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Mediação Arte Público Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Esp. Débora Rosa da Silva Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos O que é ler? 5 • O que é ler? • Leitura para além dos olhos • Revelando a imagem • Fundamentando a Ação Mediadora · Responder à pergunta inicial desta unidade: o que é ler? Este objetivo requer reconhecimento das próprias vivências como eixo estimulador de experiências e aprendizados. · Desenvolver percursos a partir da ação mediadora, experienciando-os em conjunto. · Refletir acerca de aprendizagem e dos compromissos como futuros professores/ educadores com o ensino de arte. · Conhecer e vivenciar proposições que promovam entendimento com a arte por meio da leitura de imagem. Caro(a) aluno(a), Para maior compreensão desta unidade, sugerimos que, a cada tema abordado, você visite os links indicados, e, a cada palavra nova que encontrar nas leituras, pesquise-a. Vamos fazer um glossário próprio, que será bem divertido, teremos a compreensão das palavras novas que, às vezes, tomam sentidos diferentes daqueles que conhecíamos ou imaginávamos. Outra dica é: ao ler toda unidade, faça anotações acerca de tudo que chame sua atenção, criando mapas e cartografias, anotações que podem ser vinculadas a desenhos, colagens, palavras chaves que formam imagens figurativas ou não, desenhos que façam sentido ao que formulou dos estudos, mesmo que só você entenda. Essas anotações são materiais de apoio e, por isso, precisam ser pensadas de forma que atendam às suas necessidades. Além disso, podem ser uma prática gostosa e boa para fixar conteúdos. Boa viagem por esta unidade! O que é ler? 6 Unidade: O que é ler? Contextualização O vídeo indicado no link abaixo é uma matéria de divulgação do programa de acessibilidade da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nele, poderemos nos aproximar um pouco da leitura por outros sentidos além da visão. O vídeo aborda bastante de nosso tema e propõe ampliações. Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=MnPaOSVQykg 7 O que é ler? Caro(a) aluno(a), Bem-vindo(a) a esta unidade! Nela, iremos percorrer caminhos já conhecidos e impregnados de vivências que guardamos na memória. Revivendo-as, iremos estabelecer conexões com nossos objetivos de aprendizagem desta unidade, saberes que irão nos possibilitar protagonizar ações mediadoras. Nossa pergunta inicial: o que é ler? Você algum dia já pensou sobre isso? É algo que fazemos mesmo antes de nosso nascimento. Enquanto estávamos na barriga de nossa mãe, já decifrávamos sons, toques, carinhos e luzes. Já demonstrávamos com movimentos as respostas a esses estímulos. Isso já era a leitura desses estímulos. Ainda bebês, já líamos o mundo à nossa volta. Os primeiros exercícios ainda na barriga nos prepararam para descobrirmos mais estímulos do lado de fora. Para interagirmos com eles, determinamos entendimentos, ainda que fossem sintomáticos. Demonstrávamos reconhecer, na barriga e aqui do lado de fora, a voz das pessoas que ouvíamos. O som que ouvíamos, agora está mais próximo, mais nítido. E, se éramos estimulados a diferentes sensações na barriga, agora, já as entendemos com mais potência, definindo preferências. Ler é uma maneira de identificar as coisas, decifrar códigos, entender gestos, reconhecer o já conhecido, são modos de compreender e decifrar códigos que nos colocam em interação com o mundo. Figura 1 – Candido Portinari. Denise com carneiro branco 1961 8 Unidade: O que é ler? Podemos afirmar que tudo pode ser lido. Mas de que maneiras? Há quantos modos de ler? Ler não é somente ler a palavra escrita, a representação gráfica de forma alfabética, mas sim como interpretamos, deciframos, compreendemos tudo que está à nossa volta. Quantos gostos podemos identificar para o mesmo fruto? Quantas intensidades de frio, podemos sentir numa noite de inverno? Quantos azuis, podemos enxergar