigo busca aprofundar a discussão acerca do tema do cooperativismo rural, mais precisamente sobre a questão da extensão rural cooperativa no Estado do Rio Grande do Sul. Este tema volta a ter uma grande relevância a partir de 2011, com a implantação, pelo Governo Estado, do Programa de Extensão Cooperativa 30 Engenheiro Agrônomo Formado pela UFRGS e Mestre em Desenvolvimento Rural formado pelo PGDR/UFRGS. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 161 (PEC), executado pelo Departamento de Cooperativismo da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) e implementado pelas Unidades de Cooperativismo (UCP) da Ascar/Emater-RS. Nesta perspectiva, o processo de extensão rural cooperativa busca se consolidar dentro do universo da extensão rural, procurando agregar ferramentas para o seu trabalho, como as desenvolvidas a partir do enfoque sistêmico. 2 O PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL E SUAS INTERFACES COM O COOPERATIVISMO RURAL Pode-se afirmar que a extensão rural teve início no Brasil a partir de 1948, no Estado de Minas Gerais, onde foi iniciado um trabalho que visava à melhoria da qualidade de vida de pequenos agricultores através do aumento da produção e produtividade de seus cultivos e criações. A metodologia de trabalho e planejamento das atividades foi buscada no sistema Norte Americano de extensão baseado no método Farm and Home Administration (FHA). Este método buscava formar um plano de “melhoramento produtivo” para a unidade de produção familiar, e implantar este plano com a concessão de crédito supervisionado. Seguindo este formato, emerge no Rio Grande do Sul, em 1955, a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (ASCAR), com a missão de trabalhar para o “desenvolvimento da agricultura e o bem-estar das populações rurais [...]”. Cabe salientar que a extensão rural surge no País e no Estado no formato de associação, portanto, sem fins lucrativos, e em sua missão fundamental está a busca pela melhoria da qualidade de vida das famílias assistidas, prevista no Art. 2º do seu Estatuto. (EMATER, 2005). A importância de se trazer ao texto estes dados históricos sobre a implementação do processo de extensão rural no Estado se deve à consonância entre os temas trabalhados que, de certa forma, fortaleceram-se em nossa sociedade por buscarem objetivos em comum, ou seja, o fortalecimento da agricultura familiar. Para aclarar esta afirmação, pode-se buscar alguns dados sobre o cooperativismo rural e também sobre sua formação. O cooperativismo no Rio Grande do Sul tem como seu marco histórico a formação, em 1902, da primeira cooperativa de crédito, na cidade de Nova Petrópolis, pelo Padre Amstad. A partir da formação deste modelo, começaram a nascer diversas Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 162 cooperativas agrícolas que alavancaram o processo cooperativo no Brasil e que, até a atualidade, representam a maior parte do sistema cooperativo do País, numericamente falando, e na sua representação na balança comercial nacional. Segundo dados de 2010 da OCB, as cooperativas do ramo agropecuário representam 23% do total de cooperativas no País, e nelas estão trabalhando 49% das pessoas empregadas em cooperativas. Ainda segundo dados compilados pela OCB e com dados do censo agropecuário do IBGE de 1996, do total de associados em cooperativas agropecuárias, 67,3% são pequenos agricultores que possuem propriedades de até 50 ha. É desta forma que se pode afirmar que o público rural que participa nas cooperativas rurais do ramo agropecuário é, em grande parte, formado pelos agricultores assistidos pela extensão rural continuada do Estado, representada, no RS, pela Ascar-Emater/RS. Esta estreita relação entre as cooperativas agropecuárias e a extensão rural pública oferecida pelo estado possui diversos momentos de ações mais integradas e outros momentos de ações não tão integradas, e isso devido, principalmente, ao “pano de fundo” histórico/político do desenvolvimento de nossa sociedade. Pode-se salientar a fase do “difusionismo/produtivismo”, que ocorreu no Brasil, dentro do conceito da “Revolução Verde”, difundida pelo modelo norte- americano, que pregou muito em seus preceitos a competição e o individualismo, o que gerou um grande processo de exclusão no campo e uma extensão rural ligada apenas às “novas” técnicas produtivas que precisavam ser difundidas. Em contraponto ao cenário exposto, atualmente vive-se um momento de estreita relação entre o cooperativismo rural e a extensão rural, principalmente, como já relatado, com o programa de extensão cooperativa, processo este que precisa ser incorporado pela extensão rural. 3 O (RE)INÍCIO DO PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL COOPERATIVA NO RS: O PROGRAMA DE EXTENSÃO COOPERATIVA E A IMPLANTAÇÃO DAS UNIDADES DE COOPERATIVISMO DA ASCAR/EMATER A partir do contexto trabalhado no item anterior, pode-se afirmar que nos 58 anos de extensão rural realizada pela Ascar/Emater no Estado também o tema do associativismo e cooperativismo sempre esteve presente no seu trabalho Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 163 desenvolvido nas diversas regiões do RS. No entanto, o que se pode observar é que grande parte do trabalho realizado pelos extensionistas neste processo estava muito focado na organização social para formação das associações e cooperativas e na parte da organização produtiva, muito ligada ao itinerário técnico/produtivo dos sistemas de produçãodos agricultores associados. Entretanto, os processos internos inerentes às cooperativas, como