num mesmo pedaço de céu? Isso tudo depende de diferentes situações e interpretações. Cada leitura é singular. Ler o mesmo livro ou situação mais de uma vez pode nos possibilitar diferentes formas de interpretá-lo e compreendê-lo. Quando lemos a expressão de um ente querido, que por algum motivo deixa sua face caída, olhos mareados, lábios serrados. Logo compreendemos que algo aconteceu. Ao longo de nossa vida vamos definindo códigos, signos que correlacionamos a significados. Por exemplo, a pomba branca, para alguns, é o símbolo da paz, o coração, do amor, a flor, do carinho etc. Entretanto, essas interpretações dependerão dos códigos culturais de determinado grupo social. Nossa reflexão à cerca da leitura, nos leva a crer que leitura pode ser o modo como deciframos, ou compreendemos algo. Como isso acontece? Quais sentidos despertamos em uma leitura? O gosto amargo de um fruto, a maciez do pelo do cachorro de estimação, a pele suave da pessoa amada, o som das ondas do mar, a saliva produzida com o cheiro do alimento que lembra dias felizes da infância etc. 9 Leitura para além dos olhos Todos os sentidos podem ser acionados em uma leitura. Nosso tato no escuro de nossa casa, em noite sem luar, pode nos orientar em que lugar exato da casa estamos. E com a privação de um ou mais sentidos, o que estiver ativo irá desenvolver dispositivos, maneiras com aquele sentido em ação esteja mais aguçado que antes, quando vivido em conjunto com os demais sentidos. Uma pessoa com deficiência visual lê principalmente pelo sentido do tato. A pessoa com deficiência auditiva lê principalmente pelo sentido da visão. O termo “ler”, nas artes visuais, é empréstimo do movimento literário de origem alemã e norte americana, chamado, na Alemanha, de Rezeptionästhetik e, no Brasil, de Recepção Estética, movimento que trouxe ideias a respeito da participação ativa do leitor. A obra literária só tem vida quando lida criticamente ou criativamente por alguém, ou seja, tudo depende da recepção estética do leitor. E “ler imagem” é um conceito que muito nos interessa, pois o ato de percorrer o olhar por todo o objeto, pessoa ou situação e ater-se aos detalhes, permitir-se possibilidades de conexões, interpretações e análises, pode ser transformador. Não há regra imposta indicando por onde se deve começar a percorrer esse olhar, mas geralmente os olhos correm para aquilo chama sua atenção, sempre a partir de suas vivências e experiências com a vida; portanto, não será previsível. Paulo Freire, que abordou a leitura também como interpretação e significação cultural, em “A importância do ato de ler”, no primeiro artigo com mesmo título, contextualiza a importância de escrever sobre o tema, a propósito de uma palestra, fala do papel político que estava intrínseco àquela ação, a de falar com seus pares, também professores. [...] buscando a compreensão do meu ato de “ler” o mundo particular em que me movia- e até onde não sou traído pela memória-, me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal intimidade entre nós- à sua sombra brincava em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores. A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço - o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto - em cuja percepção me experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber - se encarnavam numa série de coisas, de objetos,de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos pássaros. FREIRE, 1989, p.11 10 Unidade: O que é ler? Freire (1989, p.11), continua nesse artigo percorrendo sua “leitura de mundo”, descrevendo sua infância, sua compreensão das imagens, dos sons, dos cheiros, das expressões, dos gestos, dos gostos, das cores que compuseram sua infância. Período em que ainda não lia a palavra, mas já lia o mundo, que depois, constituiu-se na “palavramundo”. Incessantemente, lemos o tempo todo. E o professor/educador de arte leva consigo a responsabilidade de propiciar, propositar