a gestão administrativa, contábil, logística comercial, entre outros, não eram foco do trabalho de extensão rural. A partir do ano de 2011, com a criação do Programa de Extensão Cooperativa (PEC) pelo governo do Estado, é que o tema dos processos internos das cooperativas começou a ser discutido sob a ótica da extensão rural. Assim sendo, foi formado um grupo de trabalho com representantes da Ascar/Emater e da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), para a construção de um modelo de equipe de trabalho e, também, para pensar qual metodologia de trabalho utilizar. Neste contexto, este grupo de trabalho da extensão cooperativa iniciou com duas ideias centrais. A primeira, foi formar equipes multidisciplinares que suprissem as lacunas historicamente observadas no trabalho de extensão junto às cooperativas, ou seja, extensionistas com formação em áreas como a administração, sociologia, contabilidade, economia, desenvolvimento rural e agronomia. A segunda, foi utilizar a metodologia trabalhada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), chamada MAT-Gestão. Abaixo, apresentamos um box com as premissas desta metodologia: Quadro 13 - Box com as informações da metodologia MAT-Gestão BOX O1 – Informações sobre a Metodologia de Assistência Técnica em Organização, Gestão, Produção e Comercialização para empreendimentos da Agricultura Familiar – MAT-Gestão. - O que pretende a MAT-Gestão? Contribuir com o preenchimento de uma lacuna persistente de conhecimento e capacidade técnica em empreendimentos da Agricultura Familiar, nos campos da gestão administrativa e social, da produção e da comercialização. - O que é o projeto MAT-Gestão? É uma iniciativa da SAF/DGRAV de dispor uma metodologia singular e com uma abordagem multidisciplinar, que permita a identificação e resolução de problemas técnico-gerenciais e tecnológicos, para incrementar a competitividade e promover a cultura de sustentabilidade social e econômica nos empreendimentos da Agricultura Familiar. A MAT está vocacionada para empreendimentos coletivos formalizados ou em processo avançado de formalização. - Qual a sua origem? O projeto é inspirado na metodologia PEIEX desenvolvida no âmbito do Projeto de Extensão Industrial Exportadora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), originalmente dirigida ao setor de micro e pequenas empresas urbanas, baseadas em Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 164 um só produto. O desafio assumido pelo DGRAV foi o de adaptar as ferramentas do PEIEX, para construir uma metodologia apropriada ao contexto de empreendimento da Agricultura Familiar, respeitando suas particularidades e sua diversidade produtiva. É desse desafio que resulta a Metodologia de Assistência Técnica em Organização, Gestão, Produção e Comercialização para empreendimentos da Agricultura Familiar – MAT-Gestão. Ela representa um esforço do DGRAV para dispor ferramentas que permitam identificar e enfrentar com eficiência os principais problemas apresentados pelos empreendimentos da agricultura familiar e que residem nos campos da organização social, da gestão administrativa, da produção e da comercialização. - Quais os seus principais objetivos? · Fortalecer o associativismo e o desenvolvimento institucional de empreendimentos da Agricultura Familiar; · Ampliar o acesso a produtos e serviços de apoio disponíveis nas instituições de governo e setor privado; · Introduzir melhorias técnico-gerenciais e tecnológicas nos empreendimentos; · Incrementar o desempenho dos empreendimentos; · Contribuir para a elevação dos níveis de emprego e renda; · Promover a capacitação para a inovação; · Promover o protagonismo dos empreendedores familiares na interação entre os empreendimentos e instituição de apoio e cooperação. - Quais são as vantagens da MAT-Gestão? A MAT-Gestão tem a vantagem de ser uma metodologia com enfoque multidisciplinar, de aplicação rápida e de baixo custo relativo: compreende basicamente uma equipe técnica multidisciplinar para - e com os empreendimentos - elaborar um diagnóstico e um plano de desenvolvimento, bem como identificar oportunidades para a implementação deste plano e criar instrumentos para acompanhar seus resultados. Além disso, o próprio processo de implementação da MAT compreende esforços para o fortalecimento associativo e institucional dos empreendimentos, promovendo a difusão e o acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural. Isto acontece na medida em que, durante a sua implementação, já podem ser removidos alguns empecilhos ao acesso a programas e políticas públicas e solucionados problemas que estejam no escopo das capacidades da equipe de técnicos e que sejam passíveis de soluções simples e pontuais. - A MAT-Gestão passo-a-passo: A MAT-Gestão prevê, basicamente, os seguintes passos: a) Realização de diagnósticos, considerando diversas áreas funcionais, tais como, Administração Organizacional, Recursos Humanos, Finanças e Custos, Vendas e Marketing, Comércio Exterior e Produção e Manufatura. Estas áreas poderão ser consideradas parcialmente ou na sua totalidade; b) Elaboração da Matriz de Identificação Estratégica (MIEs) – instrumento capaz de demonstrar a situação das áreas funcionais do empreendimento, de modo a orientar a tomada de decisões e a ação dos gestores do empreendimento; c) Planos de Aprimoramento, com base na interpretação das MIEs e dos potenciais e/ou oportunidades verificadas; d) Difusão, junto aos empreendimentos, das principais políticas públicas para desenvolvimento rural, promovidas pelo