leituras, leituras baseadas no diálogo, na escuta, no afetar-se pelo outro, consciente de sua ação mediadora. O professor/educador pode e deve expressar suas opiniões, não deve impor suas opiniões a seus alunos/público. A palavra afetar-se é potente para nos localizar em sua imensidão. O termo da antropologia cabe sob medida nas relações de educação e podemos nos apropriar dele com mais conhecimento. Vejamos: em primeiro lugar, não se trata de afeto, afeição, afeiçoar-se e sim colocar-se no lugar do outro, consciente de que continuará sendo você, você vivenciando a realidade do outro; entretanto, ciente de que aquela realidade não é a sua, mas daquele que, embora na mesma realidade, possui diferentes pontos de vista. É possível que sejamos afetados por uma imagem? É possível experimentar estar no lugar daquele que você vê? Quantas vezes, diante da televisão você se emocionou com uma cena em que acreditou sentir o que a personagem vive? Tal reação pode acontecer no cinema, na dança, no teatro, durante a leitura de livro e principalmente na vida cotidiana. O noticiário, por sabermos se tratar da vida real, afeta-nos de forma ainda mais acentuada. E o professor/educador que atuar afetado por sua turma constituirá em si parte dos princípios necessários considerar-se um professor/educador propositor. Figura 2 – Georgina de Albuquerque no cafezal (1930). Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo 11 Vamos ler a imagem dessa pintura! Se, ler é a ação de percorrer o olhar, tatear, ouvir, cheirar, em alguns casos, degustar o objeto, pessoa ou situação, e ater-se aos detalhes, permitir-se a possibilidade de conexões, interpretações e análises, tal experiência pode ser transformadora. Vamos ver o que isso pode significar? Olhe atentamente a figura. Podemos notar pelas roupas que são mulheres na maioria, o que hoje não pode ser considerado como óbvio pela calça, mas, na época, era raro mulheres usarem calças. Desse modo, podemos concluir que há um homem. Concorda? E as expressões? Dá para definir os traços dos rostos? Estão todos trabalhando? Qual é o instrumento de trabalho em suas mãos? E observando um pouco mais, dá para perceber as sombras? Veja os chapéus. Há luz do sol sobre as pessoas representadas nesta imagem? A artista nos dá caminhos para nos aproximarmos dessa pintura, o título é um deles. Não é sempre que os artistas fazem isso, pois, muitas vezes, optam por deixar sem título. O título é “No cafezal”, datado 1930. O título e a data indicam algum caminho para que possamos nos aproximar da poética da artista? O sobre plantações de café? De minha parte, tudo que sei é imaginado. E você, o que sabe a respeito? E o ano? Possibilita alguma conexão? Figura 3 – Jornal de 24 outubro de 1930 12 Unidade: O que é ler? Conhece alguém que tenha vivido nessa época? Minha mãe e meu pai nasceram em 1930, e minha vó contava que trabalhava na roça, junto com seu marido, meu avô. Contava que saía cedinho para a lida e só voltava quando o sol caía. A partir dos detalhes, podemos fazer as relações, quantas forem possíveis, desdobrando assuntos. E a obra vai tomando corpo além da matéria que é feita, vai tomando sentido em quem a lê. Para alguns, no que se refere a café, logo surge o cheiro de seu aroma, aroma que os leva a alguma situação que os desloca para longe... Temos outros elementos que compõe a imagem. Quais são elas? E os gestos acontecendo num só tempo? Parece que a artista congelou a cena, como fazemos com a fotografia. Sempre queremos congelar as cenas do dia a dia. Não é mesmo? Será que é motivação para o artista, trazer um pouco de suas cenas diárias? Muitas vezes, outras vivências parecem ser nossas, muitas vezes somos pegos por produções artísticas que traduzem sentimentos, perspectivas, conceitos políticos e afetivos. E na música? Já percebeu como acontece parecido? Quando ouvimos uma canção, seu som parece que é algo que queria falar ou como já estivesse ouvido antes, parece que já existia em você. Certas Canções “Certas canções que ouço Cabem tão dentro de mim Que perguntar carece Como não fui eu que fiz? Certa emoção me alcança Corta-me a alma sem dor Certas canções me chegam Como se fosse o amor Contos da água e do fogo Cacos de vidas no chão Cartas do sonho do povo E o coração pro cantor Vida e mais vida ou ferida Chuva, outono, ou mar Carvão e giz, abrigo Gesto molhado no olhar Calor que invade, arde, queima, encoraja, Amor que invade, arde, carece de cantar. Milton Nascimento – Certas canções: https://www.youtube.com/watch?v=Sh8nugfFRlc 13 Milton Nascimento (1942) traduz de forma surpreendente essa sensação. Entretanto, para que a ação mediadora aconteça de forma coerente com os propósitos pedagógicos, baseados no planejamento efetivo da instituição educativa. E, para que saibamos agir de forma coerente, presente e didática, é preciso que o professor/educador se instrumentalize, forme-se com base nas referências bibliográficas, pois elas são nossas parceiras em todo processo de construção da arte e educação. Há professores e educadores que dedicaram sua vida em registrar suas experiências e formalizar em pesquisas acadêmicas que confluem entre a prática e a pesquisa. O professor/educador em formação deve buscar vivências que possibilitem aprimoramentos pedagógicos e específicos em arte e educação. Por isso, caro(a) aluno(a), nossa formação é para toda vida, porque nossa matéria de pesquisa é a arte, e arte é vida. Lidar com matérias tão delicadas como vida e arte requer articulação com possibilidades e métodos que nos auxiliem durante uma leitura de imagem a traçar um caminho, um roteiro, um fio condutor que não nos deixe perder da atenção com o público, mas sim que saibamos ampliar seus olhares. Emocionar-se, sensibilizar-se, tocar-se, afetar-se pela emoção do outro faz parte das relações educativas, mas o professor/educador instrumentalizado por metodologias de abordagens em mediação estará ainda mais consciente de seus objetivos pedagógicos. A ação mediadora é composta pelo diálogo, o diálogo é deflagrado pela interpretação que cada um faz sobre determinada coisa, na qual a crítica incide em apontamentos de pontos de vista e que depende da análise que cada um faz dos fatos, para estruturar as bases de um bom diálogo. Toda leitura pode ter muitas interpretações, muitos pontos de vista para a mesma imagem e não poderá ser considerada certa ou errada. 14 Unidade: O que é ler? Revelando a imagem Figura 4 – Damien Hirst, O destino do homem e Nova religião – 2005, Inglaterra Vamos nos aproximar desta obra! Inicialmente por um texto crítico, publicado para divulgação do artista. Vamos também lê-lo criticamente e buscarmos perceber quais os focos que o critico institucional aborda. O texto aborda o que lhe interessa nesta obra? Os termos utilizados, convidam a entendermos? Este trecho é uma contextualização geral sobre o artista. Damien Hirst nasceu em 1965, Bristol, Inglaterra. Vive e trabalha em Londres. Pílulas, restos de cigarro, animais mortos, caveiras e texturas que imitam pele são manipulados de forma que possam se inserir em estruturas visuais sofisticadas. Tudo para Damien Hirst pode se tornar linguagem no campoda arte, desde que incorpore, discuta e provoque as estruturas sociais, políticas, culturais e mesmo psicológicas do homem. Os procedimentos artísticos de Hirst esgarçam as fronteiras que poderiam existir entre arte, objetos de consumo e mídia. O artista se apropria de elementos variados e elabora um panorama profundo e crítico sobre os dramas da vida contemporânea, provocando o espectador e exibindo uma criação artística em diálogo com o cotidiano. 