MDA; e) Resolução de problemas pontuais detectados nos empreendimentos assistidos, e no escopo das especializações da equipe técnica do projeto; f) Estímulo ao associativismo e aos processos de gestão coletiva e seu aprimoramento; g) Implantação de soluções de conjunto, orientadas pelos Planos de Desenvolvimento; h) Monitoramento e avaliação – ação transversal a todos os demais passos, vai do planejamento à avaliação final da implementação da MAT. Fonte: Brasil (2013). Com a definição de que as ferramentas que balizariam o trabalho de extensão rural cooperativa seriam a da MAT-Gestão, passou-se para a implementação das Unidades de Cooperativismo (UCPs) dentro da estrutura da Ascar/Emater. Assim Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 165 sendo, brevemente, será apresentada a forma de organização da Ascar/Emater no Estado. A partir de 2013, a Ascar/Emater passou a possuir 12 escritórios regionais no Estado, os quais estão sediados nos municípios de Bagé, Caxias do Sul, Erechim, Frederico Westphalen, Ijuí, Lajeado, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa Maria, Santa Rosa e Soledade. Neste contexto, para contemplar uma ação estruturada das Unidades de Cooperativismo, foram implementadas cinco unidades nos municípios de Erechim, Frederico Westphalen, Ijuí, Pelotas e Santa Cruz do Sul. Posteriormente, também foram implementadas em Porto Alegre e Santa Rosa. Nesta leitura, pode-se observar que, com a exceção de Santa Cruz do Sul, as UCPs estão sediadas e trabalham em consonância com os escritórios regionais da Emater. No mapa abaixo são identificadas as regionais da Emater assistidas por cada UCP. Figura 1 - Unidades de cooperativismo da Emater/RS - ASCAR e COREDS - RS Fonte: ASCAR/EMATER-RS. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 166 Como sepode observar, cada unidade cobre uma grande área territorial do Estado, o que implica a necessidade de se ter um bom trabalho de planejamento e logística para a execução das atividades. Cabe salientar que o trabalho desenvolvido de extensão rural cooperativa na Ascar/Emater não é parte somente das UCPs. Mesmo sendo elas partes fundamentais deste processo, estruturalmente, no corpo técnico da Emater, são fundamentais os Gerentes Regionais, os Supervisores das microrregionais, os Assessores Técnicos Regionais, e, principalmente, os Extensionistas Rurais dos Escritórios Municipais da Emater. A importância de se ressaltar este fato está na relevância de se possuir um trabalho concatenado com todo o processo já desenvolvido de extensão rural e incluso na missão da Ascar/Emater. Retomando o que foi apresentado, observa-se que, com a implementação das 7 UCPs e a definição da utilização das ferramentas da MAT-Gestão, foi possível retomar, no Estado, o processo de extensão rural cooperativa, onde a adesão das cooperativas de agricultores rurais ao Programa de Extensão Cooperativa (PEC), do Governo do Estado, corroborou como sendo a porta de entrada para a efetivação do trabalho neste campo junto às cooperativas. Assim, passa-se agora ao que se pode chamar de “recorte espacial” do campo de atuação das UCPs, no mundo cooperativista, que é o nosso foco. O indicador que balizou este recorte inicialmente foi o fato de serem cooperativas rurais, formadas por agricultores familiares, e que, necessariamente, deveriam possuir DAP Jurídica31. Neste recorte utilizado para definir a área de atuação das UCPs, pode-se encontrar um grande número de cooperativas rurais, ficando, assim, ainda em aberto, a necessidade da utilização de outros indicadores que possibilitem a visualização mais precisa do campo de atuação da extensão rural cooperativa oferecida pelo Estado, já que esta possui um caráter público e visa atender os agricultores familiares rurais do Estado. Cabe salientar que a heterogeneidade de cooperativas não é negativa para o processo cooperativista, contudo, devido à impossibilidade de atendimento a 31 A DAP ou Declaração de Aptidão ao Pronaf é o documento emitido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário aos agricultores familiares que se enquadram na Lei Nº 11.326 para ter acesso aos benefícios concedidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Para uma cooperativa possuir uma DAP-Jurídica no mínimo 70% dos cooperados precisa possuir a DAP física. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 167 todo este público, colocou-se como proposta a utilização do enfoque sistêmico na definição do recorte do público assistido. 4 O ENFOQUE SISTÊMICO E SUAS INTERFACES COM O DESENVOLVIMENTO RURAL E COMO PODE AUXILIAR O PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL COOPERATIVA Através do que foi analisado até este ponto do estudo, foi possível observar que o processo de implementação da extensão rural cooperativa está intimamente ligado à criação do Programa de Extensão Cooperativa (PEC), pelo Governo do Estado, e pela incorporação deste processo pela Ascar/Emater, através, principalmente, da formação das Unidades de Cooperativismo (UCPs). Também foi observado que o principal indicador utilizado para a definição do “recorte espacial” de atuação da extensão rural cooperativa é que a cooperativa possua DAP Jurídica. Neste segmento serão apresentados alguns conceitos desenvolvidos a partir do enfoque sistêmico, conceitos estes que poderão oportunizar uma visão e compreensão mais global do processo cooperativista, e auxiliar na formação de indicadores para a construção dos balizadores do recorte trabalhado pela extensão rural cooperativa pública oferecida pelo Estado. 