15 Sobre a obra The fate of man (2005) De Hamlet a Andy Warhol, de tatuagens a desenhos animados e estampas de camiseta, a caveira sempre foi utilizada como representação de nossa mortalidade. Hirst apropria-se desse símbolo da iconografia cristã, afastando o significado da promessa de vida eterna e questionando nossa percepção sobre a realidade, a vida e como usamos o tempo, que é tão volátil. É a celebração da passagem do tempo como uma contagem regressiva até a sua consequência inevitável: a morte. Fonte: http://emnomedosartistas.tumblr.com/post/7539261838 A contextualização feita por críticos ou jornalistas da instituição, fala da trajetória do artista, uma proposição de aproximação com sua produção geral, nos conta sobre outras obras e de seu interesse por determinada materialidade. Da imagem da foto da obra, o crítico apresenta considerações pessoais, que não podem ser consideradas verdades absolutas. Vamos compor nossas considerações? Você percorreu o olhar por toda a representação da obra? É realmente um crânio! É um crânio revestido por um banho de prata. Observe os detalhes, veja a dentição. Há dois títulos:“O destino do homem” e “Nova religião”, de 2005. Estamos, agora, lendo uma obra recente, já éramos nascidos e crescidos. Falamos de uma obra de “nosso tempo”. Faz sentido esse título para nosso tempo? É pertinente com as questões deste período? Quando olhou a dentição, percebeu algum detalhe que chamasse sua atenção? Há dentes ainda por nascer, percebeu? Quantos anos você imagina que este crânio em vida teria? Os símbolos e seus significados, para cada cultura, dariam um caminho de reflexão sobre temas como vida e morte. Questões caras à humanidade. E o artista, em sua produção, tem toda a liberdade de abordar. Por isso que, para muitos, o melhor lugar é o da arte para refletir sobre conceitos tão polêmicos. Imagine-se em um grupo de aproximadamente vinte pessoas, no qual você é o professor/ educador mediador dessa obra. Como abordaria os temas que crescem em sua cabeça neste momento? O que significaria abarcar interpretação, análise e crítica nesta conversa? Quando falamos em aprender a ler a significação das coisas do mundo, do ato que fazemos desde o ventre de nossa mãe, a arte vem e suspende. Essa leitura do inesperado, do imponderável. Daquilo que não poderemos mensurar, de cada sujeito surgirá uma medida, um peso, um significado. Individualmente, faremos uma análise crítica a partir de nossas interpretações. 16 Unidade: O que é ler? Fundamentando a Ação Mediadora Há uma tese de doutorado, em Harvard University, de 1983, nos Estados Unidos, que foi amplamente divulgada e acessada pelos profissionais brasileiros da área de arte e educação. Pesquisa defendida por Abigail Housen sobre estágios de desenvolvimento estético. Glossário Estética (do grego αισθητική ou aisthésis: percepção, sensação, sensibilidade) é um ramo da filosofia que tem por objetivo o estudo da natureza da beleza e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado beleza, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como: as diferentes formas de arte e da técnica artística; a ideia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Est%C3%A9tica A pesquisa é dividida em cinco estágios, características de leitores, de acordo com Maria Helena Wagner Rossi (input A educação do olhar no ensino das artes, org. Analice Dutra Pillar, Abigail Housen), envolveu 200 entrevistados. E os enquadrou em cinco estágios de desenvolvimento estéticos. São eles: � Descritivo: considerado estágio das pessoas que pouco se relacionam com as obras, suas descobertas são narradas por eles mesmos, descrevendo ou narrando o que veem. � Construtivo: este estágio amplia-se para as questões construtivas, como é feito e do que é feito, quer saber da complexidade construtiva e suas relações, identifica como obra quanto função e percebe os detalhes mínimos. � Classificativo: uma relação com a obra a partir de classificar elementos, cores, linhas, forma. Entretanto, busca relações com os significados simbólicos, decodificando significados para cada coisa observada, fazendo relações com suas experiências. � Interpretativo: neste estágio, o aspecto afetivo ganha mais espaço durante a leitura estética, a interpretação é totalmente conectada às emoções, as conclusões são baseadas a partir de sentimentos. � Recriativo: considerado estágio daquele que tem conhecimento sobre arte e suas técnicas, recria o problema construtivo e apresenta as soluções técnicas e estéticas da obra. A emoção é equilibrada com a razão. 