4.1 O ENFOQUE SISTÊMICO COMO MÉTODO PARA ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE EXTENSÃO COOPERATIVA O enfoque sistêmico permite visualizar a inter-relação e o processo de desenvolvimento de cada sistema, seja ele um estabelecimento agrícola ou uma cooperativa rural. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 168 Quadro - 14 Box com os conceitos da teoria sistêmica Box 2 – Aprofundando sobre O Conceito da Teoria Sistêmica Segundo essa teoria, analisar e explicitar um objeto complexo é, em primeiro lugar, delimitá-lo, [...], traçar uma fronteira entre esse objeto e o resto do mundo; em particular, distingui-lo dos outros objetos que, sendo da mesma natureza, são, ao mesmo tempo, diferentes o bastante para serem considerados como pertencentes a uma outra espécie do mesmo objeto; é, portanto, em última instância, classificar. Do mesmo modo, para diferenciar as múltiplas formas atuais [...] da agricultura, é necessário delimitar a sua distribuição geográfica e, portanto, classificá-las em tantas espécies (ou sistemas) quanto necessárias. Segundo a teoria sistêmica, analisar e explicitar um objeto é também estudar a sua dinâmica de evolução através do tempo e as relações que esse sistema mantém com o resto do mundo nos seus diferentes estágios de evolução. Para estudar a evolução no tempo das várias formas passadas da agricultura [...] é preciso classificá-las em etapas e espécies (ou sistemas) [...]. É assim que a classificação das espécies dos seres vivos (Linné) e a teoria da evolução (Darwin) pertencem ao método sistêmico. A teoria da pedogênesis e da diferenciação climática e zonal dos diferentes tipos de solos (Dokoutchaev, Duchaufour) e a teoria da formação e da diferenciação dos climas são também teorias sistêmicas. Por exemplo, a anatomia de um ser vivo superior é concebida como um sistema composto de subsistemas complementares: os sistemas ósseo, muscular, circulatório, respiratório, etc. Cada sistema se decompõe em órgãos, cada órgão em tecidos, cada tecido em células, etc. Enfim, considerar o funcionamento de um objeto como um todo é pensá-lo como uma combinação de funções complementares que asseguram a circulação interna de todos os fluxos (de matéria, de energia, de valor, etc.) e, no caso de um sistema aberto, é imaginá-lo como um conjunto de intercâmbios com o exterior. Por exemplo, o funcionamento de um ser vivo superior se decompõe em funções que são o produto da atividade de um ou de vários subsistemas ou órgãos, e que asseguram a renovação do organismo: funções digestivas, circulatórias, respiratórias, etc. Os historiadores, os geógrafos, os antropólogos, os economistas e os agrônomos, em número cada vez maior, utilizam, com sentido às vezes diferente, o termo sistema agrário. É esse o termo que temos utilizado para designar o conceito, ou seja, a ferramenta de reflexão que queremos construir para apreender, analisar, ordenar, classificar, compreender e explicitar a realidade complexa das múltiplas formas evolutivas da agricultura. Fonte: Mazoyer (1992-93). O texto de Mazoyer (1992-93), ao seu final, remete às formas de se ordenar a realidade agrária de um território, seja ele uma região ou um país, na ótica da abordagem sistêmica. Entretanto, este tipo de abordagem também pode compreender outras realidades, como as de comunidades rurais ou mesmo de cooperativas formadas nestes territórios. Para Dufumier (1996), a análise sistêmica baseia-se na aquisição progressiva de conhecimento, partindo do geral para o particular. Assim, o estudo começa com as relações que o objeto em estudo tem com o mundo, com o país onde está localizado, até chegar a níveis mais específicos (comunidades, unidades familiares rurais ou urbanas). Precisa-se observar, ainda, que na análise sistêmica não se busca apenas situar oobjeto de estudo no espaço, mas também no tempo. Deve-se buscar conhecer a relação do objeto de estudo com o passado, ou seja, sua importância Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 169 relacionada com os aspectos históricos. Com base no passado pode-se responder e/ou compreender melhor as relações/interações ambientais, culturais, sociais e econômicas, nos sistemas que são encontrados atualmente. Abaixo, são apresentados itens comparativos entre a visão analítica e a sistêmica. Quadro 15 - Comparativo entre a abordagem sistêmica e a abordagem analítica Abordagem Analítica Abordagem Sistêmica Somente o resultado conta O importante é o processo O objeto complexo é decomposto em elementos que devem ser isolados Articula e relaciona os elementos entre eles e com o todo Superioridade do especialista (processo de transmissão do conhecimento descendente) O especialista procura compreender e aprender O especialista acredita conhecer a melhor e mais apropriada solução Existem muitas soluções satisfatórias Construção de teorias e modelos fundamentados na matemática e que priorizam os aspectos quantitativos Construção de um modelo sabidamente redutor Validação pela prova experimental Validação pela eficácia e eficiência na transformação da realidade Disciplinaridade Interdisciplinaridade, Multidisciplinaridade Linearidade, Monorracionalidade, Monocritérios para a decisão Plurirracionalidade, Multicritérios para a decisão Independência entre os meios e os resultados Inter-relação entre os meios e os resultados O conhecimento é a descoberta daquilo preexistente O conhecimento é uma construção da realidade, atuação sobre a realidade Afastamento das contradições para que a realidade se aproxime do esquema construído Considera os conflitos e as contradições Fonte: Adaptado de Bonneviale et al. (1989, p. 40); Rosnay (1975, p. 98) (apud MIGUEL, 2009, p. 17). Contudo, deve-se ressaltar que a abordagem sistêmica não é contraditória à abordagem analítica, mas preza por inter-relacionar e criar campos de discussão entre as diversas áreas disciplinares. Portanto, com base no trabalho multidisciplinar e enfoque na abordagem sistêmica, tem-se subsídio e balizamento para a elaboração de um diagnóstico da área ou território de pesquisa, item que será abordado no próximo capítulo. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 170 5 MÉTODO DE PESQUISA EMPREGADO A seguir é apresentada a ferramenta central do enfoque sistêmico. 5.1 O DIAGNÓSTICO: UMA FERRAMENTA DE ANÁLISE Munidos da forma de abordagem que se pretende analisar a área de estudo, dentro de uma concepção multidisciplinar, é necessário, então, compreender a área de estudo. Sendo assim, propõe-se a elaboração de um diagnóstico da área de estudo. Mas o que é, e em que consiste concretamente um diagnóstico? Um diagnóstico nos traz uma “fotografia” da realidade de um sistema, que, segundo o recorte feito, pode ser uma cooperativa, uma comunidade ou um território (sistema social). Para a elaboração de um diagnóstico, alguns pressupostos são necessários. O primeiro pressuposto ao se iniciar um diagnóstico é definir os objetivos do trabalho. Com base nestes objetivos, deve-se definir claramente o recorte de estudo, ou seja, o universo social e geográfico com o qual se deseja trabalhar. Pode-se definir áreas prioritárias ou grupos prioritários, e é necessário responder se existe algum aspecto da realidade que se deseja particularmente enfocar. Também é preciso saber qual a delimitação da área de estudo: uma região, um município, um distrito, uma comunidade ou uma cooperativa. Essas definições vão depender da complexidade da realidade estudada e do foco que se deseja utilizar para a definição das estratégias e projetos de desenvolvimento. Por exemplo, na parte operacional, deve-se levar em conta fatores limitantes, como o tempo disponível e o tamanho da equipe. Portanto, se há pouco tempo ou se a equipe for muito pequena, isto acarretará em uma redução da área de estudo e diminuição da complexidade dos objetivos da pesquisa. Desta forma, é de suma importância levantar a seguinte questão: “Para se definir o objeto de estudo é necessário ter conhecimento prévio do local?” A resposta é sim, pois segundo o método baseado no enfoque sistêmico, tratado anteriormente, deve-se ter como base as etapas sucessivas do trabalho, iniciando pela obtenção de informações acerca da área de estudo. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 171 Com base na proposta desta pesquisa, o recorte do universo trabalhado será o das cooperativas de agricultores familiares assistidas pelas UCPs no Estado, totalizando um universo de 165 cooperativas, até o meio do ano de 2013. A seguir, são apresentadas as etapas propostas a partir do enfoque sistêmico na elaboração de diagnósticos. 5.2 ETAPAS PROPOSTAS PARA A ELABORAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DOS SISTEMAS NA DIFERENCIAÇÃO DAS COOPERATIVAS Neste item são apresentadas as etapas que são empregadas na implementação dos conceitos elaborados a partir do enfoque sistêmico. 5.2.1 Coleta e Tratamento dos Dados Secundários e Caracterização da Área de Estudo A aproximação inicial que temos com a região de estudo é obtida através da compilação e do tratamento de dados estatísticos, de mapas, de cartas topográficas e de documentos históricos existentes. Estes dados são obtidos por meio de fontes secundárias, ou seja, através de dados coletados e tratados por diversos órgãos ou instituições como Emater, FEE, IBGE, bibliotecas (publicações acerca da região), entre outras fontes. Com estes dados, pode-se começar a visualizar, de forma geral, algumas tendências e dinâmicas sociais, culturais, econômicas e agronômicas da região de estudo, com a finalidade de elaborar uma caracterização da área de estudo. 5.2.2 Leitura da Paisagem A etapa subsequente à aproximação da realidade da região é feita através da observação da paisagem desta região. Segundo Santos (1988), “Paisagem se refere a tudo que vemos, o que a vista alcança é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.”. Por meio da leitura da paisagem, pode-se levantar informações sobre a realidade local, que não se pôde obter através da restituição pelos dados Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 172 secundários, tais como: informações sobre as formas de exploração do ambiente e sobre as práticas agrícolas. Além disso, a leitura de paisagem permite ao pesquisador observar a distribuição dos diversos sistemas de produção pelo território da região de estudo, e, desta forma, formular hipóteses sobre as razões históricas da formação e distribuição destes sistemas. 5.2.3 O Resgate dos Fatos Históricos Ligados à Evolução da Sociedade, à Agricultura e à economia da Região de Estudo O resgate histórico da formação e ocupação da região de estudo nos possibilita compreender as transformações que ocorreram nas diversas áreas que formam a sociedade local como a das relações sociais, culturais, econômicas, agronômicas e ecológicas. Estes fatos históricos também são importantes para verificar hipóteses formuladas a partir da leitura da paisagem. Através do resgate histórico é possível observar momentosde “crise” que acabaram por criar uma ruptura dos sistemas produtivos da região e que mostram pistas da conformação atual dos sistemas implementados. 