17 Essas são abordagens de um projeto de pesquisa muito amplo e complexo. Aqui, estamos nos aproximando das muitas formas de relacionar os estudos e com as práticas, que ampliam a visão para a ação mediadora. Observada a partir de diferentes práticas em ações educativas em museus, espaços expositivos e formação de professores, é unânime a ideia da importância dessa pesquisa para auxiliar o professor/educador identificar seu público em cada momento da mediação. Identificar é perceber os diferentes caminhos de acesso que pode aproximar do grupo e perceber cada integrante dele com sua singularidade. Diferentes experiências de ações mediadoras em ambientes escolares e museológicos contam que toda pessoa pode mudar de estágio, e mais, que a grandiosidade desse estudo permite que o professor/educador perceba seu público, compreenda como estimular cada um, pois, por conseguir identificar caminhos para acessá-los, consegue propor diferentes formas de olhar. Figura 5 – El Hadji Sy – Arqueologia marinha, 2004 Dakar – Senegal Baseados na pesquisa de Abigail Housen, vamos imaginar como cada estágio se relacionaria com essa imagem. 18 Unidade: O que é ler? � Descritivo: “Estou vendo, não tenho certeza, parece um pano na cor azul com desenhos feitos com corda.” “Passa uma pessoa atrás.” “São pessoas, estão muito próximas uma das outras.” “Nem abrem os braços de tão apertado.” � Construtivo: “Esse pano parece que é meio perolado, plastificado.” “Como foi pendurado?” “Devem ser parafusos com buchas fixos na laje, fixados com furadeira de alta pressão.” “Deve ter dado muito trabalho, envolvido muitas pessoas.” � Classificativo: “Estas cordas com formas de contornos de corpos sobre este pano azul, que parece representar água.” “Porque o azul representa o elemento água.” “É arte contemporânea, obras deste período ousam no suporte, porque é bem grande este tecido.” “Quando fui ver a exposição de um artista, também africano, vi uma obra...” � Interpretativo: “Quando olho esta imagem, me dá aflição, porque os corpos parecem que não se mexem.” “Entendo que o azul representa a água... E esses corpos?” “Se não se mexem, é porque...” “Não aparece o contorno dos braços, chego a ouvir o som do mar revolto.” “ Imagino que...” � Recriativo: “A partir deste grande tecido pendurado no teto, com este tom de azul, recriando um mar celeste, o artista ingressa com outro elemento a corda. O que pode significar corda em nossa cultura? É para prender, amarrar, imobilizar, pode ser um instrumento de poder. Com essa matéria ele fez formas como se fossem corpos, no mar.” Essas são algumas das possibilidades de como cada estágiopoderia comunicar-se com a obra de El Hadji Sy a partir do conceito trazido por Abigail Housen. Foi fácil identificar-se em algum estágio? Não importa qual estágio cada um se encontre para se aproximar de algo, pois cada um entende a seu modo o que vê. O papel do professor/ educador na ação mediadora é criar um ambiente propício ao diálogo, criar situações de aprendizagens disparadoras de descobertas, possibilidades de espaços inventivos e, acima de tudo, com espaço para o protagonismo de todos. 