5.2.4 Tipologia dos Sistemas Implementados na Área de Estudo Através de dados obtidos pelas entrevistas com os “informantes-chave” e por fontes secundárias, pode-se observar a existência de diversos sistemas implementados nas regiões de estudo. Valendo-se de racionalidades sócio- econômicas-ambientais distintas, os agricultores fazem escolhas diferentes no que se refere à implantação de seus sistemas (cultivos, criações), às técnicas, às práticas agrícolas e econômicas que desenvolvem. É importante ressaltar que nem todos adotam o mesmo sistema e as mesmas formas de utilização do ecossistema. Convém, então, realizar uma análise mais detalhada, relacionando as condições ambientais e socioeconômicas e a evolução de cada “tipo” de sistema adotado. Pode-se partir do pressuposto que, apesar da diversidade de condições e de sistemas observados em uma região, é possível reunir, em categorias e em grupos, produtores ou cooperativas que apresentam condições socioeconômicas e adotam estratégias semelhantes, apesar das significativas diferenças existentes entre eles. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 173 A hipótese desse trabalho será a definição de categorias de cooperativas de agricultores, identificando, para cada uma delas, os indicadores dominantes. Cada “tipo de cooperativa” definida deverá corresponder a grupos sociais relativamente homogêneos, mas distintos dos demais grupos do ponto de vista da problemática do desenvolvimento rural em análise. 5.2.5 Caracterização dos Principais Sistemas Implementados pelas Cooperativas de Agricultores Familiares da Região de Estudo Nesta etapa, são descritos os principais sistemas encontrados na região estudada. No presente estudo, os tipos de cooperativas que estiverem dentro do escopo da pesquisa receberão uma atenção maior neste item. Para tanto, pretende- se, através de entrevistas com os coordenadores de três UCPs, obter informações sobre as cooperativas assistidas em cada região (produtivas, econômicas, ambientais, culturais, etc.), para a formulação de indicadores que possibilitem a organização das cooperativas dentro de intervalos na construção de uma tipologia de cooperativas. A construção de uma tipologia de cooperativa, seguindo a lógica sistêmica, pode possibilitar que sejam identificadas em cada região dinâmicas na organização social, produtiva e econômica das cooperativas, o que pode contribuir para o trabalho de extensão rural cooperativa. 6 UM EXERCÍCIO DE CONSTRUÇÃO DE TIPOLOGIAS EM SISTEMAS COOPERATIVOS Neste segmento do estudo, será realizado um esforço no intuito de definir indicadores que possibilitem a elaboração de tipologias de cooperativas rurais, dentro do universo assistido pela UCPs no Estado. Como forma de organização dos conteúdos e da dinâmica do trabalho, optou- se por enviar aos coordenadores das UCPs duas perguntas orientadoras, que possibilitassem a obtenção de uma gama grande de informações acerca das cooperativas assistidas. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 174 As perguntas enviadas foram: a) tendo como recorte de análise as cooperativas de agricultores familiares assistidas pela UCP de sua região, quais são as principais características que as diferenciam? b) utilizando estes indicadores/características, e tendo em mente que existem intervalos dentro de cada um destes indicadores, você acha que as cooperativas assistidas pela UCP de sua região poderiam ser “agrupadas em grupos”? Se for possível, quantos grupos/tipos de cooperativas existem em sua região, e do universo trabalhado pela UCP, qual é a porcentagem “média” de cooperativas em cada tipo? Estas perguntas foram respondidas pelas UCPs da regional Erechim, Frederico Westphalen e Porto Alegre. Através da análise e compilação das respostas foi possível obter os indicadores citados a seguir. 6.1 INDICADORES LEVANTADOS Forma de gestão – neste indicador foi possível identificar dois tipos de gestão financeira que são realizados pelas cooperativas assistidas. A primeira forma de estrutura de gestão é precária: o gestor é o próprio presidente ou membro do conselho de administração; não tem sistema de gerenciamento informatizado; os gestores, que são membros da direção, não são preparados para assumir função de gerenciamento de pessoa jurídica; não possui controles financeiros eficientes, e, na maior parte das vezes, não desenvolve planejamento estratégico nem operacional eficientes. A parte contábil é realizada por um escritório de contabilidade, que presta serviços, na maioria dos casos, para empresas privadas, sem conhecimento da contabilidade de cooperativas. O fluxo de repasse de documentos contábeis da cooperativa para o escritório de contabilidade é falho. Estes contadores geralmente não fornecem balancetes mensais, ou, se fornecem, estes são parciais. A segunda forma de gestão identificada se aproxima mais da forma empresarial, que possui contador próprio, apresenta sistemas de gestão informatizado e possui departamento financeiro com responsáveis pelos setores administrativos, de produção e de comercialização. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 175 Alimentos comercializados – neste indicador, foi possível identificar e agrupar em três tipos de cooperativas em função da escala de alimentos comercializados, assim como identificar se os alimentos passam por um processo de agroindustrialização ou não. O primeiro tipo comercializa, principalmente, hortifrutigranjeiros in natura para os programas de compra institucionais, principalmente o PNAE e PAA32. O processo de agroindustrialização ainda é inicial, e é maior no que se refere à produção de sucos integrais (principalmente de uva), alimentos pré-higienizados (aipim descascado e seleta de legumes) e panificação. O segundo tipo trabalha, principalmente, com a comercialização de leite in natura. As cooperativas ligadas à comercialização de leite in natura foram identificadas principalmente nas UCPs de Erechim e Frederico Westphalen, onde ainda há um grande número de agricultores familiares que desenvolvem em seus sistemas de produção a produção leiteira. O terceiro tipo identificado tem maior escala de produção, como leite in natura e/ou grãos (soja, milho, trigo), loja de comercialização de insumos e supermercado. Possui agroindustrialização (indústria de rações, laticínios, cerealistas), onde beneficia os alimentos para comercializar. Mercado comercial – neste indicador, foram identificados dois grupos prioritários. O primeiro é formado por cooperativas mais novas (na sua maioria, com menos de 7 anos de formação), e tem como mercado comercial prioritário os programas públicos de aquisição de alimentos (PAA e PNAE), além de eventuais mercados privados. O segundo grupo tem relação comercial com o mercado privado de alimentos in natura e beneficiados. São cooperativas com um tempo maior de formação, entre 10 e 20 anos de formação, e em sua estrutura de comercialização também trabalham com supermercado e agropecuárias para venda de insumos produtivos para associados e não associados. 32 PNAE é o Programa Nacional de Alimentação Escolar do Ministério da Educação, que traz a obrigatoriedade da compra de pelo menos 30% do recurso passado para as escolaspúblicas em alimentos produzidos pela agricultura familiar. O PAA é o Programa de Aquisição de Alimentos do Ministério do Desenvolvimento Social, que realiza compras diretas das cooperativas de agricultores familiares com DAP Jurídica. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 176 Quadro - Tipologia dos Sistemas Cooperativos UCPs Porto Alegre/Frederico Westphalen/Erechim Indicador Tipo Forma de Gestão Alimentos comercializados Mercado comercial Região identificada de atuação da UCP Cooperativas Familiares Mercado Institucional Realizada pela própria diretoria, não especializada. Auxílio de escritório contábil. Hortifrutigranjeiros in natura, mais diversificado. Processo de agroindustrialização inicial (panificação, alimentos pré- higienizados, sucos). Principal é o mercado institucional formado pelas Leis do PAA, PNAE e Compras Institucionais do Governo do Estado. Porto Alegre, Frederico Westphalen, Erechim. Cooperativas Familiares de produção de leite “in natura” Realizada pela própria diretoria, não especializada. Auxílio de escritório contábil. O principal alimento comercializado é o leite in natura, que é recolhido na forma de linha de leite para conseguir maior volume. O principal é para a indústria de laticínios e algumas possuem beneficiamento de parte do leite e faz venda direta. Frederico Westphalen, Erechim. Cooperativas Familiares Estrutura Empresarial Possui equipe contábil própria, administração setorizada, sistema empresarial. Laticínios, grãos (soja, milho, trigo), produtos não agrícolas, (supermercado, insumos produtivos). Mercado comercial privado em geral, local e regional. Frederico Westphalen, Erechim. Fonte: Elaborado pelo autor 7 CARACTERIZAÇÃO DOS TIPOS DE COOPERATIVAS IDENTIFICADAS Neste item, serão caracterizados os principais tipos de sistemas cooperativos identificados nas regiões de atuação das UCPs de Porto Alegre, Frederico Westphalen e Erechim. 7.1 TIPO 01 - COOPERATIVAS FAMILIARES MERCADO INSTITUCIONAL Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado nas três regiões estudadas. São cooperativas relativamente novas, com fundação em torno de 6-7 anos, e possuem em comum o seu foco comercial: os mercados institucionais (PAA, PNAE e Compras Institucionais do Governo do Estado). Também comercializam com o Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 177 mercado privado, mas em menor grau, e sua forma de gestão e administração é realizada pelos próprios agricultores que foram eleitos para a direção e conselhos. Desta forma, observa-se uma grande dificuldade na parte gerencial neste tipo de cooperativa. A parte contábil é realizada por um escritório contratado e que, normalmente, possui pouco conhecimento sobre os diferenciais contábeis relativos ao processo cooperativista, como o “ato cooperado” e as tributações. Os controles administrativos são realizados de forma geral, não há setorização, o que também causa dificuldades para o processo de gestão. Para atender as chamadas públicas, as cooperativas, aos poucos, passam a diversificar a sua base produtiva, e iniciam o processo de agroindustrialização de sua produção com a produção de sucos, higienização e processamento de alimentos in natura e panificação. São cooperativas com um número de cooperados que, na sua maioria, não ultrapassa os 300 associados, sendo, em geral, entre 20 e 100 cooperados. Pode-se observar que este tipo de cooperativa assistida pelas UCPs demonstram ter uma maior resposta em relação ao trabalho de extensão cooperativa e às ferramentas da MAT-Gestão. 