19 O professor/educador, em posse desses estudos, poderá articular, transitar por todos os estágios durante uma mediação, contextualizando após o grupo explorar todas as possibilidades de conversa com os elementos e dados da obra. Ele deve estar consciente de que a pesquisa contribui para que se invista no diálogo, para que todos experienciem aproximações com a obra por diferentes estágios, nunca se fixando em um só, sempre buscando articular com todos cinco estágios de desenvolvimento estético, entendendo-o como um dos instrumentos que auxilia a ação mediadora. Isso porque colabora com o professor/educador a organizar- se durante a ação mediadora, atentando para os detalhes que apresentará para instigar e provocar o olhar da turma. Segue parte da publicação a respeito dessa obra em ocasião a 31ª Bienal de São Paulo em 2014. Existem monumentos e espaços de tributo aos mortos de grandes tragédias da história da humanidade, mas pouca lembrança das vítimas de uma das maiores: os milhares de africanos escravizados que, arrastados para a viagem involuntária no Oceano Atlântico, não sobreviveram à travessia. Milhares desses corpos foram atirados ao mar, povoado de vítimas da escravidão. Será que se prestássemos atenção, poderíamos sentir suas memórias? É a partir dessa imagem mental que o artista senegalês El Hadji Sy criou a obra Arqueologia marinha. Um corredor em que o visitante se sente imerso, mergulhado no mar-cemitério, revela uma figura de um baobá – ou seriam os tentáculos de um polvo? – retendo os corpos estirados e desaparecidos (restam apenas as marcas dos pés) dessas vítimas. Como é comum em suas obras, o artista revela apenas um fragmento da história, um ponto de partida para a reflexão do público. Fonte: http://31bienal.falacultura.com/work/arqueologia-marinha Como professores/educadores de arte, o importante é termos em mente a diversidade que compõe o público. E quanto mais nos aprofundarmos nas diferentes práticas e procedimentos, mais seguros estaremos para nos afetarmos pelo outro, no sentido antropológico de nosso estudo, para assim estarmos à vontade na nossa ação mediadora. Caro(a) aluno(a), esta unidade foi muito proveitosa e esclarecedora. Você está convidado(a) para seguir adiante. Sua participação em nosso fórum é imprescindível para trocarmos ideias e problematizarmos a ação mediadora. Desse modo, quanto mais você participar, mais interessante será. Até a próxima! 20 Unidade: O que é ler? Material Complementar Vídeos: Há sugestões para leitura de imagem em movimento, uma aproxima-se do diálogo com a linguagem audiovisual. A primeira é da artista Cinthia Marcelle, que nos convida a pensar quantas diferentes formas podemos nos comunicar. E a segunda é a música de Milton Nascimento, citada no texto. Sua poesia nos convida a pensar nas produções artísticas que, as vezes, parecem expressar o que sentimos. 1. https://vimeo.com/16929948 2. https://www.youtube.com/watch?v=Sh8nugfFRlc Livros: Nesta unidade, percorremos um caminho ao encontro de nossas próprias experiências, de como aprendemos a ler um mundo ainda sem a palavra escrita, com a importante contribuição de Paulo Freire, indicado como parte de nossa leitura complementar: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_a_importancia_do_ato_de_ler.pdf Eis, também, um texto em pdf da autora Maria Helena Wagner Rossi, que nos trouxe a pesquisa de Abiagail Housen, sobre níveis de desenvolvimento estético: http://goo.gl/Dlk2ut Temos uma diversidade de possibilidades para nos aproximarmos desta unidade. Boa jornada! 21 Referências BARBOSA, A. M. T. B. Arte-Educação: Leituras no Subsolo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. BARBOSA, A. M. T. B.; COUTINHO, R. G. Arte/Educação Como Mediação Cultural e Social. v. 1. São Paulo: Unesp, 2009. DEWEY, J. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. PILLAR, A. D. (Org.). A Educação do Olhar no Ensino das Artes. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001. SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 2003. MARTINS. M.C; PICOSQUE. G. Medição cultural para professores andarilhos da cultura. São Paulo: Intermeios, 2008. FREIRE. P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2011. 22 Unidade: O que é ler? Fontes das imagens Fig 01 – wikiart.org Fig 02 – pinacoteca.org.br Fig 03 – Jornal do Brasil (24 de outubro de 1930) Fig 04 – damienhirst.com Fig 05 – El Hadji Sy/getinspired.com.br 23 Anotações