7.2 TIPO 02 - COOPERATIVAS FAMILIARES DE PRODUÇÃO DE LEITE “IN NATURA” Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado, principalmente, na área de atuação das UCPs de Frederico Westphalen e Erechim. São cooperativas formadas por agricultores familiares que possuem como base dos seus sistemas de produção o leite. Como o sistema produtivo com base no leite é grande nestas regiões, observa-se que estas cooperativas têm um grande intervalo na sua idade de formação, que pode variar entre 2 anos e até mais de 20 anos. O foco principal destas cooperativas é a comercialização da produção de leite in natura, de forma cooperada, para alcançar maiores volumes e obter melhores preços de comercialização. Como no tipo 01, estas cooperativas também têm a gestão realizada pelos próprios agricultores que estão na direção e conselhos, e também utilizam os serviços de escritórios contábeis terceirizados. O mercado comercial principal são as indústrias de laticínios, e algumas já realizam o beneficiamento do leite. Visto as dificuldades de gestão que a direção e os conselhos enfrentam, pode- se observar que estas são cooperativas que também necessitam de auxílio da Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 178 extensão rural cooperativa realizada pelas UCPs em um processo continuado, para que possam desempenhar melhor as suas atividades. 7.3 TIPO 03 – COOPERATIVAS FAMILIARES COM ESTRUTURA EMPRESARIAL Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado principalmente na área de atuação das UCPs de Frederico Westphalen e Erechim. São cooperativas estruturadas com forma de gestão empresarial. A administração é setorizada e possui equipe contábil própria. Trabalham com a comercialização de leite e derivados, e de grãos em grande quantidade. Possuem, também, lojas, supermercados e agropecuárias ligadas à cooperativa. Pode-se observar que, neste sistema cooperativo, a aproximação com o sistema empresarial contribui para a gestão da cooperativa, mas tem como resultado indesejado um afastamento do agricultor cooperado na participação no processo de gestão. Observa-se, ainda, que no processo de extensão cooperativa realizada pelas UCPs, com suas ferramentas de gestão, estas possuem dificuldade em obter maiores resultados com este tipo de cooperativa, principalmente dada a forma empresarial capitalista que este tipo de gestão emprega. 8 ALGUMAS CONCLUSÕES Neste artigo, foi possível situar e contextualizar o processo de extensão rural cooperativa que está sendo desenvolvido no Estado através da Ascar/Emater na atualidade. Também foi possível identificar que o processo de extensão cooperativa e de extensão rural estão interligados, e que há um movimento de internalização da extensão cooperativa na missão da Ascar/Emater, que pode ser evidenciada através da formação das 7 Unidades de Cooperativismo. Foi visualizada também a importância, neste processo, das políticas públicas desenvolvidas pelo Governo Estadual, tendo como porta de entrada o Programa de Extensão Cooperativa (PEC). Além disso, foi evidenciada a participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA neste processo, principalmente pelas ferramentas oportunizadas pela MAT-Gestão. Na análise dos resultados obtidos a partir da utilização dos conceitos do enfoque sistêmico, foi possível construir, através de entrevistas com “informantes- Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 179 chave”, uma tipologia dos sistemas cooperativos, que são acompanhados pelas UCPs de Erechim, Frederico Westphalen e Porto Alegre. Neste exercício inicial, a “tipologia das cooperativas” contou com quatro indicadores que conseguiram agrupar cooperativas através da sua forma de gestão, do mercadocomercial em que estão inseridos, alimentos que comercializam e região onde são encontradas. Ressalta-se que a ideia central deste estudo, é a de analisar se há contribuição do enfoque sistêmico para o processo de extensão rural cooperativa. Nesta ótica, optou-se pela utilização dos indicadores que conseguiram melhor desempenho no que tange ao agrupamento de cooperativas quanto à dinâmica empregada pelas mesmas, sendo possível, em outros estudos, aprofundar a análise e a utilização de mais indicadores. Portanto, ao avaliar a utilização do enfoque sistêmico no processo desenvolvido pelas UCPs, observa-se que foi possível construir uma tipologia dos sistemas cooperativos implementados nas diversas regiões de atuação das UCPs, e, dentro da tipologia, evidenciar grupos prioritários a serem assistidos pela extensão cooperativa pública oferecida através da Ascar/Emater. Neste intuito, foi positiva a utilização da tipologia como forma de “visualização” da dinâmica utilizada pelos diferentes tipos de cooperativas, que, por sua vez, determinarão o trabalho a ser empregado pela UCP em cada tipo de cooperativa. A tipologia também possibilita que se possa definir tipos prioritários no processo de extensão rural cooperativa, dado o grande número de cooperativas rurais existentes e a capacidade das UCPs em assisti-las. Finalizando, conclui-se que há campo para a utilização do enfoque sistêmico no processo de extensão cooperativa desenvolvido pelas UCPs, principalmente na definição do recorte prioritário de ação e na caracterização e análise dos tipos de cooperativas dentro do espectro da atuação das UCPs. Este estudo inicial também oportuniza a elaboração de mais estudos sobre o tema dos Sistemas Cooperativos e a discussão sobre o processo de Extensão Rural Cooperativa. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. Uma nova extensão para a agricultura familiar. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL, 1997, Brasília, DF. Anais... Brasília: PNUD, 1997. 222 p. Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais 180 BAZIN, F. Diagnóstico da realidade agrária e propostos de desenvolvimento rural. Viamão-RS. Porto Alegre, Incra: FAO, 2000. BERTALANFFY, L. V. 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